REALIDADE E PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL Sonia Giubilei Profª Dra. do Departamento de Adm. e Supervisão Educacional (DASE) FÉ/Unicamp Coordenadora do Grupo de estudos e pesquisas em educação de jovens e adultos (GEPEJA) Coordenadora do Laboratório de Gestão educacional (LAGE) As considerações apresentadas no presente texto fundamentam-se na preocupação com a análise da realidade educativa voltada a jovens e adultos no Brasil, restrita esta forma de educação escolar ao ensino fundamental e médio especificamente embasada no art. 80 da Lei nº 9394/96 e no correspondente Decreto nº 2494/98 que o regulamenta. Esclarecemos, na oportunidade, que tais reflexões não deixaram de lado inicialmente nossa concepção de “educação de adultos” que, consoante genericamente o tema é tratado, o qual não se limita à escolarização, mas estende-se a todo retorno do adulto aos estudos, visando o seu enriquecimento pessoal. A expressão “educação de adultos” abrange variadas conotações, conforme a propriedade que lhe atribui o país onde ela se operacionaliza. Assim há países nos quais o ensino fundamental constitui uma realidade de tal modo benéfica por aprimorar, se não a totalidade, o faz, ao menos, à maioria das crianças em idade escolar que se encontra efetivamente estudando. Nesses países, a “educação de adultos” não objetiva suprir a escolarização, mas proporcionar, antes, a freqüência a cursos que priorizem, além de atividades de lazer, o aperfeiçoamento profissional e/ou cultural Nos países onde o dever legal relativo à educação para todos não é observado, como ocorre no Brasil, esta expressão tem predominantemente o sentido de educação supletiva, isto é, refere-se à educação cujo papel é o de suprir as deficiências de um sistema escolar que não ofereceu, como deveria ter feito, aos seus cidadãos uma escola competente para o atendimento às crianças na idade adequada. Uma sociedade que se pretende democrática deve assumir responsabilidades, prevendo educação a todos os seus cidadãos, tendo em vista o exercício real da cidadania. É erro comum identificar a educação de jovens e adultos exclusivamente como a formação destinada ao analfabeto, razão por que facilmente se confunde o esforço da educação com o combate puro e simples ao analfabetismo. Tal erro marcou significativamente a destinação e oferecimento de verbas em diversos momentos políticos no Brasil, deixando aqueles que desejassem retornar à escola e concluir os estudos abandonados muito cedo, sem nenhuma possibilidade de usufruir dos benefícios sociais, econômicos e culturais que lhes deve a sociedade. A educação de jovens e adultos pode ser visualizada por dois ângulos: o primeiro pela perspectiva da educação permanente, e o segundo pela perspectiva da educação continuada. Por educação permanente subentende-se toda educação buscada não só para a melhoria do campo profissional, como para o enriquecimento cultural. Por educação continuada entende-se a que é almejada para completar o que se deixou de fazer, sempre tomando como parâmetro a escolarização. Assim, se o jovem ou adulto deixou os estudos, por exemplo, na segunda série do Ensino Fundamental há alguns anos e hoje a eles retorna, deverá refazê-los na modalidade denominada educação continuada, seja por meio de cursos, por meio de exames ou por meio de ambos os modelos de estudo. No presente trabalho buscar-se-á focalizar aquele adulto que se vale da educação continuada ou escolarizada para terminar o que não concluiu, ou para iniciar o que sempre buscou. Isso significa, no sistema educacional brasileiro, terminar o ensino fundamental, o médio ou o superior. Um estudo, particularmente sobre o adulto, requer, antes de mais nada, caracterizá-lo em suas múltiplas particularidades no intuito de determinar inicialmente as ações que deverão ser direcionadas a um trabalho de docência competente a ele destinado. Por essa razão, torna-se necessária a análise de trabalhos que fornecerão os elementos de apoio imprescindíveis a uma compreensão maior dessa fase decisiva da vida humana. Assim, importa saber como se comporta o homem adulto e definir quem é esse adulto. Segundo LUDOJOSKI (1986:17), “etimologicamente o termo ‘adulto’ vem do verbo latino ‘adolescere’ que significa crescer e é a forma do particípio passado “adultum”. Significa, portanto, o que tem terminado de crescer ou de desenvolver-se: o crescido”. Na legislação comum, adulto é aquele que se situa entre