QUALIDADE DAS DISCUSSÕES EM GRUPOS DE ALUNOS: COMPARAÇÃO COM A COMPREENSÃO DOS OBJETIVOS DA ATIVIDADE Alexandre F. Faria Fundação de Ensino de Contagem e Programa de Pós-Graduação em Educação: conhecimento e Inclusão Social da UFMG, [email protected] Arnaldo M. Vaz Colégio Técnico e Programa de Pós-Graduação em Educação: conhecimento e Inclusão Social da UFMG, [email protected] RESUMO: Investigamos a qualidade das discussões em grupos de alunos para a resolução de tarefas, durante atividade escolar de investigação. Comparamos a qualidade das discussões entre os alunos com a compreensão dos objetivos da atividade. Participaram do estudo dois grupos compostos por três estudantes, da 1º série do Ensino Médio, de uma escola pública federal. Filmamos e gravamos o áudio dos grupos. Tomamos notas de campo durante a realização da atividade. Aplicamos um questionário para sondar a compreensão dos objetivos da atividade. Analisamos qualitativamente as discussões e a organização dos grupos para resolverem as tarefas propostas. Categorizamos as respostas dadas ao questionário. Comparamos os resultados da categorização com os resultados da análise qualidade das discussões e da organização dos grupos. Encontramos que os grupos em que os estudantes identificaram objetivos coerentes com os da atividade, e consistentes entre si, apresentaram discussões de melhor qualidade e estabeleceram um sistema de trabalho colaborativo. PALAVRAS-CHAVE: grupos colaborativos; discussões em grupo; ensino de ciências. 1. Introdução As atividades escolares propostas a grupos de alunos têm o potencial de criar boas situações de aprendizagem, de desenvolvimento de habilidades e de estimular a socialização. Esses benefícios ocorrem quando as atividades propiciam momentos de exposição, de discussão e avaliação de idéias, de planejamento das ações e de tomada de decisão de maneira conjunta (COHEN, 1994; GILLIES, 2003; 2004; LARKIN, 2006). Nesse contexto, o uso da linguagem é essencial para a resolução dos problemas e para o desenvolvimento do entendimento (MERCER, 1996). As características das atividades propostas aos estudantes têm relação direta com o engajamento na atividade, com a qualidade das discussões entre os estudantes e com a colaboração para a resolução das tarefas (FREDRICKS et al., 2004; GILLIES, 2003; MERCER, 1996). As atividades compostas por tarefas menos estruturadas, que são mais abertas ou contém poucas informações, têm o potencial de estimular os estudantes a interagir para a resolverem-na. Isso possibilita a colaboração entre os estudantes e melhora a qualidade das discussões. Porém, nem todos os grupos que trabalham em atividades menos estruturadas conseguem manter discussões produtivas e colaborar para solucioná-las. O trabalho de Barron (2003) apresenta essa situação. Essa autora mostra que grupos diferentes, formado por estudantes de mesmo gênero e de desempenho escolar semelhante, diante de um mesmo problema, apresentam diferentes processos interacionais. Houve grupos que colaboraram de maneira exemplar com apresentação, discussão e implementação de propostas para resolução dos problemas. Outros grupos, no entanto, não foram capazes nem mesmo de discutir essas propostas, rejeitando-as de imediato. A revisão da literatura nos levou a trabalhar com a hipótese que a percepção dos objetivos das atividades pelos estudantes pode influenciar o modo como se organizam e a qualidade das discussões no processo de resolução da atividade. Não tomamos conhecimento de trabalhos que investigaram essa hipótese. Por outro lado, há na literatura trabalhos que investigaram a compreensão dos estudantes sobre os propósitos pedagógicos e objetivos de atividades e o efeito dessa compreensão sobre aspectos relacionados à aprendizagem (HART et al., 2000; SÁ, 2003). Tais estudos indicam que nem todos os objetivos das atividades são claros para os estudantes desde o início – o que não os impede de desenvolvê-la satisfatoriamente e de aprenderem. No decorrer da atividade é que esses objetivos são apreendidos. Neste trabalho, investigamos a compreensão de estudantes sobre os objetivos de uma atividade prática de Física, após a realização da mesma, e a qualidade das discussões dos estudantes para resolução dessa atividade. Comparamos a compreensão dos objetivos da atividade com a qualidade das discussões entre os estudantes a fim de verificar a existência de possíveis relações entre esses dois fatores. 