os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS na Saúde da população de são Paulo N elson G ouveia Resumo: O artigo procura examinar algumas políticas ambientais de controle da poluição do ar postas em prática na Região Metropolitana de São Paulo nas últimas décadas e discuti-las no contexto do crescimento e transformação da região. As dificuldades para a implementação dessas políticas, assim como tendências recentes no trato da questão, são exploradas. Palavras-chaves: Poluição do ar. Políticas públicas. Impactos. Abstract: This article examines some policies targeting air pollution control in the metropolitan region of Sao Paulo in the past decades and discusses them in the context of the growth and transformation of the region. Difficulties to implement such policies will also be explored. Key words: Air pollution. Public policies. Impacts. E mbora o desenvolvimento, na sua mais ampla acepção, seja desejável em qualquer sociedade, a maneira como o mesmo ocorre e os processos que o regulam podem ter implicações importantes na saúde e na qualidade de vida da população. Observando o modelo de desenvolvimento e urbanização brasileiro, caracterizado na grande maioria dos casos pelo crescimento rápido e desorganizado das cidades, nota-se que, embora esse processo possa ter trazido inúmeros benefícios à sociedade em geral, ele também contribuiu para gerar e aprofundar uma série de problemas ambientais que afetam, em maior ou menor grau, as populações dessas cidades. Tome-se o exemplo da poluição atmosférica na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Na segunda metade do século passado, o desenvolvimento econômico impulsionou um crescimento desordenado, não planejado, da cidade de São Paulo e seus municípios vizinhos. Esse desenvolvimento permitiu, por exemplo, a instalação de inúmeras indústrias na região, sem que houvesse a preocupação com o controle de suas emissões atmosféricas. Dessa forma, além da prosperidade econômica e melhoria da qualidade de vida, a população da RMSP passou a conviver com níveis de poluição atmosférica acima dos padrões considerados aceitáveis pelas agências ambientais e pela Organização Mundial de Saúde (CETESB, 1993). Como conseqüência, expôs sua saúde a um novo risco. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS... Esse crescimento econômico e populacional também gerou e continua gerando uma grande demanda por mobilidade, já que esta permite a produção e a troca de bens e serviços, que por sua vez colaboram para a continuidade do desenvolvimento. Porém, o crescimento do principal setor responsável pela mobilidade, o transporte, continua se dando de maneira pouco sustentável. A inabilidade do Estado em prover infra-estrutura e serviços de transporte eficientes e adequados, a deterioração simultânea dos transportes públicos de massa e a conseqüente ampliação da frota de veículos para uso individual, têm contribuído para aumentar os custos do transporte, a desigualdade social na distribuição dos custos e benefícios desse setor e a degradação do ambiente, sobretudo do ar. Isso afeta a qualidade de vida da população, bem como a eficiência econômica e a própria produtividade das cidades (Habitat, 1994). Característica freqüentemente encontrada nos grandes centros urbanos do mundo, o aumento da frota veicular vem ocupando o lugar das indústrias como principal fonte de contaminação atmosférica. As emissões decorrentes da utilização de combustíveis fósseis pelos veículos automotores circulantes, incluindo automóveis, ônibus e caminhões, são responsáveis por cerca de 90% dos gases e 40% do material particulado lançado diariamente na atmosfera da cidade de São Paulo (CETESB, 2006a). Sabe-se hoje que a exposição a esses poluentes está associada a uma elevação no risco de se contrair diversas doenças, desde as respiratórias, as mais intuitivamente relacionadas com a poluição do ar, até as cardiovasculares, passando pelo câncer, as malformações congênitas, a restrição do crescimento intra-uterino e distúrbios da fertilidade (Gouveia, Maisonet, 2006). Os impactos sociais e econômicos da exposição à poluição do ar são consideráveis. Estima-se que cerca de 800 mil óbitos por ano no planeta sejam atribuíveis à contaminação atmosférica, sendo esta considerada uma das mais importantes causas de morte no mundo (Cohen et al., 2005; Ezzati et al., 2002). Cientes ou não dos malefícios à saúde ocasionados pela poluição atmosférica, os governos vêm adotando uma série de medidas que visam à redução dos níveis urbanos desses contaminantes. Essas