LITERATURA PORTUGUESA I AULA 04: BARROCO. O CULTISMO E O CONCEPTISMO; OS SERMÕES DE VIEIRA; O TEATRO DE ANTÔNIO JOSÉ TÓPICO 04: OUTROS AUTORES DE PROSA DOUTRINÁRIA O Barroco reuniu prosadores que se notabilizaram pela qualidade literária, como o Padre Manuel Bernardes, o militar Francisco Manuel de Melo, Cavaleiro de Oliveira, Matias Aires, entre outros. Padre Manuel Bernardes Fonte [1] Padre Manuel Bernardes, com Nova floresta, constituída de uma série de apólogos morais. Eis um trecho desse livro: NOVA FLORESTA OU SILVA DE VÁRIOS APOTEGMAS TRÊS PÁTRIAS Qualquer homem tem três pátrias: uma da origem, outra da natureza e outra do direito. A pátria da origem é aquela em que os nossos maiores foram e viveram; a da natureza é a terra ou lugar onde cada um nasce; a do direito é onde cada um é naturalizado pelas leis ou príncipes, e onde serve, e merece, e costuma habitar: neste sentido disse Túlio de Catão que tivera a Túsculo por pátria da natureza, mas a Roma por pátria do direito. Quanto à pátria da origem, todos os homens somos do Céu, porque ali está, vive e reina o nosso pai celestial, que vai criando as almas e unindo-as a nossos corpos. Quanto à segunda pátria, falando geralmente, todos homens somos da Terra; por isso dela falamos tão frequentemente. Neste sentido todos os filhos de Adão somos compatriotas, sem diferença do rei ao rústico. Neste sentido, também, os que desejavam negar as imperfeições do amor a tal ou a tal terra em particular, ou por arrogância e fasto filosófico ou por mortificação religiosa e santa, disseram que todo o mundo era pátria sua. Do primeiro temos exemplo em Sócrates, que, perguntado donde era, respondeu: – Do mundo: porque de todo o mundo sou cidadão e habitador. E em Séneca, que disse: – Não encerramos a grandeza do ânimo nos muros de uma cidade, antes o deixamos livre para o comércio de todo o mundo, porque esta é a pátria que professamos, para darmos campo mais largo à virtude. Do segundo temos exemplo em S. Basílio, que, ameaçado com desterro pelo prefeito do imperador Valente, respondeu que não conhecia desterro quem não estava adicto a certos lugares. Semelhante resposta foi a do v. p. frei António das Chagas, que, avisado por certa pessoa não falasse tão acremente nos sermões da morte, porque se arriscava a ser desterrado, disse mui seguramente: – Desterrar-me? Para onde? Quem não tem aqui pátria não pode ter daqui desterro. Mas, além desta pátria do lugar comum, há outra do particular, que é a terra onde cada um nasceu. Quanto esta é mais pequena, tanto une mais os seus filhos, de sorte que parece o mesmo ser compatriotas que parentes, especialmente quando se acham fora dela. E parece-se este amor com a virtude da erva tápsia, da qual escreve Teofrasto que, metida na panela com a carne a cozer, de tal modo conglutina os pedaços dela que, para os tirar, é necessário quebrá-la. Quanto, porém, a pátria é terra mais populosa, rica e ilustre, tanto costuma ser matéria de vaidade aos que põem a sua glória fora de si. Assim se esvaneciam os Arianos da sua Constantinopla, lançando em rosto a S. Gregório Nazianzeno a sua terrinha, que nem muros a cingiam. Porém o santo doutor lhes respondeu que, se isso era culpa nele, também o seria no golfinho não haver nascido na terra, e no boi não haver nascido mo mar. E, pelo contrário, se neles era glória, também o seria para os jumentos da cidade assoberbarem os do campo. Quanto à terceira pátria, é esta o lugar onde estamos naturalizados, por mercê da república, ou rescrito dos príncipes, ou habitação continua, de modo que Sto. António se chama de Pádua, não sendo senão de Lisboa, e S. Nicolau de Tolentino, sendo de SaintAngel. Tomando, porém, isto espiritualmente, onde cada um habita com o espírito e desejo, daí é natural. Por isso, Cristo disse a seus adversários que eles eram cá de baixo: Vos deorsum estis... vos de mundo hoc estis. E, pelo contrário, a seus discípulos, que eles não eram deste mundo: De mundo non estis. O fidalgo militar Dom Francisco Manuel de Melo é