2. Avaliação da Qualidade das Discussões em Grupos Segundo Mercer (1996), nem os tipos de discussões e modos de organização dos estudantes para solucionarem os problemas, quando reunidos em grupo, têm o mesmo potencial de levar os estudantes a se desenvolver e a aprender. Para que as discussões contribuam para o desenvolvimento do grupo e dos indivíduos que o compõe é preciso que ela: (i) apresente idéias de maneira clara e precisa para que possam ser compartilhada e avaliada pelos integrantes do grupo; (ii) os estudantes devem raciocinar juntos através das discussões, ou seja, os problemas devem ser analisado, a solução planejada e as decisões tomadas coletivamente. Em outras palavras, Mercer defende que a qualidade das discussões nos grupos varia. Ele propôs três categorias analíticas que podem ser utilizadas para avaliar a qualidade das discussões dos estudantes: Quadro 1: Categorias para análise das discussões de estudantes em grupo Discussão marcada por disputa Discussão cumulativa Discussão exploratória Nesse tipo de discussão, os estudantes não conseguem chegar a um acordo sobre os problemas e as tomadas de decisão são individualizadas. São poucas as iniciativas de articular as capacidades dos indivíduos a favor do grupo, de oferecer críticas construtivas ou sugestões. Geralmente, o discurso dos estudantes é marcado por asserções e contra-assercões. Na discussão cumulativa os estudantes contribuem de maneira positiva, mas acrítica nos assuntos surgidos no grupo. A discussão é usada para construir um “conhecimento comum” através da acumulação. Repetições, confirmações e elaborações marcam esse tipo de discussão. A discussão exploratória é marcada pelo engajamento crítico e construtivo dos estudantes nas idéias apresentadas no grupo. As afirmações, sugestões, planos, idéias e argumentos são discutidos conjuntamente. É possível que nesse tipo de discussão apareçam desafios e contra-desafios entre os estudantes, mas esses são justificados e levam a uma redefinição das idéias e do trabalho do grupo. Nesse tipo de discussão o conhecimento é produzido de forma mais acessível aos observadores e o raciocínio dos estudantes pode ser percebido nas discussões. O desenvolvimento dessas categorias está assentado na idéia de que formas particulares de discussões permitem certos modos sociais de pensamento e que modos sociais particulares de pensamentos são desenvolvidos em tipos particulares de relacionamento colaborativo (Mercer, 1996, p.369). Pensadas assim, essas categorias também podem ser úteis na avaliação da organização dos estudantes para resolverem atividades que lhes são propostas. Nossas leituras do trabalho de Mercer (1996) e de trabalhos sobre grupos colaborativos (COHEN, 1994; BARRON, 2003; WEBB e PALINCSAR, 1996, apud: BOXTEL et al., 2000) nos levaram a entender que um grupo em que as discussões exploratórias são predominantes pode ser classificado com um grupo colaborativo. Por outro lado, as outras duas categorias (discussão marcada por disputa e discussão cumulativa) são predominantes em grupos que não conseguem estabelecer um sistema de trabalho colaborativo. Essas duas categorias também permitem descrever com maior detalhe o que dificulta a colaboração dos estudantes para solucionarem problemas. Trabalhamos com uma definição de grupo colaborativo baseada nos trabalhos de Cohen (1994) e Webb e Palincsar (1996, apud: BOXTEL et al., 2000). Um grupo colaborativo é aquele no qual todos os membros têm uma tarefa comum. As capacidades individuais são postas em prol do grupo, através da organização coletiva para resolução de problemas. Nos grupos colaborativos há uma interdependência recíproca entre os indivíduos que o compõe. 