políticas ambientais objetivam melhorar a qualidade do ar nas cidades e, sendo efetivas, conseqüentemente contribuem para diminuir os efeitos na saúde associados a essa exposição. Entretanto, medidas praticadas aqui, assim como em outros países, não têm sido regular e consistentemente avaliadas de maneira a se conhecer a sua real efetividade, seu custo-beneficio, seu impacto na saúde e no meio ou sua sustentabilidade. Desse modo, este artigo procura discutir o impacto, tanto nos níveis de poluição quanto nos seus efeitos associados à saúde, de algumas políticas ambientais de controle da poluição do ar advinda dos veículos automotores, colocadas em prática na cidade de São Paulo nas últimas décadas. Serão foco dessa avaliação as medidas que alteraram a composição dos combustíveis, mais especificamente a adição de álcool à gasolina, a utilização de veículos movidos exclusivamente a álcool, a redução gradativa dos limites de emissão de poluentes pelos veículos novos e a medida de restrição à circulação veicular. Não se trata aqui de fazer uma análise exaustiva e detalhada, com emprego de técnicas quantitativas sofisticadas. Ao contrário, procurou-se apenas fazer simples comparações de valores e tendências em períodos recentes e contextualizar as medidas implementadas e seus impactos. É importante lembrar que não fazem parte do objeto dessas análises outros impactos importantes associados a medidas regulatórias do setor de transportes como os acidentes de trânsito e a poluição sonora, entre muitos outros. Algumas medidas aplicadas em relação à qualidade do ar Desde a década de 1970, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb da Secretaria de Estado do Meio Ambiente vem exercendo controle sobre as emissões industriais. Inicialmente, foi implementado um programa para redução das emissões de material particulado – MP e, posteriormente, um outro para a redução das emissões de dióxido de enxofre (SO2). Ainda na década de 1980, observaramse reduções significativas dos níveis de SO2, poluente mais associado às emissões industriais, na atmosfera São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 137 138 Nelson Gouveia da RMSP. Até hoje, todas as áreas da região atendem ao padrão de qualidade do ar para esse poluente (CETESB, 2006b). Com as fontes industriais sob controle e com a mudança gradual no perfil da região metropolitana de uma economia industrial para uma economia baseada em serviços, a Cetesb começou a detectar níveis elevados de contaminantes atmosféricos provocados agora pelas emissões dos veículos movidos à gasolina (CETESB, 2006a). Nessa mesma época nascia o Programa Nacional do Álcool – Proálcool, com o objetivo de diminuir a dependência externa de energia, mais especificamente do petróleo importado. A intenção de utilizá-lo como combustível encontrou respaldo em estudos das emissões veiculares que verificaram que a adição de etanol à gasolina contribuía para a diminuição da emissão de monóxido de carbono (CO), cujos níveis encontravam-se elevados na RMSP (CETESB, 2006b). A partir do início dos anos 1980, o álcool passou a ser o aditivo adicionado à gasolina em substituição ao até então utilizado chumbo. Dessa forma, além de deixar de emitir chumbo na atmosfera, medida que trouxe enormes benefícios à saúde da população (Paoliello; De Capitani, 2005), essa mistura de combustíveis também objetivava controlar os níveis de outros poluentes, como o CO, proveniente das emissões da crescente frota automotiva. O Proálcool incentivou também a utilização de veículos movidos exclusivamente a álcool hidratado, e estes passaram a ser produzidos em grande escala, pouco a pouco ganhando o gosto popular. No final da década de 1980, cerca de metade da frota de veículos leves do Município de São Paulo rodava exclusivamente a álcool (Gráfico 1). Entretanto, o risco de desabastecimento devido à escassez do etanol anidro no mercado brasileiro desestimulou a aquisição desses veículos pela população e sua partici- Gráfico 1 Evolução do Número de Veículos Novos a Álcool e a Gasolina Município de São Paulo – 1981-2000 4.000 Em milhares Gasolina Álcool 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS... pação no mercado diminuiu nos anos subseqüentes, embora o programa de adição de álcool à gasolina tenha se mantido. Posteriormente, foi criado o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve, que iniciou o controle das emissões veiculares para veículos novos (CETESB, 2006b). Esse programa exige que os veículos e motores novos atendam a limites máximos de emissão, cujos