autor de vasta obra em prosa doutrinária e em verso. Eis um exemplo, na escrita da época, de sua Carta de guia de casados, em que se percebe a visão da época sobre o cotidiano matrimonial: Dom Francisco Manuel de Melo Fonte [2] CARTA DE GUIA DE CASADOS Ande a mulher toda vestida, e sempre composta por sua casa, e jàmais a vejão seus criados em habito indecente. Como para ella não he bem que haja outro mundo que seu marido, crea que assi convem aparecer a seu marido, como se aparecera a todo o mundo. Estou de candeas às avessas com hum novo costume de hũas capinhas, que não sei donde vierão; porque me não lembra que tal visse em nenhũa parte. Ora seja, ou não seja de outra nação, elle não he trajo autorizado, nem (a meu juizo) decente; e jà tão vulgar, que isso mesmo pudera ser o seu desprezo. Podendose com mais razão dizer pellas taes capinhas, o que dizia hum pechoso pel'as violas, que sendo excellente instrumento, bastava saberemno tanger negros, e patifes, paraque nenhum honrado a pusesse nos peitos. Chega o desatento a tanto, que neste trajo se aceitão visitas; e he cousa muito para evitar, por ser tão pouco airosa para quem a offerece, como para quem a recebe. Ambas as pessoas desestima, quem a sua mostra sem compostura a outra pessoa. Ao que bem aludia hũ cortesão, que sendo convidado de hum amigo, e delle mal agasalhado, lhe disse: Não cuidei que eramos tão amigos. Ha homẽs faceis em mostrar a seus amigos sua mulher. E suposto que este costume diz simplicidade de animo, e he usado entre os estrangeiros: todavia nem oje està o mundo paraque hũ só queira ser costumão fazer, esse simplissimo, nem ainda nesses que o deixão de estar sucedendo casos, que os puderão mui bẽ haver feito mudar esse costume. Convidava (em Espanha era) hum senhor principal, e bẽ casado a algũs amigos seus de alta condição; quis que vissem sua mulher; ella se escusou; mas em fim a visitarão. Despois à mesa quis seu marido que ella tambem comesse, e honrasse os hospedes; retirouse, e sendo apertada com recados, respondeo em su propria lingua: Dezid al Duque, que si me hiço baxilla, no me hará vianda. Mostrando cõ agudeza Castelhana, que já que como baxella a fizera ver, a não quizesse tambem facilitar como iguaria. Que o senhor leve algũas vezes o parente, o amigo, o ministro, o prelado, o estrangeiro, e homem douto, e principalmente o homẽ bom, a sua casa, e lhes faça convite; não sò o não estranho, mas o louvo. He cousa honrada, e que faz os homens bem quistos. Não deve evitallo sua mulher, antes com todo o concerto decente dispor que se ministre: honrando a seu marido naquella acção, com o que os muito asperos se obrigão; porque os coraçoẽs nobres, muito mais se satisfazem de ver que se ama o que elles amão do que ainda de serem por si mesmo amados. Hei de dizer aqui de hũas, que se prezão de matronas, e quer bem, quer mal, ellas querem ser os senhores de suas casas. Estas pretendem sua maioria por muito honradas, por muito sabedoras, ou por muito illustes. E às vezes sem nenhum destes estremos, ellas se dão tal manha que a cõseguẽ, especialmente dos maridos bons, simples, e divertidos. Vigiese logo ao principio àquelle que tais pensamentos descubrisse em sua mulher; porque se lhe vir que hũa vez deixa senhorearse, tãtas o intentará, até que de todo ella seja senhora, e elle servo. Dizia hum em tal caso a sua molher: Senhora heivos de levar a casa de vosso pai, e heide demandallo por justiça que me dè minha mulher; e perguntando ella porque? respondeo elle: Porque vos não soes minha mulher, senão meu marido. DICA O texto integral encontra-se em: Carta de Guia de Casados [3] (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.portaldaliteratura.com/files_autores/144.jpg 2. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/6d/Francisc o_Manuel_de_Melo_.jpg/200px-Francisco_Manuel_de_Melo_.jpg 3. http://www1.ci.uc.pt/celga/membros/docs/evelina_verdelho/carta_de_ guia_de_casados.pdf Responsável: PROF.ª Ana Márcia Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual