PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Este livro foi publicado em 2002 pela Editora Edward Elgar, do Reino
Unido, sendo reeditado em 2005, em Delhi, pela Oxford University Press,
acompanhado de uma introdução voltada para os leitores indianos.Também foi
publicado em castelhano pela Editora Icaria, de Barcelona. Para mim é motivo
de satisfação que passe a circular no Brasil uma edição em português. O berço da
idéia do ecologismo popular pode ser localizado na Índia como uma conseqüência
do movimento Chipko em defesa das florestas de Kumaon e Garwhal no Himalaia.
Mas também pode ser identificado no Brasil, em razão da resistência de Chico
Mendes quando dirigente de um sindicato de seringueiros, ainda sob a ditadura
militar, até sua morte, ocorrida no ano de 1988. No Brasil também têm surgido
muitos outros movimentos em defesa da vida humana e da natureza, como os
atingidos por barragens, os que padecem ou padeciam de contaminação em
Cubatão e em tantos outros espaços industriais, assim como os que se postam na
defesa dos manguezais contra a indústria da carcinicultura.
Esses conflitos ecológicos possuem atores sociais que muitas vezes não
definem a si mesmos como ambientalistas. Chico Mendes era um sindicalista e,
naturalmente, também era um ecologista. A resistência à transposição do rio São
Francisco (um rio cujas águas naveguei em 1974 em companhia de alguns amigos
da “esquerda festiva” da Unicamp, de Minas até a Bahia lendo Guimarães Rosa) foi
liderada por um bispo que lutava simultaneamente em prol dos direitos humanos e
da ecologia.Quando em alguns países da América Latina uma comunidade indígena
protesta contra a mineração a céu aberto (como em Sipakapa, na Guatemala, em
junho de 2005), o discurso utilizado é o da Convenção 169 da Organização
O
E C O L O G I S M O
D O S
P O B R E S
Internacional do Trabalho (OIT), que protege (apenas um pouco) as comunidades
indígenas, também sendo utilizado o discurso da justiça ambiental.Tantos e tantos
são os conflitos socioecológicos!
Neste livro, portanto, procuro demonstrar, em primeiro lugar, que tais
conflitos nascem da utilização cada vez maior do ambiente natural por conta da
expansão econômica. No Brasil, a exportação de recursos naturais a “preço de
banana” ou mesmo a um preço inferior ao das bananas, aumenta a cada ano. A nova
fronteira não está mais configurada apenas no ferro de Carajás ou no alumínio do
norte do Pará, mas também na exportação de soja e, em breve, numa maciça
exportação de biodiesel. Algumas partes do país “serão transformadas em uma
imensa plantação de mamona”. Então, o território se ressente, uma vez que está
habitado por humanos e por outras espécies. No Brasil, a AHPPL (Apropriação
Humana da Produção de Biomassa) continua em expansão, assim como o consumo
de energia e os fluxos de materiais. Por sorte, o crescimento demográfico no Brasil
não cresce como foi o desejo dos militares que governaram o país nos anos 1970.
Em segundo lugar, procuro evidenciar que, nos conflitos socioecológicos, diversos atores esgrimem diferentes discursos de valoração. Há os que
insistem no predomínio do crescimento econômico, na necessidade de aliviar
a pobreza não mediante a redistribuição, mas com o crescimento a todo custo.
Existem aqueles que, mais moderados, demandam uma valoração crematística
das externalidades negativas, aludindo às análises de custo-benefício. Ademais,
temos aqueles que, sendo pobres e dispondo de pouco poder político, apelam,
contrariamente às outras linguagens, ao discurso dos direitos humanos, ao valor
da natureza para a sobrevivência humana, aos direitos territoriais indígenas e à
sacralidade de alguns espaços de vida. Comprovamos mediante o estudo dos
conflitos que todos esses discursos são linguagens socialmente válidas.
O livro se interroga, portanto, sobre quem possui o poder político para
simplificar a complexidade e sacrificar certos interesses e valores sociais impondo
um único discurso de valoração a despeito dos demais, como tem ocorrido
com o discurso econômico. A economia ecológica e a ecologia política devem
ser capazes de analisar os conflitos ecológicos sem reducionismo, aceitando a
incomensurabilidade dos valores.
Espero que o marco analítico que este livro estabelece, baseado em
estudos empíricos de muitos conflitos socioecológicos ao redor do mundo,
contribua para que os leitores brasileiros compreendam (e participem) nos
muitíssimos conflitos similares que a cada dia que passa eclodem no Brasil.
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prefácio - Editora Contexto