valores foram sendo gradativamente rebaixados. Os fabricantes de veículos vêm cumprindo as exigências do Proconve. Desse modo, um automóvel novo produzido hoje emite cerca de 40 vezes menos poluentes que um veículo fabricado no início da década de 1980 (Gráfico 2). Além dessas duas medidas, caracteristicamente mais permanentes ou de longo prazo, a RMSP experimentou também um outro tipo de medida, de caráter mais emergencial e preventivo, que visava diminuir as concentrações elevadas de poluentes, principalmente de CO, na atmosfera. Em 1995, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente introduziu a Operação Rodízio. Mirando o exemplo de algumas cidades ao redor do mundo, como Santiago do Chile, a Cidade do México, Atenas e Paris, adotou-se a prática da restrição veicular, ou seja, a proibição da circulação de veículos automotores em determinados dias da semana de acordo com o número final da placa. Com isso, cerca de 20% dos automóveis seriam retirados das ruas nos dias úteis (Jacobi; Gouveia, 1999). O programa foi implantado experimentalmente durante uma semana em agosto de 1995, sendo que, naquela ocasião, a adesão foi voluntária. Nos anos seguintes, a medida foi regulamentada e implementada em caráter compulsório por meio de lei específica, sempre no mês de agosto, período de inverno que tradicionalmente apresenta maiores índices de poluição do ar (Jacobi; Gouveia, 1999). Gráfico 2 Evolução dos Fatores Médios de Emissão (g/Km) de Monóxido de Carbono (CO) de Veículos Leves Novos a Álcool e a Gasolina Município de São Paulo – 1980-2000 Gasolina Álcool CO (g/Km) 35 30 25 20 15 10 5 0 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Cetesb (2006). São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 139 140 Nelson Gouveia Todavia, em parte devido ao caráter controvertido dessa medida, que contava com boa aceitação popular, mas ao mesmo tempo era muito criticada (Jacobi, 2003), o rodízio, da forma como foi originalmente planejado, durou apenas mais três anos. O que seria esperado dessas medidas A mudança na composição dos combustíveis, com a adição de álcool à gasolina, e a entrada em circulação dos veículos movidos exclusivamente a álcool, alteraram o padrão de emissão de poluentes. Os efeitos mais visíveis foram observados para o chumbo, cujos níveis atmosféricos mostraram uma diminuição acentuada logo no início da década de 1980 (CETESB, 2006b). Porém, mesmo somando os efeitos dessa medida à gradativa diminuição dos limites de emissão para veículos novos, não se observou, na prática, uma tendência clara de diminuição nos níveis dos principais poluentes do ar no Município de São Paulo nesse período. Como se pode observar no Gráfico 3, o nível de material particulado inalável – PM10 vem decaindo nas duas últimas décadas, mas não de maneira constante, tendo apresentado tendência crescente em alguns períodos. Este poluente ainda apresenta ultrapassagens diárias do padrão de qualidade do ar e as médias anuais continuam algumas vezes acima do valor de 50µg por metro cúbico recomendado pela OMS. Mesmo analisando as médias diárias de CO (Gráfico 4), o poluente mais diretamente vinculado às emissões automotivas, é difícil observar uma tendência decrescente no período, embora as ultrapassagens do padrão venham sendo um pouco menos freqüentes (CeteSb, 1993, 2006). Uma das possíveis razões para a dificuldade em detectar efeitos mais pronunciados nos níveis de contaminação atmosférica das medidas implementadas é o aumento vertiginoso na frota de veículos que vem ocorrendo no Município de São Paulo (Gráfico 5). Observa-se que, enquanto a população do município aumentou cerca de 20% entre 1980 Gráfico 3 Evolução das Médias Anuais de Material Particulado Inalável (PM10) (µg/m3) Município de São Paulo – 1981-2000 100 PM10 (µg/m3 ) 75 50 25 0 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Cetesb (1993, 2006). São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS... Gráfico 4 Evolução dos Níveis Máximos de Oito Horas para Monóxido de Carbono (CO) (ppm) Município de São Paulo – 1984-2000 CO (ppm) 40 30 PRAÇA DO CORREIO CENTRO PARQUE D.PEDRO II 20 MOOCA PARQUE IBIRAPUERA CONGONHAS LAPA 10 CERQUEIRA CESAR SANTO AMARO 0 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Cetesb (1993, 2006). Gráfico 5 Evolução da Frota de Veículos e Crescimento da População Município de São Paulo – 1980-2000 Frota (10 6 ) frota 6 população População (10 6 ) 11 5 10,5 4 10 3 9,5 2 9 1 8,5 0 8 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET; Fundação Seade. