O SURREALISMO EM SALVADOR DALÍ, PABLO PICASSO E EUGENIO GRANELL Kétina Allen da Silva Timboni* Orientador responsável: Ruben Daniel Méndez Castiglioni RESUMO: No presente trabalho, abordaremos o conceito de surrealismo a partir do ponto vista de alguns artistas plásticos e escritores espanhóis. O Surrealismo foi um movimento iniciado em 1924 por André Breton, definido em seu Manifesto como “Automatismo psíquico puro por meio do qual propõe-se expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento.” Salvador Dalí declarou: “O surrealismo sou eu”, Pablo Picasso e Eugenio Granell também têm suas definições acerca do movimento. É, pois, sobre o conceito de surrealismo e a relação com as obras destes autores, que trata este trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Surrealismo, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Eugenio Granell RESUMEN: En este presente trabajo, abordaremos el concepto de surrealismo a partir del punto de vista de algunos artistas plásticos y escritores españoles. El Surrealismo fue un movimiento iniciado en 1924 por André Breton, definido en su Manifiesto como “Automatismo psíquico puro por cuyo medio se intenta expresar tanto verbalmente como por escrito o de cualquier otro modo el funcionamiento real del pensamiento.” Salvador Dalí declaró: “El surrealismo soy yo”, Pablo Picasso y Eugenio Granell también tienen sus definiciones acerca del movimiento. Y es, pues, sobre el concepto de surrealismo y la relación con las obras de los autores mencionados que trata este trabajo. PALABRAS-CLAVE: Surrealismo, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Eugenio Granell 1 O Surrealismo O movimento surrealista é visto muitas vezes como sinônimo de algo absurdo, irracional e relacionado à loucura. Inclusive, o próprio dicionário Aurélio nos define o adjetivo “surrealista”, como irreal, assombroso, inacreditável, fantástico, delirante, além daquela significação de costume: artista que se identifica com o projeto surrealista (CASTIGLIONI, 2008). Mas, afinal, o que é o surrealismo? Este trabalho aponta qual é a definição do Surrealismo a partir do que foi escrito pelo seu fundador André Breton no seu Manifesto, publicado em 1924; também passamos pelas definições de * Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq. E-mail: [email protected] surrealismo de alguns artistas que fizeram parte do grupo como é o caso dos escritores e artistas plásticos espanhóis Salvador Dalí, Pablo Picasso e Eugenio Granell. Para finalizar, traremos alguns conceitos dos teóricos mais atuais sobre sua visão a respeito do Surrealismo. O movimento surrealista surgiu na segunda década no século XX: era um período de tensão social, após a Europa ter sido abalada pela Primeira Guerra Mundial. O próprio idealizador do movimento Surrealista, André Breton, serviu na Guerra como médico e viu de perto a catástrofe humana e as conseqüências traumáticas que surgiram nos combatentes. Se a racionalidade extrema do século XIX, trouxe o caos para a civilização, o Surrealismo, então, propôs uma nova lógica de pensamento. O movimento Dadá idealizado pelo suíço Tristán Tzara já havia aberto caminho para este novo pensamento anti-racional, mas sua dissolução abriu um novo espaço para o Surrealismo que preconizou quatro postulados: a liberdade, a poesia, o amor e o maravilhoso. A liberdade no Surrealismo busca o desapego às regras sociais burguesas religião, família, trabalho. A poesia é o meio pelo qual a sociedade conquistaria a sua liberdade e seria capaz de mudar o mundo (PAZ, 1983, p.44). Já o amor, como o único “capaz de reconciliar todos os homens” (BRETON, 2001, p.147) naqueles tempos conflituosos diante de guerra. E o maravilhoso como a liberdade criadora de imaginar do homem, desapegada a qualquer regra social. A partir destes pressupostos, podemos ver que o surrealismo não se enquadra simplesmente como uma escola literária ou