UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
PÂMELLA SANTOS DA SILVA
POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO
POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Palhoça
2012
PÂMELLA SANTOS DA SILVA
POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO
POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Gisele Rodrigues Martins Goedert, Msc.
Palhoça
2012
PÂMELLA SANTOS DA SILVA
POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO
POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado
adequado à obtenção do título de bacharel em
Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso
de Direito da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Palhoça, 07 de novembro de 2012.
____________________________________
Profa. Orientadora Gisele Rodrigues Martins Goedert, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________
Prof.
Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________
Prof.
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO
POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta
monografia.
Estou
ciente
de
que
poderei
responder
administrativa,
criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Palhoça, 07 de novembro de 2012.
____________________________________
PÂMELLA SANTOS DA SILVA
civil
e
Dedico esta pesquisa aos meus pais
Josemeri e Valério, e a minhas irmãs, por
todo o incentivo e ajuda recebidos durante
a faculdade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por ter me concedido saúde, discernimento e
sabedoria necessária para conclusão deste curso.
Ao meu pai, por todo suporte dado ao longo da minha vida, sempre me
apoiando e desejando um futuro promissor.
À minha querida mãe, por ser essa mulher guerreira em que me espelho,
e que mesmo nos momentos difícies esteve do meu lado me ajudando da maneira
que pode. Eu te amo.
À minha orientadora, Professora Gisele Rodrigues Martins Goedert, pelos
conselhos, informações e auxílio oferecidos, sem os quais este trabalho não se
tornaria realidade.
Às minhas amadas irmãs Priscilla e Patrícia, que me apoiaram e
aconselharam em todos os momentos de dificuldade ao longo do curso.
Por fim, e não menos importante, às minhas queridas amigas e
companheiras Ana Luíza, Nathália, Priscila e Roberta que me encorajaram e me
fizeram acreditar que seria possível conciliar todas as atividades em um semestre
só.
RESUMO
Trata a pesquisa monográfica sobre a possibilidade de o filho, gerado a partir das
técnicas de reprodução assistida heteróloga, ou seja, aquelas em que são utilizadas
sêmen de terceiro doador estranho ao casal, ingressar com ação de investigação de
paternidade perante esse doador para obter a verdade a respeito da sua origem
genética, levando em consideração os princípios constitucionais como o da
dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, igualdade, afetividade e
paternidade responsável, bem como o conflito com o instituto do anonimato do
doador de gametas e o direito ao conhecimento da ascendência genética. O
presente estudo se mostra necessário eis que, após o advento da Constituição da
República Federativa do Brasil, de 1988, e posteriormente o Código Civil de 2002, a
concepção de família foi ampliada e surgiram novos arranjos familiares. Todavia, a
legislação infraconstitucional não acompanhou o espírito da Carta Magna, deixando
de regular os direitos dos membros dessas novas espécies familiares. Diante disso,
faz-se necessário o estudo aprofundado a respeito do instituto da filiação, dos
princípios pertinentes, da reprodução humana assistida, desde seu surgimento até
chegar às técnicas disponíveis atualmente, do direito à intimidade do doador de
gametas e do direito ao conhecimento da origem genética, circunstância que gera
polêmica entre os doutrinadores, por tratar-se de situação que carece de legislação
específica que a regularmente.
Palavras-chave: Investigação de paternidade. Reprodução assistida heteróloga.
Anonimato. Origem genética.
LISTA DE SIGLAS
CC/2002 – Código Civil de 2002
CFM – Conselho Federal de Medicina
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................
10
2 DIREITO DE FILIAÇÃO .....................................................................................
12
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO .........................................................................................................
12
2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO ..............................................................................
15
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA .
16
2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana .............................................
16
2.3.2 Princípio da solidariedade familiar ...........................................................
18
2.3.3 Princípio da igualdade ...............................................................................
18
2.3.4 Princípio da afetividade .............................................................................
19
2.3.5 Princípio da convivência familiar .............................................................. 20
2.3.6 Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes .....................
21
2.3.7 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar ............. 22
2.4 FILIAÇÃO BIOLÓGICA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ...................................
23
2.4.1 Filiação biológica .......................................................................................
23
2.4.2 Filiação não biológica ................................................................................
24
2.4.2.1 Filiação socioafetiva ..................................................................................
24
2.4.2.2 Filiação adotiva .......................................................................................... 25
2.5 RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO ............................................................... 26
2.5.1 Reconhecimento voluntário ......................................................................
27
2.5.1.1 Possibilidades de reconhecimento voluntário............................................
27
2.5.2 Reconhecimento forçado ..........................................................................
29
2.5.3 Posse de estado de filiação........................................................................ 30
3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: PRINCIPAIS ASPECTOS .................................. 32
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................
32
3.2 CONCEITO ...................................................................................................... 33
3.3 A FILIAÇÃO POR PRESUNÇÃO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA ................ 34
3.4 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA ............................................................
37
3.4.1 Inseminação artificial .............................................................................................
38
3.4.1.1 Inseminação artificial homóloga ............................................................................
38
3.4.1.2 Inseminação artificial heteróloga ...........................................................................
39
3.4.2 Fertilização in vitro ................................................................................................
40
3.4.2.1 Transferência de gametas para as trompas (GIFT) .............................................
41
3.4.2.2 Transferência de zigoto para as trompas (ZIFT) ................................................... 42
3.5 BASES CONSTITUCIONAIS PARA UM DIREITO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA ..
42
3.6 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL .........................................................................................
45
3.6.1 Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1.957, de 2010 .......................
45
3.6.2 Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005 .................................................................
46
3.6.3 Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996 ..................................................................
47
3.6.4 Projetos de Lei .......................................................................................................
48
3.6.4.1 Projeto de Lei n. 90, de 1999 ................................................................................
48
3.6.4.2 Projeto de Lei n. 1.184, de 2003 ...........................................................................
49
3.6.4.3 Projeto de Lei n. 4.686, de 2004 ...........................................................................
50
3.6.4.4 Projeto de Lei n. 7.701, de 2010 ...........................................................................
50
4
INVESTIGAÇÃO
DE
PATERNIDADE
E
O
DIREITO
DE
FILIAÇÃO
NA
REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA .................................................................
52
4.1 REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA ...........................................................
52
4.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................................
53
4.3 DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA .....................................
56
4.4 DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DE GAMETAS .......................................
58
4.5 CONSENTIMENTO INFORMADO .............................................................................
59
4.6 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE FILIAÇÃO ........................
60
4.6.1 Investigação de paternidade: aspectos gerais ...................................................
61
4.6.2 Investigação de paternidade na reprodução assistida heteróloga ...................
62
4.7 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL ...............................................................
67
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................
71
REFERÊNCIAS ................................................................................................................
73
10
1 INTRODUÇÃO
O art. 1597, incisos III, IV e IV do Código Civil de 2002 reconheceram
outras espécies de filiação além da oriunda pela relação sexual e pela adoção,
acolhendo, desse modo, a filiação proveniente das técnicas de reprodução
medicamente assistida, com fulcro não só no vínculo sanguíneo, mas também na
paternidade socioafetiva, baseado na vontade de ser pai/mãe.
O tema deste trabalho monográfico tratar-se-á da possibilidade de o filho,
oriundo das técnicas de reprodução assistida heteróloga, ou seja, quando é utilizado
sêmen de doador anônimo, ingressar com ação de investigação de paternidade
perante esse doador, a fim de saber sua origem genética.
A escolha do tema se justifica por ser a fertilização artificial um método de
concepção que vem se popularizando entre as pessoas que encontram dificuldades
para realizar o sonho da maternidade e da paternidade, em razão de problemas de
infertilidade e esterilidade.
Mas,
se
por
um
lado,
a
reprodução
assistida
representa
o
desenvolvimento da área biomédica, por outro, gera questionamentos preocupantes
em várias áreas do conhecimento, pois o rápido progresso da ciência no campo da
procriação deu origem ao desequilíbrio entre a utilização das técnicas e a legislação
vigente, demonstrando que o ordenamento jurídico é omisso diante das novas
descobertas.
Sendo assim, apresentar-se-á o seguinte problema de pesquisa: Existe a
possibilidade do filho, concebido por reprodução assistida heteróloga, vir a investigar
a paternidade biológica do doador do material genético?
Diante disso, embora a prática dos métodos de fertilização artificial
heteróloga não seja obstada pelo ordenamento jurídico pátrio, observa-se que a
matéria gera muita polêmica, tendo em vista que a legislação civil atual é dissonante
no que diz respeito à filiação e, consequentemente, aos efeitos jurídicos decorrentes
dela. Desponta, diante disso, uma questão difícil de ser solucionada, pois o § 6º, do
art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não faz distinção
entre os filhos, garantindo, assim, tratamento igualitário independente da origem da
filiação ou do vínculo entre os genitores.
Para o desenvolvimento da pesquisa em tela, adotar-se-á o método de
abordagem dedutivo, pois inicialmente será analisado o direito de filiação e a
11
reprodução medicamente assistida, para, finalmente, adentrar no direito de
investigação de paternidade do concebido por reprodução assistida heteróloga.
Utilizar-se-á o método de procedimento monográfico e, no tocante à técnica, elegerse-á a bibliográfica, em que foram tomadas como fonte primária de estudo as
doutrinas, Constituição Federal e Código Civil, e como fonte secundária, as decisões
judiciais.
Assim,
diante
da
problemática
exposta,
o
trabalho
monográfico
apresentado, muito embora esteja longe de ser considerado como conclusivo, tem
como objetivo geral verificar a possibilidade de o filho, concebido por meio das
técnicas de reprodução assistida heteróloga, ingressar com ação de investigação de
paternidade perante o doador de material genético.
Dessa forma, o presente estudo desenvolver-se-á em três capítulos. O
primeiro destinar-se-á a conceituação do instituto da filiação, sua evolução histórica,
espécies e os princípios pertinentes ao assunto.
No segundo capítulo tratar-se-á dos principais aspectos da reprodução
medicamente assistida, desde sua evolução até as técnicas disponíveis atualmente,
apontar-se-á, também, as bases constitucionais para um direito à reprodução
assistida, e a legislação aplicável à matéria.
No
terceiro
e
derradeiro
capítulo
desenvolver-se-á
um
estudo
aprofundado a respeito da proteção dos direitos da personalidade, do direito ao
conhecimento da origem genética, direito ao anonimato do doador de gametas e o
posicionamento doutrinário sobre a possibilidade de investigação na reprodução
assistida heteróloga.
12
2 DIREITO DE FILIAÇÃO
Iniciando-se a presente pesquisa, discutir-se-á, neste capítulo, a evolução
histórica da filiação, seus princípios norteadores, quais sejam: dignidade da pessoa
humana; solidariedade familiar; igualdade; afetividade; convivência familiar; proteção
integral a crianças e adolescentes; e, paternidade responsável e planejamento
familiar, a distinção de filiação biológica e filiação socioafetiva e o reconhecimento
da filiação.
Para realizar essa tarefa, serão tomadas como base a Constituição da
República Federativa do Brasil e a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 (Código
Civil). Também serão utilizadas algumas das principais contribuições teóricas sobre
esse tema, com ênfase para as obras de Eduardo de Oliveira Leite, Fábio Ulhoa
Coelho, Sílvio de Salvo Venosa, Maria Helena Diniz, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno e
Carlos Roberto Gonçalves.
2.1
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
O Código Civil de 1916 dava ênfase à família legítima, ou seja, aquela
oriunda do casamento regular, simplesmente ignorando os direitos daqueles que
descendessem de relações extramatrimoniais, conforme explica Sílvio de Salvo
Venosa (2004, p. 276).
Roberto Senise Lisboa (2006, p. 346) elucida que este código adotava a
tendência do início do século, classificando a filiação como legítima e ilegítima,
sendo “legítimo aquele concebido em decorrência das justas núpcias, isto é, do
casamento regular” e ilegítimo “aquele não originário das justas núpcias, isto é,
concebido fora da relação conjugal”.
Em estudo sobre o assunto, Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 145) consigna
que somente eram considerados filhos de verdade, aqueles gerados dentro do
casamento, existindo, assim, uma “[...] hierarquia entre os filhos, em que se
privilegiava o portador da herança genética do homem e mulher casados”.
13
Conforme leciona Roberto Senise Lisboa (2006, p. 346) o Código Civil de
1.916 classificava os filhos em “[...] filhos legítimos, filhos legitimados, filhos adotivos
e filhos ilegítimos”.
Como já exposto anteriormente, filhos legítimos eram aqueles derivados
do casamento regular. Como expõe Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 286) “[...]
eram os que procediam de justas núpcias”.
Já os filhos oriundos fora do casamento, eram chamados de ilegítimos,
sendo divididos em naturais ou espúrios, este último sendo subdividido em
adulterinos e incestuosos (COELHO, 2009a, p.145).
Na concepção de Roberto Senise Lisboa (2006, p.346), filho natural era o
“[...] nascido de pais sem qualquer impedimento para contrair casamento entre si, à
época da concepção”.
No mesmo norte, dispõe Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 145) que filhos
naturais são aqueles providos de uma relação em que os pais não estavam
desimpedidos para o casamento, ou seja, eram viúvos ou solteiros.
Para Maria Helena Diniz (2002a, p. 394) filhos espúrios eram os
descendentes de um homem e mulher impedidos matrimonialmente, sendo
classificados como adulterinos os “[...] que nascem de casal impedido de casar em
virtude de casamento anterior, resultado de um adultério [...], e incestuosos os “[...]
nascidos de homem e mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam
convolar núpcias à época de sua concepção”. (DINIZ, 2002a, p. 394).
Os filhos espúrios podiam ser “[...] adulterinos, se o impedimento
resultasse do fato de um deles ou de ambos serem casados, e incestuosos, se
decorresse do parentesco próximo, como entre pai e filha ou entre irmão e irmã”.
(GONÇALVES, 2009, p. 286).
Continuando o estudo da classificação dos filhos no Código Civil de
1.916, este destinava um capítulo à legitimação, que era “[...] o reconhecimento da
filiação, feito conjuntamente ou em separado, pelos genitores do filho concebido de
uma relação ilícita”, [...] porém posteriormente regularizada pelo casamento válido e
eficaz”. (LISBOA, 2006, p.346).
Nesse passo, urge transcrever o art. 352 que dizia: “Os filhos legitimados
são, em tudo, equiparados aos legítimos”. Este artigo tinha o condão de conferir aos
filhos havidos anteriormente as núpcias, os mesmos direitos dos filhos legítimos,
14
como se houvessem sido concebidos após o casamento (GONÇALVES, 2009, p.
286).
Por último, dentro desta classificação, temos os filhos adotivos que eram
resultantes do procedimento de adoção, mas que não podiam ser tratados
igualmente aos filhos legítimos, não tendo seus direitos equiparados a estes, “[...]
pois tinham direito, na herança, apenas à metade da quota destes últimos”.
(COELHO, 2009a, p.145).
Atualmente, a origem da filiação não tem mais relevância, independendo
ser o filho havido dentro do casamento ou não, vigora no novo texto constitucional o
princípio da igualdade entre os filhos, abrangendo também os adotados (LISBOA,
2006, p. 347).
Corroborando com esse entendimento, José Afonso da Silva (1995, p.
775, apud BLIKSTEIN, 2008, p. 45) afirma que “[...] ficaram banidos da legislação
civil expressões como filhos legítimos, filhos naturais, filhos adulterinos, filhos
incestuosos. Para denominar a filiação, permaneceu a expressão filhos”.
Assim, em 1988, com a vigência da Constituição da República Federativa
do Brasil (CRFB/1988), a igualdade entre todos os filhos foi estabelecida, conforme
dita o art. 227, § 6º:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL. 1988).
Para Daniel Blikstein (2008, p. 44), “[...] o referido texto legal foi
corroborado pela Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1.992 (lei que revogou o art.
337 do Código Civil), que dispõe sobre a investigação de paternidade dos filhos
havidos fora do casamento”.
Nesse sentido, elucida Regina Beatriz Tavares da Silva (2010, p. 1586):
A Constituição da República de 1988, no art. 227 § 6º, em preservação da
dignidade da pessoa humana, colocou, definitivamente, fim às
desigualdades entre os filhos e, por conseguinte, entre relações de
parentesco diversas, estatuindo que “Os filhos, havidos ou não da relação
15
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim,
como não se pode mais classificar os filhos em legítimos e ilegítimos,
naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos, a classificação que existia, na
redação anterior, quanto ao parentesco legítimo ou ilegítimo passou a ser
inconstitucional.
No mesmo norte argumenta Maria Helena Diniz (2002a, p. 20-21) que:
[...] consagrado pelo nosso direito positivo, que (a) nenhuma distinção faz
entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, pátrio poder e
sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do
casamento; (c) proíbe que se revele ao assento do nascimento à
ilegitimidade simples ou espuriedade e (d) vedações as designações
discriminatórias relativas à filiação.
O Código Civil de 2002 (CC/2002), em seu artigo 1.596, também pôs fim
a essa distinção entre filhos legítimos ou ilegítimos, recepcionando o disposto no
texto constitucional mencionado quando afirma: “Os filhos havidos ou não da relação
de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL, 2002).
2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO
Elucida Paulo Lôbo (2011, p. 216) que filiação é a relação de parentesco
entre duas pessoas, uma gerada da outra, sendo chamada de paternidade aquela
derivada do pai e maternidade aquela derivada da mãe, “[...] filiação procede do
latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais,
dependência, enlace”.
Corrobora com esse entendimento Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.
285), conceituando filiação como “[...] a relação de parentesco consanguíneo, em
primeiro grau e linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a
receberam como se estivesse gerado”.
Por outro lado, Roberto Senise Lisboa (2006, p.344), dispõe que filiação
não se funda apenas no laço sanguíneo, mas também, no vínculo constituído entre o
sujeito e seus pais, pouco importando o meio de sua formação.
Explica Eduardo Oliveira Leite (2005, p. 206) que se a filiação não é
baseada em laços sanguíneos, usa-se a expressão laços jurídicos, que nasce no
terreno da afetividade, sendo uma relação que se constrói na convivência de pais e
16
filhos, biológicos ou não, sendo que “[...] a verdade legal-afetiva sobrepõe-se à
verdade biológica”. (LEITE, 2005, p. 206).
Diante disso, tratar-se-á a seguir dos princípios que norteiam o direito de
família.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA
Com a promulgação da CRFB/1988, o direito brasileiro teve um dos seus
maiores avanços que “[...] é a consagração da força normativa dos princípios
constitucionais explícitos ou implícitos, superando o efeito simbólico que a doutrina
tradicional a eles destinava”. (LÔBO, 2011, p. 57).
Os princípios constitucionais “vêm em primeiro lugar e são as portas de
entrada para qualquer leitura interpretativa do direito”. (PEREIRA, 2006, p. 24 apud
DIAS, 2007, p. 56).
Determina Maria Berenice Dias: “É no direito das famílias em que mais se
sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como
fundamentais valores sociais dominantes.” (DIAS, 2007, p. 57).
Tais princípios “não podem distanciar-se da atual concepção da família
dentro da sua feição desdobrada em múltiplas facetas”. (DIAS, 2007, p. 57).
Diante do exposto, demonstrar-se-á a seguir alguns dos princípios que
norteiam o direito de família, em especial os que regem o direito de filiação.
2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, segundo dispõe
o art. 1º, III da CRFB/1988. Esse princípio “[...] é um macroprincípio do qual se
irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e
solidariedade, uma coleção de princípios éticos”. (DIAS, 2007, p. 59).
Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 70) define o princípio da
dignidade da pessoa humana como o núcleo da ordem constitucional, “[...] irradiando
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, não apenas no que tange aos atos e às
17
situações envolvendo a esfera pública dos atos estatais, mas também todo o
conjunto de relações privadas que se verificam no âmbito da sociedade”.
Dispõe, ainda, que:
No âmbito do planejamento familiar, o princípio em tela deve não somente
ser aplicado no sentido de garantir o exercício desse direito pelo casal,
como também na proteção daquele que poderá vir a nascer, e o conflito
entre essas duas perspectivas deve ser solucionado, em regra, em favor
desse último. (GAMA, 2008, p. 70).
Na mesma esteira Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 7) dispõe que o
princípio da dignidade da pessoa humana é baseado no dever geral de respeito e
proteção, constituindo “[...] a base da comunidade familiar, garantindo o pleno
desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da
criança e do adolescente (CF, art. 227)”.
Nesse passo, urge transcrever o que dispõe o caput deste artigo:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que:
De se notar que, à luz do art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988,
dignidade da pessoa humana deve ser acompanhada da necessidade que
as demais pessoas e a comunidade respeitem sua liberdade e os seus
direitos, de modo a permitir o resguardo e a promoção dos bens
indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade humana. Na esfera da
entidade familiar, incumbe a todos os seus integrantes promover o respeito
e a igual consideração de todos os demais familiares, de modo a propiciar
uma existência digna para todos e de vida em comunhão de cada familiar
com os demais. (GAMA, 2008, p. 71).
Kant (1986, p. 77, apud Lôbo, 2011, p. 60) diferencia a dignidade pelo que
tem ou não preço, discorre que “[...] quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr
em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de
todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”.
18
2.3.2 Princípio da solidariedade familiar
O princípio da solidariedade também está previsto na CRFB/1988 em seu
art. 3º, inciso I, in verbis: “Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...].”
(BRASIL, 1988).
O princípio da solidariedade guarda relação com os “[...] valores éticos do
ordenamento jurídico. A solidariedade surgiu como categoria ética e moral, mas que
se projetou para o universo jurídico na representação de um vínculo que compele à
oferta de ajuda ao outro e a todos.” (GAMA, 2008, p. 74).
No mesmo norte, leciona Paulo Lôbo (2011, p. 63) que esse princípio
fundamental decorre da “[...] superação do individualismo jurídico, que por sua vez é
a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos
interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com
reflexos até a atualidade”.
Este princípio reflete, e muito, nas relações familiares. Em estudo sobre o
tema, Maria Berenice Dias (2007, p. 64) dispõe que:
Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se
o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são
assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se
tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família,
depois a sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir
com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação.
Conforme o artigo 226, § 8º, o Estado tem de prover a proteção e
assistência da família e seus integrantes, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações. Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2008, p. 32)
salientam que o princípio da solidariedade “[...] também implica em respeito e
consideração mútuos em relação aos membros da entidade familiar”.
2.3.3 Princípio da igualdade
O princípio da igualdade está previsto na CRFB/1988 em seu art. 5º, que
dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
19
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].”
(BRASIL, 1988).
Com o advento da CRFB/1988, o direito de família sofreu grandes
mudanças, umas delas referente ao papel do homem nas relações familiares. Foi
retirado o autoritarismo paterno e a subordinação até então existentes no âmbito
familiar. A Carta magna trouxe, portanto, uma igualdade entre esses membros, não
sendo mais tolerado qualquer tratamento discriminatório (MADALENO, 2008, p. 21).
Nesta senda, Maria Berenice Dias (2007, p. 63) menciona que:
Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da
igualdade no âmbito do direito das famílias. A relação de igualdade nas
relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade
entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da
mesma forma pelo afeto e amor.
O art. 1.596 do CC/2002 e o art. 227, § 6º da CRFB/1988, com a mesma
redação, prevê a igualdade entre os filhos, dispondo que: “Os filhos, havidos ou não
da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL,
2002; BRASIL, 1988).
No mesmo norte, além da igualdade entre os filhos, o CC/2002 prevê a
igualdade entre os cônjuges e os companheiros, especificamente no art. 1.511 que
descreve: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” (BRASIL, 2002).
Presente também no art. 226, § 5º da Constituição Federal, in verbis: “Os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher.” (BRASIL, 1988).
2.3.4 Princípio da afetividade
Paulo Lôbo (2011, p. 70) conceitua o princípio da afetividade como aquele
que “[...] fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e
na comunhão da vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial
ou biológico”.
Conforme José Sebastião de Oliveira (2002, p. 233):
20
Os integrantes das famílias, não obstante a intensa liberdade com que
mantêm seus relacionamentos buscam cada dia mais o fortalecimento da
reciprocidade dos seus sentimentos. Essa amálgama dos laços familiares é
representado pela afetividade. Essa razão não vem de nenhuma estrutura
legislativa codificada.
Realmente, o Direito não tem o poder de criar afetividade. Sentimentos
naturais não decorrem de legislação, mas da vivência cotidiana informada
pelo respeito, diálogo e compreensão.
O afeto é apontado, atualmente, como o principal fundamento das
relações familiares, consagrado como um direito fundamental, mesmo que não
constando literalmente a palavra na CRFB/1988, pode-se dizer que o afeto decorre
da valorização constante da dignidade humana (DIAS, 2007, p. 67).
Pode-se encontrar o princípio da afetividade implícito na CRFB/1988, a
exemplo dos seguintes dispositivos:
a)
todos os filhos são iguais, independente de sua origem (art. 227, §6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da
igualdade de direitos (art. 227, §§5º e 6º); c) a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a
mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, §4º); d)
a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta
assegurada à criança e ao adolescente (art. 227). (LÔBO, 2011, p. 71).
O princípio da afetividade se diferencia do afeto, pois este se trata de fato
psicológico, porquanto pode ser presumida quando esse faltar na realidade das
relações familiares. A afetividade é dever imposto aos pais para com os filhos e
destes em relação àqueles, mesmo que não haja amor e afeto entre eles (LÔBO,
2011, p. 71).
O afeto não tem sua origem na ciência, mas sim nos laços afetivos e na
solidariedade entre os membros que compõe a família, derivando, portanto, da
convivência familiar, não tendo relação com os laços sanguíneos (DIAS, 2007, p.
68).
2.3.5 Princípio da convivência familiar
O princípio da convivência familiar está previsto expressamente no caput
do art. 227 da CRFB/1988, no caso das crianças e adolescentes, trata-se de um
princípio constitucional exclusivo do Direito de Família (GAMA, 2008, p. 85).
21
A convivência familiar é, nas palavras de Paulo Lôbo (2011, p. 74) “[...] a
relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o
grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum”.
Como observa o mesmo autor, a convivência familiar:
Supõe o espaço físico, a casa, o lar, a moradia, mas não necessariamente,
pois as atuais condições de vida e o mundo do trabalho provocam
separações dos membros da família no espaço físico, mas sem perda da
referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos. (LÔBO, 2011,
p. 74).
Os membros da família, mesmo que distantes, consideram o ambiente
familiar um local de “[...] refúgio seguro e privado, em que todos se sentem recíproca
e solidariamente acolhidos e protegidos, notadamente as pessoas dos familiares
vulneráveis, como as crianças e os idosos”. (GAMA, 2008, p. 85).
2.3.6 Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes
Este princípio também está previsto no caput do art. 227 da CRFB/1988,
in verbis:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
Essa proteção é regulamentada pela Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990,
que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “[...] que traz
normas de conteúdo matéria e processual, de natureza civil e penal, e abriga toda a
legislação que reconhece os menores como sujeitos de direito”. (DIAS, 2007, p. 65).
Em estudo sobre o tema Tartuce e Simão (2008, p. 39) elucidam que na
esfera civil, essa proteção pode ser compreendida como o princípio de melhor
interesse da criança, e está previsto, implicitamente, em dois artigos, quais sejam os
arts. 1.583 e 1.584 do CC/2002 (alterados pela Lei n. 11.698, de 13 de junho de
2008), que trata da guarda, in verbis:
22
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
[...]
§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores
condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos
filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a
supervisionar os interesses dos filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
[...]
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou
em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e
com a mãe.
[...]
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do
pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com
a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e
as relações de afinidade e afetividade. (BRASIL, 2002).
Com as alterações advindas, ocorreu uma completa inversão de
prioridades, antes quando havia uma separação de casal, por exemplo, os
interesses dos filhos não eram relevantes, hoje qualquer decisão deve ser tomada
levando em consideração o melhor interesse da criança ou adolescente (LÔBO,
2011, p. 75).
Elucida, ainda, que:
O princípio do melhor interesse ilumina a investigação de paternidade e
filiações socioafetivas. A criança é o protagonista principal, na atualidade.
No passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era
mobilizada para os interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da
decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade biológica com a
verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse dos
filhos, em casa caso, tendo em conta a pessoa em formação. (LÔBO, 2011,
p. 76).
No tocante a ação de investigação de paternidade e ao instituto da filiação
socioafetiva, estes serão posteriormente estudados.
2.3.7 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar
O princípio da paternidade responsável significa que o pai, biológico ou
afetivo, deve exercer para com seus filhos, desde sua concepção, “[...] os meios
para o pleno desenvolvimento de suas faculdades físicas, psíquicas e intelectuais”.
23
Assim, responsabilizando-se pelas obrigações e direitos advindos com o seu
nascimento (LISBOA, 2006, p. 49).
Este princípio possui estreita ligação com o princípio da dignidade da
pessoa humana e com o planejamento familiar, o qual deve ser exercido de forma
igualmente responsável, conforme art. 226, § 7º da CRFB/1988, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988).
Planejamento familiar é o direito que os cônjuges, ou conviventes, têm de
decidir livremente a respeito da formação da família, em especial sobre “[...] a
constituição, limitação e aumento da prole”. (LISBOA, 2006, p. 49).
Referente à constituição, limitação e ao aumento da prole, o planejamento
familiar deverá se orientar por ações preventivas e educativas relacionadas com o
acesso à informação e às técnicas e os meios de regulação de fecundidade
humana. O Estado não poderá intervir em qualquer das decisões dos representantes
da entidade familiar, tanto para concepção ou contracepção, garantindo o acesso
aos métodos cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde
das pessoas, assegurada sua liberdade de opção (LISBOA, 2006, p. 50).
2.4 FILIAÇÃO BIOLÓGICA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
Atualmente a filiação se classifica em filiação biológica e não biológica.
Esta última subdivide-se em filiação socioafetiva e adotiva. Tal classificação serve
apenas para delimitar a extensão do conceito, haja vista seus direitos e deveres
serem semelhantes (COELHO, 2009a, p. 146).
Ver-se-á adiante cada um deles.
2.4.1 Filiação biológica
24
A filiação é biológica quando o filho possui a herança genética do pai e da
mãe identificados no registro de nascimento, sendo estes os doadores dos gametas
utilizados na geração do filho. Logo, a filiação biológica é natural “[...] se a
concepção resultou de relações sexuais mantidas pelos genitores, ou da técnica de
reprodução assistida homóloga”. (COELHO, 2009a, p. 148).
O mesmo autor elucida que a forma natural não é a única para se prover
um filho biológico, pois “também pertence a essa categoria a filiação quando a
concepção ocorre in vitro. Desde que os gametas tenham sido fornecidos por quem
consta do registro de nascimento da pessoa como seu pai e sua mãe [...]”.
(COELHO, 2009a, p. 146).
O critério biológico da filiação vem sofrendo modificações decorrentes da
própria mutabilidade social e da noção de família, surgindo à necessidade do
reconhecimento com base não apenas nos laços sanguíneos, mas sim no critério da
afetividade (LISBOA, 2006, p. 345).
2.4.2 Filiação não biológica
A filiação é não biológica, se o filho não porta a herança genética de seu
pai ou sua mãe, incluindo também a forma de filiação em que apenas os gametas de
um dos genitores foram utilizados para sua concepção, sendo conhecido como
reprodução assistida heteróloga (COELHO, 2009a, p. 147).
Para Paulo Luiz Netto Lôbo (2004) a filiação não biológica é considerada
um “estado de filiação ope legis”, fundado, portanto, no art. 227 da CFRB/1988 e nos
arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do CC/2002, sendo:
filiação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regular; ou
em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho; e
filiação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial
heteróloga. (NETTO LÔBO, 2004).
Ver-se-á a seguir as espécies de filiação não biológica.