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 141 142 Nelson Gouveia e 2000, a frota de veículos quase quintuplicou no mesmo período. Com o aumento do número de veículos, aumentaram também os congestionamentos, como indiretamente indicado pela diminuição perene da velocidade média dos veículos em circulação (Gráfico 6). Sabe-se que o congestionamento ou a redução da velocidade média aumenta muito a emissão de cada veículo (CETESB, 2006). Esses fatores certamente contribuíram para contrabalançar os benefícios que seriam esperados das medidas de controle da poluição do ar por veículos automotivos. Com relação à restrição à circulação de veículos, esta deve ser examinada numa escala temporal diferente. Os Gráficos 7 e 8 mostram os níveis diários de PM10 e CO entre 1993 e 1998, destacando os dias em que o rodízio estava ocorrendo. Observa-se que há uma tendência à diminuição nos níveis desses dois poluentes no período analisado. De fato, a comparação das médias anuais neste período revela um aparente sucesso do rodízio, uma vez que nos meses de agosto de 1993 a 1995 as médias desses poluentes foram significantemente maiores que nos três anos posteriores (Gouveia, 2002). Porém, análises mais detalhadas, levando em conta a influência de outras variáveis, como as condições meteorológicas, indicam que a contribuição do rodízio para a diminuição dos níveis de poluição na RMSP pode ter sido menor que o esperado, assim como foi também praticamente inexistente o seu efeito na saúde da população, medido por meio da análise das variações nas internações hospitalares por doenças respiratórias (Gouveia, 2002). Isto significa que os valores médios mais baixos para os dois poluentes, e mesmo as variações observadas nas hospitalizações, não foram devidas somente ao rodízio, mas podem ter sido fruto de uma tendência decrescente que já vinha ocorrendo, assim como das variações climáticas experimentadas no período. Gráfico 6 Evolução da Velocidade Média (Km/h) dos Veículos em Circulação Município de São Paulo – 1981-2000 35 Km/h 30 25 20 15 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET; Fundação Seade. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS... Gráfico 7 Evolução das Médias Diárias de Material Particulado Inalável (PM10) Município de São Paulo – 1993-1998 250 PM10 (µg/m³) 200 150 100 50 0 out-92 mar-93 ago-93 jan-94 jun-94 nov-94 abr-95 set-95 fev-96 jul-96 dez-96 abr-97 set-97 fev-98 jul-98 dez-98 Fonte: Gouveia (2002). Nota: Os pontos mais claros representam dias em que houve rodízio de veículos. A linha contínua mostra a tendência linear dos valores no período. Gráfico 8 Evolução das Médias Diárias de Monóxido de Carbono (CO) Município de São Paulo – 1993-1998 20 ppm 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 out-92 mar-93 ago-93 jan-94 jun-94 nov-94 abr-95 set-95 fev-96 jul-96 dez-96 abr-97 set-97 fev-98 jul-98 dez-98 Fonte: Gouveia (2002). Nota: Os pontos mais claros representam dias em que houve rodízio de veículos. A linha contínua mostra a tendência linear dos valores no período. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 143 144 Nelson Gouveia das do setor. A não priorização de esforços e recursos dirigidos ao transporte de massa gerou um sistema no qual a cobertura, ou a qualidade, e freqüentemente ambos, não estimulam a população a deixar o transporte individual. Nota-se que no mesmo período em que as medidas aqui discutidas foram implementadas, a frota de ônibus do município de São Paulo praticamente não variou, chegando até a diminuir em alguns períodos (Gráfico 9). Em 1980, a cidade contava com pouco menos de 20 quilômetros de linhas de metrô e 24 estações. Esses números praticamente dobraram no final da década de 1990, mas continuam irrisórios face ao tamanho e a complexidade da metrópole (Metrô, 2006; SPTrans, 2006). Dessa forma, o impacto a médio e longo prazos dessas medidas foi parcialmente contrabalançado pelo enorme aumento da frota automotiva, aliado ao conseqüente crescimento dos congestionamentos, importantes fatores a impedir a melhora da qualidade do ar na RMSP. Mesmo medidas de impacto mais imediato, como o rodízio de veículos, embora tenham alcançado algum O desenvolvimento necessário Os três exemplos selecionados de políticas ambientais implementadas na RMSP nas últimas décadas mostraram-se relativamente pouco efetivos na redução, de modo consistente e sustentado, dos níveis de contaminação atmosférica na região. Apesar destas e de outras medidas aplicadas, São Paulo ainda hoje apresenta níveis de alguns poluentes atmosféricos