Competição de Julgamento Simulado em Direito do Desenvolvimento Sustentável Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos 2011 Rio de Janeiro, Brasil 18 – 20 de Março de 2011 Fundação Getúlio Vargas – Rio Escola de Direito Programa de Direito e Meio Ambiente Tulane University Law School The Peyson Center for International Development Universidad de Los Andes Grupo de Derecho de Interés de Público Universidad Rafael Landívar Guatemala Caso hipotético: A população indígena Aricapu e os Imigrantes da República de Mirokai VS. a República Federal de Tucanos A. Contexto I: A República Federal de Tucanos 1. A República Federal de Tucanos, ex-colônia espanhola, tornou-se independente no início do século XIX, estabelecendo-se como uma república democrática. O país tem cerca de 50 milhões de habitantes e sua capital é a cidade de Rio Bonito. Historicamente, tem tido uma democracia estável, com os seus representantes eleitos, tanto do Executivo e do Legislativo, alternados no governo a cada quatro anos. A República de Tucanos participou do processo de negociação para a Carta da OEA em 1948. Além disso, ratificou todos os tratados interamericanos de direitos humanos, assim como a maioria dos tratados da ONU sobre o assunto. Especificamente, ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 4 de agosto de 1991 e reconheceu a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em julho de 1992. 2. Nos seus primeiros 100 anos de independência a República de Tucanos viveu períodos conturbados de conflitos territoriais. De 1815 a 1835 a República Federal travou uma guerra com o Principado de Araras devido a discussões sobre os limites de suas fronteiras na confluência dos rios Betara e Corvina que cruzam os dois países. Em 1835 essa questão chegou a uma solução pacifica com a nomeação de uma comissão conjunta para delimitar a fronteira e solucionar o litígio. Desde então, os dois países tem mantido relações pacificas e cooperativas. 3. Tradicionalmente, a economia da República de Tucanos era baseada na agricultura com a produção de café, milho e algodão. Nos anos 1990, o governo do país investiu pesadamente na indústria, levando a um crescimento acelerado da economia local. Esse crescimento criou uma alta demanda por energia. Especialistas prevêem um quadro crítico caso novas fontes de energia não sejam exploradas. É possível que o país sofra diversos apagões nos próximos anos. Dessa forma, o governo decidiu investir na construção de uma grande hidrelétrica, denominada hidrelétrica de Cinco Voltas, na confluência dos rios Betara e Corvina em seu território. B. Contexto II: A população indígena da República de Tucanos 4. Cerca de 10 % dos habitantes da República de Tucanos são povos indígenas que moram nas áreas com florestas perto da fronteira Norte. I – A população indígena Aricapu: 5. A população indígena Aricapu representa um dos mais antigos e tradicionais grupos que habitam a região Norte da República de Tucanos e Leste do Principado de Araras, se localizando em ambos os lados da fronteira. Eles continuam existindo hoje essencialmente como um grupo de caçadores, sendo que também plantam e colhem seus próprios alimentos. 6. Durante as guerras territoriais que se travaram entre a República de Tucanos e o Principado de Araras os indígenas se encontravam na área em conflito e tiveram suas vilas atingidas. Os Aricapus não apoiaram nenhum dos lados, mantendo sua neutralidade. 7. Após a conclusão das guerras territoriais entre a República de Tucanos e o Principado de Araras a maior parte da área onde os Aricapus estavam localizados se tornou oficialmente parte da República de Tucanos. Eles estabeleceram então boas relações com o governo local que trabalha para lhes prover serviços básicos de educação e saúde. Ademais, através do Ato de Reconhecimento de Terras Indígenas de 1975 os indígenas tiveram seus direitos coletivos à terra reconhecidos e receberam títulos de propriedade. 8. Atualmente os Aricapus estão divididos em 20 pequenas vilas totalizando aproximadamente 3.250 membros. Pelo menos 15 dessas 20 vilas estão localizadas na confluência dos rios Betara e Corvina no território da República de Tucanos e perto dos limites da fronteira com o Principado de Araras. É neste local que se planeja a construção da hidrelétrica de Cinco Voltas. 