1 EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E NARRATIVA Roseni Ronchezelli Mariano PPG- Unimep Sabemos que o conteúdo do texto literário é riquíssimo, pois ao entrarmos em contato com ele podemos encontrar ou descobrir conteúdos das diversas áreas do saber subjacente em suas prosas ou versos e isto faz com que tais conteúdos sejam significativos, possibilitando para aqueles que o lêem caminhos para qualquer área do conhecimento, além da fluição entendida como Barthes a vê. DELIMITAÇÃO DO TEMA Através dos textos literários encontramos muitas vezes passagens que nos remetem a uma reflexão sobre conhecimento, acontecimento, historia e vida. Nesse sentido o que procuramos neste projeto de dissertação é a busca da compreensão e do entendimento de parte da identidade brasileira ou, mais especificamente da educação da mulher que se faz presente em nossa literatura, visando a busca de entendimento e de compreensão da educação da mulher na sociedade do Rio de Janeiro no século XIX na ótica de alguns contos de Machado de Assis, uma vez que, entendemos a literatura ou qualquer manifestação artística como fruto das inter-relações sociais entre indivíduo e sociedade. Desta forma, procuraremos mostrar que o que normalmente é chamado de ‘historia’da arte não é uma mera seqüência caleidoscóspia de mudanças, uma sucessão não-estruturada de estilos, ou mesmo uma acumulação fortuita de ‘grandes’homens, mas uma seqüência definida e ordenada, um processo estruturado que vai numa certa direção e está intimamente ligado ao processo social geral, não significa insinuar uma valoração heterônoma oculta1. Visualizando desta forma quaisquer tipos de manifestações artísticas, podemos concluir que a mesma ao ser produzida pode não ser aceita pela sociedade porque não é ela quem a produz. Se não fosse assim, como explicaria a consagração de artistas como Mozart, Edgar Alan Poe, Fernando Pessoa, Machado de Assis e tantos outros após suas mortes? Muitos podem justificar dizendo que eles produziram a frente de seu tempo, quando na verdade para entender suas produções implicam umas séries de relações sociais muito complexa. Pode-se dizer em linhas gerais que a produções artísticas não 1 ELIAS, Norbert. Mozart – sociologia de um gênio, p46, 1995. 2 foram entendidas pelo seu público naquele dado momento, ou que a produção que se esperava (determinada pela elite) para ser aceita era outra. Neste sentido, o tema norteador de nossa pesquisa está formulado da seguinte maneira: como o autor Machado de Assis vê e reporta a educação da mulher no século XIX? A escolha da cidade do Rio de Janeiro como espaço privilegiado da pesquisa se justifica em função de ser a mesma palco de importantes transformações políticas, sociais, culturais do período. Alem disso, - ou, talvez por causa disso – encontramos grande concentração de escritores e poetas da época. A produção literária no Brasil surgiu em 1500, ano do “descobrimento” de nossas terras, com a produção de uma literatura brasileira de caráter mais informativo, pois informava ao rei de Portugal sobre o achado, mas que Antonio Candido, um dos maiores críticos da literatura vem esclarecer que a literatura brasileira propriamente dita começou no século XIX e o que tínhamos antes era somente manifestações literárias, entendidas aqui como uma “não organização, dada a imaturidade do meio, que dificulta a formação de grupos, a elaboração de uma linguagem própria e o interesse pelas obras. Mas elas não são representativas de um sistema, significando quando muito o seu esboço2”, mas isto, não impedia que se tivesse obra de valor registrada anteriormente a este período. Antonio Candido distingue manifestação literária de literatura porque para ele, literatura consiste em um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas, (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns aos outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contato entre homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade3. Portanto, diferente de manifestação literária. 2 3 CANDIDO, Antonio. A formação da literatura brasileira, p.24, 1997. ibidi 3 Tendo como base o exposto acima (as citações de Candido), escolhemos o século XIX porque além de ser um período de grandes mudanças históricas também foi o período que tivemos a nossa literatura. A literatura faz parte integrante da cultura humana, que carrega consigo muitas marcas como: social, político, econômico, cultural, histórica de um período, mas que vamos procurar explorá-las para tentarmos entender a identidade que se forma através da mesma. Stam escreve com referência aos estudos feitos em Bakhtin: ...A literatura reflete, ou melhor, refrata o conjunto de horizonte ideológico do qual ela própria faz parte. Refrata os “discursos” circundantes de outras esferas ideológicas, e por sua vez incide sobre outros discursos. O fenômeno literário, assim como qualquer outro fenômeno ideológico, determina-se simultaneamente de fora (extrinsecamente) e de dentro (intrinsecamente). De dentro, é condicionado pela linguagem e pela própria literatura e de fora pelas outras esferas da vida social4. Porém, em contraponto Hypolite Taine, pensador determinista da metade do século XIX, afirma que a literatura “obedece às leis inflexíveis: a da herança, a do meio, a do momento5” Telles, em seu prefácio a obra Sociedade da corte.destaca que Norbert Elias reforça o pensamento de Bakhtin quando, afirma: Elias constrói uma interpretação absolutamente original da circulação dos modelos culturais, que coloca em seu centro a tensão entre distinção e divulgação. A generalização dos comportamentos e coerções inicialmente próprios da sociedade de corte não deve ser compreendida como uma simples difusão, ganhando progressivamente todo corpo social a partir da elite que o domina. É bem antes o resultado de uma luta de concorrência que faz com que as camadas burguesas imitem as maneiras de ser aristocráticas e que, em contrapartida, obriga a noblese de robe a aumentar as exigências da civilidade a fim de lhe restituir um valor discriminante6. Para um melhor entendimento da educação da mulher presente na sociedade do Rio de Janeiro no século XIX, tomaremos, como já referidos alguns os contos de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), ou Machado de Assis, divididos aqui em três períodos: - Primeiro período abrange os anos de 1864 a 1868 compostos por quatro contos que são Casada e viúva (1864), Cinco Mulheres (1865), Mulher de Preto (1868) e O segredo de Augusta (1868); 4 STAM, Robert. Bakhtin p. 23, 2000. NICOLA, José de. Literatura Brasileira, p. 12, 1995. 6 A sociedade de Corte, p.23, 2001. 5 4 - Segundo período vai de 1871 a 1874 com três contos Mariana (1871), A menina dos cabelos pardos (1873) e Miloca (1874) e - Terceiro período vai de 1882 a 1886 também com três contos Letra vencida (1882), Casa velha (1886), D. jucunda (1889). A divisão feita em períodos estão relacionadas com fatos marcantes de nossa história como a promulgação da Lei do Ventre Livre em 28 de setembro de 1871 consistindo na liberdade de todo indivíduo que nascesse de mãe escrava após a promulgação e ////// Optamos por Machado de Assis, porque o mesmo pode ser considerado um cânone7 da nossa literatura. A escolha de Machado de Assis também se liga ao fato de este autor sempre ter vivido no Rio de Janeiro – espaço de nossa pesquisa – além de seu olhar crítico ao escrever situações, lugares, acontecimentos, visões, comportamentos, contos e poemas. Outra justificativa da escolha de Machado de Assis se deve ao fato do mesmo sempre fazer parte dos conteúdos de literatura nas escolas, nos cursinhos e nos vestibulares. Para um melhor entendimento e compreensão da educação da mulher nos contos machadianos, contaremos com um estudo do período que vamos trabalhar – que no caso seria o século XIX, já mencionado no início desta apresentação. Ao entrarmos em contato com o conteúdo, ou melhor, com os contos machadianos iremos procurar indícios, marcas que nos levem a formar ou a constituir a identidade do povo naquela época. Estas marcas seriam somente as de ordem: social, cultural, educacional e a de costume. Os indícios ou marcas presentes nos textos são imperceptíveis para a maioria que os lê, mas que é através da subjetividade que vamos identificando e dando sentido ao achado. A teoria que trata dessas marcas, pistas ou indícios é de Ginzburg e é a partir delas que vamos desvendar o texto literário, pois é através do que poderemos identificar no texto que irá sendo construída a identidade da sociedade do Rio de Janeiro do século XIX. 7 Subtende-se por cânone um literato modelo pelo fato de ter produzido uma vasta obra literária e com grande qualidade artística, o qual seria indispensável o estudo do mesmo em nossas universidades e escolas. 