3. Delineamento metodológico O trabalho que aqui apresentamos é parte de uma investigação maior em que participaram 22 estudantes de 2 turmas da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Técnico da UFMG, distribuídos em sete grupos compostos por 3 a 4 integrantes. Acompanhamos um seqüência de 5 atividades práticas, realizadas por esses estudantes no laboratório de Física, no ano letivo de 2007. A participação no estudo foi voluntária. Os alunos e seus pais assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido como forma de expressar o desejo de participar da pesquisa. Cuidamos para garantir o anonimato dos participantes, através da atribuição de um código a cada um. Neste trabalho, selecionamos para serem investigados 2 grupos (G1 e G2) de uma mesma turma, que trabalharam em uma atividade prática sobre circuitos elétricos. Em trabalho anterior (FARIA e VAZ, 2008) descrevemos em detalhes a metodologia utilizada para seleção desses grupos e dessa atividade. Como aqui utilizamos a mesma base de dados, omitiremos esses detalhes. Limitaremos a descrever as características dos grupos e das atividades que foram decisivas para o processo de escolha. O grupo G1 era formado por um uma garota (A1G1) e por dois garotos (A2G1 e A3G1). O grupo G2 era formado por três garotos (A1G2, A2G2 e A3G2). Esses estudantes tinham entre 15 e 16 anos. Selecionamos esses grupos pois eram de uma mesma turma, por terem apresentado boa quantidade de interações verbais e não verbais durante o processo de resolução da atividade e por serem grupos contrastante no que diz respeito a percepção dos objetivos das atividades realizadas. A atividade prática sobre circuitos elétricos foi escolhida por ser baseada em um conjunto de problemas simples, mas abertos. Essa característica levou a maioria dos grupos participantes a interagir em boa quantidade para solucionar os problemas. A coleta de dados envolveu filmagens, diário de campo e questionário. Neste trabalho, lidamos apenas com as gravações e com os questionários. As filmagens foram utilizadas a fim de investigar em detalhes a organização dos grupos e as discussões entre os estudantes para a resolução das tarefas. Posicionamos uma câmera, ora na frente, ora no fundo do laboratório, para enquadrar apenas os grupos compostos por estudantes que desejaram participar do estudo. Uma vez posicionado o equipamento, evitamos ao máximo fazer qualquer ajuste. Não modificamos o ambiente do laboratório. Em cada grupo foi colocado um gravador digital de áudio para captar melhor as falas dos estudantes. Isso nos permitiu detalhar melhor o que ocorreu nos grupos. A função do questionário foi de levantar a compreensão dos estudantes sobre os objetivos das atividades práticas que realizaram. Ele era composto por três questões: Quadro 2: questionário para sondagem da compreensão dos alunos sobre os objetivos da atividade 1. Na sua opinião, qual era o propósito desta atividade? Por que ela foi escolhida para ser trabalhada neste momento do curso? 2. Você aprendeu algo com a atividade que julga ser importante ao longo do curso de Física? 3. Quais são os objetivos desta atividade? As duas primeiras questões foram preparadas para outro trabalho, em que investigamos a percepção dos estudantes sobre os propósitos pedagógicos das atividades. No trabalho aqui apresentado, investigamos apenas a percepção dos estudantes sobre os objetivos das atividades. Por isso focamos nossa análise na questão 3. No entanto, analisamos as respostas dadas às questões 1 e 2, em busca de indícios a respeito da percepção dos alunos sobre os objetivos. O questionário sobre determinada atividade era aplicado no início da aula de laboratório seguinte a sua realização. Fizemos isso, pois nos minutos finais de cada aula os estudantes investiam todo tempo e esforço para a conclusão da atividade. O preenchimento do questionário naquele momento poderia influenciar na dedicação dos voluntários às suas tarefas, a ponto de prejudicá-los em relação aos demais colegas. 