9. Cada vila Aricapu mantém uma forma tradicional de escolher um chefe para lhes representar junto a República de Tucanos. Os chefes das vilas se reúnem uma vez por mês numa Assembléia Geral para discutir assuntos pertinentes ao seu povo e a cada dois anos há uma reunião geral para eleger alguém para o posto de secretario geral da Assembléia. Esse secretário é responsável por representar o povo Aricapu junto ao governo de Tucanos e aos demais países. C. Contexto III - A população imigrante de Mirokai: 10. A República de Mirokai é um pequeno país localizado no continente Asiático. Ele tem cerca de 20 milhões de habitantes. 11. No final do século XX Mirokai tinha uma economia estável e em crescimento. Ainda assim, em 1970 o país foi atingido por sucessivas ondas tsunamis que devastaram a costa, deixando parte de sua população sem moradia. Conseqüentemente, cerca de 10 mil mirokaenses migraram para o continente Sul-Americano na busca de melhores oportunidades. A maioria destes imigrantes se instalou na República de Tucanos e perto da confluência dos rios Betara e Corvina. Eles vivem da exploração dos recursos naturais existentes, da pesca e da produção de pequenos objetos que vendem nos mercados locais mais próximos. 12. Quando se estabeleceram neste território por volta do ano 1975 os mirokaenses fizeram questão de estabelecer relações de respeito com o povo Aricapu, convocando para uma reunião o Secretario Geral dos Aricapus da época para explicar a situação. Ambos os grupos têm mantido relações amistosas e cooperativas desde então. 13. A constituição de Tucanos garante tratamento igual aos seus nacionais e estrangeiros. A LC 101/1924 estabelece a criação da Agência Nacional de Auxilio aos Estrangeiros (ANAE) que é responsável por registrar a entrada dos estrangeiros nos país e prestar ajuda humanitária quando necessário. 14. Após sua chegada na República de Tucanos os mirokaenses se registraram conforme as normas da ANAE e cinco anos depois adquiriram títulos de posse das terras onde se estabeleceram. D. Fatos do caso: 15. De acordo com estudos feitos em 1980 a confluência dos rios Betara e Corvina é o local mais apropriado para a construção de uma hidrelétrica de grande porte devido ao grande volume de água que passa nesse ponto. A hidroelétrica de Cinco Voltas deverá produzir 11.000 megawatts de energia. Como já mencionado, nessa área moram a população de imigrantes mirokaenses e o povo Aricapu, que tem títulos de posse da terra legalizados conforme a legislação local. 16. Os procedimentos que o governo deve seguir para a construção de projetos desse tipo estão previstos na Lei de Licitações que dispõe em seu artigo 67 o seguinte: todos os projetos financiados pelo governo devem ser feitos através do uso de licitações ou leilões e terem seus gastos aprovados na lei orçamentária do exercício financeiro atual. Além disso, os procedimentos para a construção da hidroelétrica também estão regulados pela Lei 8090/76 que estabelece a legislação ambiental do país (Política Tucana de Meio Ambiente de 1991 - PTMA) e cria o Instituto Nacional do Meio Ambiente (IMA) responsável por analisar e autorizar projetos dessa natureza. As fases para implementação do projeto são as seguintes: 1ª Fase: Concessão de licença prévia para a construção da hidrelétrica pelo IMA após verificação dos impactos ambientais, permitindo abertura do edital de licitação. 2ª Fase: Abertura do edital de licitação para contratação da empresa que vai se encarregar das obras do projeto. 3ª Fase: A empresa contratada, juntamente com o IMA, deve fazer um Relatório de Impactos Ambientais (RIA). Neste relatório devem estar especificado todas as áreas que serão afetadas pelo projeto, incluindo perdas em biodiversidade, níveis esperados de poluição e impactos sobre as populações locais. O RIA deve ter o selo de aprovação do IMA, que atuará ativamente na sua confecção. 4ª Fase: O RIA deve ser publicado e disponibilizado durante dois meses num site para que ONGs, agências governamentais e o público possam emitir suas opiniões sobre o projeto. 5ª Fase: Após esses dois meses, o IMA tem um prazo de três meses para fazer uma segunda análise do RIA. Depois de analisar as críticas apresentadas pela sociedade civil o IMA deve trabalhar junto com a empresa contratada para aprimorar o relatório e diminuir os impactos previstos quando possível. 