A exclusão das religiões afro-brasileiras da tutela socioambiental e do arcabouço jurídico
brasileiro e suas conseqüências na convivência urbana
- TEMA: o movimento socioambiental institucionalizou a tese da participação social na
gestão ambiental, quando da abertura democrática e redação de uma nova Constituição
Federal nos anos oitenta do século passado (SANTILLI, 2005, p. 21). Seguiu uma
orientação multicultural e pluriétnica para a defesa da garantia de direitos aos povos
indígenas, aos quilombolas e às chamadas populações tradicionais. Além da CF/88,
também as leis ordinárias foram influenciadas pelo socioambientalismo a partir das
décadas de 1990 e de 2000, com a orientação legislativa de construção de mecanismos
de gestão dos bens socioambientais. Mas, uma pergunta sobre esse processo ainda não
foi respondida: porque as manifestações religiosas afro-brasileiras envolvendo diversos
grupos, inclusive de quilombolas, não foram observadas pelos defensores do
socioambientalismo em suas ações de ampliação do direito ambiental brasileiro?
- OBJETIVOS: identificar as razões que levaram a corrente político-ambiental conhecida
como socioambientalista a não contemplar em suas teses as práticas religiosas das
comunidades afro-brasileiras junto ao meio ambiente como merecedoras de sua tutela;
apontar as conseqüências para os grupos religiosos da ausência de regulação do uso do
território urbano como locus das práticas ritualísticas de oferenda aos deuses.
- METODOLOGIA E INFORMAÇOES UTILIZADAS: 1) levantamento nos sites
governamentais do Ministério do Meio Ambiente, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, da Casa Civil da Presidência da República, da Fundação Palmares (vinculada ao
Ministério da Cultura) e da Fundação Nacional do Índio (vinculada ao Ministério da
Justiça), em busca de documentos (em formato distinto do formato “lei”) chanceladores de
políticas públicas favoráveis à gestão de bens socioambientais, identificando os
seguimentos sociais favorecidos; 2) levantamento nos sites de algumas organizações
afinadas com o movimento socioambiental, quais sejam, Instituto Socioambiental e Rede
Brasileira de Justiça Ambiental, no sentido de se estabelecer os destinatários do
marketing ambiental destas instituições. No que tange ao Instituto Socioambiental, o foco
da pesquisa recairá em seus canais temáticos, notícias e biblioteca virtual. Em relação à
Rede Brasileira de Justiça Ambiental, a pesquisa no sítio daquela organização irá
privilegiar seu banco temático, bem como as notícias e ações institucionais divulgadas
naquele endereço eletrônico, além de se proceder à análise do relatório “Mapa de
conflitos causados por racismo ambiental no Brasil”, documento publicado em 2007; 3)
revisão da literatura sobre o movimento socioambientalista brasileiro; 4) utilização de
informações de fontes secundárias (Constituição Federal, Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente e Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação), assim considerados
os documentos legislativos que contenham dispositivos influenciados pelo movimento
socioambiental.
- RESULTADOS PARCIAIS: 1) os principais grupos contemplados pelo movimento
socioambiental são as comunidades indígenas e de quilombolas, especificamente
mencionados no texto constitucional como grupos merecedores da defesa estatal de seus
interesses territoriais e do manejo ambiental que empreendem. Além desses dois
seguimentos, o movimento socioambiental se refere sobremaneira a uma terceira
categoria, identificada pela fórmula geral “populações tradicionais”. Essa nomenclatura é
usada, na literatura socioambiental, para se referir a outras populações que têm forte
relação de subsistência com o território que ocupam, manejando-lhes a fauna e a flora,
como, por exemplo, os seringueiros; 2) indígenas, quilombolas e populações tradicionais
têm em comum um manejo ambiental passível de gerar resultados econômicos, ou, por
outra, capaz de atrair a cobiça de empresas estrangeiras (especialmente do ramo
farmacêutico) sobre seus modos de fazer e de utilizar a fauna-flora. Podemos nos referir a
esses modos de fazer como “saberes ambientais” (HISSA, 2008, p. 61), que estariam em
um estado de pré-ciência, porém, maduro o bastante para interessar à investida
patentária de empresas estrangeiras; 3) o sentido litúrgico e ritualístico do manejo
ambiental, característico dos grupos religiosos afro-brasileiros é desprovido deste
resultado econômico. Em outras palavras, não constituiria um “saber ambiental” e não
despertaria, inicialmente, qualquer interesse nos grupos internacionais, ávidos por
patentes oriundas da biota brasileira. Portanto, as práticas religiosas afro-brasileiras
teriam sido negligenciadas pelos socioambientalistas, em seus esforços de ampliação do
direto ambiental. Emblemático é o interdito imposto pela administração do Parque
Nacional da Tijuca, unidade de conservação localizada no Rio de Janeiro, aos praticantes
das religiões de matriz africana, proibidos de ali praticarem suas oferendas.
- CONCLUSÕES, REFLEXÕES, PROPOSTAS AO DEBATE: Com a Carta de 1988
inaugura-se no Brasil um Estado Socioambiental de Direito, no qual a proteção ambiental
passa a ser um valor agregado a um Estado Social, que além da ordem ambiental – e
fundamentado na dignidade da pessoa humana - se ocupa das ordens social, cultural,
política etc (SARLET e FENSTERSEIFER, 2007, p. 72). Essa nova ordem socioambiental
tem reflexos imediatos em políticas públicas e documentos legislativos que manifestam a
vontade do Poder Público em tutelar um rol de comunidades locais que manejam para
sua subsistência o seu ambiente, com técnicas e práticas não agressivas à fauna, à flora
e aos ecossistemas. O movimento socioambiental, auto-referencia a sua contribuição
para a outorga de direitos territoriais e de proteção de patentes a essas comunidades,
privilegiando, em suas ações e produção doutrinária, grupos que possam produzir -em
sua relação com o território e com o meio ambiente- conhecimentos sustentáveis
passíveis de apropriação econômica por agentes econômicos nacionais e internacionais
(os “saberes ambientais”). Os grupos religiosos afro-brasileiros, não sendo detentores
desses saberes (suas práticas são, ao contrário, tidas pela administração ambiental como
lesivas ao meio ambiente) tendem a ser excluídos do amparo socioambiental. Em
conseqüência, o arcabouço legal orientado pelo socioambientalismo, tão competente na
tutela de interesses de autóctones indígenas ou quilombolas em sua relação com o
território, deixou de fora aqueles grupos religiosos, embaraçando seus rituais junto ao
meio ambiente natural. É preciso rever esse arcabouço para que o Brasil seja de fato um
país de todos.
- PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HISSA, Cássio Eduardo Viana (2008). Saberes ambientais: a prevalência da abertura. In
HISSA, Cássio Eduardo Viana. Saberes ambientais: desafios para o conhecimento
disciplinar, PP. 47-61. Belo Horizonte: UFMG; Humanitas.
SANTILLI, Juliana. (2005). Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à
diversidade biológica e cultural. São Paulo: Editora Peirópolis.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago (2007). Algumas notas sobre a
dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em
geral. In GORDILHO, Heron José de Santana; SANTANA, Luciano Rocha (coords.).
Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2, Número 3, Jul/Dez 2007. Salvador: Editora
Evolução.
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