4. Análise dos dados Inicialmente, trabalhamos com os questionários. Separamos as respostas em três categorias de acordo com o nível de coerência entre os objetivos declarados e os reais objetivos da atividade. Fizemos duas rodadas de leitura dos roteiros de laboratório para identificar os objetivos explícitos e implícitos no texto a fim de compará-los com os declarados pelos estudantes. Também levamos em consideração a consistência entre os objetivos declarados por alunos de um mesmo grupo. Nesse caso, verificamos apenas se houve ou não coincidência entre as respostas. Não consideramos se os objetivos coincidentes eram coerentes ou não. Os sistemas de categorias adotados, criados por nós, são apresentado no quadro 3. Quadro 3: Sistemas de Categorias Adotados Coerência dos objetivos declarados Consistência entre os objetivos declarados em um mesmo grupo 0 – Nenhuma coerência entre os objetivos declarados e os objetivos da atividade. 0 – Nenhuma coincidência entre os objetivos declarados nos diferentes questionários. 1 – Coerência parcial entre os objetivos declarados e os objetivos da atividade. 1 – Dois ou mais alunos declararam ao menos um objetivo coincidente. 2 – Ao menos um dos objetivos declarados apresenta coerência com os objetivos da atividade. 2 – Todos os alunos declararam ao menos um objetivo coincidente. Elaboramos uma tabela com os resultados da categorização. Os dados da tabela nos permitiram comparar a compreensão dos objetivos da atividade pelos estudantes com a qualidade das discussões e a organização dos estudantes para resolução das tarefas. Na atividade analisada, os estudantes investigaram diferentes maneiras de montar circuitos série e paralelo, utilizando lâmpadas, fios e pilhas. Destacamos como unidade de análise o episódio em que os estudantes se mobilizaram para solucionar o conjunto de três tarefas, disposto no quadro 3. Essa escolha baseou-se no potencial das tarefas em levar os estudantes a interagir para a resolução. Quadro 4: Tarefas 3, 4 e 5 da atividade sobre circuitos elétricos Responda a questão 3 antes de fazer qualquer outra montagem. 3) O que aconteceria ao brilho da lâmpada se você estivesse usando uma pilha pequena em lugar da pilha média? Explique seu raciocínio. Monte o circuito usando a pilha pequena em lugar a média. 4) Sua previsão sobre o brilho da lâmpada estava correta? Descreva e explique o que você notou. 5) O tamanho da pilha tem influência sobre o brilho da lâmpada? Explique seu raciocínio. Também analisamos a qualidade das discussões entre os estudantes para a resolução dessas tarefas. Utilizamos as categorias analíticas propostas por Mercer (1996). Em seguida, comparamos os resultados dessa análise com os resultados da categorização dos questionários para averiguar a existência de relação entre a compreensão dos objetivos da atividade e a qualidade das discussões do grupo. 5. Resultados e discussão Categorização dos questionários Na tabela 1 estão os resultados da categorização dos questionários dos grupos G1 e G2. Para cada um dos grupos, há uma linha na tabela para classificação dos objetivos identificados quanto à coerência e quanto à consistência. Há três colunas destinadas aos três alunos de cada grupo (A1, A2 e A3), onde colocamos o nível de coerência identificado. Há também uma coluna para classificação do nível de consistência entre as respostas dos estudantes. Tabela 1: Resultados da categorização dos questionários de G1 e G2 ATIVIDADE 11 Coerência Consistência A1 A2 A3 Objetivos G1 2 2 2 2 Identificados G2 0 1 0 0 Todos os alunos do grupo G1 conseguiram identificar com coerência ao menos um objetivo da atividade, sendo classificados no nível 2. O mesmo ocorreu com a consistência entre os objetivos identificados pelos participantes. Todos os alunos declararam ao menos um objetivo consistente. Os alunos de G2 não foram bem sucedidos na compreensão dos objetivos. Eles encontraram dificuldades tanto na identificação coerente dos objetivos quanto na identificação de objetivos consistentes. Apenas o aluno A1G2 conseguiu identificar objetivos parcialmente coerentes com os reais objetivos da atividade. Os demais declararam objetivos sem nenhuma coerência. Além disso, não houve consistência entre as declarações. Análise do episódio: O brilho da lâmpada com pilhas de tamanhos diferentes Grupo G1: A1G1, A2G1 e A3G1 O professor chegou à bancada, quando os alunos solucionavam as tarefas 3, 4 e 5, e perguntou a respeito da previsão que fizeram sobre do brilho da lâmpada (tarefa 3): [1] Prof.: Mas o quê vocês estavam esperando? [2] A3G1: Que aumentasse. [3] Prof.: Por quê? [4] A3G1: Ué, porque é