Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul
CREMERS
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SUS – DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO
Tendo em vista algumas manifestações de gestores e ao que se noticia de
representantes dos Ministérios Públicos do Estado e da União acerca de decisão do STF, que,
interpretando a Constituição Federal, entendeu que, sendo o atendimento pelo SUS um
DIREITO DE TODOS, as pessoas possam pleitear o atendimento de internação e honorários
médicos diferenciados, pagando o que for acertado, alguns esclarecimentos se tornam
necessários.
O argumento das críticas é que tal decisão criaria uma “quebra da
igualdade” ou “desequilíbrio perigoso”.
O CREMERS tomou a iniciativa de propor diversas ações civis públicas,
buscando o reconhecimento desse direito de TODOS e a preservação da autonomia do
paciente e a relação médico-paciente.
As ações foram movidas contra do Estado do Rio Grande do Sul, enquanto
gestor do SUS e contra todos os municípios em que a gestão do SUS é plena. Assim, a
decisão proferida no feito relativo ao município de GIRUÁ é apenas a primeira, que tem
trânsito em julgado, não cabendo mais qualquer recurso. Várias outras se encontram no STF,
SENDO QUE EM DUAS JÁ HÁ DECISÕES MONOCRÁTICAS DOS MINISTROS
AYRES BRITO E CARMEN LÚCIA, no mesmo sentido, embora ainda estejam pendentes
recursos da AGU.
O CREMERS entendeu de propor tais ações a partir da constatação de que,
quando o paciente individualmente buscava o Judiciário Estadual, em demandas contra o
Estado (como gestor), buscando o reconhecimento desse direito, garantido pelo art. 196 da
CF/88, as decisões eram INVARIAVELMENTE FAVORÁVEIS. Assim decidia o TJRS e
suas decisões eram mantidas pelo STF,
Ante tais circunstâncias o CREMERS buscou que a Justiça Federal
(competente porque o Conselho é um autarquia federal) estendesse EFETIVAMENTE A
TODOS, pelo menos dentro do âmbito da sua jurisdição, tal direito, que vinha sendo
reconhecido em ações individuais.
Cuida-se de aplicar o art. 196 da CF: “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário, às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
Além desse direito constitucionalmente garantido à saúde, criava-se o SUS
– SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – para um atendimento UNIVERSAL, a ser executado
diretamente pelo poder público ou por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197),
para cuja consecução estabelecia DETERMINAÇÕES - GISE-SE ATÉ HOJE NÃO
CUMPRIDAS DE FORMA DEVIDA – no sentido de alocação de verbas, em todos os níveis
do Estado (União, Estados e Municípios), que permitam o financiamento desse sistema, que
pela sua universalidade é efetivamente único no mundo.
O dispositivo honrava o compromisso que o Brasil assumiu ao tratar na
Carta de 88 dos Princípios Fundamentais da República que constituía como Estado
Democrático de Direito (art. 1º). Já ali dentre outros apontava o texto para a dignidade da
pessoa humana (inciso III). Em seguida a CF alude no art. 3º aos objetivos da República,
colocando expressamente entre eles o de promover o bem de TODOS (inc. IV). Culminou o
legislador constituinte em estabelecer que os direitos fundamentais são de TODOS, e
garantidos e brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 5º).
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O STF, naquelas ações individuais, todas oriundas do Rio Grande do Sul,
acima mencionadas, havia firmado o entendimento de que “O direito à saúde , como está
assegurado no art. 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por
autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele.
INEXISTÊNCIA NO CASO DE OFENSA À ISONOMIA”. Essa citação é retirada de dois
acórdãos diferentes, mas sobre o mesmo tema, um da lavra do Min. MOREIRA ALVES (re
261.268/RS) e outro do Min. ILMAR GALVÃO (RE 226.835/RS), em DECISÕES
UNÂNIMES, que serviram como “leading cases” a balisar os acórdãos posteriores.
No caso de Giruá, julgada improcedente a ação civil pública, tanto pela
Justiça Federal de Primeiro Grau, como pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o
CREMERS ingressou com Recurso Extraordinário junto ao STF, tendo ali o Min. CELSO DE
MELO proferido a decisão provendo o recurso, e que agora transitou em julgado.
Diz o eminente ministro que o STF vem observando em sucessivos
julgamentos esse entendimento, e além dos dois arestos acima referidos aponta para
outros – IGUALMENTE TODOS DO RIO GRANDE DO SUL – dos Ministros
SEPÚLVEDA PERTENCE, EROS GRAU. CARLOS BRITTO E CARMEN LÚCIA.
Consta ainda da decisão, e são palavras do Relator que o “o exame da causa
evidencia que o acórdão ora impugnado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema
Corte firmou na matéria em referência”.
Por sua vez, em sua decisão já mencionada, embora ainda pendente recurso
da União, a Min. CARMEN LÚCIA adotou a mesma fundamentação, provendo o Recurso do
CREMERS, em ação relativa ao município de Santa Cruz, acrescentando ainda precedentes
dos Ministros JOAQUIM BARBOSA, CEZAR PELUSO E MAURÍCIO CORREA,
mostrando que tem se mantido FIRME a jurisprudência pacífica da Corte.
