| 20 | quinta-feira 22 de outubro de 2015 | www.oje.pt especial•frança ARMINDO CARDOSO DELEGADO GERAL DA ALLIANCE FRANÇAISE EM PORTUGAL E DIRETOR DA ALLIANCE FRANÇAISE DE LISBOA Parlez vous français? www.oje.pt | quinta-feira 22 de outubro de 2015 | 21 | especial•frança Francis Maizieres, rosto da icónica Alliance Française em Portugal, revela a estratégia para fazer crescer o interesse dos estrangeiros pela aprendizagem da sua língua, que nas nossas escolas se afirma como a segunda. ALMERINDA ROMEIRA [email protected] O francês era há três décadas a língua estrangeira mais falada em Portugal. Hoje são raras as pessoas com menos de 30 anos que a dominam. Que razões explicam esta perda de influência? A situação existente há 30 ou 40 anos era realmente invulgar e tinha uma explicação histórica. Algumas pessoas ainda sentem saudades dessa “época áurea” das relações franco-portuguesas e do lugar do Francês, que era na altura a primeira língua estrangeira obrigatória. Mas, desde então, a situação mudou muito, com a entrada de Portugal na União Europeia e a sua maior integração no processo de globalização moderno, o qual foi acompanhado por uma utilização generalizada do Inglês como língua de comunicação básica mundial. Este processo teve como corolário o recuo das outras línguas no ensino e, nomeadamente, do Francês em Portugal. Assim, as gerações seguintes parecem ter sido sacrificadas em prol do “tudo Inglês”, tornando-se incapazes de se expressar noutros idiomas. No entanto, a situação tem vindo a mudar desde a primeira década do século XXI, com a importância crescente do multilinguismo e a consciencialização por parte das gerações mais novas de que é preciso dominar pelo menos uma segunda língua estrangeira para fazer a diferença num CV. Como avalia atualmente o ensino do francês em Portugal ? É neste novo contexto que o Francês confirma o seu lugar de segunda língua lecionada no ensino oficial, a seguir ao Inglês, claro está, com efetivos de alunos estáveis nos últimos anos. As certificações em língua francesa também registam um sucesso crescente nos estabelecimentos de ensino. Infelizmente, os alunos que estudam Francês não têm a possibilidade de o fazer até ao fim do ensino secundário e raramente prosseguem a sua aprendizagem na universidade. Desta forma, as empresas francesas sediadas em Portugal ou as empresas portuguesas que trabalham com países francófonos encontram dificulda- des em contratar colaboradores com um nível de Francês suficiente... É aqui que a Alliance Française intervém... A Al liance Française é o posto avançado da língua francesa no mundo. Que presença tem o Instituto em Portugal ? Criada em 1883, a Alliance Française é hoje a maior ONG cultural internacional, presente em mais de 160 países e mais de 800 cidades, acolhendo cerca de 500 mil alunos por ano e milhões de visitantes nas manifestações culturais que organiza. Constitui, a par com a rede dos Institut Français, o segundo pilar da política cultural internacional francesa desenvolvida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Desenvolvimento Internacional e pelas entidades que tutela, como o Institut Français ou a AEFE (Agência para o Ensino Francês no Estrangeiro, que agrupa 400 estabelecimentos em todo o Mundo). A história da Alliance Française em Portugal é antiga e muito rica. Em Lisboa, comemoramos este ano 70 anos de existência. A rede portuguesa atual é composta por 10 Alliances Françaises, implantadas em 14 cidades de Norte a Sul do país, de Braga a Faro. Enquanto DelegadoGeral da Fundação Alliance Française de Paris, compete-me coordenar as ações desenvolvidas por essa rede. À semelhança do resto do mundo, o que faz a força da Alliance Française em Portugal é a sua base local, o dinamismo e a dedicação dos seus quadros que partilham da mesma paixão pelo diálogo de culturas. O Francês tem muitos trunfos: falado em todos os continentes, veículo de uma cultura riquíssima e diversificada, permite aceder mais facilmente às empresas e aos mercados em muitos países Quem estuda na Al liance? De onde vem a maioria dos alunos? A Alliance Française propõe uma oferta de cursos muito diversificada, para responder às necessidades dos mais variados perfis. No entanto, a maior parte dos nossos clientes atuais são jovens estudantes ou profissionais, à procura de emprego ou interessados em “dar um empurrão” à sua carreira profissional. Temos também aulas para crianças, para adolescentes e para pessoas que se vão candidatar a um exame. Qual é a estratégia da França para fazer crescer o interesse dos estrangeiros pela aprendizagem do francês? O Ministério francês dos Negócios Estrangeiros definiu a aprendizagem da língua francesa como uma prioridade, tendo sido implementados meios para incentivar a cooperação educativa, a formação e o intercâmbio de docentes. Mas esta política também passa pela difusão da cultura francesa e francófona, com vista a dar esse “goût de France” que trará novos alunos para a aprendizagem do Francês. A Festa do Cinema francês, que está a decorrer atualmente em todo o território português é disso um bom exemplo e a Alliance Française tem muito gosto em participar neste evento. Mas o Francês não é só uma língua de cultura, é também uma língua de trabalho, uma língua que pode contribuir para melhorar a situação profissional de quem a domina. Quais são os vossos argumentos na Al liance para captar os jovens portugueses para aprenderem a língua francesa? Se o conhecimento do inglês constitui uma base mínima comum a todos, o domínio de uma segunda língua estrangeira faz toda a diferença num CV e numa carreira profissional, já para não falar na grande satisfação proporcionada pela descoberta e pelo conhecimento de outra cultura. Nesta competição, o Francês tem muitos