um maior número... Maior potência. Uma intensidade maior. Não é intensidade que fala. É mais volts. [5] A2G1: Não é, não. É igual voltagem. [6] A3G1: Tem a mesma voltagem? [7] A1G1: É a mesma voltagem. [8] A2G1: Por que a pilha é tão gorda? [9] A1G1: Porque tem maior quantidade de elétrons aí. Ela dura mais tempo. [10] A3G1: É. Eu acho que é. Deve ser então. [11] A2G1: Não. É 1,5 volts. Toda pilha é 1,5 volts. A intervenção do professor no grupo foi importante para intensificar e direcionar as discussões. No entanto, os alunos não demonstraram dependência em relação ao professor. A partir da questão colocada, eles foram capazes de sustentar das discussões no grupo. As perguntas levantadas pelos próprios alunos poderiam ter partido do professor. A confusão de A3G1, ao tentar explicar sua previsão sobre o brilho da lâmpada (turnos 1 a 4), detonou uma discussão que fez os alunos exporem o entendimento sobre as características da pilha e melhorarem a compreensão sobre tais características. Alguns instantes após esse episódio, eles prosseguiram: [12] A1G1: Não aumentou a intensidade da luz porque a freqüência é a mesma? [13] A2G1: Freqüência? [14] A3G1: Não. Eu acho que a lâmpada utiliza o mesmo tanto de elétrons. Ela acende com um elétron. Mesmo que passe dois elétrons... [15] A1G1: Mas, escuta. É contínuo o fluxo. Não tem nada a ver não? [16] A3G1: Não. Eu acho que é assim: a lâmpada acende com um elétron. Se você botar dois elétrons vai durar o dobro do tempo, entendeu? Ela não vai acender com o dobro da intensidade. Ela vai acender... [17] A1G1: Ah, tá. Nos turnos 12 a 17, os alunos continuaram a discussão sobre o motivo do brilho da lâmpada permanecer o mesmo apesar do tamanho diferente das pilhas. O diálogo entre os estudantes levou o grupo a melhorar a compreensão sobre o funcionamento da pilha e do circuito série simples montado. O questionamento de A1G1 (turno 12), aparentemente sem sentido, foi aceito e discutido pelos colegas de grupo. O respeito às dúvidas e idéias uns dos outros é um fator que fez do grupo um espaço propício para a colaboração. No episódio analisado, predominaram as discussões exploratórias entre os estudantes para a resolução das tarefas. Todos os estudantes se engajaram nas tarefas, em busca da compreensão dos fenômenos observados. Eles levantaram questões que se revelaram importantes para que o grupo compreendesse corretamente as características e o funcionamento da pilha no circuito. Essas questões foram discutidas de forma crítica, culminando na apresentação de uma explicação para o fato de o brilho da lâmpada ser o mesmo, quando ligada a pilhas de tamanhos diferentes. Através das discussões, os estudantes raciocinaram conjuntamente sobre os problemas e conseguiram compreender satisfatoriamente a situação colocada em questão. A qualidade das discussões empreendidas no grupo e a forma de organização dos estudantes para a resolução das tarefas são típicas de um grupo colaborativo. Grupo G2: A1G2, A2G2 e A3G2 Verificamos muitas discussões entre os estudantes e o professor durante a resolução das atividades 3, 4 e 5, em sua maioria protagonizadas por A2G2. Quando o professor deixou o grupo, essas interações não foram sustentadas pelos estudantes: [1] Prof.: Com qual pilha brilha mais? [2] A2G2: Com a grande. [3] Prof.: Com a pilha grande ou com a pequena? [4] A2G2: Com a grande. [5] Prof.: Por que brilha mais com a grande? [6] A3G2: Porque a voltagem dela é maior? [7] A2G2: Não. A voltagem dela é a mesma. É porque tem mais elétrons liberados. [8] Prof.: Agora, brilha mais mesmo? [9] A2G2: Humhum (faz sinal positivo com a cabeça). [10] A3G2: Acho que brilha a mesma coisa, A2G2. [11] A2G2: É porque a pilha está fraca. [12] A3G2: Não. Acho que brilha a mesma coisa, A2G2. O professor formulou por mais de uma vez as mesmas questões a fim de estimular a discussão e a reflexão no grupo, mas sem sucesso. Entre os turnos 6 e 12 os alunos A2G2 e A3G2 discordaram entre si. Ao invés de tentarem discutir a discordância, explicitarem o entendimento sobre o problema e buscarem uma solução articulada, cada um manteve sua posição. Em seguida, o professor pediu aos alunos que trabalhassem juntos e repetissem a