Rodrigo Gottschalk Sukerman Barreto1
A Solução de Davidson para o Problema das Outras Mentes
a) Tese/ Problema
O problema original das outras mentes diz respeito a existência da mente de outras
pessoas. Esse problema surge a partir das teorias representacionistas, onde a mente tem
acesso ao mundo “externo”, somente, por intermédio de estados mentais privados
(sensação, ideia, percepção). Em consequência, o acesso ao conteúdo dos objetos
“externos” é limitado e relativizado, onde o agente, passivamente, acessa tais objetos
através
dos
seus
dados
sensoriais.
Sendo
os
objetos
do
mundo
“externo”
ontologicamente diferentes aos “objetos mentais”, conclui-se que esses objetos
pertencem a categorias distintas, sendo os “objetos externos” inapreensíveis e os “objetos
mentais” passíveis de conhecimento. A consequência dessa teoria é a de que, sendo
somente os “objetos mentais” passíveis de conhecimento, em última instância, o
conhecimento do mundo, de fato, é impossível e, portanto, o ceticismo global é
verdadeiro.
A partir do argumento da linguagem privada de Wittgenstein, esse tipo de problema
é respondido quando é levado em conta o caráter público da linguagem. Um dos traços
da linguagem é que, caso ela não seja compartilhada, não existirão critérios para saber se
está usando as palavras correta ou incorretamente. Portanto, é um erro considerar o
conteúdo de uma palavra (ou de um objeto) como de acesso exclusivo ao indivíduo,
sendo que na intersubjetividade que um agente aprende o uso e a significar as palavras.
No entanto, com o tipo de argumento wittgensteiniano, surgiram teses externistas
que afirmam que o conteúdo das palavras e as próprias crenças do indivíduo,
simplesmente, não estão na cabeça.
As consequências dessa tese prejudicam a autoridade que um indivíduo tem sobre
seu próprio pensamento. Sendo o conteúdo do pensamento externo ao agente e, em
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Aluno da Graduação em Filosofia da UFBa e integrante do grupo Investigações Filosóficas, orientado
pelo Profº Dr. Waldomiro J. Silva Filho.
alguns casos, totalmente alheio a ele, o agente fica em uma situação de não conhecer as
suas próprias crenças. Essa tese além de ser intuitivamente implausível, compromete o
autoconhecimento e, ao comprometer o autoconhecimento, um agente nunca estaria
certo sobre suas afirmações. Consequentemente, o conhecimento, em geral, é
prejudicado, sendo que afirmações em primeira pessoa são alheios ao agente ou
inapreensíveis a ele.
Por esses motivos é necessário apontar qual o papel que a perspectiva de terceira
pessoa desempenha e como ela está relacionada com o conhecimento de primeira
pessoa e do mundo, de modo que todas essas três formas de conhecimento façam
sentido entre si.
b) Argumentos
A perspectiva de terceira pessoa, as outras mentes, o interlocutor ou falante (todas
essas noções são moedas correntes), não são, de fato, um problema, pelo menos não da
maneira como argumenta o cético global. Além do caráter público da linguagem evocar a
necessidade de uma comunidade linguística - o que torna a perspectiva de outras mentes
necessária – o ato de se comunicar exige a imagem de um interprete que dê significado
as frases do falante. O interprete, sobre sua perspectiva pessoal e a consciência de que
está compartilhando o mesmo mundo, reconhece nas atitudes proposicionais do falante a
mesma intencionalidade que ele mesmo atribui a si quando tem uma crença e se esforça
para anunciá-la a uma audiência. A intersubjetividade da prática linguística fornece, no ato
comunicativo, as condições de verdade para os enunciados do agente que, ao reconhecer
as regras que estão em questão, fornece a sua audiência as pistas necessárias para que
possa ser interpretado ou, mais simplesmente, que ele seja entendido.
A posição de outras pessoas é parte constituinte da estrutura tripartite da crença,
junto ao mundo (que causa as crenças) e o aprendizado individual (através da experiência
empírica) é possível que haja algo humanamente chamado de pensamento. Apesar de
haver uma aparente ode a racionalidade ou favorecimento da espécie humana, o que está
em questão são os meios pelos quais atribui-se a uma criatura pensamento e o critério
posto em questão é a possibilidade de correção que está na interlocução entre indivíduos.
Falar em objetividade é, em parte, saber usar palavras de maneiras que as frases
façam sentido e correspondam as expectativas comuns da prática de uma comunidade
linguística. Ela fornece os critérios de correção e, junto ao mundo, dão significado as
palavras. É possível haver equívocos, ambiguidade, contradições e erros, tanto no uso
das palavras como nas crenças de um indivíduo ou de uma comunidade. A tese de
Davidson não almeja alcançar proporções metafísicas e invulnerabilidade contra os erros ,
antes disso, ele enxerga o erro como algo recorrente e passível de correções, o que ele
rejeita é o erro generalizado e as consequências céticas decorrentes dessas afirmações.
Estar enganado sobre tudo é uma posição auto-refutável e inconsistente, pois,
caso o erro generalizado fosse verdadeiro, a própria comunicação, as práticas ordinárias
,científicas ou de qualquer outra ordem seriam falsas, o que torna até a própria enganosa
ou errada. As dúvidas e os erros são sempre pontuais, no entanto, a maior parte das
crenças são verdadeiras.
A maior parte das crenças serem verdadeiras, se deve ao fato das crenças, no
mínimo as mais básicas, se apoiarem em um contexto confiável, sem o qual não se
poderia fazer nenhuma afirmação. Tal contexto, é apontado por Davidson, como contexto
das práticas ordinárias com o mundo. Através do aprendizado ostensivo das palavras com
um professor e o mundo, o falante (aprendiz) aprende em quais situações suas palavras
são verdadeiras ou falsas. Esse processo tem de ser confiável, pois, caso contrário, tal
tipo de interação seria impossível, o que não é o caso nas práticas humanas comuns.
c) Bibliografia
DAVIDSON, D. Três Variedades do Conhecimento. In: Objective, Subjective and Intersubjective. Oxford, 2001.
DAVIDSON, D. Epistemology Externalized. In: Objective, Subjective and Intersubjective. Oxford, 2001.
DAVIDSON, D. Conhecendo a própria mente. In: Objective, Subjective and Intersubjective. Oxford 2001.
SILVA FILHO, W. Externalismo Deflacionado. In: Significado, Verdade, Interpretação - Davidson e a Filosofia. Org. Plinio Junqueira
Smith, Waldomiro J. Silva Filho. Ed. Loyola, 2005.
MALPAS, Jeff. Não renunciar o mundo. In: Significado, Verdade, Interpretação - Davidson e a Filosofia - Plinio Junqueira Smith, Waldomiro J.
Silva Filho. Ed. Loyola, 2005.
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