2.4.2.1 Filiação socioafetiva
25
Rolf Madaleno (2008, p. 372) conceitua a filiação socioafetiva como uma:
[...] nova estrutura da família brasileira que passa a dar maior importância
aos laços afetivos, e aduz já não ser suficiente a descendência genética, ou
civil, sendo fundamental para a família atual, a integração dos pais e filhos
através do sublime sentimento da afeição.
De forma inovadora, o CC/2002, ao se pronunciar acerca das formas de
se estabelecer as relações de parentesco, trata em seu art. 1.593 que dispõe: “O
parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra
origem.” (BRASIL, 2002).
Lívia Ronconi Costa (2011) elucida que na expressão “outra origem” do
art. 1.593 se encontra a filiação socioafetiva, sendo uma relação que decorre de
uma verdade aparente, sem levar em consideração o vínculo biológico ou civil, mas
apenas o convívio afetivo.
Nesta senda, Luiz Roberto de Assumpção (2004, p. 53) esclarece que:
A família sociológica é aquela em que existe a prevalência dos laços
afetivos, em que se verifica a solidariedade entre os membros que a
compõem. Nessa família, os responsáveis assumem integralmente a
educação e a proteção das crianças, que, independentemente de algum
vínculo jurídico ou biológico entre eles, criam, amam e defendem, fazendo
transparecer a todos que são os seus pais.
Vale ressaltar que na filiação socioafetiva existem duas verdades. Uma
ligada à verdade biológica, em que o filho não porta a herança genética do pai ou da
mãe, e por outro lado a verdade socioafetiva, que se constitui na manifestação do
afeto e cuidados comuns a qualquer filiação, preponderando nessa espécie de
filiação à verdade socioafetiva (COELHO, 2009a, p. 160).
2.4.2.2 Filiação adotiva
A filiação adotiva é aquela estabelecida pela adoção, sendo um processo
judicial “[...] que importa a substituição da filiação de uma pessoa (adotado),
tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal (adotantes)”. (COELHO, 2009a, p.
162).
26
A adoção é regida pela Lei n. 8.069/90 (ECA) quando o adotado tem até
doze anos incompletos, ou entre doze e dezoito anos. Passados dezoito anos, a
adoção rege-se pelo CC/2002 em seus arts. 1.618 a 1.628 (COELHO, 2009a, p.
162).
Na mesma esteira, Maria Helena Diniz (2002a, p. 423) conceitua de modo
amplo a adoção como sendo:
[...] ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém
estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco
consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua
família, na condição de filho, pessoa que, geralmente lhe é estranha.
Para haver a adoção é levado em consideração o princípio da proteção
integral à criança e ao adolescente, por isso a posição de filho será definitiva para
todos os efeitos legais, e cria verdadeiro laço de parentesco entre o adotado e a
família que o adotou (DINIZ, 2002a, p. 424).
2.5 RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO
O CC/2002 traz, em seus arts. 1.607 a 1.617, o tema reconhecimento de
filhos, antes tratado pela Lei n. 8.590/1992, que estabelecia a lei de investigação de
paternidade, que se encontra parcialmente em vigor, no que tange a matéria
processual (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 334).
No mesmo norte, Maria Helena Diniz (2002a, p. 395) dispõe que
reconhecimento de filho é ato declaratório, pois com sua confirmação gera efeitos
jurídicos após instituir o vínculo de parentesco entre pai e filho.
Em estudo sobre o tema, Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 171) discorre:
O reconhecimento de filhos é ato ligado essencialmente à filiação biológica.
Não pode ter por objeto a instituição de filiação adotiva ou sócio-afetiva.
Tem lugar quando o registro de nascimento de filho não confere com a
verdade biológica de sua concepção, por parte da mãe ou do pai [...].
Nessa senda, importante mencionar que o reconhecimento é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser praticado contra os pais e
seus herdeiros, sem quaisquer limitações (DINIZ, 2002a, p. 399).
27
A seguir estudar-se-ão as possibilidades de reconhecimento de filhos.
2.5.1 Reconhecimento voluntário
O reconhecimento de filho é voluntário, também chamado de perfilhação,
quando por manifestação dos pais, ou por um deles, é declarado conforme a lei, a
vontade de ter certa pessoa como seu filho (DINIZ, 2002a, p. 395).
O reconhecimento é ato personalíssimo dos genitores, não podendo ser
realizado por avós ou tutores, gerando efeitos pela simples manifestação da
vontade, se feito por um dos pais, o outro a ele não pode se opor (GONÇALVES,
2009, p. 308).
Os filhos gerados dentro do casamento não necessitam ser reconhecidos,
pois o casamento pressupõe as relações sexuais dos cônjuges e fidelidade da
mulher, o filho gerado deste matrimônio tem por pai o marido da sua mãe.
Caracterizando, portanto, a presunção pater is est quem iustae nuptiae demonstrant,
“presume-se filho o concebido na constância do casamento”. (GONÇALVES, 2009,
p. 306).
Quando se trata da maternidade, o art. 1.608 do CC/2002 regulamenta
nos seguintes termos: “Quando a maternidade constar do termo do nascimento do
filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das
declarações nele contidas.” (BRASIL, 2002). Esta norma é utilizada em casos
extraordinários, devida à regra de mater semper certa est, ou seja, maternidade é
sempre certeza (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 334).
O filho não é favorecido com a presunção de paternidade quando havido
fora do casamento, por mais que entre pai e filho “[...] exista o vínculo biológico, falta
o vínculo jurídico de parentesco, que só surge com o reconhecimento”.
(GONÇALVES, 2009, p. 306).
2.5.1.1 Possibilidades de reconhecimento voluntário
O reconhecimento voluntário será feito conforme art. 1.609 do CC/2002:
28
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é
irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém. (BRASIL, 2002).
No registro de nascimento, os genitores, em conjunto ou separadamente,
perante o oficial de Registro Público, podem comparecer ao cartório e proceder ao
registro do filho em nome de ambos. Caso este filho já esteja registrado em nome de
um genitor, o outro poderá reconhecê-lo mediante pedido da parte ou averbação por
determinação judicial (GONÇALVES, 2009, p. 309).
De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 172), o filho registrado
sem menção ao nome do pai poderá ser reconhecido mediante escritura pública ou
escrito particular, arquivando este instrumento e lançando o nome do pai no assento
de nascimento. No fato de haver falsidade dos dados fornecidos, “[...] a alteração do
registro depende de ordem judicial, ou seja, pressupõe processo em que seja
produzida a prova de que o genitor ou genitora voluntariamente reconheceu o filho”.
(COELHO, 2009a, p. 172).
Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 230) alega que o reconhecimento por
testamento, ou ato de última vontade, é válido e irrevogável, se o testador indica
determinada pessoa como seu filho, ele assume a condição de herdeiro e herda a
legítima. Se houver a revogação do testamento, este não atinge o reconhecimento
do filho, pois “[...] uma vez realizado passa a integrar o âmbito da tutela jurídica do
perfilhado, convertendo-se em direito subjetivo deste”. (LEITE, 2005, p. 230). Este
entendimento está previsto no art. 1.610 do CC/2002.
E por fim, dentro dessas possibilidades, o reconhecimento pode ser feito
por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não
haja sido o objeto único e principal do ato que o contém (GONÇALVES, 2009, p.
311).
Em estudo sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 311)
elucida:
O ato no qual se dá a manifestação voluntária de reconhecimento de filho
pode resultar de qualquer depoimento em juízo prestado pelo genitor,
incidentalmente e tomado por termo, ainda que a finalidade desse
depoimento seja outra, como por exemplo, a de reduzir o valor da pensão
29
alimentícia paga a outros filhos, como pode decorrer ainda de qualquer
manifestação dos autos, seja na contestação, seja nas alegações finais ou
nas razões de recurso. O juiz, diante do reconhecimento manifestado,
encaminhará certidão ao cartório de Registro Civil, para que seja
providenciada a averbação no registro de nascimento do filho.
No próximo item ver-se-á a outra possibilidade de reconhecimento de
filhos.
2.5.2 Reconhecimento forçado
O reconhecimento forçado, judicial ou coativo, é aquele em que, não
possível o reconhecimento voluntário, o filho pode a partir de um processo de
investigação de paternidade obter a decisão judicial da verdade biológica de sua
concepção (LISBOA, 2006, p. 352).
Em estudo sobre esta ação, elucida Maria Helena Diniz (2002a, p. 406):
A investigação de paternidade processa-se mediante ação ordinária movida
pelo filho (legitimidade ad causam), ou seu representante legal (legitimidade
ad processam), se incapaz, contra seu genitor ou seus herdeiros ou
legatários, podendo ser cumulada com a de petição de herança, com a de
alimentos e com a de anulação de registro civil.
A investigação de paternidade é direito personalíssimo e indisponível,
conforme dispõe o art. 27 do ECA: “O reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais
ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.”
(BRASIL, 1990).
Ainda que a investigação de paternidade seja imprescritível, o filho pode a
qualquer tempo propô-la, mesmo que os efeitos patrimoniais do estado da pessoa
prescrevam, por esta razão preceitua a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal
(STF): “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de
petição de herança.” (GONÇALVES, 2009, p. 317). Logo, Gonçalves (2009, p. 317)
explica que o filho pode intentar a ação, para se fazer reconhecer, sem ter, contudo,
direito à herança.
Nessa senda, havendo dúvidas quanto à filiação, o interessado pode
ingressar em juízo para investigar sua paternidade biológica, por ter o direito a sua
identidade genética. Nessa ação, bastante difícil é a questão das provas da filiação,
30
devendo-se contar com indícios e presunções. Além do exame de DNA, que é a
solução mais confiável, temos a prova baseada na posse do estado de filiação, que
será tratado no próximo item (DINIZ, 2002a, p. 409).
2.5.3 Posse de estado de filiação
Denomina-se posse de estado de filiação, quando a pessoa não dispõe
de meios de comprovação formal do registro de nascimento, podendo demonstrar
por outros métodos a existência do vínculo de filiação, quais sejam:
a reputatio, ou seja, a aparência social de existência de uma relação de
filiação entre um ascendente e um descendente;
a nominatio, caracterizada pela adoção do apelido ou do patronímico da
família perante terceiros; e
a tratactus, revelada externamente pelo tratamento dispensado entre o que
aparenta ser ascendente e o descendente. (LISBOA, 2006, p. 345)
A posse de estado de filiação atribui àquela situação em que “[...] uma
pessoa desfruta do status de filho em relação à outra pessoa, independentemente
dessa situação corresponder à realidade legal”. (LÔBO, 2011, p. 236).
O CC/2002, em seu art. 1.605 (antigo art. 349 do Código Civil de 1.916),
dispõe que:
Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por
qualquer modo admissível em direito:
I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais,
conjunta ou separadamente;
II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
(BRASIL, 2002).
Em estudo sobre o assunto, Daniel Blikstein (2008, p. 53) discorre que se
não comprovada pelas formas descritas neste artigo, “[...] a paternidade pode ser
verificada pelos meios de prova existentes no processo civil, tais como: prova
testemunhal, prova documental e prova pericial ou científica”.
Essas provas são complementares aos dois requisitos presentes no artigo
antecedente, não cumulativos. Considera-se começo de prova por escrito,
proveniente dos pais, quaisquer documentos que evidenciem a relação de filiação,
“[...] como cartas, autorizações para atos de benefícios de filhos, declaração de
31
filiação para fins de imposto de renda ou de previdência social, anotações dando
conta do nascimento do filho”. (LÔBO, 2011, p. 237).
Nesse diapasão, ainda destaca que:
O estado de filiação compreende um conjunto de circunstâncias que
solidificam a presunção da existência de relação entre pais, ou pai e mãe, e
filho, capaz de suprir a ausência do registro do nascimento. Em outras
palavras, a prova da filiação dá-se pela certidão do registro do nascimento
ou pela situação de fato. Trata-se de conferir à aparência os efeitos de
verossimilhança, que o direito considera satisfatória. (LÔBO, 2011, p. 237).
No inc. II trata de “veementes presunções de fatos já certos” (BRASIL,
2002), que corresponde aos chamados “[...] filhos de criação, enquadráveis na
filiação socioafetiva.” (LÔBO, 2011, p. 237). Pois pai é aquele que “[...] além de
emprestar o nome de família, o trata como sendo verdadeiramente seu filho perante
o ambiente social”. (LÔBO, 2011, p. 237).
Em suma, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 411) faz um
apanhado geral a respeito da posse do estado de filho:
É espécie de filiação socioafetiva (ex: “filho de criação”), sendo a
paternidade encarada como relação psicoafetiva existente na convivência
duradoura e presente no ambiente social, capaz de assegurar ao filho não
só um nome de família, mas sobretudo afeto, dedicação, cuidado e abrigo
assistencial. Não houve expressa disposição normativa que cuide da posse
do estado de filho, mas a noção da parentalidade e de filiação socioafetiva
se fundamenta em princípios constitucionais, notadamente o da afetividade,
a permitir o reconhecimento da posse do estado de filho implicitamente
(arts. 1.593,1605 e 1606, CC).
Diante do exposto, no próximo capítulo tratar-se-á da presunção de
paternidade, contida no art. 1.597 do CC/2002 e da reprodução assistida, e seus
principais aspectos.
32
3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: PRINCIPAIS ASPECTOS
Neste capítulo discutir-se-á a evolução histórica da reprodução assistida,
as presunções de paternidade, as principais técnicas de reprodução assistida, as
bases constitucionais para um direito à reprodução humana assistida e, a
fundamentação legal aplicável.
Para realizar essa tarefa, serão tomadas como base a Constituição da
República Federativa do Brasil e a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 (Código
Civil) e as normas dispostas no Conselho Federal de Medicina. Também serão
utilizadas algumas das principais contribuições teóricas sobre esse tema, com
ênfase para as obras de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Eduardo de Oliveira
Leite, Flávio Tartuce e José Fernando Simão, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, Carlos
Roberto Gonçalves, Maria Helena Machado e Reinaldo Pereira e Silva.
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Conforme Maria Helena Machado “relatos históricos demonstram, em
todas as gerações, fatos que revelam a grande preocupação do homem, diante da
necessidade de garantir a perpetuação da sua espécie”. (MACHADO, 2006, p. 28).
Segundo Gustavo Pereira Leite Ribeiro (2002, p. 283) após a Segunda
Guerra Mundial houve um “[...] progresso técnico e científico nos domínios da
biologia e da genética, pelo qual o homem passa a interferir diretamente em
processos até então monopolizados pelas leis da natureza, como a reprodução
humana”.
Acrescenta Belmiro Pedro Welter (2003, p. 216) que: “A primeira
experiência de reprodução humana medicamente assistida, em meados do século
XVIII, ocorreu em peixes e, em seguida, com mamíferos, mas em 1799, houve o
primeiro caso conhecido de reprodução assistida em seres humanos [...].”
Este primeiro caso foi realizado pelo médico e biólogo inglês John Hunter,
“[...] através do depósito de uma amostra de sêmen no ambiente intravaginal. No
século XIX, o americano Willian Pancoast realizou a primeira inseminação artificial
utilizando sêmen de doador com sucesso”. (RIBEIRO, 2002, p. 284).
33
Paulo Lôbo (2011, p. 224) declara o maior avanço científico: “Em 1963
registrou-se a primeira inseminação com sêmen humano congelado, tendo havido
sucesso em 1978, com o nascimento do primeiro “bebê de proveta” (Louise Brown)
na Inglaterra. No Brasil, o primeiro “bebê de proveta” nasceu em 1984, no Paraná.”
(LÔBO, 2011, p. 224).
Maria Helena Machado ao discorrer a respeito do panorama histórico da
inseminação artificial assevera que “a partir de 1980 o nascimento dos bebês
inseminados artificialmente deixou de se constituir em acontecimento raro e passou
a fazer parte, normalmente, da forma terapêutica no tratamento dos problemas de
esterilidade”. (MACHADO, 2006, p. 31).
Com o advento da CRFB/1988, essa não vislumbrou, especificamente, a
respeito das técnicas de reprodução assistida, porém “[...] algumas disposições
constitucionais abraçam temas ligados à matéria, como direito à saúde (art. 6º 196),
ao meio ambiente (art. 225), à liberdade científica (arts. 5º, IX, e 218), ao
planejamento familiar (art. 226, § 7º) entre outros”. (KRELL, 2006, p. 98).
No mesmo entendimento, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p.
999) elucida:
O direito à reprodução deve ser reconhecido no âmbito da Constituição
Federal de 1988 como direito fundamental, a partir da consideração dos
direitos à vida, à liberdade e à saúde, e, em se verificando a impossibilidade
da liberdade procriativa por circunstâncias relativas à esterilidade do casal –
ou de um deles – ou à grande probabilidade de transmissão de doenças
hereditárias à prole, incumbe ao Estado fornecer recursos educativos e
científicos para o exercício do direito ao planejamento familiar.
Nessa senda, Olga Jubert Gouveia Krell (2006, p. 105) alega que “[...] o
direito à proteção da família, previsto no caput do art. 226 da CF de 1988, contempla
também o direito ao uso das técnicas de reprodução assistida (A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado)”.
3.2 CONCEITO
No entendimento de Maria Helena Machado (2006, p. 20) “como
obstáculo à realização do profundo desejo de filiação que é inato ao homem, tem-se
a esterilidade e a infertilidade frustando [sic] essa necessidade humana de se
multiplicar e se perpetuar pela procriação”.
34
Para Tycho Brahe Fernandes: “As técnicas de reprodução assistida são
avanços biotecnológicos que tanto permitem contornar os problemas de esterilidade
quanto solucionar alguns de infertilidade.” (FERNANDES, 2000, p. 52).
Importante salientar que esterilidade “se caracteriza pela impossibilidade
de ocorrer a fecundação numa situação irreversível”, e a infertilidade “é a
incapacidade de ter filhos vivos, sendo possível a fecundação e o desenvolvimento
do embrião ou feto, equivalendo à hipofertilidade”. (MACHADO, 2006, p. 20-21).
Gustavo Pereira Leite Ribeiro (2002, p. 286) conceitua fecundação como:
[...] processo biológico constituído por uma sequência de eventos que
começa com a união do gameta masculino (espermatozóide) com o gameta
feminino (óvulo) e termina com a fusão dos núcleos destes dois gametas e
a mistura dos seus cromossomos, formando uma nova célula, que pode ser
denominada embrião.
As espécies de reprodução assistida visam favorecer a eficácia da
fecundação, porém o ser humano não exerce o controle direto da união desses
gametas, podendo tais métodos restar frustrados, uma vez que para o
desenvolvimento do embrião é necessário a fixação no útero da mulher (RIBEIRO,
2002, p. 287).
Tratar-se-á a seguir das presunções de filiação contidas no CC/2002.
3.3 A FILIAÇÃO POR PRESUNÇÃO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA
O direito sempre se valeu de presunções, haja vista a dificuldade em se
atribuir a paternidade ou maternidade a alguém. Elas têm a finalidade de determinar
o momento exato da concepção, definir a filiação e afirmar a paternidade, com
direitos e deveres decorrentes (LÔBO, 2011, p. 219).
Paulo Lôbo (2011, p. 219) discorre sobre os tipos de presunções sendo:
A presunção pater is est quem nuptia demonstrant, impedindo que se
discuta a origem da filiação se o marido da mãe não a negar;
A presunção mater semper certa est, impedindo a investigação de
maternidade contra mulher casada. A maternidade manifesta-se por sinais
físicos inequívocos, que são a gravidez e o parto, malgrado a manipulação
genética se tenha encarregado de pôr dúvidas quanto a origem biológica;
A presunção de paternidade atribuída ao que teve relações sexuais com a
mãe, no período da concepção;
35
A presunção de exceptio plurium concubentium, que se opõe à presunção
anterior, quando a mãe tiver relações com mais de um homem no período
provável da concepção.
A expressão latina “[...] mater semper certa est et pater is est quem nuptia
demonstrant, que pode ser resumida da seguinte forma: a maternidade é sempre
certeza, a paternidade é presunção. É fundamental ressaltar que essa máxima
perdeu relevância prática”. (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 317).
O art. 1.597 do CC/2002 traz as presunções de paternidade, in verbis:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido. (BRASIL, 2002).
Esses incisos demonstram que a filiação não precisa, necessariamente,
ser oriunda da conjunção carnal, mas que também deve ser considerada a filiação
além deste aspecto biológico, o que nos remete ao aspecto da afetividade, em
proveito de uma paternidade de intenção (LEITE, 2005, p. 204).
Os dois primeiros incisos do art. 1.597 do CC/2002 consistem nos
períodos mínimo e máximo de gestação viável. O inc. I cita o prazo de cento e
oitenta dias a contar do estabelecimento da convivência conjugal, e não da
celebração do casamento, haja vista pessoas que se casam por procuração, por
exemplo (GONÇALVES, 2009, p. 288).
Nesse primeiro caso, a paternidade não pode ser contestada quando “[...]
o marido, ao casar, tinha conhecimento da gravidez da sua mulher; quando o
suposto pai assistiu, por si ou por intermédio de procurador, à lavratura do registro
de nascimento, sem contestar a paternidade”. (LISBOA, 2006, p. 351).
O inc. II, por sua vez, prevê o filho nascido trezentos dias posterior á
dissolução da sociedade conjugal, logo haverá presunção de que o filho é do
primeiro marido, se nascer dentro dos trezentos dias a contar do falecimento do
marido, após esses trezentos dias presume-se ser do segundo marido (TARTUCE;
SIMÃO, 2008, p. 318).
36
Em matéria de filiação, o CC/2002 trouxe uma grande novidade quanto
aos efeitos da reprodução assistida, em especial no que tange a presunção de
concepção. Esta mudança está presente nos incs. III, IV e V do art. 1.597, que
enfrenta a questão tão complexa da fecundação fora da relação sexual, permitindo o
desenvolvimento do ser humano fora do corpo da mulher, ou seja, no laboratório
(LEITE, 2005, p. 204).
O inc. III do art. anteriormente citado refere-se aqueles nascidos por
fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. A palavra fecundação
“[...] indica a fase de reprodução assistida consistente na fertilização do óvulo pelo
espermatozoide. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen
originário do marido”. (GONÇALVES, 2009, p. 291).
No caso de falecido o marido, para que seja presumida sua paternidade,
a mulher ao se sujeitar a uma das técnicas de reprodução assistida utilizando o
sêmen do falecido, é necessário que esteja na condição de viúva e que haja
autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua
morte (GONÇALVES, 2009, p. 291).
O inc. IV do art. 1.597 do CC/2002, presume a paternidade daqueles
havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, resultantes
de concepção artificial homóloga. “Esses embriões são aqueles decorrentes da
manipulação genética, mas que não foram introduzidos no ventre materno, estando
armazenados em entidades especializadas, em clínicas de reprodução assistida.”
(TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 319).
Será admitida a concepção de embriões excedentários apenas se estes
originarem de fecundação homóloga, ou seja, gametas do pai e mãe casados ou em
união estável. Por conseguinte, está proibida a utilização desses embriões por
homem e mulher que não sejam os pais genéticos, em virtude de o Brasil não ter
acolhido o uso de útero alheio, conhecido como barriga de aluguel (GONÇALVES,
2009, p. 292).
O último inciso trata da presunção dos filhos havidos por inseminação
artificial heteróloga, ou seja, material genético de terceiro, e não do marido, para que
haja a fecundação do óvulo na mulher. Conforme a lei menciona, a única exigência é
que tenha a prévia autorização do marido, caso contrário não haverá a presunção de
paternidade (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 319).
37
De acordo com Maria Helena Diniz (2002a, p. 380) essa presunção visa
fazer com que o marido não venha desconhecer a paternidade que assumiu
voluntariamente ao autorizar a inseminação artificial heteróloga, portanto tal
paternidade não terá vínculo sanguíneo, ponderando-se o vínculo afetivo, ou seja, a
filiação socioafetiva.
Com a anuência do marido, este será o pai legal da criança concebida,
não podendo impugnar a paternidade, salvo se provar que houve infidelidade por
parte da mulher (LEITE, 2005, p. 206).
O art. 1.597, V, do CC/2002, pode apresentar a presunção relativa e a
absoluta, dependendo do caso concreto (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 320):
Muitas vezes poderá ocorrer falsidade dessa autorização do marido, sendo
mais seguro percorrer o caminho de que a presunção é relativa (iuris
tantum). Mas, no caso em que não há dúvida quanto a essa autorização do
marido para a inseminação heteróloga, a presunção deve ser visualizada
como absoluta (iure et de iure), o que veda o comportamento contraditório
do esposo, que, se arrependendo da autorização concedida, não quer
registrar o filho nascido da reprodução assistida. (TARTUCE; SIMÃO, 2008,
p. 320).
O Enunciado 105 do CJF/STJ da I Jornada de Direito Civil, esclarece os
termos utilizados nos incs. III, IV e V do art. 1.597, quais sejam, respectivamente, “as
expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’,
devendo ser interpretadas como técnicas de reprodução assistida, consideradas
espécies do mesmo gênero (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 321).
Diante dos elementos expostos, estudar-se-á a seguir as principais
técnicas de reprodução assistida.
3.4 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Leo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine descrevem as técnicas
de reprodução assistida (TRA) como “[...] o conjunto de técnicas que auxiliam o
processo de reprodução humana”. (2005, p. 295).
No mesmo norte, Reinaldo Pereira e Silva (2002, p. 53) conceitua essas
técnicas como “[...] um conjunto de procedimentos em reprodução humana no qual o
38
aparato biomédico interfere de alguma forma, ora manuseando gametas, ora
manipulando pré-embriões”.
As principais técnicas de reprodução assistida são “a inseminação
artificial; a fertilização ou fecundação in vitro (FIV); a transferência de gametas para
as trompas (GIFT); e a transferência de zigoto para as trompas (ZIFT)”. (CAMARGO,
2003 apud MADALENO, 2011, p. 505).
3.4.1 Inseminação artificial
Silvia da Cunha Fernandes (2005, p. 28, apud Madaleno, 2008, p. 387)
discorre sobre a inseminação artificial:
representa a união do sêmen ao óvulo por meios não naturais de cópula,
objetivando a gestação diante da deficiência pelo processo reprodutivo
normal. É a introdução do esperma masculino diretamente no útero da
mulher, ausente o ato sexual. A inseminação ou a introdução do sêmen no
útero feminino em procedimento laboratorial não garante a fecundação,
porque o óvulo e o espermatozóide podem não se fundir. É dos
procedimentos mais simples, com poucos recursos tecnológicos, onde os
espermatozóides do marido (inseminação homóloga) ou de um banco de
esperma (inseminação heteróloga) são coletados, selecionados, preparados
e transferidos para o colo do útero.
A inseminação artificial pode ser homóloga ou heteróloga.
3.4.1.1 Inseminação artificial homóloga
Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 724) conceitua a
inseminação artificial homóloga como uma técnica que não envolve ato sexual, em
que os gametas utilizados para a reprodução são do próprio casal, ou seja, sêmen
do marido e óvulo da mulher e, desse modo, a criança gerada portará a herança
genética de ambos.
Esta técnica é indicada para casos de anomalias masculinas e alterações
orgânicas femininas, exemplos:
[...] disfunções sexuais que impedem a ejaculação no lugar adequado,
anomalias de plasma seminal (escasso ou excessivo volume de
espermatozóide), ou diante da impossibilidade de fertilidade pelos
tratamentos esterilizantes recebidos como: vasectomias, cirurgias,
esterilizações por radioterapias e quimioterapias, tendo o varão a
possibilidade de fecundar através do sêmen congelado, anteriormente. É
39
indicada nos casos de alterações orgânicas femininas, como: esterilidade
cervical, vaginismo, malformação do aparelho genital. (MACHADO, 2006, p.
36).
A eficácia da gravidez mediante essa técnica está fundada em dois
parâmetros, um masculino e outro feminino, quais sejam: o sêmen adequado para a
fertilização deve ser no mínimo 3,5 milhões de espermatozoides móveis após a
capacitação; e o parâmetro feminino é que a anatomia pélvica assegure a
integridade funcional das trompas de falópio (SILVA, 2002, p. 56).
No inc. III do art. 1.597 do CC/2002 que trata de inseminação homóloga, a
cláusula ‘mesmo que falecido o marido’, dispõe que só poderá utilizar o sêmen
deste, se o houver autorização expressa do uso após seu falecimento. Observa-se
que “[...] sem tal autorização, os embriões devem ser eliminados, pois não se pode
presumir que alguém queira ser pai depois de morto”. (DIAS, 2007, p. 330).
3.4.1.2
Inseminação artificial heteróloga
De acordo com o entendimento de Rolf Madaleno (2008, p. 392),
inseminação artificial heterológa é aquela em que é utilizado o sêmen de um
terceiro, ou seja, um doador estranho ao casal, “sendo imprescindível o expresso
consentimento do parceiro.” (MADALENO, 2011, p. 392).
No mesmo norte, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 724)
acrescenta que essa técnica pode ocorrer tanto na doação de espermatozoides,
como na doação de óvulos, em virtude de o homem ou a mulher estarem
impossibilitados de fornecerem os próprios gametas.
Ensina ainda:
[...] É importante notar que no caso das técnicas de reprodução assistida
heteróloga, é possível a ocorrência de três seguintes situações: a) o
emprego do óvulo da mulher (esposa/companheira) solicitante, que vai ser
fertilizado por sêmen de terceiro-doador; b) o emprego do óvulo de terceiradoadora, que será fertilizado pelo sêmen do homem (marido/companheiro)
solicitante; c) emprego do óvulo de terceira-doadora, que será fertilizado
pelo sêmen de terceiro-doador. Nas duas primeiras alternativas, a criança a
nascer carregará metade da informação genética do casal, não havendo
qualquer informação genética do casal, daí a necessidade das duas
primeiras serem consideradas assemelhadas à doação unilateral, enquanto
que a terceira será assemelhada à doação bilateral [...]. (GAMA, 2003, p.
725).
40
A
manifestação,
expressa
no
art.
1.597,
V
do
CC/2002,
do
marido/companheiro corresponde a uma adoção do filho, pois demonstra o desejo
de se tornar pai. Porquanto esta “[...] autorização não pode ter duração infinita [...],
separado o casal, é necessário reconhecer a possibilidade de revogação do
consentimento, contanto que ocorra antes da implementação do embrião no óvulo
da mulher”. (DIAS, 2007, p. 332).
Assim, a I Jornada de Direito Civil nos traz o Enunciado 104 com o
objetivo de nos nortear quando nos deparamos com esse método de reprodução
assistida (VILAS-BÔAS, 2011), in verbis:
104 – Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida
envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto
fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo
risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando
presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da
mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou
implícita) da vontade no curso do casamento.
O nascimento de uma criança oriunda da inseminação artificial
heteróloga, determina que a paternidade “não terá base biológica, mas sim
fundamento moral em prestígio à relação socioafetiva posteriormente estabelecida
entre os dois (chamada desbiologização, ou seja, a substituição da ligação genética
pela ligação afetivo-psicológica)”. (RAPOSO E SILVA, 2002, p. 315).
Essa desbiologização da paternidade se caracteriza por vincular a filiação
não apenas pelo liame biológico, mas também pela relação de afeto, base da filiação
socioafetiva.
3.4.2 Fertilização in vitro
De acordo com Maria Helena Machado (2006, p. 39) a fertilização in vitro
consiste “[...] em permitir o encontro entre o óvulo e os espermatozóides fora do
corpo da mulher, e depois de um a três dias mais tarde, em colocar no útero dessa
mesma mulher, o embrião obtido, para que ele possa ali se desenvolver”.
Raquel de Lima Leite Soares Alvarenga (2004, p. 232) elucida que essa
técnica tem por finalidade que “[...] os espermatozóides fecundem os óvulos fora do
corpo da mulher, quando não há a possibilidade de realização deste processo em
seu lugar natural, a trompa de Falópio”.
