Ministério da Justiça
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.008064/1997-82
Representante: Associação dos Concessionários-Consumidores de Jazigos do Cemitério
Morumby
Representado: Comunidade Religiosa João XXIII
Advogados: Luis César Corazza, Ari Marcelo Sólon, Guido Vallentsits Estenssoro e outros.
Relator: Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva
EMENTA: Processo Administrativo. Denúncia de prática de venda
casada para realização de sepultamento pelos concessionários do
Cemitério Morumby. Conduta não configurada. Pareceres da SDE,
SEAE, ProCADE e MPF pelo arquivamento.
VOTO
Conforme exposto no relatório, trata-se de Processo Administrativo no qual a
Associação dos Concessionários-Consumidores do Cemitério Morumby (“Representante”)
ofereceu representação em desfavor da Comunidade Religiosa João XXIII (“Representada”), sob
a acusação de infração à ordem econômica em virtude da prática, por parte da Representada, de
venda casada para a realização de sepultamentos nos jazigos adquiridos pelos concessionários do
Cemitério Morumby, os quais são obrigados a contratar apenas a Representada para o
fornecimento das gavetas e lápides de bronze que complementam o jazigo.
1. DA CONDUTA OBJETO DA REPRESENTAÇÃO
A infração imputada à Representada consiste na imposição, por meio de cláusula
contratual, de obrigatoriedade de contratar exclusivamente a Representada para a execução dos
serviços de gavetas e lápides de bronze que complementam os jazigos já adquiridos pelos
concessionários.
Conforme a Representante, através da venda casada, a Representada estaria
aumentando arbitrariamente seus lucros e eliminando a concorrência de diversos empreiteiros e
fundições no fornecimento das lápides e gavetas.
A Representante juntou às fls. 124/137 tabelas comparativas de preços de serviços
funerários, que, a princípio, demonstram as elevadas diferenças entre os preços cobrados pela
Representada e os da tabela do Serviço Funerário de São Paulo, o que denotaria, conforme a
Representante, aumento arbitrário de lucros, devido seu poder de impor esses preços, já que os
concessionários estão impedidos de contratar esses serviços com terceiros.
Ao justificar a conduta, a Representada alega que sua capacidade contratual de
construção das gavetas e colocação das lápides de bronze deve-se as disposições do referido
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contrato de concessão, do Estatuto e do regimento Interno da Entidade, sendo que todas as
condições para o funcionamento do Cemitério foram aprovadas pela Prefeitura Municipal de São
Paulo. Acrescenta ainda que, o sistema adotado, o qual é também adotado por diversos
cemitérios particulares, para construções no subsolo ou colocação de placas de bronze, tem a
finalidade de manter a mesma estrutura em toda a necrópole para todos os concessionários, a
segurança e a integridade das sepulturas. Por fim, os valores apresentados pela Representante
não condizem com a realidade, visto que não foi considerada a existência de outros serviços
utilizados para a confecção do jazigo;
2. MERCADO RELEVANTE
No caso em questão, a definição do mercado relevante é de suma importância para
se averiguar se há prejuízo a livre concorrência.
Assim, embora a Representante tenha alegado que a concorrência a ser eliminada
seria a de empreiteiros e fundições que estariam impossibilitados de fornecer as gavetas e lápides
para os jazigos, entendo que, tais “concorrentes” não formam um mercado especializado no
fornecimento de tais produtos.
Por outro lado, as lápides e gavetas são produtos complementares ao jazigo,
adquirido através do Contrato de Concessão Onerosa de Jazigo, esse conjunto de produtos têm
como objetivo final o sepultamento. Portanto, adoto a definição de mercado relevante da SEAE
(fls. 237/244) que determina o mercado relevante sob a dimensão produto como sendo o de
sepulturas, o que engloba todas as sepulturas disponíveis nos cemitérios da Grande São Paulo1.