Vê-se, assim, que a decisão ora objeto de crítica não é nova, e sim
alicerçada em pacífica orientação do Tribunal, ao qual a Constituição outorgou a tarefa de ser
o intérprete máximo da Constituição.
As alegações do Estado e dos Municípios réus das ações se cingem a que o
SUS, mediante ato administrativo da Ministério da Saúde proíbe a chamada “diferença de
classe”, como o fez o antigo INAMPS em portaria, porque admiti-la seria quebrar a igualdade
de tratamento (isonomia).
Pois bem, as reiteradas decisões do STF são no sentido de que, sendo o
atendimento universal pelo SUS um DIREITO DE TODOS, não pode mero ato
administrativo reduzir ou dificultar o acesso a ele.
O STF decidiu sempre que os “EMBARAÇOS IMPOSTOS POR
AUTORIDADES ADAMINISTRATIVAS (LEIA-SE GESTORES)” eram exatamente a
Portaria do INAMPS E A RESOLUÇÃO, que proibiam a “diferença de classe”.
As autoridades em questão, mesmo ante TODOS os precedentes da mais
alta Corte do País preferiam cumprir as decisões nas ações individuais, mantendo a
ilegalidade quanto aos demais. As ações do CREMERS visaram justamente a fazer com que
as autoridades administrativas CUMPRISSEM as decisões do STF em relação a TODOS,
neste Estado.
Queriam (ou querem) tais autoridades fazer prevalecer o comportamento
infelizmente tão comum na administração pública brasileira de cumprir da lei “apenas o que
interessa”.
Tais autoridades lêem o art. 196 da CF de forma diferente (e errada) daquela
que faz o Supremo Tribunal Federal, que, dentro do sistema democrático em que vivemos,
decide as questões relativas à interpretação da Constituição. Isso significa que não entendem
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que o dispositivo tenha criado ou garantido um DIREITO A TODOS e sim que “apenas” teria
estabelecido uma espécie de “norma programática”, pela qual o Estado, em todos os seus
níveis deveria “se esforçar” para atingir a meta.
O STF, porém, mostrou que a leitura CORRETA é a de que o
dispositivo ESTABELECIA UM DIREITO A TODOS, e que PARA GARANTIR o
exercício desse direito o Estado devia criar políticas sociais e econômicas.
Dessa forma a Portaria do INAMPS, anterior a Carta de 88, era
incompatível com a Constituição, pois embaraçava o exercício do direito. Da mesma forma a
Resolução do SUS, que é posterior, sofre do mesmo vício de inconstitucionalidade.
Da mesma maneira que o STF reconhece que se é um DIREITO TODOS
PODEM EXERCÊ-LO, o que implica que DEVA O SUS ARCAR com as despesas que
TERIA QUE SUPORTAR DE QUALQUER FORMA, também reconhece que no exercício
desse direito NÃO HÁ QUEBRA da ISONOMIA (igualdade de atendimento), que é outro
argumento amiúde utilizado. Com efeito, o que a Corte estabeleceu é que se o direito é de
todos, ao exercê-lo ninguém está quebrando com a regra da igualdade – TODOS O
EXERCEM DA MESMA MANEIRA. Assim, se alguém tem DIREITO a que o SUS pague
as despesas de internação e honorários médicos, o gestor deve PROMOVER O
ATENDIMENTO. Exerce-se o direito de maneira universal e igualitária. A diferença está em
que aquela pessoa que tenha condições e possa pagar negocie com o prestador de serviço
(hospital) e com o médico um atendimento em outras acomodações e por um valor de
honorários maior, arcando o SUS unicamente com o que TERIA DE SUPORTAR DE
QUALQUER FORMA. Da igual sorte, o atendimento aos outros pacientes, que não tem
condições, seguirá da forma oferecida pelo SUS, já que o direito é de todos e a todos deve ser
garantido.
É evidente que se o atendimento se der em hospital público, cujo
atendimento é única e exclusivamente pelo SUS, não será possível a busca dessa diferença.
No entanto, e isso é quase que uma peculiaridade do nosso Estado, aqui, ao
contrário da maioria das outras unidades da federação, o atendimento em sua maior
percentagem não se dá em hospitais públicos e sim em conveniados em geral santas casas ou
filantrópicos), em que uma parte se dá por atendimento do SUS e outra tem disponibilidade de
leitos diferentes. Só aí tem cabimento a invocação da diferença, para pagamento conforme
acerto.
Por fim, a decisão preservou a relação médico-paciente, ao permitir que o
paciente pudesse ser internado diretamente a pedido de seu médico, sem que se torne
obrigatória a passagem por posto de saúde ou emergência, acabando com aquela situação
constrangedora de a pessoa acabar sendo atendida por médico que lhe é absolutamente
estranho...
A decisão não inviabiliza o SUS, como pretendem alguns críticos, e sim faz
com que se torne EFETIVA a norma constitucional de acesso universal ao SUS.
A questão na verdade pode ser que haja o receio de que o cumprimento da
decisão revele fragilidade do sistema, decorrente da FALTA DE UM CORRETO
FINANCIMENTO, que também a CF previu e que vem sendo “sistematicamente” (perdão
pela repetição) descumprida pelos diversos níveis do Estado brasileiro.
JORGE A . PERRONE DE OLIVEIRA
Advogado e Coordenador da Assessoria Jurídica do CREMERS
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