41
A mesma autora continua o estudo e dispõe:
[...] é realizado em laboratório, mantendo óvulos e espermatozóides em
uma placa de Petri com meio de cultivo (líquido que simula o fluido tubárico)
e sob o controle de condições ambientais como temperatura, umidade,
concentração de oxigênio, gás carbônico, entre outras. As pacientes que se
beneficiam da FIV são mulheres cuja função de ambas as tubas uterinas
tenha sido irreversivelmente prejudicada. Além de contornar as tubas
lesadas, a FIV pode ser indicada, com bons resultados, para pacientes com
outras causas de infertilidade, como a endometriose, distúrbios ovulatórios,
fatores masculinos e na infertilidade sem causa aparente. (ALVARENGA
2004, p. 233).
Nesse procedimento pode ser utilizado tanto o sêmen do marido, quanto
o sêmen de um doador anônimo, ou seja, fertilização homóloga ou heteróloga,
respectivamente (MADALENO, 2011, p. 514).
Importante salientar que as fertilizações in vitro “[...] dão origem aos
denominados embriões excedentes, ou seja, aqueles que concebidos em laboratório
não chegam a ser implantados no útero”. (BARBOZA, 2004, p. 227).
Maria Helena Machado (2006, p. 40) relata que: “Não existe limite
biológico conhecido para o tempo de duração da conservação de um embrião. O
embrião congelado poderá permanecer por cinco, dez anos ou séculos em
hibernação.”
3.4.2.1 Transferência de gametas para as trompas (GIFT)
Conhecida também como a transferência intratubária de gametas (GIFT,
sigla em inglês), sendo:
[...] idealizada pelo médico argentino Ricardo Ash, consiste [...] na captação
dos óvulos da mulher, através de laparoscopia, e o esperma do homem,
colocando-os ambos os gametas em uma cânula especial, devidamente
preparados, introduzindo-os em cada uma das Trompas de Falópio, lugar
onde se produz naturalmente a fertilização. (OMMATI, 2001, p. 948, apud
WELTER, 2003, p. 220).
Essa transferência possibilita a fecundação in vivo, ou seja, o sêmen é
introduzido no organismo da mulher no exato momento em que seus óvulos são
captados por laparoscopia e reintroduzidos diretamente na Trompa de Falópio, e
não para o útero, o que torna o processo de fecundação mais natural (MACHADO,
2006, p. 47).
42
De acordo com Rolf Madaleno (2011, p. 514), a GIFT é uma variante da
fertilização in vitro, porém como já dito anteriormente acontece in vivo, e “tem maior
aceitação sob o aspecto ético e religioso” por acontecer de forma mais natural do
que as outras técnicas de reprodução humana assistida.
3.4.2.2 Transferência de zigoto para as trompas (ZIFT)
A transferência de zigoto para as trompas (Zibot Intra Fallopian Transfer)
consiste na retirada de óvulos da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmen do
marido ou de outro homem, para depois introduzir um ou mais em suas trompas,
este óvulo fecundado chama-se zigoto (WELTER, 2003, p. 221).
Esse método é o mais artificial dentre os outros, pois o embrião,
depositado no interior do corpo da mulher, sofre anteriormente uma divisão celular
encontrando com duas a oito células, isso tudo acontece in vitro (HATEM, 2002, p.
198).
Necessário que se tenha as trompas saudáveis, pois serão colocadas
nelas os embriões entre vinte e quatro e quarenta e oito horas depois da fecundação
que se dá em laboratório, combinando “[...] as vantagens da fertilização in vitro com
as da transferência de gametas”. (LOYARTE; ROTONDA, 1995, p. 127 apud
MADALENO, 2011, p. 515).
De acordo com Roberto Senise Lisboa (2006, p. 370), “os zigotos não
introduzidos no organismo feminino são congelados e conservados nessa condição
até que o casal delibere a respeito”.
3.5 BASES CONSTITUCIONAIS PARA UM DIREITO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Com “o rápido progresso da ciência no campo da procriação, criou uma
desarmonia com as legislações existentes, demonstrando a grande lacuna no
ordenamento jurídico diante das novas descobertas”. (MACHADO, 2006, p. 15).
Conforme elucida Olga Jubert Gouveia Krell (2006, p. 98), a CRFB/1988
não possui normas específicas em relação às técnicas de reprodução humana
assistida e destaca:
43
No tocante às TRHA, vislumbra-se um apanhado de normas e princípios
constitucionais que podem fornecer respostas jurídicas – possibilidades e
limites – e ofertar respaldo legal para um possível direito à reprodução
humana assistida. Como não há menção expressa do referido direito, ele
deve ser construído através da interpretação sistemática dos direitos
fundamentais à vida, (art. 5º, caput), à saúde e ao de constituir uma família,
baseado no direito fundamental ao planejamento familiar, sempre
amparados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da
república (art. 1º, III). (KRELL, 2006, p. 98).
Afirma, ainda, que no art. 226 da CRFB/1988 que estabelece a respeito
da proteção da família, esse “[...] contempla também o direito ao uso das técnicas de
reprodução assistida (A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado)”. (KRELL, 2006, p. 105).
Salienta que:
O texto constitucional silencia quanto à possibilidade de existência de uma
família originária das TRHA, isto é, composta por pai, mãe, que
impossibilitados de gerar seus próprios filhos, recorrem ao auxílio do
artifício. Só há que se falar em proteção à entidade familiar se esta for
devidamente constituída. Em conseqüência, é possível construir um direito
do homem e da mulher à reprodução, seja ela natural ou artificial, enquanto
expressão do direito de constituir uma família. (KRELL, 2006, p. 105).
Diante dessa falta de legislação específica, “parece-nos que o eventual
estatuto da reprodução humana assistida deve valer-se da moderna técnica
legislativa de utilização de cláusulas gerais e principiológicas, abandonando a
tradicional técnica do tipo regulamentar”. (RIBEIRO, 2002, p. 292).
Segundo Costa (1998, p. 29 apud RIBEIRO, 2002, p. 292) cláusula geral
significa:
[...] do ponto de vista da técnica legislativa, constitui uma disposição
normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura
intencionalmente aberta, fluida, ou vaga, caracterizando-se pela ampla
extensão do seu campo semântico. Essa disposição é dirigida ao juiz de
modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista dos
casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas,
mediante o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do
sistema.
Ressalta-se que a utilização dessas cláusulas gerais e principiológicas
“[...] valoriza o papel do intérprete e aplicador do direito, que deverão dar conteúdo a
tais cláusulas, através de um processo argumentativo e específico para cada caso
concreto”. (RIBEIRO, 2002, p. 292).
44
Porém, tais cláusulas não servem para solucionar todos os problemas
advindos da prática da reprodução humana assistida, “[...] mas proporcionam
condições necessárias para a criação da norma jurídica aplicável diante das
peculiaridades de um caso concreto”. (RIBEIRO, 2002, p. 293).
Quanto aos princípios constitucionais, o da liberdade tem ligação com o
uso das técnicas de reprodução assistida, visto que “[...] seria possível reconhecer
nela a faculdade que toda a pessoa possui de autodeterminar-se fisicamente, o que
incluiria a sua própria reprodução”. (SANCHEZ, 1994, p. 48 apud KRELL, 2006, p.
103).
Como base constitucional da construção de um direito ao uso dessas
técnicas, pode ser chamada à baila o art. 226, § 7º da CRFB/1988, que dispõe:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988).
De acordo com o entendimento de Olga Jubert Gouveia Krell (2006, p.
106), o direito ao planejamento familiar, consagrado na Carta Magna, concedeu ao
homem e à mulher a titularidade de direitos reprodutivos, podendo planejar sua
família como bem entenderem.
Para a concretização do direito ao planejamento familiar, o texto
constitucional é bem claro ao exigir a observância dos princípios da dignidade da
pessoa humana e da paternidade responsável, que devem ser associados ao
princípio do melhor interesse da criança, em que a criança ou adolescente se torne
um sujeito de direitos, merecedores de tutela do ordenamento jurídico (GAMA, 2003,
p. 457).
Assim, “no Direito brasileiro, um direito fundamental à reprodução
assistida, passa, necessariamente, pela análise de outros direitos fundamentais
positivados no texto da CF de 1988, na base dos quais pode ser construído tal
direito”. (KRELL, 2006, p. 102).
Portanto, “o desejo compreensível de gerar seus próprios filhos com o fito
de constituir família com prole, aliado ao planejamento familiar adequado às
45
necessidades do casal, é fator elementar que justifica o pretenso direito fundamental
à reprodução assistida”. (KRELL, 2006, p. 109).
3.6 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
O CC/2002 traz uma abordagem superficial no que tange a reprodução
humana assistida. Em seu texto trata, tão somente, a respeito da presunção de
filiação. Quanto às normas dessa matéria, estas devem ser reguladas por leis
especiais, devida a suas constantes modificações e descobertas no campo da
genética como também pelo fato dos códigos serem caracterizados pela estabilidade
de leis (MADALENO, 2011, p. 505).
3.6.1 Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1.957, de 2010
Embora ainda escassa qualquer regulamentação brasileira a respeito da
reprodução humana assistida, salienta Rolf Madaleno (2011, p. 507) que a única
fonte normativa está disciplinada na Resolução n. 1.957, do Conselho Federal de
Medicina (CFM), de 15 de dezembro de 2010, e publicada no Diário Oficial da União,
de 06 de janeiro de 2011.
Conforme entendimento de Leo Pessini e Christian de Paul de
Barchifontaine (2005, p. 300) essa resolução traz as normas éticas para utilização
das técnicas de reprodução assistida, partindo da necessidade de se superar a
infertilidade humana.
Tais técnicas “[...] somente poderão ser aplicadas com a função de
auxiliar a resolução de questões de infertilidade da pessoa, permitindo a procriação
quando outras tentativas tenham se mostrado ineficazes ou ineficientes”. (GAMA,
2003, p. 807).
Essa resolução também prevê:
[...] a inviolabilidade e a não-comercialização do corpo humano, exige a
gratuidade do dom e que a prática da doação de material reprodutivo seja
anônima, devendo ser ainda respeitado o segredo médico. Indica a
necessidade de observação do chamado “consentimento informado” para
participação
de
mulheres
em
programas
FIV.
(PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2005, p. 301).
46
O CC/2002 não exige a autorização escrita, mas a Resolução n. 1.957 do
CFM menciona que “[...] será sempre obrigatório o consentimento informado das
pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida, mediante preenchimento e
a
assinatura
de
formulário
especial
autorizando
a inseminação
artificial”.
(MADALENO, 2011, p. 512).
Outro ponto importante é sobre o anonimato do doador de gametas, que
não consta em nenhum artigo de lei, porém constitui obrigatoriedade nessa
Resolução (SILVA, 2002, p. 318).
Quanto ao anonimato do doador de gametas, este será abordado
cautelosamente no próximo capítulo.
3.6.2 Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005
Em dois de março de 2005, foi aprovada a Lei n. 11.105 que revogou a
Lei da Biossegurança n. 8.974/1995 regulamentando “[...] a pesquisa de célulastronco de embriões e a comercialização de produtos transgênicos”. (PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2005, p. 301).
Em seu art. 1º encontram-se suas atribuições, in verbis:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o
transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento,
a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e
o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus
derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de
biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal
e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do
meio ambiente. (BRASIL, 2005).
Estabelece em seu art. 5º que:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por
fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas
as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de
congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou
terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus
47
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em
pesquisa.
§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este
artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4
de fevereiro de 1997. (BRASIL, 2005).
Esta lei veio “[...] conferir segurança às atividades relacionadas com
engenharia genética, a fim de garantir segurança à saúde humana, animal e do meio
ambiente”. (BEZERRA, 2011).
3.6.3 Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996
As técnicas de reprodução humana assistida são alcançadas pela Lei n.
9.263 de 12 de janeiro de 1996, pois regulamenta o direito ao planejamento familiar
que declara expressamente: “Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo
cidadão, observado o disposto nesta Lei.” (BRASIL, 1996).
No mesmo sentido, Heloisa Helena Barboza (2004, p. 230) afirma que:
O direito ao planejamento familiar encontra-se regulamentado pela Lei n.
9.263, de 12 de janeiro de 1996, que expressamente o declara direito de
todo cidadão (art. 1º), incluindo ‘a assistência à concepção e contracepção’,
devendo ser oferecidos para o exercício do planejamento familiar ‘todos os
métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e
que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a
liberdade de opção’ (arts. 3º, parágrafo único, I, e 9º).
Nesse âmbito, é possível afirmar que o direito ao planejamento familiar
possui duas faces:
[...] ora é fundamento constitucional à contracepção e a esterilização, ora é
fundamento constitucional ao direito de procriar artificialmente com fins
terapêuticos, isto porque, repita-se, o direito ao planejamento familiar está
intimamente vinculado às funções humanas reprodutivas que abrangem,
além da contracepção, a própria concepção, seja ela natural ou não.
(KRELL, 2006, p. 107).
Declarado esse direito de reproduzir ou não, importante mencionar que
“[...] ao se reconhecer o direito à procriação é indispensável que se considerem os
direitos
fundamentais
do
filho,
(BARBOZA, 2004, p. 231).
E, ainda, declara que:
também
internacionalmente
reconhecidos”.
48
Não se trata de um direito absoluto, estando sempre limitado pelos direitos
da criança por nascer, fundamentalmente por seu direito à dignidade e à
formação de sua personalidade no seio de uma família com dupla imagem
de genitores, paterna e materna [...]. (BARBOZA, 2004, p. 231).
Para Olga Jubert Gouveia Krell (2006, p. 106), a Lei n. 9.263/1996
regulamentou o que estabelece o art. 226, § 7º, porém essa “[...] norma, contudo,
não constitui base suficiente para fundamentar também o direito à procriação
assistida, visto que o texto legal não menciona as TRHA”.
3.6.4 Projetos de Lei
Diante da escassa legislação no que tange as técnicas de reprodução
assistida, tramitam no Congresso Nacional projetos referentes à matéria, ver-se-á a
seguir alguns dentre os mais importantes.
3.6.4.1 Projeto de Lei n. 90, de 1999
O Projeto de Lei n. 90, de 1999 defendido pelo Senador Lúcio Alcântara
trouxe várias inovações, sendo o projeto mais avançado no processo legislativo a
respeito da reprodução medicamente assistida. Por ter sido objeto de várias
deliberações a redação original já foi alterada duas vezes resultando em dois
substitutivos (CÂNDIDO, 2007). Hoje se encontra na secretaria de arquivo.
O primeiro substituto do Projeto de Lei n. 90/1999 vedava a mulheres
solteiras e a casais homossexuais o direito a utilizar as técnicas de reprodução
humana assistida, admitia, portanto, apenas a casados e a conviventes (DINIZ,
2002b, p. 482).
Porém, o segundo substituto estabeleceu a inclusão dessas mulheres
sem cônjuge ou companheiro, por força do art. 3º, IV da CRFB/1988, vedando
qualquer tipo de discriminação e do art. 5º da mesma codificação que estabelece o
princípio da igualdade (BARBOZA, 2004, p. 245).
Por outro lado, esse projeto admitiu:
[...] que a criança possa, pessoalmente ou por meio de representante legal,
obter todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive a
identidade civil do doador, no momento em que completar a maioridade, ou
49
antes desse termo, havendo óbito de ambos os pais (art. 6º, § 2º). (DINIZ,
2002b, p. 520).
O projeto apresentou o direito ao conhecimento da ascendência biológica
sob dois prismas:
a)
em favor da intimidade, determinando que “os estabelecimentos que
praticam a RA estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação, de modo a
impedir que doadores e beneficiários venham a conhecer reciprocamente
suas identidades, bem como as informações sobre a criança gerada a partir
do material doado”; e b) em favor da verdade genética, assegurando que
“apenas a criança terá acesso, diretamente ou por meio de um
representante legal, a todas as informações sobre o processo que a gerou,
inclusive a identidade civil do doador, obrigando-se o estabelecimento
responsável pelo emprego da RA a fornecer as informações solicitadas.
