FORMAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA: NOVOS DISPOSITIVOS EM ANÁLISE Thiago de Sousa Freitas Lima 1 Juliana Pereira Simões 2 Mariana Andrade dos Santos 3 Helena de Arruda Penteado 4 Túlio Alberto Martins de Figueiredo 5 Esta proposta - parte de uma produção coletiva do grupo de pesquisa RIZOMA: Saúde Coletiva e Instituições, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo. Trata-se de um grupo de estudos realizado sob a coordenação do Prof. Dr. Túlio Alberto Martins de Figueiredo. Este grupo é composto por profissionais atuantes em diversas formações na grande área Saúde, além de mestrandos do curso de pósgraduação em Saúde Coletiva e Enfermagem Profissional, ambos vinculados a UFES. Os encontros ocorrem quinzenalmente desde 2009, trata-se de um espaço para promoção de estudos sobre analise institucional e esquizoanalise, bem como aproximar tais propostas conceituais a práticas de saúde coletiva. Neste sentido anseia-se propiciar espaços em que os conhecimentos produzidos possam colaborar na consolidação de trabalhos centrados em relações acolhedoras, capazes de produzir vínculos que atuem como produtores de um cuidado integral à saúde. Para tanto lançamos mão de diversos dispositivos que corporifiquem o conhecimento produzido em grupo. Este texto se debruça na intenção de tratar a respeito da problemática educação e saúde, uma vez que o grupo apresentado se constitui dentro de um espaço para formação em saúde. Sabe-se que a educação em saúde é um campo multifacetado, para o qual convergem diversas concepções, das áreas tanto da educação, quanto da saúde. Objetivase defender que o propósito de todo conhecimento encontra-se na sociedade, na existência, na vida. Educar, portanto, encontra-se no processo onde sujeitos convivem com outros segmentos de sua realidade. Ao conviver, ambos se transformam espontaneamente. A partir dos encontros os sujeitos passam por perturbações estruturais contingentes com a história do viver com o outro, produzindo assim uma forma de viver e conviver com a comunidade (MATURANA, 2009). Assim o sistema educacional configura um mundo a ser compartilhado e convivido pelos educandos. Progressivamente as ações dos educandos refletem a realidade deste mundo apresentado pelo processo de aprendizagem (MATURANA, 2009). O conceito de saúde, por sua vez, deve lidar com problemas complexos, que se referem ao modo de viver, sofrer, adoecer e morrer da população superando os limites do enfoque orgânico/biológico (ALMEIDA FILHO, 2000). Devem-se alcançar dimensões mais amplas com interseções de fatores sociopolíticos, econômicos, industriais e históricos. Logo, o modelo pedagógico deve ampliar o conceito de saúde com inovações politico-pedagógicas fugindo da concepção informativa e representacionista (CARVALHO; CECCIM, 2009). 1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES; membro do grupo de pesquisa Rizoma - Saúde Coletiva e instituições; [email protected] 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES; membro do grupo de pesquisa Rizoma - Saúde Coletiva e instituições; [email protected] 3 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES; membro do grupo de pesquisa Rizoma - Saúde Coletiva e instituições; [email protected] 4 Mestra em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo, UFES; membro do grupo de pesquisa Rizoma - Saúde Coletiva e instituições; [email protected] 5 Doutor em Saúde Pública, docente do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva, coordenador do grupo de pesquisa Rizoma - Saúde Coletiva e instituições; [email protected] LINHA MESTRA, N.23, AGO.DEZ.2013 92 FORMAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA: NOVOS DISPOSITIVOS EM ANÁLISE Conforme discutem Yara Maria de Carvalho e Ricardo Burg Ceccim (2009) Os fatores de exposição às aprendizagens estão centrados no professor, no livro de texto e nos estágios supervisionados e não na produção de experiência de si e de apropriação dos entornos da vida; os currículos são organizados em unidades disciplinares conteudistas e não em unidades de produção pedagógicas (...) (CARVALHO; CECCIM, 2009, p. 143). Esta forma de aprendizagem não condiz com o vivo e sua potência de acoplamentos, ao contrário, orienta-se pela doença e seu caráter reducionista e normalista (CANGUILHEM, 1978). Segundo Foucault (1971, 1979, 1985, 2006), destaca-se que as relações de saber produzidas na academia possuem uma dimensão política. Os discursos e concepções produzidos na realidade educacional inserem-se nas relações sociais conferindo direção às ações, o que o autor chamou de relações de poder, e configuram, em função de tais direções, subjetividades. A ideia de subjetividade não é considerada como algo apenas pessoal, interno ou indivisível. O plano subjetivo se configura também por instâncias coletivas e institucionais que se emaranham de maneira plural e polifônica em nossas práticas cotidianas por meio dos modos de produção econômicos, genéticos, históricos, industriais, políticos e discursivos. Criam-se assim territórios existenciais, que de forma singular, acoplam-se com as forças, gerando uma multiplicidade de movimentos, nos quais, ao mesmo tempo, modificam e são modificados por tais aparelhos (GUATTARI, 1992). Foucault (1979) demonstra que todo discurso é um poder e todo poder é físico, logo esse poder que atravessa todo o corpo social se torna um produtor de subjetividades. O conhecimento se inaugura por encontros e jogos de corpos e poderes e saberes que se afetam e se alteram em diferentes velocidades. Maturana e Varela (2002) oferecem subsídios para se pensar um conhecimento autopoiético contradizendo o discurso cientifico hegemônico da verdade. Dessa forma concebem a cognição como a própria vida e o fazer dos seres vivos – Ser = Fazer = Conhecer (MATURANA; VARELA, 2002). O