5 Para entender melhor a identidade de parte do povo brasileiro – sociedade do Rio de Janeiro – educação da mulher – que se construirá a partir dos indícios retirados dos contos de Machado de Assis, contaremos com auxílio do autor Norbert Elias, sociólogo que estudou o comportamento social, ou melhor, estuda a sociedade em si em todos seus aspectos. Este projeto propicia além de um conhecimento histórico da época e de parte do povo brasileiro, também a interação e o entendimento, talvez um aprofundamento literário, com relação ao autor e parte de sua obra literária. BUSCANDO UM CAMINHO DE ANÁLISE TEÓRICA Como já foi dito, este projeto contará com a bibliografia de Ginzburg, que será uma das metodologias usadas para o estudo dos indícios do texto literário. Para esta busca da identidade da educação da mulher na literatura brasileira no século XIX contaremos com o apoio da bibliografia básica do autor Norbert Elias para entender esse processo de identidade do povo, pois é um dos autores mais reportado para comentar ou estudar a sociedade e também do autor Thorstein Veblen escritor do livro A teoria da classe ociosa, produzido e escrito na mesma época dos contos de Machado de Assis. Veblen em A teoria da classe ociosa vem mostrar ou fundamentar uma teoria determinada pelos bens e riqueza que os indivíduos possuem, ou seja, todo valor a uma pessoa era dado pelo capital que esta possui, os bens eram como se simbolizassem o poder e dignidade. Veblen inicia sua teoria dizendo que “a primitiva diferença, da qual se originou a divisão em uma classe ociosa e uma classe trabalhadora é a distinção entre trabalho feminino e trabalho masculino, existente nos primeiros estágios do barbarismo. Do mesmo modo, a forma mais primitiva da propriedade é a propriedade que tem os homens capazes sobre as mulheres8”. É exatamente essa configuração social tida no século XIX, em que a honra e dignidade irão estar pautadas na riqueza possuídas. Nesse palco, portanto, a mulher é símbolo homem, isto significa que ela obedece de certa forma a modelos idealizados por eles como símbolo de poder, pois nessa época o fundamental para mulher era ter um lar para poder cuidar. Desde sua educação já 8 VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa, p.36-37 6 apontava para este lado porque todos os seus afazeres ou de uma forma ou de outra estavam relacionados com a casa, sendo assim, o único meio para consegui-lo é cansando-se. Se não fosse assim, como explicar a recusa definitiva de um homem em casar-se com uma de suas escravas mesmo apresentando sentimento de ambos os lados? Isto pode ser comprovado no conto Mariana. Quando a mulher está iniciando a sua saída do lar para trabalhar fora, porque o ócio já não pode ser mantido pelo seu marido ou por suas condições sociais. Neste caso, o trabalho para as mulheres é dito como humilhante. Vergonhoso e mal visto porque sai totalmente fora dos padrões da aristocracia. Se você observar e ler os contos listados aqui neste projeto de dissertação, verá que as mulheres que ocupam ou que fazem algum tipo de trabalho são sempre as mulheres sem condições de manter-se, ou seja, as escravas e as viúvas ou moças solteiras sem rendimento econômico e outras com a situação econômica igual ou semelhante as destas descrita acima. O ócio, dito por Veblen, é ócio convencional e não o ócio de ter ficado sem trabalho durante algum período. O ócio que não é vergonhoso, que é capaz de sustentarse somente com o não trabalho. BIBLIOGRAFIA BARROS, D. L. P. e FIORIN, J. L. Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Usp, 1994 (Ensaios de Cultura, 7). CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira, 2 vols., Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador, Trad. Reginaldo Carmello Corrêia de Moraes, São Paulo: Unesp, 1998 ELIAS, Norbert. Mozart – Sociologia de um Gênio, Org. Michael Schröter, Trad. Sérgio Góes de Paula, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. ELIAS, Nobert. A sociedade de Corte, Trad. Pedro Sussekind; prefácio: André Telles, Rio de Janeiro: J. Z. E., 2001 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das letras, 1989. NICOLA, José de. Literatura brasileira – das origens aos nossos dias, 11ª ed., São Paulo: Scipione, 1995. 7 STAM, Robert. Bakhtin – da teoria, literária à cultura de massa. Trad. Heloísa Jahn, São Paulo: Ática, 2000. VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa. Trad. Olívia Khahenbuhl, São Paulo: Livraria Pioneira, 1965.