(SILVA, 2002, p. 321).
O projeto e seus substitutivos estabeleceram a obrigatoriedade de
registros para utilização dos métodos de reprodução medicamente assistida e de
dados sobre o doador de material genético para caso de necessidade de
informações aos médicos (CÂNDIDO, 2007). Também “previu duas possibilidades
ao ser gerado: este poderá requerer a identificação do doador ou apenas a
revelação dos dados acerca do doador para o médico”. (CÂNDIDO, 2007).
3.6.4.2 Projeto de Lei n. 1.184, de 2003
O Projeto de Lei n. 1.184, de 2003, tem como autoria o Senado Federal,
assim, foi encaminhado pelo Senador José Sarney, presidente do Senado Federal à
época, sendo que apensado a esse projeto de lei existem outros nove (VILASBÔAS, 2011).
Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da
criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais
biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador
terão acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para
obter informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o
segredo profissional e, sempre que possível, o anonimato.
§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau
do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de
direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à
pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida,
50
salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil. (BRASIL,
2003).
Esse projeto de lei encontra-se na Câmara dos Deputados, sendo
classificado como prioridade na tramitação.
3.6.4.3 Projeto de Lei n. 4.686, de 2004
O projeto de lei n. 4.686, de 2004 também foi apensado ao Projeto de Lei
n. 1.184, de 2003.
Esse projeto introduz o art. 1.597-A ao CC/2002, “[...] assegurando o
direito ao conhecimento da origem genética do ser gerado a partir de reprodução
assistida, disciplina a sucessão e o vínculo parental, nas condições que menciona”.
(BRASIL, 2004).
Está aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC) desde 23 de maio de 2011.
3.6.4.4 Projeto de Lei n. 7.701, de 2010
O Projeto de Lei n. 7.701/2010 que se encontra apensado também ao
Projeto de Lei n. 1.184/2003 foi proposto pela deputada Dalva Figueiredo e tem
como objetivo estabelecer o prazo máximo para a realização da fecundação post
mortem e a obrigatoriedade da autorização expressa do marido para sua realização
(VILAS-BÔAS, 2011), apresentando assim, a introdução do seguinte artigo:
Art. 1.597-A. A utilização de sêmen, depositado em banco de esperma, para
a inseminação artificial após a morte do marido ou companheiro falecido,
somente poderá ser feita pela viúva ou ex-companheira com a expressa
anuência do marido ou companheiro quando em vida, e até trezentos dias
após o óbito. (BRASIL, 2010b).
O projeto apresenta como justificativa:
[...] o art. 226, § 7º da CRFB/1988 argumentando que o planejamento
familiar é de responsabilidade do casal, e não apenas de uma das pessoas
envolvidas. Assim, é necessário que haja uma autorização expressa do
marido para que ocorra a inseminação artificial e que prevalece o prazo de
300 dias após o óbito, haja vista que se devem preservar também os
interesses hereditários desse filho. (VILAS-BÔAS, 2011).
51
Esse projeto encontra-se em regime de tramitação com prioridade na
Câmara dos Deputados.
Diante dos elementos expostos, no último e derradeiro capítulo, verificarse-á se existe a possibilidade de o filho concebido por meio das técnicas de
reprodução assistida heteróloga ingressar com ação de investigação de paternidade
perante o doador de material genético.
52
4 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE FILIAÇÃO NA
REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Neste capítulo tratar-se-á do principal objeto de estudo do presente
trabalho, qual seja: a possibilidade de investigação de paternidade na reprodução
assistida heteróloga, levando em consideração aspectos do direito de personalidade,
origem genética, consentimento informado, investigação de paternidade e o direito
de filiação, além do posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
Para realizar essa tarefa, serão tomadas como base a Constituição da
República Federativa do Brasil e a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 (Código
Civil) e jurisprudências pertinentes. Também serão utilizadas algumas das principais
contribuições teóricas sobre esse tema, com ênfase para as obras de Guilherme
Calmon Nogueira da Gama, Paulo Luiz Netto Lôbo, Olga Jubert Gouveia Krell,
Flávio Tartuce e José Fernando Simão, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno e Belmiro Pedro
Welter.
4.1 REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
A reprodução assistida heteróloga é aquela em que as técnicas, tanto a
inseminação artificial, como a fertilização in vitro, são utilizadas sêmen de terceiro
doador, estranho ao casal, porém sempre com a autorização do marido ou
companheiro.
Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral e Daiane Ferreira Camarda
(2012) elucidam:
No Brasil não existem normas que regulamentem a matéria em comento,
gerando complexos problemas, vez que a Resolução do CFM, nada mais é
que um regulamento interno, dotado de princípios gerais que devem ser
seguidos pela classe médica, não esclarecendo e muito menos
solucionando problemas inerentes à ordem jurídica.
Em estudo sobre o assunto Paulo Lôbo (2011, p. 225) elucida: “Por linhas
invertidas, a tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer a natureza
fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da filiação e da paternidade.”
A filiação advinda do uso das técnicas de reprodução assistida heteróloga
assemelha-se a filiação biológica, pois as duas “[...] constituem vínculos de filiação
53
originários; a diferença, entretanto, se dá quanto ao elemento constitutivo
(fundamental) desse vínculo: na fecundação heteróloga pela vontade livre e
manifestada, na filiação clássica pela conjunção carnal”. (KRELL, 2006, p. 161).
Nessa senda, a reprodução assistida heteróloga é “[...] irrevogável no que
pertine aos vínculos parentais originários, tal como ocorre nos casos de procriação
carnal”. (GAMA, 2003, p. 1014).
Surgem, portanto, alguns questionamentos jurídicos e morais, tais como:
A impugnação da paternidade conduzirá o filho a uma paternidade incerta,
pela impossibilidade de se a estabelecer, devido ao segredo profissional
médico e ao anonimato do doador de sêmen inoculado na mulher.
Negação ao filho do direito à identidade, pois o doador ficará incógnito:
apenas a equipe médica saberá da procedência do material fertilizante, em
razão do segredo profissional. Isso não poderia trazer graves repercussões
psicológicas à criança? Não teria o filho o direito de conhecer sua origem ou
de ter acesso à identidade de seu pai genético? [...] Seu direito ao pai e à
identidade genética não seriam maiores do que o dever de sigilo? Havendo
reivindicação do filho assim gerado, a garantia do anonimato deveria
prevalecer?
Possibilidade de haver conflito de paternidade, pois a criança terá dois pais,
um jurídico e outro genético. O institucional será o marido da mãe, que
anuiu na inseminação cum semine alieno; o genético será o doador do
elemento viril fertilizante, que não será responsável juridicamente pelo ser
que gerou. Como solucionar esse conflito? (DINIZ, 2002b, p. 484, 487).
Com o emprego das técnicas de reprodução assistida heteróloga em que
se é possível procriar sem a contribuição genética de um dos cônjuges ou
companheiro, se faz imprescindível estabelecer critérios para solucionar os
consequentes efeitos jurídicos gerados com a referida técnica no que diz ao direito à
identidade, ao direito de conhecimento à origem genética e ao direito ao anonimato
do doador de gametas (CABRAL; CAMARDA, 2012).
4.2 DIREITO DE PERSONALIDADE
O CC/2002 proclama a ideia de pessoa e de direitos da personalidade,
porém não os define. Nas palavras de Miguel Reale (2004), “[...] pessoa é o valorfonte de todos os valores, sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico; os
direitos da personalidade correspondem às pessoas humanas em cada sistema
básico de sua situação e atividades sociais”.
Ressalta, ainda, que: “O importante é saber que cada direito da
personalidade corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio
54
corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos,
pensamos e agimos.” (REALE, 2004).
Para Fábio Ulhoa Coelho (2009b, p. 183) os direitos de personalidade são
absolutos, ou seja: “[...] qualquer pessoa que lhe tenha ofendido direito da
personalidade, pode o titular demandar proteção jurisdicional em razão de sua
natureza absoluta.” Além de absolutos, esses direitos são vitalícios e imprescritíveis
(COELHO, 2009b, p. 183).
De acordo com Washington de Barros Monteiro e Ana Cristina de Barros
Monteiro França Pinto (2009, p. 98), a CFRB/1988 “[...] consagrou em seu texto o
reconhecimento de que a pessoa é detentora de direitos inerentes à sua
personalidade, entendida esta como as características que a distinguem como ser
humano, ao mesmo tempo em que integra a sociedade e o gênero humano”.
Continuando o estudo, enfatiza Fábio Ulhoa Coelho (2009b, p. 182) que
os direitos da personalidade são protegidos constitucionalmente, e são “[...]
essenciais às pessoas naturais, porque não há quem não os titularize: direito ao
nome, à imagem, ao corpo e suas partes, à honra etc.”.
Silvio Romero Beltrão (2005, p. 50) argumenta que os direitos da
personalidade tem como base o fundamento ético da dignidade da pessoa humana,
como elemento essencial à própria existência da pessoa.
O direito à vida é “[...] reconhecido como o direito mais essencial entre os
essenciais, uma vez que sem a vida não há existência da pessoa e do próprio direito
da personalidade. O caráter essencial da vida faz com que nenhum outro bem exista
separadamente deste”. (CUPIS, 1959, p. 94 apud BELTRÃO, 2005, p. 101).
Esse direito é garantido desde o nascimento com vida até a morte da
pessoa humana, não importando o modo com que foi gerado, ou seja, o tipo de
parto, concepção ou a gestação. Direito esse protegido pela Carta Magna
(MONTEIRO; FRANÇA PINTO, 2009, p. 101).
Convém citar aqui o art. 2º do CC/2002 que dispõe: “A personalidade civil
da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2002).
Os direitos da personalidade classificam-se em: direitos físicos, direitos
psíquicos e direitos morais (BITTAR, 2000, p. 17 apud BELTRÃO, 2005, p. 97):
55
Os direitos físicos da personalidade tem correspondência com os
componentes materiais da estrutura humana, como a integridade física,
compreendendo o corpo como um todo: os órgãos, os membros, a imagem.
Os direitos psíquicos da personalidade são elementos intrínsecos da
pessoa, sua integridade psíquica, compreendendo: a liberdade, a
intimidade, o sigilo.
Os direitos morais dizem respeito aos atributos valorativos da pessoa na
sociedade, como seu patrimônio moral, compreendendo: a identidade, a
honra, as manifestações do intelecto. (BELTRÃO, 2005, p. 97, grifo nosso).
Outro direito da personalidade que convém trazer à baila é o direito à
intimidade, disposto no art. 21 do CC/2002, in verbis: “A vida privada da pessoa
natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (BRASIL,
2002). De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2009b, p. 193): “Privacidade e
intimidade devem ser tomadas como expressões sinônimas.”
Esse direito “[...] leva em consideração a autonomia da pessoa humana,
como a liberdade de tomar decisões sobre assuntos íntimos e revela-se como
garantia da independência a inviolabilidade da pessoa [...]”. (BELTRÃO, 2005, p.
129).
A CRFB/1988 também protege o direito à intimidade. Encontra-se em
artigos que “[...] tratam da inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das
comunicações em geral, como representação da paz e sossego da pessoa na
qualidade de elemento essencial à garantia da intimidade”. (BELTRÃO, 2005, p.
130).
Como exemplo do direito à intimidade ter-se-á o direito ao anonimato do
doador de material genético, em casos de técnicas de reprodução assistida
heteróloga (CUNHA; FERREIRA, 2008).
Para destacar outro direito da personalidade, qual seja o da identidade,
retomar-se-á a questão da reprodução assistida heteróloga, bem como a adoção,
que estabelece uma relação socioafetiva entre pais e filhos, já que inexiste vínculo
biológico entre eles (MOREIRA FILHO, 2002).
Essa filiação, portanto, estabelece-se não apenas em face do liame
biológico, mas principalmente em face do vínculo socioafetivo, que atende ao
princípio do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana e também
da paternidade responsável (MOREIRA FILHO, 2002).
Como forma de explicar o direito à identidade, Silmara Chinelato em
entrevista feita por José Roberto Moreira Filho, responde ao questionamento acerca
56
do temor que sofreriam os pais socioafetivos ante a possibilidade de o filho buscar a
sua origem genética, leciona:
O ‘direito à identidade genética’ não significa a desconstituição de
paternidade dos pais socioafetivos. Hoje, enfatiza-se a importância da
paternidade socioafetiva e a denominada ‘desbiologização’ da paternidade.
E o filho só conheceria os pais biológicos se quisesse. O que não se pode é
negar o direito de personalidade à identidade e fazê-lo crescer sob uma
mentira, como alertam os psicólogos. Um simples exame de tipo sanguíneo
pode destruir toda a fantasia de que a criança é filha biológica de um casal.
(CHINELATO, 2002 apud MOREIRA FILHO, 2002, grifo nosso).
Corroborando com esse entendimento, leciona Paulo Lôbo (2011, p. 227)
que o direito da personalidade abrange o direito a origem genética, ou seja, o direito
à identidade, não se resume, portanto, apenas ao nome.
Selma Rodrigues Petterle (2007, p. 89) elucida:
[...] o direito à identidade genética é um direito de personalidade que busca
salvaguardar o bem jurídico-fundamental “identidade genética”, uma das
manifestações essenciais da personalidade humana, ao lado do já
consagrado direito à privacidade e do direito à intimidade.
Desse modo, o estado de filiação, que decorre dos laços afetivos e
convivência entre pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de
paternidade ou maternidade. Não guarda relação com o fato de a pessoa conhecer
sua origem genética. Sendo situações distintas, a primeira natureza de direito de
família e a segunda de direito da personalidade (NETTO LÔBO, 2004).
Diante dos direitos da personalidade pertinentes ao tema de pesquisa,
ver-se-á a seguir os aspectos gerais do direito ao reconhecimento da origem
genética.
4.3 DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA
É possível “[...] que alguém possa pretender tão apenas investigar a sua
ancestralidade, buscando sua identidade biológica pela razão de simplesmente
saber-se a si mesmo”. (HIRONAKA, 2001).
Certo que cada ser humano “[...] se vê no mundo em função de sua
história, criando uma auto-imagem e identidade pessoal a partir dos dados
57
biológicos inseridos em sua formação, advindos de seus progenitores”. (ALMEIDA,
2003, p. 79).
Diante disso, não se pode negar a pessoa humana o direito ao
conhecimento da origem genética, “[...] ela existe e faz parte da história individual de
cada homem que nasce, contribuindo para a perpetuação da espécie humana e da
continuidade da vida no planeta [...]”. (ALMEIDA, 2003, p. 83).
Em relação às técnicas de reprodução humana assistida, Maria Helena
Diniz (2002b, p. 511) demonstra algumas sugestões de lege ferenda para um
anteprojeto, uma delas, trata-se da “[...] estipulação do direito do filho em obter
informações sobre os doadores, até atingir a idade nupcial”.
A esse respeito já dispõe a resolução n. 1.957/2010 do CFM:
IV-3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos
doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações
especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem
ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade
civil do doador. (BRASIL, 2010a).
Em estudo sobre o tema, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p.
907) salienta que:
[...] o direito à identidade pessoal deve abranger a historicidade pessoal e,
aí inserida a vertente biológica da identidade, sem que seja reconhecido
qualquer vínculo parental entre as duas pessoas que, biologicamente, são
genitor e gerado, mas que juridicamente nunca tiveram qualquer vínculo de
parentesco.
O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é
assegurar o direito da personalidade, no que tange ao direito à vida e sua
consequente proteção, advindos da necessidade de cada pessoa humana saber o
histórico de saúde de seus parentes e pai biológico (NETTO LÔBO, 2004).
Ressalta-se que não há necessidade de se atribuir a paternidade a
alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, o pai
biológico em um processo que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que
foi adotado (NETTO LÔBO, 2004). “São exemplos como esses que demonstram o
equívoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade
com direito à origem genética”. (NETTO LÔBO, 2004).