acima dos padrões estabelecidos de qualidade do ar. A introdução do álcool combustível e do programa de redução gradativa dos limites de emissão de veículos novos do Proconve obteve reconhecido sucesso na redução das emissões veiculares e foi importante para, ao menos, não permitir que os níveis de poluição em São Paulo deteriorassem. Por outro lado, como políticas isoladas, não foram suficientes para garantir um ar de qualidade para seus habitantes. Há indicações de que essas medidas, mesmo sendo efetivas, foram insuficientes dado o crescimento da demanda por transporte e as respostas inarticula- Gráfico 9 Evolução da Frota de Ônibus Município de São Paulo – 1983-2000 13.000 Nos Absolutos 12.000 11.000 10.000 9.000 8.000 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 Fonte: SPTrans (2006). São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 os Impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transporteS... sucesso no que tange à diminuição dos níveis de alguns contaminantes, esbarrou também na ausência de políticas de transporte, crescimento e planejamento urbano sustentável. Além de enfrentar, como esperado, a total desarticulação entre os diferentes setores da gestão urbana e entre as esferas de poder político (Jacobi, 2003). O modelo de desenvolvimento urbano que a grande maioria das cidades brasileiras tem experimentado privilegia o transporte individual, relegando o transporte de massa a um segundo plano. A cidade é voltada para os interesses daqueles que possuem veículos. A apropriação que se faz do espaço urbano é inúmeras vezes mais favorável aos automóveis que aos cidadãos. O próprio Poder Público faz investimentos importantes nesse sentido, incentivando mais ainda os indivíduos a utilizar o transporte individual – por exemplo, quando investe em grandes obras viárias como túneis, viadutos e avenidas, cuja real necessidade ou prioridade nem sempre é clara. A qualidade do ar urbano que respiramos não pode ser equacionada através de ações únicas e desarticuladas. Medidas para redução dos níveis de poluição do ar devem estar integradas a outras estratégias que visem, por exemplo, a redução na utilização de combustíveis fósseis, principalmente pelos veículos automotores, já que estes representam a principal fonte de poluentes atmosféricos nos grandes centros urbanos. Novas tecnologias precisam ser exploradas e, contanto que não introduzam outros riscos, devem ser incorporadas. Certamente não é fácil implementar políticas que incentivem a utilização de transportes de massa e restrinjam o uso de veículos particulares, mas esta parece ser a direção a seguir rumo a um desenvolvimento mais sustentável. Há que se lembrar ainda da necessidade de avaliar regularmente as políticas públicas, de modo a verificar se estão sendo efetivas no cumprimento de seus objetivos e, caso necessário, reorientá-las. A avaliação das intervenções também é importante para evitar a adoção de medidas paliativas para problemas que requerem soluções mais integradas. As políticas de transporte têm impacto na saúde da população, não apenas pelos efeitos mencionados da poluição do ar no organismo humano, mas também pelas injúrias advindas dos acidentes, do estresse físico e emocional, entre outros. Desse modo, a preocupação com a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos deve estar presente na formulação de políticas de gestão urbana. Nesse contexto, indicadores mais precisos dos efeitos da poluição do ar na saúde são importantes para auxiliar aqueles envolvidos no processo de tomada de decisão em busca de políticas públicas mais consistentes, eficientes e que contribuam para um desenvolvimento urbano sustentável, com inclusão social. Referências Bibliográficas Ezzati, M. et al. Comparative risk assessment collaborating group. Selected major risk factors and global and regional burden of disease. Lancet, n. 360, p. 1347-1360, 2002. CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo 2005. São Paulo: 2006a. _____. Qualidade do ar – histórico. São Paulo: 2006b. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Ar/ar_historico.asp>. _____. Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo 1992. São Paulo: 1993. Cohen, A.J. et al. The global burden of disease due to outdoor air pollution. J Toxicol Environ Health A, n. 68, p. 1301-1307, 2005. 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Os impactos do desenvolvimento (in)sustentável do setor de transportes na saúde da população de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 136-146, abr./jun. 2006