a adolescência e a velhice, aquele que terminou de crescer, mas que não entrou ainda no processo de decrescimento. É, portanto, uma pessoa maior. Psicologicamente, o termo adulto é empregado como sinônimo de maturidade da personalidade, designando o sujeito responsável e que tem domínio de si mesmo. É, ainda, LUDOJOSKI (1986:18) quem afirma que “o adulto é o homem considerado como um ser em desenvolvimento histórico, o qual, herdeiro de sua infância, saído da adolescência e a caminho para a velhice, continua o processo de individualização de seu ser e de sua personalidade”. Para ESTEBAM e CAMAPAÑE (1989:50), “o adulto é um ser em contínua evolução, dotado da suficiente plasticidade para aprender todo tipo de aprendizagem que lhe confere a capacidade de integração no meio onde se desenvolve e sobre o qual incide, contribuindo para sua transformação”. Essa percepção de continuidade é também aceita por outros estudiosos ALLARDE (1980) e FONSECA (1984) que, igualmente, definem o adulto como um ser que requer um aprendizado contínuo, valendo-se de sua experiência de vida, da sua maturidade. CIRIGLIAND (1978:39) diz que o adulto é aquele “capaz de aprender em toda idade, mesmo que não possua preparação escolar em igualdade de condições que o jovem, porém com autodisciplina, com autoprogramação e segundo suas próprias necessidades”. Desse modo, pensar que, quanto maior for a atividade intelectual do adulto, maior será também a sua atividade mental, que o homem cresce intelectualmente na medida dos novos conhecimentos, eis uma razão muito forte para que os educadores se empenhem na tarefa de compreender o “porquê” de o adulto buscar o conhecimento sistematizado, ou a busca de respostas ao “como” aprende, ou a preocupação em ajustar todo um processo de ensino ao “para que” aprende ou ainda ao o “que” aprende. O art. 80 da Lei 9394/96 possibilita um novo caminho a ser oferecido ao adulto para realização de cursos, quer sejam eles do nível de ensino fundamental e médio, quer do nível superior, tanto na graduação, quanto na pós-graduação. De imediato, urge um esclarecimento: a posição explicitada neste texto está nitidamente restrita aos estudos até o ensino médio. Em relação à educação superior, por via da “Educação a Distância”, tendo em vista os que já possuem um grau de autonomia intelectual que lhes permita estudar sozinhos e ter iniciativa para buscar recursos outros, visando superar as dificuldades, representa, sem dúvida, um grande passo, um avanço significativo na superação das dificuldades enfrentadas na locomoção aos grandes centros para a continuidade dos estudos. O que, de certa forma, se questiona é o oferecimento da modalidade “Educação a Distância” àqueles que apresentam grandes dificuldades de leitura e de escrita, e que necessitam da assessoria de um professor que monitore seu trabalho para resolver suas dúvidas e dificuldades, especificamente tendo em vista aqueles que deixaram a escola há alguns anos, ou aqueles que nunca a freqüentaram. Entendemos por “Educação a Distância” aquela destinada à escolarização, ou não, de adultos que buscam em menor tempo, e de acordo com seu ritmo, concluir os estudos desejados. Nessa perspectiva, diferentes são as formas apresentadas para sua concretização: o rádio, a correspondência postal, a correspondência eletrônica, a televisão, o telefone. A primeira dessas formas: o rádio, no Brasil, surgiu em primeiro lugar, isto é, em 1939, com o Instituto Rádio-Monitor (Nunes). Hoje, o veículo mais utilizado é a TV, a qual, através de um canal de grande alcance consegue abranger localidades distantes das regiões brasileiras. Para acompanhar os telecursos foram editados livros pela editora ligada ao canal de TV e vendidos em bancas de revistas. Esse programa foi denominado Telecurso 2000. Evidentemente, as dificuldades que adultos semi-escolarizados enfrentam para acompanhar sozinhos os estudos são de grande complexidade. No Telecurso 2000, são organizadas as telessalas para onde é destinado um “professor-monitor”. Na maioria das telessalas, fica apenas um único monitor, que deve dominar todos os conteúdos curriculares suprindo, com esclarecimentos, as dúvidas dos alunos. Essa estrutura, certamente, traz problemas, uma vez que, em primeiro lugar, nenhum professor consegue dominar tudo a respeito de todos os conteúdos, e, em segundo lugar, o aluno não vai ter, próximo a ele, alguém que possa entendê-lo, considerando os aspectos psicológicos, além