trunfos: falado em todos os continentes, veículo de uma cultura riquíssima e diversificada, permite aceder mais facilmente às empresas e aos mercados em muitos países. Esta política também passa pela difusão da cultura francesa e francófona, com vista a dar esse “goût de France” que trará novos alunos para aprendizagem do francês Que iniciativas levam a cabo nesse sentido? Temos modernizado significativamente as nossas ferramentas de ensino para nos adaptarmos melhor às exigências dos jovens profissionais; todos os nossos formadores beneficiam de uma formação contínua, abrangendo as novas tecnologias e as problemáticas relativas ao mundo laboral. Também alargámos a nossa gama de cursos específicos para atender aos pedidos dos setores com maiores necessidades: banca, medicina, advocacia, turismo, hotelaria, construção civil, etc... Também celebrámos protocolos com muitas Associações de Estudantes e Organizações Profissionais no sentido de oferecer condições comerciais mais vantajosas aos seus membros. Todas estas medidas são implementadas em articulação com todas as Alliances de Portugal, que cumprem os mesmos requisitos de qualidade. Que papel desempenha a Al liance Française na promoção e afirmação da cultura francesa em Portugal ? A Alliance Française, presente em todo o território português, faz parte integrante da “Equipa França”, na promoção dos intercâmbios linguísticos e culturais entre o mundo francófono e Portugal. Temos vindo a promover inúmeras atividades nas cidades em que estamos implantados e participamos nas grandes operações levadas a cabo pelo Institut français du Portugal, que é o principal operador cultural francês, como a Festa do Cinema já referida ou a Festa da Francofonia, a decorrer no mês de março. A ação da Alliance Française tem sido, desde sempre, pautada pelo “diálogo de culturas”. A Alliance tem cursos de negócios para executivos? Tem, sim. Aliás, este é um dos setores que mais se tem desenvolvido. Além dos formandos que acabo de referir e que frequentam as nossas instalações da Avenida Luis Bivar - e os nossos anexos em Algés, Almada e Parque de Nações-, também intervimos em cerca de cem empresas por ano, francesas ou portuguesas, para atender a qualquer necessidade de formação em francês profissional, desde aulas individuais para os dirigentes às aulas de grupo, por exemplo a engenheiros responsáveis por uma obra num país francófono. A procura crescente destes cursos também constitui, na minha opinião, um sinal positivo para a economia portuguesa. | 22 | quinta-feira 22 de outubro de 2015 | www.oje.pt especial•frança PORTUGAL-FRANÇA Oito séculos de relações históricas com raíz na linhagem dos Borgonha As relações entre os dois países começam na I dinastia. No século XVIII, o modelo absolutista francês inspira D. João V, conhecido como o rei-sol português. O séc. XIX tem a cor do sangue, com as invasões napoleónicas. ALMERINDA ROMEIRA [email protected] Henrique de Borgonha, conde de Portucale (1066-1112). Pode dizer-se que a relação histórica entre os dois países antecede a formação de Portugal. Em rigor, está-lhe na genesis. A primeira dinastia real portuguesa, iniciada no século XII, tem raízes na linhagem dos Borgonha. Em poucas palavras, a história conta-se assim: Henrique, cavaleiro da Borgonha, recebeu do rei de Leão e Castela, Afonso VI, a mão da sua filha ilegítima Teresa e um feudo hereditário em recompensa por ter batalhado, ao lado do primo Raimundo, contra os Almorávidas. O nobre borgonhês, feito conde de Portucale, ficou com um território que se estendia desde o rio Minho, fronteira norte, até ao sul de Coimbra e a missão de continuar a reconquista cristã para sul. Da união entre o conde Henrique e a princesa Teresa nasceu Afonso Henriques, que fundou o reino de Portugal e foi o primeiro rei do país. As ligações entre Portugal e França estendem-se ao longo dos séculos, com altos e baixos, o mais baixo dos quais para o lado português é, sem dúvida, o das invasões francesas. A recusa portuguesa em aderir ao Bloqueio Continental decretado por Napoleão em relação à Inglaterra, aliado tradicional de Portugal, em 1806, foi seguida de um ultimato ao governo português: ou este declarava guerra à Inglaterra até dia 1 de setembro ou as fronteiras seriam cruzadas pelos soldados franceses. Portugal não acatou e assim começou a Guerra Peninsular. No plano diplomático, foram assinados vários tra- O século XVIII foi em larga medida, em Portugal, um século francês tados ao longo dos séculos. Destacamos dois: o Tratado de Aliança e Comércio, assinado, entre D. João II e Carlos VIII de França, em 1485, e o Tratado de Amizade e Aliança, rubricado, em 1536, por D. João III e Francisco I de França. Se em Portugal houve um século em larga medida francês, esse século foi o XVIII. Uma publicação do Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), explica que se por um lado, o francês era para os diplomatas e para os membros da “república das letras” a língua franca da época, pelo outro, as modas de vestuários, os modelos de sociabilidade e, de uma maneira geral todos os parâmetros sociais obedeciam ao gosto francês. D. João V, que ficou para a história como o rei Magnânimo, levou aos pícaros esse gosto. Do pai D. Pedro II, herdou a admiração da coroa portuguesa pelo modelo absolutista francês, que tão bem praticou. No comprido novelo de referências históricas, lugar ainda para mais duas uniões: Na I Guerra Mundial, Portugal e França estiveram do mesmo lado. O grande esforço militar português foi feito no teatro de operações da frente ocidental na Flandres francesa. Tanto em 1910, aquando da implantação da República, como em 1974 face ao novo regime saído da Revolução de 1974, a França esteve na linha da frente no reconhecimento do novo regime.