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ID: 57958805
16-02-2015
Tiragem: 34477
Pág: 45
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 20,07 x 23,10 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Em defesa da liberdade
ocidental
João Carlos Espada
Cartas do Atlântico
a última semana ocorreram
demasiadas cimeiras e
demasiada espuma mediática
sobre as cimeiras. Uns são a
favor deste detalhe, outros
daquele. Entre nós, já há quem
diga que é o Governo grego
que nos representa – e não
o Governo livremente eleito
pelos cidadãos portugueses.
Outros acham que a Rússia foi ofendida
pelo Ocidente e que nós é que somos
culpados pela invasão russa da Crimeia e do
Leste da Ucrânia. Também há cartas abertas
a exigir que o primeiro-ministro português
apoie o novo Governo grego.
Toda esta balbúrdia é bem-vinda. Ela
quer simplesmente dizer que Portugal
não é a Rússia: ainda existem opiniões
divergentes que se exprimem livremente.
E também quer simplesmente dizer que,
diferentemente da Grécia, ainda não temos
em Portugal um Governo que gosta mais
da Rússia do que da União Europeia, ou da
Aliança Atlântica.
Este é o ponto, receio ter de dizer. E
convém reflectir sobre ele – enquanto nos
resta algum tempo.
É caso para sublinhar enquanto nos
resta algum tempo. A Grécia tem uma
democracia tão recente como a nossa – o
regime dos coronéis caiu a seguir ao nosso
25 de Abril de 1974, que iniciou a Terceira
Vaga de democratização mundial. A seguir
veio a transição à democracia em Espanha.
Lamento ter de recordar que os nossos
três países têm em comum uma muito
jovem tradição democrática – e uma muito
idosa tradição dirigista e autoritária, bem
como de guerras sem quartel entre facções
rivais. A Grécia e a Espanha têm a séria
desvantagem adicional de terem tido
guerras civis relativamente recentes. Estes
são os detalhes que deveriam concentrar a
nossa atenção.
N
Hoje, a Grécia tem no Governo uma
coligação de um partido de extremaesquerda com um de extrema-direita.
Ambos elogiam a Rússia.
Na vizinha Espanha, as sondagens dão o
primeiro lugar a um partido de extremaesquerda que também elogia a Rússia – e
que descreve a União Europeia como uma
“oligarquia capitalista”.
Lamento ter de expressar uma opinião
um pouco cortante sobre esses fenómenos:
eles revelam uma muito débil cultura
política democrática e ocidental.
Comecemos por falar um pouco sobre a
Rússia. Talvez o Ocidente tenha melindrado
a Rússia desnecessariamente, na sequência
da vitória das democracias no final da
guerra fria. Não digo que não. Mas não
foi o Ocidente que invadiu a Ucrânia, ou
a Geórgia. Nem que está a ameaçar as
Repúblicas Bálticas.
Além disso, o que se passa na Rússia é
observável a olho nu. Um regime autoritário
usa uma retórica nacionalista e contra os
“oligarcas” (um tema também favorito
na Grécia e em Espanha) para prender
e perseguir todas as vozes dissidentes e
impor uma economia controlada pelo
Estado e pela polícia secreta – totalmente à
margem da lei.
Em culturas políticas democráticas
ocidentais, estes simples factos
deveriam ser mais do que suficientes
para desencorajar qualquer apoio ao
revanchismo russo. Por que motivo não são
suficientes, nalgumas paragens?
Talvez um factor resida na juventude da
experiência democrática nessas paragens
– ou na longevidade das suas raízes
autoritárias. Longos períodos de sociedades
comandadas pela vontade arbitrária do
Estado vulgarizaram a ideia de que a
política é uma simples luta de classes pelo
acesso ao poder do Estado – para depois
promoverem capelinhas de apaniguados e
respectivos “planos directores”, bem como
subsídios e impostos, ao sabor do capricho
de “quem manda”.
Não é este o entendimento da política
nas mais velhas culturas democráticas
ocidentais – a que hoje voltou a ser de bomtom chamar “capitalistas e imperialistas”.
Disse, por exemplo, William Pitt, primeiroministro britânico entre 1766 e 1768:
“O homem mais pobre no seu casebre
pode desafiar toda a força da coroa
[britânica]. O casebre pode ser frágil; o
telhado pode abanar; o vento pode soprar
lá dentro; as tempestades podem entrar, a
chuva pode entrar – mas o Rei de Inglaterra
não pode entrar; todo o seu poder não
se atreve a atravessar o limiar do casebre
arruinado.”
A que se devia
essa fragilidade
incompreensível
do rei de Inglaterra
perante o seu
súbdito mais
pobre? Àquilo que
fora estabelecido
pela Magna Carta
de 1215 e que a
Rússia ignorou
na maior parte
da sua história: a
limitação de todos
os poderes pela lei.
É a lei que protege o
direito das pessoas
à vida, à liberdade,
à propriedade,
aos contratos
voluntários – numa
palavra, usada
pela Declaração
de Independência
americana de 1776, à
busca da felicidade.
Este primado da lei obviamente não
existe na Rússia. Por que motivo andam o
Governo grego e esse tal Podemos espanhol
a namorar a Rússia? Essa é a pergunta que
deve ser feita em Portugal – enquanto é
tempo.
Por que
motivo andam
o Governo
grego e esse
tal Podemos
espanhol a
namorar a
Rússia?
Professor universitário, IEP-UCP
Escreve à segunda-feira
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"Em defesa da liberdade ocidental", in Público, 16 de Fevereiro