No mesmo norte Vercellone (1993 apud RAPOSO E SILVA 2002, p. 315):
58
[...] nega a possibilidade do doador de esperma tornar-se pai do nascido,
mas permite ao filho, ao atingir a maturidade, conhecer a pessoa de cujo
corpo proveio o sêmen que participou de sua própria criação, e, portanto, é
responsável pelo seu nascimento e por seus caracteres genéticos.
Paulo Lôbo (2011, p. 228) continua o estudo e alega que: “O estado de
filiação deriva da comunhão afetiva que se constrói entre pais e filhos,
independentemente de serem parentes consanguíneos. A verdade em matéria de
filiação colhe-se do viver e não em laboratório.”
Nesse diapasão, para que seja possível o direito ao conhecimento da
origem genética por pessoa gerada por meio de reprodução assistida heteróloga, ou
seja, com sêmen de doador anônimo (LÔBO, 2011, p. 228), a resolução n.
1.957/2010 do CFM dispõe em sua seção IV, 4, que: “As clínicas, centros ou
serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro
de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de
material celular dos doadores.” (BRASIL, 2010a).
4.4 DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DE GAMETAS
No Brasil, devido à escassa legislação a respeito da reprodução humana
assistida, a resolução n. 1.957/2010 do CFM que disciplina sobre esse método
conceptivo,
orienta,
mesmo
que
administrativamente,
o
sigilo
do
doador
(MACHADO, 2006, p. 119).
O anonimato encontra-se na seção IV, 2 e 3, in verbis:
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e viceversa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores
de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais,
as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser
fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil
do doador. (BRASIL, 2010a).
No entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p.
903): “O anonimato dos pais naturais – na adoção – e o anonimato da pessoa do
doador – na reprodução assistida heteróloga - se mostram também necessários para
permitir a plena e total integração da criança na sua família jurídica.”
Por outro lado, Maria Helena Diniz (2002b, p. 125) assevera que:
59
O nascituro tem, em caso de fertilização assistida, o direito à identidade,
que lhe vem sendo negado ante a exigência do anonimato do doador do
material fertilizante e do receptor do material genético, mas é preciso
esclarecer que o anonimato não significa que se lhe deva esconder tudo,
pois nada obstará que se lhe revelem os antecedentes genéticos do doador,
quando atingir a idade nupcial, para evitar incesto, daí a obrigatoriedade do
registro de dados dos partícipes do processo de reprodução assistida e da
criação de mecanismos de controle estatal de avaliação das doações feitas
em bancos de sêmen e óvulos.
Diante disso, importante salientar que “[...] o sigilo do doador de material
genético poderá ser afastado em benefício da proteção a interesses de maior
relevância”. (RAPOSO E SILVA, 2002, p. 316).
Contudo, o anonimato do doador de sêmen gera discussões a respeito da
possibilidade jurídica de o mesmo ser quebrado para que se estabeleça a origem
genética da pessoa oriunda via reprodução assistida heteróloga, uma vez que tal
possibilidade entra em conflito com o direito à intimidade do doador, que teria sua
identidade revelada (CABRAL; CAMARDA, 2012).
4.5 CONSENTIMENTO INFORMADO
Consentimento informado denomina-se, de acordo com Sandra Lima
Alves Montenegro (2004, p. 189), como a “[...] aceitação para o tratamento, que
deve ser manifesta após prévia e adequada informação ao (s) usuário (s) das
técnicas” de reprodução humana assistida.
Tem-se como um documento de cunho obrigatório, assim tratado pelo
Código de Ética Médica e pela resolução n. 1.957/2010 do CFM. Desse modo, “[...]
as partes e o médico registrarão a troca de informações no intuito de esclarecer as
características do procedimento médico e tecer os limites desse procedimento, a fim
de que haja a emissão da vontade racional do casal anuindo com a técnica
adotada”. (MONTENEGRO, 2004, p. 193).
Nessa senda, a resolução supramencionada dispõe:
I-3 - O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes
submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os
aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma
técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As
informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico,
ético e econômico. O documento de consentimento informado será
expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por
60
escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.
(BRASIL, 2010a)
Em estudo sobre o tema, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p.
1014) explica:
Consumados os fatos e atos necessários a reprodução assistida heteróloga,
com a concepção, a gravidez e o nascimento da criança, desde a
concepção, é inadmissível que a pessoa revogue o consentimento
anteriormente manifestado, pois os vínculos já se estabeleceram. Como se
trata de vínculo originariamente estabelecido, o raciocínio jurídico deve ser
o mesmo daquele que é adotado na procriação carnal com a nuança de que
na reprodução assistida não houve relação sexual, mas a vontade
associada ao êxito do procedimento médico como substituto da conjunção
carnal. Daí a impossibilidade jurídica de a pessoa revogar a vontade
anteriormente manifestada.
Ressalta-se que “[...] a manifestação inequívoca de vontade associada ao
êxito da técnica de reprodução assistida e à convivência do casal substitui a relação
sexual. A manifestação de vontade também serve como elemento de prova da
coabitação do casal à época da concepção”. (GAMA, 2003, p. 999).
Quanto ao parentesco derivado desse método, “[...] sabe-se que a criança
é biologicamente filha do doador de sêmen e não do pai jurídico”. (BARBOZA, 2004,
p. 246). Portanto, o consentimento após a concepção deveria ser expressamente
irrevogável, em prol da criança gerada mediante essa técnica (BARBOZA, 2004, p.
246).
No mesmo norte, o art. 1.597, V, do CC/2002 procurou prevalecer o fator
socioafetivo ao biológico, mas “para que isso fosse possível, deveria ter especificado
que o consentimento para a inseminação artificial heteróloga fosse por escrito e
irrevogável”. (DINIZ, 2002b, p. 485).
4.6 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE FILIAÇÃO
Analisar-se-á, nesse momento, a possibilidade de o filho, gerado por meio
das técnicas de reprodução assistida heteróloga, ingressar com ação de
investigação de paternidade diante do pai biológico, ou seja, o doador de sêmen,
tendo em vista os institutos já mencionados, quais sejam: o direito ao conhecimento
da origem genética, o anonimato do doador e a proteção dos direitos de
personalidade.
61
4.6.1 Investigação de paternidade: aspectos gerais
A ação de investigação de paternidade é prevista pela Lei n. 8.560, de 29
de dezembro de 1992. Tem por finalidade a “[...] busca do reconhecimento do
estado de filiação do filho”. (BLIKSTEIN, 2008, p. 103).
Essa ação, “[...] por sua natureza declaratória e por envolver estado de
pessoas, não está sujeita a prazos decadenciais, sendo um direito indisponível do
investigante”. (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 340). Poderá ter “[...] caráter
condenatório e/ou constitutivo se, eventualmente, for cumulada com outro pedido,
como o de alimentos, por exemplo”. (BLIKSTEIN, 2008, p. 103).
O filho investigante é quem possui legitimidade ativa para ingressar com a
investigação de paternidade. Sendo menor (absolutamente incapaz) esse deverá ser
representado,
ou
assistido,
caso
tenha entre
dezesseis e
dezoito
anos
(relativamente incapaz), normalmente pela mãe, também cabe ao filho maior de
idade devida sua capacidade plena (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 342).
O art. 2º, § 4º, da Lei n. 8.560/1992 estabelece também a possibilidade de
o Ministério Público ingressar com tal ação, “[...] tendo legitimação extraordinária”
(TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 342) senão vejamos:
§ 4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação
judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao
representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos
suficientes, a ação de investigação de paternidade. (BRASIL, 1992).
Em estudo sobre o tema, Paulo Lôbo (2011, p. 265) elucida:
A ação não tem mais como finalidade atribuir a paternidade ou a
maternidade ao genitor biológico. Este é apenas um elemento a ser levado
em conta, mas deixou de ser determinante. O que se investiga é o estado
de filiação, que pode ou não decorrer da origem genética. Do contrário seria
mais fácil e rápido deixar que os peritos ditassem sentenças de filiação.
Afirma, ainda, que o estado de filiação supõe a convivência familiar
disposta no art. 227 da CRFB/1988, sendo comprovada pela estabilidade da relação
afetiva entre pais e filhos (LÔBO, 2011, p. 266). E determina que: “A verdade real da
filiação não é dada exclusivamente pela biologia, devendo o juiz considerar o
conjunto probatório. Se não houver provas, a recusa ao exame de DNA não pode
ser considerada suficiente para confirmação da paternidade.” (LÔBO, 2011, p. 266).
62
Destarte o exame de DNA não imputa paternidade ou filiação a ninguém,
haja vista serem apenas conceitos jurídicos, imputa a confirmação ou não da origem
genética, ou seja, o genitor biológico, que pode ser, por exemplo, um doador
anônimo de sêmen (LÔBO, 2011, p. 266).
4.6.2 Investigação de paternidade na reprodução assistida heteróloga
Ter-se-á como análise de Belmiro Pedro Welter (2003, p. 143):
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990 e o Código Civil de 2002 modernizaram, socializaram e humanizaram
o Direito de Família, pois todos os filhos são legítimos, independentemente
da origem (adotado, incestuoso, bastardo, legítimo, ilegítimo, legitimado,
natural, espúrio, adulterino, artificial, laboratorial, entre outras designações
humilhantes), podendo investigar ou contestar a paternidade biológica, não
importando se os pais são casados, conviventes, separados, divorciados,
viúvos ou solteiros [...].
Giuliano D’Andrea (2005, p. 39) dispõe que “ao filho tido por inseminação
artificial (tanto homóloga, do marido ou convivente, quanto heteróloga, de terceiro,
desde que autorizada pelo marido ou convivente art. 1.597, III, IV e V, do CC) é
assegurado pleitear investigação de paternidade”.
Rolf Madaleno (2011, p. 479) constata duas demandas de investigação de
paternidade, quais sejam:
Existem [...] duas espécies distintas de demandas de investigação de
paternidade ou de maternidade; onde uma objetiva a instituição do vínculo
jurídico da paternidade ou da maternidade com a filiação, cujo provimento
jurídico acarreta todos os efeitos legais, com provimento dos direitos
sucessórios, alimentos, se for o caso, e outras implicações pertinentes à
personalidade, como o direito ao uso do nome da família de origem e o
estabelecimento de novos vínculos parentais, ou seja, é o direito à vida
familiar; e existe o direito ao reconhecimento da ascendência genética com
matiz constitucional. Esse é o direito à vida íntima, que não se confunde
com o direito à vida familiar, porque esse filho socioafetivo já tem família,
nome, vínculos, alimentos e herança dos seus pais que sabe serem
socioafetivos. Entretanto, pode querer conhecer seus ascendentes
genéticos, apenas reconhecer sua ascendência familiar.
Nas palavras de Cecília Cardoso Silva Magalhães Resende (2009) devido
ao anonimato do doador de sêmen, ou seja, o pai biológico, o marido ou
companheiro que autoriza sua mulher a realizar tal método conceptivo, desenvolve a
63
paternidade socioafetiva em relação à criança que vai nascer, pois não possui os
mesmos caracteres genéticos.
Em estudo sobre o tema Reinaldo Pereira e Silva (2002, p. 318) declara:
Nada impede, portanto, que o filho concebido mediante as tecnologias da
infertilidade, desde que seja do seu interesse, proponha contra os supostos
doadores de gametas ação de investigação de paternidade e/ou
maternidade. Duas são as motivações jurídicas para tanto: em primeiro
lugar, porque o conhecimento da ascendência biológica é um direito
garantido a todos os filhos, sem qualquer exceção, pelas prerrogativas de
indisponibilidade e de imprescritibilidade dos interesses envoltos em sede
familiar; e, em segundo lugar, porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
No mesmo norte, Maria Berenice Dias (2007, p. 332) elucida: “Apesar da
proibição de identificação dos proprietários do material genético, não há como negar
a possibilidade de o fruto de reprodução assistida heteróloga propor ação
investigatória de paternidade para identificação da identidade genética, ainda que o
acolhimento da ação não tenha efeitos registrais.”
O estado de filiação é determinado tanto pelo vínculo biológico, quanto
pelo não biológico, ter-se-á como exemplo desse, a adoção, a posse do estado de
filiação e a as técnicas de reprodução assistida heteróloga. Desse modo, os filhos
oriundos dessas formas, ou seja, adotados, tratados como filho ou gerado por meio
de métodos assistidos, o estado de filiação tem valor socioafetivo (NETTO LÔBO,
2004).
Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 328) assegura que “[...] se a mulher
se submeter à inseminação artificial e engravidar, [...] não se poderá negar ao filho o
direito de investigar a paternidade (ECA, art. 27). Se a mulher for casada e a
inseminação feita sem a permissão do marido, pode este negar a paternidade”.
A criança gerada a partir dos métodos de reprodução assistida
heteróloga, pode ingressar com ação de investigação de paternidade somente com
intuito de investigar a identidade do pai biológico, ou seja, o doador de gametas, por
ter o direito de personalidade à identidade genética e também para se prevenir de
doenças hereditárias e evitar uniões incestuosas (RESENDE, 2009).
No mesmo sentido, Olga Jubert Gouveia Krell (2006, p. 186) demonstra
que:
64
No tangente à especialidade da fecundação artificial heteróloga, o
anonimato do doador pode ser quebrado, assim como o anonimato do pai
biológico na adoção por ação de estado, que garanta ao filho o direito à
personalidade e ao conhecimento da sua origem genética, para poder
verificar doenças hereditárias e evitar impedimentos matrimoniais.
Em relação aos “efeitos patrimoniais e alimentares, a investigação de
paternidade não é admitida em desfavor do doador, até porque se fosse, não
haveria ninguém disposto a doar pelo medo de ser sujeito passivo de milhares de
ações do tipo”. (REZENDE, 2009).
No mesmo sentido leciona Paulo Luiz Netto Lôbo (2004), todo ser
humano “tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar
sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa
adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida”.
Esse direito é caracterizado como “individual, personalíssimo, não
dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido.
Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade”.
(NETTO LÔBO, 2004).
O estado de filiação define a paternidade, seja ela biológica ou
socioafetiva, como exemplo ter-se-á a inseminação artificial heteróloga, disposta no
art. 1.597, V, do CC/2002, que ratifica a tese de não depender a filiação da relação
genética do filho e do pai. Porém, o filho gerado a partir dessa técnica, pode vindicar
os dados genéticos de doador anônimo de sêmen, para fins de direito da
personalidade, mas não poderá fazê-lo com finalidade de atribuição de paternidade,
visto que a ação de investigação de paternidade é inadequada para isso (NETTO
LÔBO, 2004).
Certo que a imputação da paternidade biológica não determina a
paternidade jurídica. Importante salientar que nenhuma legislação atribui à
paternidade àqueles que doam material genético aos bancos de sêmen (NETTO
LÔBO, 2004). Destarte que “[...] a identidade genética não se confunde com a
identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser
humano constrói entre a liberdade e o desejo”. (NETTO LÔBO, 2004).
Vislumbra-se a impossibilidade do doador de material genético tornar-se
pai jurídico da criança gerada a partir de métodos medicamente assistidos, nesses
casos, o fator biológico “[...] não deverá ser considerado, o que conduz à
65
obrigatoriedade de se buscar outro fundamento para o estabelecimento da filiação”.
(GAMA, 2003, p. 473).
Nessa senda, a busca da origem biológica exerce papel fundamental para
atribuição da paternidade e do estado de filiação, quando ainda não constituído.
Todavia, se no caso concreto a filiação não biológica ser comprovada em prol da
convivência familiar e das relações afetivas (art. 227, CRFB/1988), a origem
biológica não prevalecerá (NETTO LÔBO, 2004).
Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2008, p. 326) indagam a
possibilidade de o filho, gerado por meio de reprodução humana assistida
heteróloga, investigar a paternidade do doador de sêmen, pleitear alimentos ou
mesmo ter direitos sucessórios para com esse. E respondem:
O entendimento majoritário da doutrina é aquele consubstanciado no
Enunciado 111 do CJF/STJ: “A adoção e a reprodução assistida heteróloga
atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica
conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento
dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na
reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de
parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.”