estética, mas é um grupo que quer atingir o espírito humano. Estes postulados citados estão no Manifesto Surrealista que foi publicado em 1924, mas sabemos que atualmente o significado de surrealismo ou sua variante, surreal, é rotineiramente lembrado como algo fora da realidade o que foge da lógica do mundo. Acrescentamos ainda a definição clássica de Breton, publicada no Primeiro Manifesto Surrealista a qual aponta que o surrealismo é Automatismo psíquico puro por meio do qual propõe-se expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo o controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral (BRETÓN, citado por Ponge, 1991). 2 Salvador Dalí Pintor e escritor catalão, Dalí entrou no grupo aproximadamente em 1929, depois de quatro anos após a publicação do Manifesto. Junto com o diretor de cinema Luis Buñuel, fez o filme O cão andaluz, sendo uma das obras que marcaram o movimento. Outra contribuição foi o seu método paranóico-crítico. Inspirado na escrita automática que consistia em escrever sem as travas do pensamento racional, trazendo ao máximo as ideias do inconsciente, o método de Dalí era a formulação de algum delírio, ou paranóia, e torná-la objetiva. Um exemplo desse método está no livro El mito trágico de “Angelus” de Millet, do próprio pintor, que, a partir de uma indagação gera uma série de delírios, baseados nos estudos psicanalíticos da época, que interpretam a cena da obra “Ângelus”, um quadro do francês Jean F. Millet pintado no século XIX. Mesmo após o desligamento do grupo surrealista, Salvador Dalí continuou produzindo seus quadros ditos como surrealistas. Também fez parte de vários projetos tanto no teatro, como na moda, na publicidade e até apareceu em programas de entretenimento da televisão norte-americana. Salvador Dalí se expôs ao público em quase todas as formas de mídia que era possível na época, levando o nome do surrealismo junto consigo, mesmo já não pertencendo mais ao grupo. Inclusive, quanto perguntado sobre o que era surrealismo, ele respondeu: “O surrealismo sou eu”. Inclusive, em seu livro Diário de um Gênio, Dalí afirma ser o único surrealista integral do grupo e, por ser excessivamente surrealista, foi expulso do grupo (DALÍ, 1983, p. 22-23). 3 Eugenio Granell Outro autor espanhol dedicado ao surrealismo é o artista plástico Eugenio Granell que nasceu em Corunha, na Galícia. Em 1935, durante um manifesto político de esquerda, Granell conhece a Pierre Neville que lhe apresenta o Surrealismo através das revistas Minotaure. Em 1941, em seu exílio, recebe Breton (que foi um dos maiores colecionistas de sua obra), na República Dominicana e anos mais tarde organiza juntamente com ele e Marcel Duchamp a exposição Le Surréalisme, na galeria Maeght de París. Em 1962, incorpora no grupo surrealista Phases em Paris, onde realizou várias exposições de sua obra pelo mundo. Além dessas atividades levando o nome do surrealismo adiante com seus quadros, Granell também escreveu alguns romances e publicou poesias surrealistas. Para Granell, o Surrealismo es un estado espiritual, calificado por un radical inconformismo y un ansia de libertad ilimitada para cada sujeto (GRANELL apud IZIGARAY, 2003, p.8), aproximando-se com a definição de Breton do Manifesto que prevê a liberdade do homem. Assim como Breton, sua posição não agradava os regimes de direita naqueles tempos, sendo os dois companheiros de exílio e pela luta da liberdade. Como aponta, Estelle Irigaray: Granell sueña com liberar al hombre de la carga de los sistemas, de los convencionales modos de pensar que ponen trabas a su libertad creadora. (IRIZARRY, 2003, p.8) Sua poesia também se aproxima da primeira definição do Surrealismo, pois podemos ver a presença do automatismo pelas palavras desconexas, mas que possui uma linguagem simbólica a ser estudada. A exemplo, temos a poesia El paseo de la mujer Alada, extraída do livro Poesía Surrealista en Español de