6ª Fase: Depois de alterado, o RIA deve ser aprovado e ratificado pelo presidente do IMA. 7ª Fase: Após a ratificação do RIA a empresa selecionada poderá começar as obras. Essas serão acompanhadas pelo IMA. Durante esse processo a empresa devera submeter relatórios trimestrais das obras para avaliação do IMA. 17. Em Outubro de 2009 o IMA aprovou a licença prévia nos termos da LC 101. A licença foi automaticamente inserida no Projeto de Lei da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício financeiro de 2010 com o objetivo de assegurar as dotações de recursos necessários para as obras. 18. Em Novembro foi divulgado o edital de licitação para as empresas interessadas no projeto se inscreverem. Em Dezembro foi aberto o processo de licitação. Participaram quatro empresas sendo escolhida a Empresa LAX. 19. Em Janeiro foi aprovada pelo Congresso a LOA de 2010 com as dotações especificas para a construção da hidrelétrica. O IMA e a LAX elaboraram conjuntamente seu relatório de impactos ambientais, submetendo-o ao IMA em seguida e disponibilizando-o para o público em um site na internet. 20. Nesse relatório a LAX indicou que a construção de uma hidroelétrica criará um imenso lago de 1.450 km2 de superfície, obrigando o deslocamento da população ribeirinha de imigrantes de Mirokai que vive na parte sul do rio Corvina (5.000 habitantes) e do povo indígena Aricapus que vive no lado norte do rio Betara (1.550 habitantes). O governo explicitou que, de acordo com sua Política Nacional de Deslocados (PND) de 1992, todos os deslocados receberão um lote de terra do mesmo tamanho do lote onde viviam e recursos econômicos suficientes para que eles possam recomeçar suas vidas e atividades numa nova área que lhes será designada. 21. Após a publicação do relatório teve início uma movimentação política dos povos indígenas Aricapus e da população ribeirinha mirokaense. Ambos os grupos disseram não ter sido propriamente consultados no processo. Estes povos argumentaram ter fortes laços com a terra e que não desejavam ser deslocados, mesmo com o recebimento de novas terras e recursos financeiros. Eles reclamaram ainda do tratamento discriminatório dos tribunais locais, os quais não respeitaram seus direitos de posse sobre aquele território. O governo de Tucanos buscou acalmar os ânimos locais convocando uma reunião para discutir a situação, marcada para o próximo mês. 22. No dia 20 de Fevereiro o governo se reuniu com o secretário-geral, representante dos Aricapus, e com San Yano, eleito representante dos mirokaenses para discutir a situação. O governo prometeu re-avaliar o projeto de remoção e trabalhar em conjunto com as pessoas afetadas para chegarem a uma solução que fosse boa para ambas as partes. 23. No dia 15 de Março o IMA aprovou o relatório publicado pela LAX e autorizou o inicio das obras. Duas semanas depois as obras foram iniciadas. 24. Essa autorização causou grande revolta nas populações Aricapu e Mirokaense que se juntaram para entrar na justiça com pedido de anulação da aprovação concedida pelo IMA e de concessão de uma liminar para interrupção das obras. Em sua ação eles alegaram que seus direitos de propriedade foram violados e que foram tratados de forma discriminatória. Além disso, alegaram que a construção da hidrelétrica destruiria um território preservado pelos índios. Disseram que este território é visto como sagrado para sua cultura e qualquer mudança lhes afetaria psicologicamente e fisicamente de maneira irreparável. Ademais, ambos os povos alegaram que a criação do lago na construção da hidrelétrica teria um impacto ambiental superior aos limites e procedimentos estabelecidos pela PTMA. 25. Essa ação foi julgada em primeira instância pelo tribunal local e o governo se defendeu alegando que não houve qualquer perseguição aos povos Aricapus e aos imigrantes mirokaense e que os seus direitos à vida, liberdade e propriedade foram assegurados pela Política Nacional de Deslocados (PND) de 1992. Além disso, a República Federal Tucana assegurou que a construção da hidroelétrica respeitou todos os dispositivos da PTMA. Após a concretização dos procedimentos legais para esse tipo de caso o juiz indeferiu totalmente o pedido dos indígenas e ribeirinhos em 14 de Maio de 2010. 26. Os Aricapus e os Mirokaenses recorreram em 2ª instancia a corte de apelações. Em 30 de Junho essa corte deferiu o pedido e emitiu liminar ordenando a suspensão das obras. 