“Juros no pé” – Uma decisão que reforça a maturidade do Superior Tribunal de Justiça. O Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão extremamente relevante e que trará imediatos reflexos no âmbito do negócio imobiliário e suas mais diversas etapas. Entendeu aquela Corte, por maioria, pela legalidade da cobrança dos chamados “juros no pé”, que correspondem à cobrança de juros remuneratórios antes da entrega das chaves do empreendimento imobiliário contratado. Até então, tal cobrança vinha sendo obstada por praticamente todo o Poder Judiciário, na linha do anterior entendimento do próprio STJ, o que motivara a celebração de diversos Termos de Ajustamento de Conduta – TAC´s – com o Ministério Público pelos principais empreendedores se comprometendo a não cobrar os precitados juros antes da entrega das chaves, notadamente no Distrito Federal e Rio de Janeiro. Inicialmente, insta ressaltar que a construção civil, como instituto, compreende – em apertada síntese - as atividades de preparação do terreno, as obras de edificações e de engenharia civil, as instalações de materiais e equipamentos necessários ao funcionamento dos imóveis e as obras de acabamento, contemplando tanto as construções, novas, como as grandes reformas (denominadas retrofit), as restaurações de imóveis e a manutenção corrente, sem olvidar-se de sua evidente contribuição à economia notadamente na geração de emprego formal, bem como do crescimento exponencial de sua produção, destacando-a como um importante segmento da economia nacional. Em obediência ao mencionado escopo, a construção civil desenvolveu-se ao longo do tempo, fundamentalmente, com uma característica de forte dependência do crédito. E não poderia ser de forma distinta, pois o produto ofertado por este setor normalmente tem preço elevado, o que conduz, inarredavelmente, à busca pelas operações de financiamento, porquanto o consumidor, em sua maioria, não alcançaria com sua renda a obtenção do referido produto. Assim, por óbvio, o crescimento do setor dependerá, principalmente, da manutenção das taxas básicas de juros em patamares aceitáveis, possibilitando o ingresso de recursos no sistema e a continuidade do modelo atualmente praticado, compromisso que se espraiará seguramente às esferas judiciais, na medida em que o fôlego dos adquirentes pode encontrar solução de continuidade ao longo do prazo de financiamento por conta de aumentos que não comportem a manutenção do contrato imobiliário. Como se observa, necessário e fundamental se fazia, pelo Judiciário, a leitura da construção civil por seu aspecto econômico, superando arquétipos pré-concebidos que demonizavam a atividade frente ao consumidor adquirente do produto final. A aludida decisão – proferida em 13 de junho último - vem reequilibrar a balança do negócio imobiliário, que coloca em posições de antagonismo o empreendedor e o adquirente de unidade imobiliária, muito por força das normas de índole consumerista 1 que, por vezes, trazem – cegamente - vantagens desproporcionais ao adquirente considerado parte mais vulnerável na relação jurídica. Aliás, sob esse viés, a decisão da Segunda Seção do STJ vem se coadunar com antigo e consolidado entendimento de que o construtor/incorporador, muito antes da execução do empreendimento, já efetua despesas de relevo, entendimento esse refletido nas inúmeras decisões daquela própria Corte conferindo ao empreendedor o direito de reter um percentual dos valores pagos a título de ressarcimento das despesas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, quando operada a rescisão do contrato de compromisso de compra e venda por culpa exclusiva, ou mesmo mera desistência do adquirente quanto à unidade imobiliária. Nunca o adágio “nem tanto ao mar, nem tanto a terra” foi tão oportuno e tão bemvindo. Porém, o óbvio fôlego que será dado ao empreendedor vem acompanhado de uma grande responsabilidade trazida à tona pela decisão do STJ, a qual, talvez em razão da euforia provocada, ainda não tenha sido identificada; com efeito, se uma leitura apressada pode dar a impressão de uma vitória do setor produtivo e o reconhecimento de que, na complexa estrutura que envolve um empreendimento imobiliário, o que se tem é uma prestação de serviço inadequadamente remunerada ao longo da fase mais relevante do empreendimento, que é a sua execução, o olhar mais atento traz com ele a preocupação de se olhar o negócio de forma mais ampla, a atrair a responsabilidade do empreendedor pela sua adequada realização. Afinal, a consecução de um empreendimento imobiliário importa em muito mais do que erigir uma torre, ou uma unidade imobiliária, movimentando a economia, gerando riquezas, empregos, enfim, dando vazão à interminável necessidade de movimentar-se a roda do desenvolvimento econômico, ínsito à atividade imobiliária como atividade econômica que é. Ou seja, a atividade demanda investimentos muito anteriores à colocação do primeiro tijolo. Superam-se etapas como estudo de viabilidade, análise jurídica, aquisição de terreno, elaboração dos instrumentos adequados, registro do memorial de incorporação junto ao registro de imóveis competente, despesas com mídia objetivando a comercialização do empreendimento, enfim, notadamente, mas não exclusivamente tais medidas ínsitas à própria estruturação imobiliária. Todavia, por outro lado, ao se prestigiar a justa remuneração do empreendedor, estarse-á impondo ao mesmo a inarredável responsabilidade de consecução do empreendimento nos exatos moldes contratados, e – sobretudo – no seu devido tempo. Mas, poder-se-ia indagar: tal responsabilidade já não seria decorrente da própria atividade imobiliária? Sem dúvida que sim. O que se pretende enfatizar é que, seguramente os Tribunais reduzirão ainda mais a quase nenhuma condescendência com os malogros causados exclusivamente pelo incorporador e/ou empreendedor que - ainda que em menor escala hoje – acontecem. Certamente, as decisões tenderão a expressar de forma tanto mais veemente o repúdio do Poder Judiciário ao fracasso contratual do negócio imobiliário por fato imputável exclusivamente ao empreendedor. 2 A par das ilações aqui lançadas, se avizinha novo confronto, porquanto o entendimento ora sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, poderá ser infirmado caso seja promulgada a alteração do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) objeto do Projeto de Lei do Senado (PLS 283/2012), que cria o artigo 54-G - mais precisamente o inciso V - no aludido Diploma Legal, a dispor acerca da nulidade de cláusula contratual que estabeleça, no contrato de compra e venda de imóvel, a incidência de juros antes da entrega das chaves, vindo à contramão da decisão proferida pela Corte. Nunca é demais ressaltar que tal Projeto de Lei foi formulado por uma Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Herman Antonio Benjamin componente do Superior Tribunal de Justiça. Nada obstante, resta por ora aplaudir a decisão do STJ, que exerceu de forma vanguardista sua função precípua que é o de ser o último guardião e intérprete do complexo arcabouço legal infraconstitucional, esperando que com isso os Tribunais Estaduais possam harmonizar os seus entendimentos sobre tão relevante e pulsante assunto. Mauro André Freitas Nascimento 3