Ángel Pariente. La Mujer Alada exprime los limones a fin de darle lustre al jardín de azabache En su esfera de acantos la Mujer Alada se desliza por la rama del viento encaramándose a la revuelta cumbre que tejen bandadas de colchas y tinteros Sin miedos sin guirnaldas la Mujer Alada desvanece la bruma de botones de recuerdos mica espinacardos bolas de aliento guardapelos refranes barajas y dedales Así es como rompe la insolente cortina floreada Ya la Mujer Alada abandonó el rincón cierto que melancólicamente El rincón impalpable del espanto donde la golondrina devoraba su nido y al que nunca jamás retornaron las arpas Se encrespa e ilumina y flota entre los planos opacos de su cuarto irradiando trompas victoriosas entusiasta la Mujer Alada intrépida descifradora de las turbulencias nocturnales (GRANELL, apud PARIENTE, 2002, p.338-339) Neste poema, além das palavras aparentemente desconexas, temos ao mesmo tempo a presença de uma narrativa – que em outras poesias de Granell podemos verificar essa característica também. 4 Pablo Picasso Por fim, um dos artistas mais conhecidos no mundo: Pablo Picasso. Picasso nasceu em Málaga na Espanha, e sua obra ao longo de sua vida teve várias características; já foi cubista, clássico, é lembrado por seu período rosa e azul, mas que também se aproximou do movimento surrealista. Seus quadros não foram tão influenciados pelas ideias do Surrealismo que premeditava um rompimento com a arte do passado. Picasso já tinha uma carreira consolidada na pintura, porém o surrealismo acrescentou algumas de suas características na pintura do artista malaguenho. Por exemplo, se interessou pela arte primitiva que os surrealistas retomam para o fazer poético e consequentemente para a pintura. Como aponta Lucía García de Carpi, Picasso se aproxima mais do surrealismo por causa da literatura produzida pelos surrealistas.1 Acerca da definição de surrealismo por Picasso, temos a seguinte citação: Moi, je vise toujours à la ressemblance… Un peintre doit observer la nature, mais jamais la confondre avec la peinture. Elle n’est traduisible en peinture que par des signes. Mais on n’invente pas un signe. Il faut fortement viser à la ressemblance pour aboutir au signe. Pour moi, la surréalité n’est autre chose et n’a jamais été autre chose, que cette profonde ressemblance au-delà des formes et des couleurs sous lesquelles les choses se présentent. (PICASSO, apud ROUGE, 2005, p.40) De acordo com o Picasso, exemplificando com a pintura, o surrealismo é a semelhança profunda entre a arte e a realidade. Vai além das formas e cores em que a realidade ocorre, aproximando-se das ideias contidas no Manifesto. Sua obra escrita segue o estilo “automatista”, com palavras aparentemente desconectadas e escolhidas ao azar: 24-28 NOVIEMBRE XXXV 1 CARPI, Lucía García. Picasso y el surrealismo. In: http://www.artehistoria.jcyl.es/artesp/contextos/8249.htm Acesso em 10 de Maio de 2012 lengua de fuego abanica su cara en la flauta la copa que cantándole roe la puñalada del azul tan gracioso que sentado en el ojo del toro inscrito en su cabeza adornada con jazmines espera que hinche la vela el trozo de cristal que el viento envuelto en el embozo del mandoble chorreando caricias reparte el pan al ciego y a la paloma color de lilas y aprieta de toda su maldad contra los labios del limón ardiendo el cuerno retorcido que espanta con sus gestos de adiós la catedral que se desmaya en sus brazos sin un ole estallando en su mirada la radio amanecida que fotografiando en el beso una chinche de sol se come el aroma de la hora que cae […] (PICASSO, apud PARIENTE, 2002, p.34-35) Além das características mencionadas, também vemos alguns elementos que fazem parte da cultura espanhola como o “toro” e o “ole” que também estão presentes nas pinturas de Picasso. 