experiência anterior. Logo após, tornou a questionar: [13] Prof.: Com qual brilha mais? [14] A2G2: Acho que é mesma coisa: [15] A3G2: A mesma coisa. [16] Prof.: É de se esperar isso? [17] A2G2: Era. Porque a diferença de potencial é a mesma. É 1,5V nas duas. [18] Prof.: O quê vocês acham? Silêncio. [19] Prof.: Vocês esperavam o quê? [20] A2G2: Que ia brilhar mais. [21] Prof.: Achavam que ia brilhar mais com a pilha grande. Por que? [22] A2G2: Eu achava que ia liberar mais elétrons do que a pilha pequena. [23] Prof.: O que tem a ver o fato de ter a mesma voltagem? [24] A2G2: Eu acho que a pilha grande não tem a mesma voltagem não. Ela tem menos diferença de potencial do que a pilha pequena. A grande tem mais reagente químico que libera elétrons. Ela tem mais aí dura mais que a pequena. [25] Prof.: Se libera mais elétrons ela deveria fazer a lâmpada brilhar mais. [26] A2G2: Não. A mesma questão apresentada pelo professor nos turnos 1 e 8 é recolocada no turno 13. Desta vez, a discussão fica restrita ao professor e ao A2G2. No turno 18, o professor tenta envolver A1G2 e A3G2, mas estes permanecem em silêncio. A falta de colaboração e de discussões entre os alunos dificultou o progresso no entendimento das tarefas propostas. Isso pode ser observado nos turnos 22 a 26, em que A2G2 se perde no raciocínio e não consegue responder satisfatoriamente a questão do professor. No grupo G2 predominaram as discussões marcadas por disputa. Nos poucos momentos em que A2G2 e A3G2 conversaram, eles não conseguiram chegar a um acordo sobre as questões em discussão. O estudante A1G2 não participou de nenhuma das discussões. Ele permaneceu calado durante o tempo todo. Parecia fazer o relatório de maneira independente. Esse fato marca uma assimetria de participações no grupo. Entre os turnos 6 e 12 há uma seqüência de afirmações e contra-afirmações entre os estudantes A2G2 e A3G2, típicas em discussões marcadas por disputa. Isso acentuou a dificuldade de articulação dos estudantes para chegarem a um consenso e a uma compreensão satisfatória da situação estudada. Ressaltamos também que as poucas discussões ocorreram na presença do professor. Todos esses elementos revelaram a incapacidade dos estudantes assumirem uma postura colaborativa para solucionar as tarefas. Os tipos de discussões entre os estudantes e a compreensão dos objetivos Os estudantes de G1 conseguiram compreender os objetivos da atividade com coerência e consistência. O fato de todos os estudantes terem percebido objetivos coerentes com os objetivos da atividade parece ter facilitado o engajamento nas tarefas e a manutenção de discussões de qualidade no grupo. Isso permitiu o surgimento de contribuições individuais, postas a favor do desenvolvimento de todos. A consistência entre os objetivos identificados pelos estudantes parece ter contribuído para as discussões exploratórias no grupo. A visão compartilhada sobre os objetivos da atividade foi importante para a orientação dos estudantes em torno de um objetivo comum, favorecendo o estabelecimento de um sistema de trabalho colaborativo. No grupo G2, os estudantes não conseguiram perceber objetivos coerentes com os da atividade e consistentes entre si. Esse grupo também não conseguiu apresentar discussões de qualidade durante o processo de resolução das tarefas. A consistência nula entre os objetivos identificados parece ter dificultado a orientação dos estudantes por um mesmo objetivo, o que pode ter impedido o estabelecimento de um sistema de trabalho colaborativo. As discussões marcadas por disputa deram o tom da dificuldade dos estudantes de converter as ações individuais em ações coletivas para o avanço do grupo. É interessante notar que A2G2, o único aluno a perceber objetivos parcialmente coerentes com os objetivos da atividade, foi o mais ativo nas discussões. Esse aluno, também, foi o que mais dialogou com o professor. No entanto, a incapacidade do grupo de se orientar coletivamente para a resolução da tarefa dificultou a sustentação das discussões no grupo, iniciadas pelo professor. Isso prejudicou a melhoria do entendimento sobre os fenômenos estudados. 