Conforme o enunciado, “as respostas às indagações formuladas serão
todas negativas: não haverá direito a alimentos em relação ao pai biológico; a ação
será improcedente; não haverá direitos sucessórios”. (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p.
327).
Em consonância com o exposto, Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 174)
admite que o filho gerado a partir das técnicas de reprodução assistida heteróloga
não tem nenhum direito a ingressar com ação de investigação de paternidade.
Ressalta-se, porém, que o doador que forneceu o material genético ao
banco de sêmen possui o direito à intimidade, ou seja, ao sigilo, sendo esse direito
protegido constitucionalmente, presente no art. 5º, X, da CRFB/1988 (TARTUCE;
SIMÃO, 2008, p. 327). Por exemplo, “imagine-se o caso em que um homem fornece
material a um banco de sêmen e o fato narrado ocorre por cinco vezes e de forma
sucessiva. Esse homem, assim, terá cinco novos filhos? Pelo enunciado do CJF
transcrito, a resposta é não mais uma vez”. (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 327).
Nesse sentido, o pai biológico, qual seja o doador do material genético,
mesmo que conhecido, não terá responsabilidades patrimoniais nem alimentares
66
perante a criança oriunda das técnicas de reprodução assistida. Tais questões serão
tratadas perante o pai socioafetivo (REZENDE, 2009).
Por outro lado, um argumento cabível para ingressar com ação de
investigação de paternidade seria com base nos princípios do melhor interesse da
criança e do adolescente, da proteção integral, da igualdade entre os filhos (art. 227,
§ 6º, da CRFB/1988) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/1988).
Desse modo, eventual ação seria procedente e o filho teria direitos sucessórios e
alimentares em relação ao pai biológico (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 327).
Elucida, ainda, que:
Pois bem, fazendo ponderação entre os direitos fundamentais (dignidade do
pai biológico X dignidade do filho abandonado), ficamos com a primeira
dignidade. Isso porque o segundo entendimento coloca em descrédito a
teoria da paternidade socioafetiva, pois valoriza sobremaneira o vínculo
biológico, quando esta não é a tendência. Entendemos que, se quebrado o
sigilo quanto ao suposto pai, a ação de investigação de paternidade até
pode ser julgada procedente, mas somente para declarar que o pai
biológico o é. Porém, o vínculo anterior não é aniquilado, não havendo
qualquer direito do filho em relação àquele que forneceu o seu material
genético. (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 327).
Belmiro Pedro Welter (2003, p. 172) estabelece e adota a ideia da
possibilidade de o filho gerado por meio dos métodos conceptivos não naturais de
ingressar com ação de investigação de paternidade contra o pai biológico, porém,
postulando apenas três efeitos jurídicos, quais sejam:
Se já estabelecida a filiação socioafetiva, tanto na reprodução humana
natural quanto na medicamente assistida, ao filho assiste o direito de ajuizar
ação de investigação de paternidade biológica, mas postulando apenas três
efeitos jurídicos: 1. Por necessidade psicológica para conhecer (ser) a
origem biológica; 2. Para observar os impedimentos matrimoniais; 3. Para
preservar a saúde e a vida do filho ou dos pais biológicos, em caso de
doenças genéticas graves, pois, em certas circunstâncias, pode-se tornar
indispensável a revelação do terceiro doador de sêmen ou óvulo [...].
(WELTER, 2003, p. 172).
Salienta-se que se a relação socioafetiva não estiver estabelecida, os
filhos biológicos ou não biológicos, poderão ingressar com a ação de investigação
de paternidade pleiteando todos os efeitos jurídicos decorrentes dela, ou seja, nome,
herança, etc. Caso contrário, abrangerá apenas os efeitos anteriormente citados
(WELTER, 2003, p. 181).
67
Quanto ao efeito jurídico da necessidade psicológica de conhecer a
origem genética, essa é defensável, em vista que “[...] a intimidade do pai não é
mais forte que o direito do filho de ter assegurado, [...] o seu direito à cidadania
ampla e à própria dignidade pessoal decorrente do reconhecimento”. (MARTINS,
2000, apud WELTER, 2003, p. 181).
Menciona-se que a possibilidade de conhecer a origem genética “[...] é
um direito e não um dever, assim, a criança não sentindo nunca a necessidade de
conhecer suas origens não pode ser obrigado a conhecê-las, podendo permanecer,
se assim desejar, na ignorância a respeito de sua ascendência”. (CÂNDIDO, 2007).
Impedimentos matrimoniais tratam-se de “[...] interditos de ordem sexual,
sendo o principal deles a proibição do incesto [...], que diferencia a sociedade
humana dos animais, em habitando na sociedade a aversão ao incesto, deve ser
assegurado ao filho o direito à investigação de paternidade biológica”. (WELTER,
2003, p. 184).
Quanto à preservação da vida e da saúde do filho e dos pais biológicos
em caso de doenças genéticas graves:
Deve-se aplicar, nesses casos, os princípios da prioridade e da prevalência
absoluta em favor dos filhos, não se discutindo na investigação da
paternidade [...] sobre quem são os pais biológicos nem sobre a
prevalência, ou não, do anonimato, já que é um direito prevalente da pessoa
o conhecimento de sua origem genética. (ALMEIDA, 2000, apud WELTER,
2003, p. 186).
Diante dessas hipóteses é fato que o direito da criança de conhecer sua
origem genética, se for de sua vontade, deve prevalecer em relação ao direito à
intimidade do doador de sêmen, pois o desconhecimento da ascendência genética
pode interferir na vida do indivíduo, gerando-lhe graves sequelas morais, além dos
casos de possíveis incestos e doenças hereditárias (CUNHA; FERREIRA, 2008).
4.7 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
Quanto à supremacia do vínculo socioafetivo em relação ao vínculo
genético, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina considera:
APELAÇÃO
CÍVEL.
AÇÃO
NEGATÓRIA
DE
PATERNIDADE.
RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO PELO AUTOR DE FILHO ALHEIO
68
COMO
PRÓPRIO.
SENTENÇA
DE
IMPROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIA DO REQUERENTE. PLEITO PELA REFORMA DA
SENTENÇA SOB O ARGUMENTO DE NÃO SER PAI BIOLÓGICO DA
REQUERIDA, TENDO REGISTRADO-A COMO SUA FILHA POR TER
SIDO INDUZIDO A ERRO PELA GENITORA. INSUBSISTÊNCIA.
AUSÊNCIA DE PROVA DE OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE
CONSENTIMENTO. ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR. EXEGESE DO
ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PREVALÊNCIA DA
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IRREVOGABILIDADE DO ATO
REGISTRAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1º, DA LEI Nº 8.560/92 E
ARTIGO 1.609, DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO.
- O dispositivos legais da codificação atual viabilizam a manutenção dos
vínculos de parentesco mesmo quando se verifica a ausência entre pai e
filho de relação biológica. A paternidade, a maternidade e os estreitos e
verdadeiros laços familiares se formam pela atenção continuada e pela
convivência social; perde relevância a consaguinidade, pois o que ganha
importância e significado para manter a relação jurídica de parentalidade é a
posse de estado de filho. Deste modo, mostra-se impossível o
"arrependimento" pelo registro voluntário de criança com a qual sabia não
manter vinculação biológica. Não existe em nosso ordenamento "divórcio de
filiação”. Nesse viés, ainda que a paternidade atribuída ao autor (por ato
próprio) tenha como fundamento inicial um ilícito civil e penal, após a
consolidação da situação socioafetiva não há como ser desconstituído o
registro civil da requerida, a não ser por vontade do pai biológico de vê-la
reconhecida como filha, ou ainda, em face do pedido da própria filha (tudo
mediante apreciação equitativa do juízo cível competente). (BRASIL, 2011a,
grifo nosso).
Outra jurisprudência, do mesmo tribunal, que ratifica esse entendimento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. JUSTIÇA
GRATUITA DEFERIDA. DESCONSTITUIÇÃO DA FILIAÇÃO PELA
NULIDADE DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RECONHECIMENTO
ESPONTÂNEO E CONSCIENTE DA PATERNIDADE. VÍCIO DE
CONSENTIMENTO INEXISTENTE. REALIZAÇÃO DE TESTE DE
PATERNIDADE POR ANÁLISE DE DNA. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE
BIOLÓGICA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE SÓLIDO VÍNCULO
AFETIVO POR MAIS DE 23 ANOS. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
DEMONSTRADA. DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE VEDADA.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
É irrevogável e irretratável a paternidade espontaneamente reconhecida por
aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico
da criança, mormente quando não comprova, estreme de dúvidas, vício de
consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do
assento de nascimento.
A filiação socioafetiva, fundada na posse do estado de filho e consolidada
no afeto e na convivência familiar, prevalece sobre a verdade biológica.
(BRASIL, 2011b).
Encontram-se na CRFB/1988 vários fundamentos do estado de filiação,
que não se resume apenas à filiação biológica, senão vejamos:
69
a) Todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, §
6º);
b) A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da
igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,
incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família
constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou
existência de outro pai (genitor)
d) O direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui
prioridade absoluta da criança e o do adolescente (art. 227, caput).
e) Impõe-se a todos os membros da família o dever de solidariedade, uns
com os outros, dos pais para os filhos, dos filhos para os pais, e todos com
relação aos idosos (arts. 229 e 230). (NETTO LÔBO, 2004).
Antes da promulgação da CRFB/1988, em relação ao conflito entre a
filiação biológica e a não biológica, ou seja, socioafetiva, essa resultante da
convivência familiar e do afeto, a prática do direito prevalecia para a primeira, em
prol do interesse dos pais biológicos, e dificilmente contemplando os interesses do
filho (NETTO LÔBO, 2004).
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente veio impor a
predominância do interesse desse filho, que norteará o julgador, o qual, no caso
concreto, decidirá o melhor futuro, se é com os pais biológicos ou socioafetivos.
Dessa forma, deve ser ponderada a convivência familiar, e a relação de afeto, pois
são prioridades absolutas (art. 227, da CRFB/1988). (NETTO LÔBO, 2004).
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 127.541/RS),
o qual em acórdão inédito decidiu que uma pessoa vinculada à outra pela adoção
poderia investigar a sua paternidade com base nos dados biológicos, podendo esse
caso ser utilizado por analogia aos filhos gerados por meio das técnicas de
reprodução humana assistida, in verbis:
ADOÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. Admitirse o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve
qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90. A
adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos
jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais,
daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de
existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os
verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva,
prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA. (BRASIL, 2000).
Importante destacar o art. 48 do ECA que dispõe: “O adotado tem direito
de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo
70
no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18
(dezoito) anos.” (BRASIL, 1990).
A filiação oriunda da reprodução assistida heteróloga e da adoção se
aproximam juridicamente pelo fato de que “[...] ambos constituem modelos de
parentesco civil não natural, que não se fundam na relação carnal entre homem e
mulher, o que permite uma comparação e possibilidade de extensão das normas
relacionadas à adoção para a reprodução assistida heteróloga”. (KRELL, 2006, p.
157).
Diante do exposto, “[...] a analogia é perfeitamente cabível naquilo que se
refere ao sigilo do procedimento médico e ao anonimato das pessoas envolvidas,
inclusive a do doador”. (GAMA, 2003, p. 904).
Nos casos da adoção, posse de estado de filho e dos métodos de
reprodução medicamente assistida, constata-se que “[...] o fundamento biológico se
revelou insuficiente para abranger todas as possibilidades de definição da
paternidade”. (GAMA, 2003, p. 997).
Portanto, diante dos elementos trazidos, quais sejam: direito à vida,
intimidade, identidade, o anonimato do doador de gametas, direito ao conhecimento
da origem genética e consentimento informado, verifica-se que o doador do material
fecundante será, tão somente, sob o prisma biológico considerado pai da criança
nascida por meios de reprodução assistida heteróloga, mas não poderá ser
considerado seu pai, haja vista não terem estabelecido nenhum vínculo jurídico.
71
5 CONCLUSÃO
A filiação natural é aquela decorrente do vínculo sanguíneo, logo a filiação
civil é aquela que não decorre da consanguinidade, tendo por base outros
fundamentos que não seja o biológico, visto que esse elemento se tornou
insuficiente para abranger todas as possibilidades de definição de paternidade,
como por exemplo, a filiação adotiva e a filiação oriunda da reprodução assistida
heteróloga, vislumbrando-se a filiação com base no afeto.
Os efeitos que são gerados com o nascimento daqueles advindos por
meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga (inseminação artificial e
fertilização in vitro) são diferentes e mais delicados se comparado com os gerados
de forma natural, pois envolvem a filiação socioafetiva desse filho perante o marido,
bem como a curiosidade ou a necessidade de conhecer a origem biológica que nem
sempre poderá ser revelada, pelo fato do doador estar em anonimato.
Certo é que, com amparo legal da Constituição da República Federativa
do Brasil, todos têm o direito de saber a verdade sobre sua descendência genética.
É exatamente por esse fator, que não se pode proibir o direito de conhecer de quem
se foi gerado. Assim como, também, aquele que buscou um banco de sêmen, com o
intuito de ajudar às pessoas com dificuldades férteis, não pode ter sua identidade
revelada.
A paternidade socioafetiva que existirá deve ser levada a sério, pois o
parentesco civil também tem o mesmo amparo legal do parentesco consanguíneo. O
consentimento do marido à sua esposa em autorizar que ela insemine material
genético de um terceiro anônimo deve ser dotado de certezas, pois futuramente, ele
não pode ser desfeito.
O presente trabalho buscou apresentar alguns dos posicionamentos
doutrinários acerca da utilização das técnicas de reprodução assistida relativos às
questões levantadas sobre a filiação e a possível identificação do doador de
gametas. Foram elaborados alguns projetos de lei referentes à matéria, com o
objetivo de preencher as lacunas existentes no Código Civil.
A questão da reprodução assistida é assunto que gera discussões tanto
no campo da medicina como no âmbito jurídico, principalmente quando se trata da
aplicação das técnicas com terceiro doador do material genético e que não há
72
legislação proibindo a utilização das técnicas. Apesar dos benefícios obtidos nessa
área, o legislador foi atingido de surpresa e mostrou-se despreparado para
acompanhar as transformações tendo em vista a ausência de regulamento em
nosso país no que tange ao uso dessas técnicas.
Portanto, verificou-se que a criança gerada a partir dos métodos de
reprodução assistida heteróloga somente poderá ter acesso à identidade de seu pai
biológico, quando já estabelecida a paternidade socioafetiva, em casos de
necessidade psicológica, para observar os impedimentos matrimoniais, estiver
sofrendo risco de grave moléstia hereditária, ou tão somente para saber sua origem,
e nada mais. Os efeitos da real paternidade, ou seja, a socioafetiva, serão dados ao
pai que o criou e que autorizou previamente que a sua esposa utilizasse sêmen de
um doador anônimo.
Ressalta-se, assim, a resposta do problema de pesquisa, ratificando a
possibilidade de o filho, oriundo das técnicas de reprodução assistida heteróloga,
ingressar com a ação de investigação de paternidade somente nesses casos
demonstrados acima.
Com o avanço da utilização das técnicas de reprodução humana
assistida, em especial a heteróloga faz-se cada vez mais necessária à criação de
uma legislação específica que regulamente essas técnicas, haja vista, que tal
situação envolve a participação de um terceiro doador anônimo, surgindo um conflito
entre direitos de personalidade, qual seja o direito à intimidade desse doador e o
direito ao conhecimento da origem genética, que será feita pela ação de
investigação de paternidade.
Diante da lacuna do ordenamento jurídico e a divergência doutrinária
perante a aplicação das técnicas de reprodução assistida heteróloga e seus
consequentes efeitos jurídicos, cabe aos operadores do direito socorrerem-se aos
princípios constitucionais aplicando-os aos casos concretos, sempre em prol dos
interesses da criança ou do adolescente.
73
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