dos aspectos sociológicos e metodológicos necessários quando se trata de um trabalho educacional com adultos. Há que se considerar, evidentemente, a especificidade que esse educando traz para a sala de aula e que se torna condição para a sua permanência nos estudos. O art. 2º do Decreto nº 2494/98, a seguir transcrito, orienta o procedimento das instituições que desejam oferecer cursos a distância: “Os cursos à distância que conferem certificados ou diplomas de conclusão do ensino fundamental para jovens e adultos, do ensino médio, da educação profissional e de graduação, serão oferecidos por instituições públicas ou privadas especificamente credenciadas para esse fim, nos termos deste Decreto e conforme exigências a serem estabelecidas em ato próprio, expedido pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto.” É de fundamental importância o cuidado que se deve tomar quanto à possibilidade de abertura indiscriminada de cursos a distância, sem a observância dos critérios de seriedade, de compromisso ético, particularmente com relação às instituições privadas, evitando-se a mercantilização do ensino de uma parcela da sociedade que poucos recursos possui e que não pode arriscar-se a perdê-la. Constitui responsabilidade do poder público o acompanhamento e a avaliação constantes a fim de não se permitir nenhum deslize que venha a prejudicar o alto sentido que se tenta imprimir à qualidade da educação de adultos no Brasil nas várias modalidades que se podem oferecer. As dificuldades enfrentadas por grande parte da população brasileira marginalizada com relação à escolarização, a qual hoje, por exigências sociais busca retornar aos estudos, são imensuráveis, quer se trate de cursos que se possam freqüentar, quer se considerem os obstáculos que vêm enfrentando para concluir os estudos e receber o tão almejado certificado do ensino fundamental e médio. Uma das saídas para superar as dificuldades aqui apontadas podem ser os cursos semipresenciais nos quais vão ocorrer momentos em que os adultos deverão estudar sozinhos, e outros em que a classe de adultos oferece um espaço não só para socializar os conhecimentos como para discutir as dúvidas levantadas nos estudos individuais com professores cuja formação está ligada à disciplina, objeto de estudo do adulto. Outro aspecto diz respeito à forma como os conteúdos devam ser tratados, ou melhor, com estrutura e organização que facilitem o aprendizado do adulto que apresente dificuldades de leitura e escrita. Finalmente, releva frisar, ainda uma vez: a educação a distância, na modalidade de ensino individualizado, escolarizado, resulta em melhor estudo quando se volta a adultos que possuam um nível de intelectualidade capaz de garantir um aprendizado sem conflitos e angústias. Tal situação, no Brasil, porém, no momento, tende a ocorrer somente no ensino superior. Quiçá, em futuro próximo, quando não mais seja necessário preencher lacunas em razão da deficiência de um sistema educacional perverso que alijou de seus bancos escolares muitos cidadãos, a escola ofereça a todos, em igualdade de condições, cursos que enriqueçam a cotidianeidade de cada um. Nesse momento, o verdadeiro sentido da Educação a Distância haverá de ter para o educando o sentido do existir e do ampliar-se. As palavras das “Mães da Praça de Maio” - Argentina, apontam o fio de esperança para a Educação de Adultos, por via da “Educação a Distância” no Brasil, pois: “A única batalha que se perde é aquela que se abandona”. Bibliografia ALLARD, Raúl. La educación de adultos no contexto latinoamericano. Revista Latinoamericana de Educação de Adultos. Pátzcuaro: Michoacán (México), nº 1 e 2, 1980. CIRIGLIAND, Gustavo e Carlos E. Paldao. Educación de adultos, hipótesis interpretativas y perspectivas. Ver. Interamericana de Educação de Adultos. Santiago: nº 2, 1978. ESTEBAM, Javier Peiro e Antonio Sipon Camapñe. El método de proyector em la educación. In; FERNANDEZ, Adalberto e Javier Peiro (orgs.), Métodos y técnicas em la educación de adultos. Barcelona: Humanitas, 1989. FONSECA, Lady. Educatión y formación continuada. Caracas, Universidad Central de Venezuela, Facultad de Ciências Económicas y Sociales, 1984. LUDOJOSKI, Roque Luís. Andragogia, Educación del adulto. Buenos Aires: Guadalupe, 1990 NUNES, Ivônio Barros. Noções de Educação à Distância. www. ibase.org.br LDB nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Decreto nº 2494 de 10 de fevereiro de 1998