3. DOS EFEITOS SOBRE O MERCADO RELEVANTE
Em primeiro lugar, a prática de venda casada, prevista no art. 21, inciso XXIII, da
lei 8.884/94 trata de “subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um
serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um
bem”, desde que também esteja presente ao menos um dos ilícitos previstos no artigo 20 da
mesma lei.
Entretanto, é natural que existam situações em que a obrigatoriedade de aquisição
conjunta de bens ou serviços não constitua tentativa de eliminação da concorrência, nesse
sentido Calixto Salomão Filho2 diz que:
“(...). A inexistência de um mercado separado para o produto “casado” ou
secundário leva à inexistência de ilícito. Não porque – como agradaria a uma mente neoclássica
– existem eficiências, consistentes em economias de escala, que podem ser alcançadas através
da venda conjunta dos produtos. A razão é que, sendo o mercado relevante o dos produtos
1
Conforme informações prestadas pelo Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP), 20% dos
sepultamentos de moradores da cidade de São Paulo são efetuados nos municípios vizinhos, que constituem a
Grande São Paulo, justificando, portanto, sua inclusão no mercado relevante geográfico.
2
Salomão, Calixto Filho. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo. Malheiros Editores, 2003.
2
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considerados em seu conjunto e não existindo mercado para o produto secundário, a venda
casada não é coercitiva.”
De fato, não há mercados distintos para jazigos, lápides e gavetas, pois tais
produtos têm como objetivo final o sepultamento, sendo esse o produto principal. Assim, não há
ofertantes especializados no fornecimento de lápides e gavetas, e sim diversas fundições,
empreiteiras e pedreiros que dentre inúmeras outras atividades também se encontram habilitados
para fornecimento desses produtos e que, portanto, não seriam necessariamente prejudicados
pela conduta praticada pela Representada. Logo, é no mínimo discutível a existência de vendacasada no caso ora em análise.
Em segundo lugar, ao considerarmos que o mercado relevante é formado por
sepulturas disponíveis em todos os cemitérios da Grande São Paulo, resta sabermos se a
Representada possui poder de mercado suficiente para impor suas condições aos
concessionários.
Conforme dados levantados no parecer técnico da SEAE (fls. 237/244), existem
pelo menos cerca de 171.5573 jazigos disponíveis em 6 cemitérios da região; desses, 5 oferecem
jazigos do tipo “jardim”4 ofertados pela Representada. Embora não tenhamos o número de
jazigos disponíveis pertencentes à Representada, consta nos autos que o total dos jazigos é de
50.000. Assim, verificamos que frente ao mercado total de sepulturas, a Representada não teria
poder de mercado suficiente para impor condições prejudiciais aos consumidores, posto que não
é monopolista nesse mercado.
Portanto, mesmo que a prática ora em análise seja vista como venda casada, esta
por si só, não pode ser considerada como uma conduta anticoncorrencial, devendo ser passível
de punição pela legislação vigente somente se produzir efeitos de limitar ou prejudicar a
concorrência; dominar mercado relevante de bens e serviços; aumentar arbitrariamente os lucros;
ou exercer de forma abusiva posição dominante (art. 20 da Lei nº 8.884/94). Assim,
considerando que a Representada não possui poder de mercado significativo, não se vislumbra a
possibilidade da prática gerar efeitos nocivos à concorrência.
3
Obs: dentre os 39 cemitérios pesquisados pela SEAE apenas 7 disponibilizaram o número de jazigos disponíveis
4
Esse padrão dispõe de três gavetas e uma placa para identificação.
3
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4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, entendo que a conduta ora em análise não apresentada danos à
concorrência e voto, portanto, pelo arquivamento do presente processo, em consonância com os
pareceres da SEAE/MF (fls. 237/244), SDE/MJ (fls. 476/488) Procuradoria do CADE –
ProCADE (fls. 496/508) e MPF (fls.517/521).
É o voto.
Brasília, 19 de Janeiro de 2005.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Conselheiro
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