27. Ato contínuo, o Advogado Geral da União, agindo em nome da Republica de Tucanos, recorreu em última instância à Suprema Corte de Tucanos. Ele argumentou que as populações indígenas e mirokaenses ribeirinhas não apresentaram qualquer evidência concreta de impactos negativos resultantes da construção da hidrelétrica, seja para o território ou seja para as populações deslocadas. Assim, argumentou que as obras deveriam continuar. Ademais, o advogado-geral argumentou que o impedimento das obras iria contra a soberania do governo como dono de todos os recursos naturais do país e que os benefícios propiciados pela hidrelétrica iriam trazer à população de Tucanos são de grande significância. Especificamente, o Advogado Geral argumentou que a hidrelétrica é essencial para o crescimento das indústrias nacionais e para as populações urbanas que hoje só têm acesso a recursos limitados e que necessitam disso para seu crescimento econômico. Ele finalizou dizendo que um impacto negativo sobre uma porção tão pequena da população é justificado pelos benefícios que a hidrelétrica irá gerar para os demais. 28. Em 2 de Agosto a Suprema Corte decidiu em favor do governo confirmando a decisão do tribunal de 1ª instancia e indo contra a decisão do tribunal de apelações. Eles ordenaram a revogação da liminar e permitiram a continuação das obras dizendo que em nenhum momento foram os direitos indígenas desrespeitados e que os impactos ambientais ficaram dentro dos limites do PTMA. 29. Devido a esta decisão judicial desfavorável, a população Aricapu e os imigrantes Mirokaien começaram a investigar outros possíveis métodos de ajuda. Duas ONGs - Planeta Sustentável e o Instituto para a Conservação da Herança Indígena (ICHI) – entraram em contato com eles (população Aricapu e os Mirokaien), indicando interesse em ajudar com sua causa. E. O processo perante o Sistema Interamericano 30. No dia 6 de Outubro de 2010, tendo esgotado todos os seus recursos internos, o povo Aricapus e os emigrantes mirokaenses entraram com petição individual na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Especificamente, eles alegaram que a República de Tucanos estaria violando: i) Os artigos 4 (direito à vida), 5 (integridade física), 8 (garantias judiciais) 11 (honra), em 21 (propriedade), 22 (liberdade de circulação e de residência), 24 (igualdade) e 25 (proteção judicial ), todos em consonância com o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto (de San José, Costa Rica); ii) A proteção dos imigrantes, também de acordo com o art. 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; iii) Artigo 11 (meio ambiente saudável) do Protocolo de San Salvador. 31. No dia 15 de Outubro a Comissão admitiu a petição e notificou a República de Tucanos lhes dando um prazo de dois meses para responder às acusações postas pelas partes. Em 20 de Novembro o governo de Tucanos respondeu alegando não ter violado qualquer direito humano já que todos os procedimentos judiciais e administrativos tinham sido cumpridos de acordo com os requisitos legais. Ademais, o governo argumentou que os planos para a hidrelétrica conforme exposto no RIA estava em consonância com o PTMA e que todas as restrições à propriedade privada tinham sido feitas dentro das especificações do art. 21, I e II do pacto de San José e em nome de um “interesse social” maior. 32. Inicialmente, a Comissão tentou mediar um acordo amigável em conformidade com o artigo 40 das regras da Comissão de procedimento (Regimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e com o artigo 49 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 33. A Comissão verificou a violação pelos Tucanos dos artigos 4, 5, 8, 21, 22 e 25 juntamente com o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No entanto, uma vez que não foi bem sucedida na mediação de um acordo, e considerando a gravidade da situação e a posição dos peticionários no caso, a Comissão apresentou o caso à Corte Interamericana (em conformidade com o artigo 45.2 de seu Regimento). 34. Por seu lado, os representantes das vítimas apresentaram ao tribunal vários documentos, o que incluía seus argumentos e pedidos, bem como documentos comprovativos. Eles reafirmaram o argumento de que a República de Tucanos era culpada por violar as suas obrigações, incluindo o artigo 11 do Protocolo de San Salvador, devendo ser responsabilizada.