6. Conclusão Investigamos e comparamos a qualidade das discussões entre estudantes, reunidos em grupo para solucionarem um conjunto de tarefas de uma atividade, com a compreensão dos objetivos dessa atividade por esses estudantes. Os resultados sugerem que há uma relação entre a compreensão adequada dos objetivos da atividade pelos estudantes e a qualidade das discussões estabelecidas para solucionarem as tarefas que compõem a atividade. O grupo formado por alunos que identificaram objetivos coerentes com os reais objetivos da atividade, e que os objetivos identificados foram consistentes entre os alunos, apresentou predominância de discussões exploratórias durante a resolução das tarefas. Esse grupo também conseguiu colaborar para o processo de resolução. Esses achados mostram a importância de explicitar para os estudantes os reais objetivos das atividades que lhes são propostas, seja no começo ou ao longo da própria atividade. Isso pode facilitar o engajamento nas tarefas, a organização colaborativa dos estudantes e a qualidade das discussões s estabelecidas no grupo. Investigamos apenas dois grupos. Isso não nos permite fazer afirmações precisas ou estabelecer generalizações sobre a relação entre a compreensão dos objetivos e a qualidade das discussões nos grupos. Por outro lado, apesar das limitações, os resultados encontrados corroboram a idéia de que os estudantes reunidos em grupo precisam compartilhar o entendimento sobre as atividades que realizam para que consigam empreender discussões de qualidade (MERCER, 1996). Isso nos mostra que nossa investigação tem o potencial de contribuir para a compreensão de situações que facilitam ou inibem discussões de qualidade e a colaboração entre os estudantes. Temos intenção de ampliar e apurar esse estudo. Aperfeiçoaremos nossa metodologia a fim de confirmar e compreender a relação entre compreensão dos objetivos e qualidade das discussões. Além disso, ampliaremos o número de grupos e a quantidade de episódios analisados a fim de observar com maior clareza possíveis regularidades na relação estudada. 7. Referências BARRON, B. When Smart Groups Fail. The Journal of the Learning Sciences, v.12, n.3, p.307-359, 2003. BOXTEL, C. van.; LINDEN, J. van der; KANSELAAR, G. Collaborative learning tasks and the elaboration of conceptual knowledge. Learning and Instruction, v.10, p.311-330, 2000. COHEN, E. G. Restructuring the Classroom: Conditions for productive small groups. Review of Educational Research, 64, p.1-35, 1994. FARIA, A. F.; VAZ, A M. Colaboração em Grupos de Estudantes: Comparação com a Compreensão dos Objetivos da Atividade. Artigo submetido ao XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, 2008, Curitiba. São Paulo, Sociedade Brasileira de Física, 2008. FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: potential of the concept, state of the evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004. GILLIES, R. M. The behaviors, interactions, and perceptions of junior high school students during small-group learning. Journal of Educational Psychology, v.93, n.1, p.137-147, 2003. GILLIES, Robyn M. The effects of cooperative learning on junior high school students during small group learning. Learning and Instruction, 14, p.197-213, 2004. HART, C. et al. What is the purpose of this experiment? Or can students learn something from doing experiments? Journal of Research in Science Teaching, v.37, n.7, p. 655-675, 2000. LARKIN, S.. Collaborative group work and individual development of metacognition in the early years. Research in science education, 36, p.7-27, 2006. MERCER, Neil. The Quality of Talk in Children’s Collaborative Activity in The Classroom. Learning and Instruction, v.6, p.359-377, 1996. SÁ, E. F. de. Os propósitos de atividades experimentais na visão de alunos e professores. 2003. 183 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. WEBB, N. M.; PALINCSAR, A. S. Group processes in the classroom. In: BERLINER, D. C.; CALFEE, R. C. Handbook of educational psychology (pp. 841–873). New York: Simon & Schuster Macmillan, 1996, apud: BOXTEL, C. van.; LINDEN, J. van der; KANSELAAR, G.. Collaborative learning tasks and the elaboration of conceptual knowledge. Learning and Instruction, v.10, p.311-330, 2000.