5 Considerações Finais Estes são alguns apontamentos acerca da presença dos escritores e artistas plástico espanhóis e como eles conceberam o Surrealismo em suas obras. Possivelmente, a noção que temos do surrealismo que conhecemos se aproxima ao que o artista Salvador Dali propagou, ou seja, a ideia de uma arte relacionada aos sonhos, à psicanálise ao mundo que esteja fora da realidade, pois Dalí tornou o seu trabalho rentável e investiu na mídia para poder tornar-se mais visível. É sabido que Dalí foi associado a uma concepção mercantilista da obra de arte. Já Granell foi mais fiel aos postulados justamente por sua proximidade e amizade com André Breton. Enquanto em Picasso, segundo a sua citação, o surrealismo vai além da realidade que é uma definição que se aproxima da que está escrita no Manifesto. O próprio autor não se dizia surrealista, porém simpatizou com a forma de fazer literatura do grupo surrealista, escrevendo poemas e textos dramáticos utilizando a escrita automática, deixando o seu legado literário. Então, este trabalho teve esta intenção de permear as definições sobre o Surrealismo, a fim de ver como ele foi concebido por estes artistas que, embora mais conhecidos como artistas plásticos contribuíram para a literatura surrealista, consequentemente para literatura. Para análises futuras de suas respectivas obras, acreditamos ser necessária uma reflexão sobre o conceito de surrealismo que cada escritor levou consigo. E hoje? Vimos que o Surrealismo é popularmente relacionado à irracionalidade, mas, quanto à crítica especializada, podemos ver que sua definição não se aproxima da visão do senso comum. Trazemos como exemplo uma definição mais recente que temos vem dos surrealistas norte-americanos do Grupo Surrealista de Chicago que diz o seguinte: [...] é demasiado anarquista para a maioria dos marxistas, muito marxista para os anarquistas; extremamente amante da poesia e da pintura para os políticos, por demais desejoso de revolução para os escritores e artistas; muito inclinado às pesquisas teóricas para os ativistas, demasiado indisciplinado para os professores [...] (GRUPO SURREALISTA DE CHICAGO, apud CASTIGLIONI, 2008, p.43) Vemos nessa definição a aproximação ao caráter dialético do surrealismo que se localiza num entre - lugar, sem assumir uma definição absoluta. Por isso há a dificuldade de se definir o que é o surrealismo, pois o próprio lugar do surrealismo está permeando conceitos, sendo a sua única opositora a lógica do racionalismo. REFERÊNCIAS BRETON, André. Manifiestos del Surrealismo. Buenos Aires: Argonauta, 2001. CARPI, Lucía García. Picasso y el surrealismo. Disponível em: http://www.artehistoria.jcyl.es/artesp/contextos/8249.htm Acesso em 10 de Maio de 2012 CASTIGLIONI, Ruben Daniel. Sentença Surrealista... In: Caderno de Literatura. Porto Alegre, n. 16, 2008, dezembro, p.42-43. DALÍ, Salvador. Diario de un genio. Barcelona: Tusquets, 1992. DALÍ, Salvaodr. El Mito Trágico de “El Ángelus” de Millet. Barcelona: Tusquets, 2002. IRIZARRY, Estelle. La inventiva surrealista de E. F. Granell. Editorial Delgado, 2003. OSMA, Guillermo de. Los Granell de André Breton. Madrid: Galeria Guillermo de Osma, 2010. PARIENTE, Ángel. Poesías Surrealistas en Español. Paris: La Sirène, 2002. PAZ, Octavio. La búsqueda del comienzo. Madrid: Fundamentos, 1983. PONGE, Robert. O Surrealismo. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1991. PONGE, Robert. O Surrealismo – Alguns elementos para discussão e debate. In: As Portas de Tebas. Passo Fundo: UPF, 2002. PONGE, Robert (org). Surrealismo e o Novo Mundo. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1999. ROUGE, Isabelle de Maison. Picasso est un peintre abstrait et surréaliste.Disponível em: http://books.google.fr/books?id=WW4CJXhN_wC&printsec=frontcover&hl=fr#v=onepage&q&f=false Acesso em 20 de Julho de 2012 VILLANUEVA, Santos Sanz. Granell, inconforme y libre. Disponível em: El pais http://www.elmundo.es/elmundolibro/2001/11/15/anticuario/1005852714.html Acesso em 9 de maio de 2012