conhecimento autopoietico, inventivo, não se trata, portanto, de uma categorização dos objetos, pois não se parte da representação de um "objeto preexistente". A cognição é aqui entendida como atividade criadora. Deixa de lado as regras e normas a priori e elimina distâncias entre o conteúdo a ser apreendido e o corpo. Conhecer, então, é diminuir distâncias, é aproximar, é tornar-se o que se aprende. Depende, portanto, do acontecimento. A cognição transforma aquilo que toca e altera o ser do homem. Esta abordagem permite a elaboração de um campo formativo que visa compreender e produzir realidades a partir dos acontecimentos referentes ao processo de formação de novos conceitos frente a práticas em saúde coletiva. Entende-se, com base em Deleuze (1998), acontecimento como um conjunto de forças presentes no meio que configuram um movimento de ruptura com as formas dadas, com o esperado, e faz um caminho diferente do traçado linear e progressivo. Dessa forma pretende-se ativar, apropriar-se e intervir na criação de novos instrumentos para educação e formação em saúde. Para esse fim, remete-se à leitura de pensadores e estudiosos contemporâneos que problematizam as ciências cognitivas e as aproximam da análise da formação do sujeito. A partir dessas apostas produzimos uma inflexão de pensamento a fim de aproximar este debate com as políticas de formação em saúde. Todos os profissionais são envolvidos na realização de troca de experiências e exploração, por meio de diversas dinâmicas com os conceitos fundantes da esquizoanalise e analise institucional, por meio de práticas e exercícios corporais e dialógicos e expositivos e narrados e compartilhados e... LINHA MESTRA, N.23, AGO.DEZ.2013 93 FORMAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA: NOVOS DISPOSITIVOS EM ANÁLISE A ressingularização de tais conceitos são movimentos necessários neste campo chamado Saúde Coletiva, segundo Paim (2008), L’Abbate (1994), Carvalho & Ceccim (2009), et al . São privilegiados os debate e o trabalho grupal direcionando um processo coletivo de trabalho. A escolha de se trabalhar com um grupo se dá pela aposta de não estruturar o conhecimento em saúde com individualidades que consideram o indivíduo como algo indivisível e impenetrável. Ao contrário, o grupo passa a ser um modo grupo (BENEVIDES DE BARROS, 2007) que se compõe como máquina. Uma máquina repleta de conexões que se aproximam e se afastam decompondo forças e produzindo acontecimentos que disparam a multiplicidade de subjetivações. O estar junto com o outro, que é diferente, permite a conexão não a uma unidade, mas a processualidades. Este encontro dispara movimentos inesperados porque é o desconhecido, ou seja, o não determinado, que percorre sua superfície. Neste sentido, a mudança ocorrida no grupo não pode ser apenas quantificada, ela pode também, ser qualificada a partir de encontros. Trata-se de um processo e evolução que, articulados a uma conscientização ético-política dos sujeitos envolvidos propicia uma reconstrução dos sentidos atribuídos as práticas em saúde e uma afirmação de contínuas reflexões sobre si. Por acreditar em um grupo com expressão de algo coletivo e múltiplo, desfragmentador de pessoalidades e modos indivíduo, é que apostamos no grupo como um disparador de multidão (NEGRI, 2004). Além disso, inventar dispositivos compartilhados fornece pistas na direção de um corpo em trabalho vivo construído a partir de toques e cooperações. Provocando em cada corpo uma multidão tem-se a possibilidade de em conjunto se atentar aos processos de luta, movimento e desejo de transformação – exercícios de reconfiguração estética na produção de saúde elementos que participam diretamente na tessitura das relações de cuidado (MERHY, 2008). Trata-se de uma pragmática do real que considera todas as conexões possíveis, já que todas as forças estão disponíveis para serem experimentadas. É aí que entendemos acertar a experiência da resistência contra reprodução modelos hegemônicos e limitados, por meio da troca e do toque nosso repertório sensível se estende e intensifica. Sensibilizar os corpos que conhecem dá passagem da consistência a um plano da vida enquanto potência de diferenciação, levantando vozes de inconscientes que protestam e povos que estão por vir. Garantir e compartilhar a vida enquanto diferenciação é por fim vislumbrar uma saúde efetivamente coletiva e sutil. Referências ALMEIDA FILHO, N. A ciência da saúde. São Paulo: Hucitec, 2000. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978 CARVALHO,Y.M.; CECCIM, R.B. Formação e educação em saúde: Aprendizados com a Saúde Coletiva. In: CAMPOS G.W.S; MINAYO M.C.S; AKERMAN M.; DRUMOND JUNIOR R.M; CARVALHO Y.M; Orgs. Tratado de Saúde Coletiva. 2. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. p. 137 – 171. DELEUZE, G. O que é um dispositivo? In: Deleuze,G. O mistério de Ariana (p. 83-96). Lisboa. Vega, 1996. FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Vozes, 1971. LINHA MESTRA, N.23, AGO.DEZ.2013 94 FORMAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA: NOVOS DISPOSITIVOS EM ANÁLISE FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1985. FOUCAULT, M. Ditos e escritos, V. IV. São Paulo: Forense Universitária, 2006. GUATTARI, F. Da Produção de Subjetividade. In: GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, p. 11- 44. 1992. L'ABBATE, Solange. Educação em saúde: uma nova abordagem. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, Dec. 1994 . MATURANA ,H. Emoções e linguagem na educação e na política. Tradução de José Fernando Campos. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2009. MATURANA, H. R. & VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2002. PAIM. J. S. Desafios para a saúde coletiva no século XXI. Salvador: EDUFBA, 2008. LINHA MESTRA, N.23, AGO.DEZ.2013 95