Boletim ICVSM
Índice do Custo de Vida de Santa Maria
nº 17
Outubro/2007
PROEX
Pró-Reitoria de Extensão
NEPE
Núcleo Econômico de Pequisa e Extensão - Curso de Economia
EVOLUÇÃO DO CUSTO DE VIDA EM SANTA
MARIA EM SETEMBRO DE 2007
Em setembro, o Índice do Custo de Vida em Santa Maria
(ICVSM) registrou alta de 0,31% nos produtos e serviços cujos preços são acompanhados pelo índice. Observa-se pela
figura 1 que o impacto maior da alta de alguns produtos
alimentícios de maior peso na composição do índice, como
o leite e a carne, ocorreu no mês de julho, regredindo nos
meses subseqüentes para patamares inclusive inferiores à
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Figura 1. Variação percentual mensal do Índice do Custo de
Vida de Santa Maria (ICVSM), nos últimos seis meses.
média do 1º semestre do ano. A inflação acumulada no ano
é de 4,51% e, a dos últimos doze meses, de 6,36%.
Dentre os nove grupos de produtos e serviços que compõem o ICVSM (tabela 1), Vestuário foi o que apresentou, em
EQUIPE TÉCNICA:
NEPE – Núcleo Econômico de Pesquisa e Extensão do Curso de Economia
Professores: José Maria Dias Pereira (Coordenador Geral), Valduino Estefanel (Coordenador
de Estatística), Herton Castiglioni Lopes, Marcelo Arend e Ana Monteiro Costa (Analistas
Econômicos)
Acadêmicos: Antônio Ricardo Sones Henriques, Diogo Mazui Silva, Mauro César Batista
Nogueira, Paula Machado Inchauspe, Patrícia Dornelles de Aguiar e Rodrigo Gayer
(Pesquisadores/Bolsitas Proex e Prograd)
CPD – Centro de Processamento de Dados da UNIFRA
Prof. Elton Regis C. Spode (Coordenador de Programação)
Gláucia L. de Oliveira (Programadora)
Camila Monego Moreira (Webmaster)
Laboratório de Multimídia do Curso de Comunicação Social da UNIFRA
Prof. Gabriel Görski (Coordenador)
média, a maior elevação dos preços (+2,04%). Esse aumento
nos preços é comum nesta época do ano por causa do fim
do inverno e a chegada dos pedidos nas lojas de artigos para
serem vendidos na primavera e verão. Como o frio está terminando mais tarde este ano, também é provável que muitas
lojas ainda não tenham iniciado as tradicionais liquidações
de roupas de inverno. Dentre os maiores aumentos observados nesse grupo, mostrados na figura 3, destaca-se sandálias
e sapatos de plástico femininos (+33,7%), camisa masculina
(+20,7%) e bermuda e short feminino (+17,3%). Em contrapartida, já se nota diminuições nos preços dos agasalhos
(casaco, suéter) femininos que caíram, em média, -10,1% em
setembro, assim como roupas de mesa (-13,2%) e roupas de
banho (-10,8%).
Depois de ter sofrido deflação (queda nos preços mé-
Tabela 1. Variação e contribuição do Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM) em setembro de 2007 (base: dezembro de 2005)*.
Índice
Peso
(%)
Agosto
1) Alimentação
25,12
116,67
117,38
2) Habitação
26,07
105,69
105,52
Grupo
Setembro
Variação no
mês (%)
Contribuição
no mês (%)
Variação em
2007 (%)
Últimos 12
meses (%)
0,69
0,19
11,60
17,07
-0,13
-0,03
1,29
1,21
3) Artigos residência
3,03
96,31
95,26
0,79
0,02
2,36
3,65
4) Vestuário
5,26
110,01
113,67
2,04
0,11
16,29
10,74
5) Transporte
16,21
99,30
101,61
0,16
0,03
-1,05
1,50
6) Saúde e Cuidados pessoais
7,32
110,22
111,36
0,45
0,03
6,17
10,55
7) Despesas pessoais
5,75
112,19
111,90
-0,24
-0,01
3,07
5,63
8) Educação
2,90
104,63
105,16
0,16
0,00
2,99
2,47
9) Comunicação
8,34
93,69
91,89
-0,30
-0,02
-3,18
-3,96
100,0
107,03
107,63
0,31
0,31
4,51
6,36
Geral
*Valores sujeitos a retificações.
1
Boletim nº 17: Índice do Custo de Vida de Santa Maria
Outubro de 2007
dios), no mês de agosto, o conjunto de produtos pesquisados do grupo alimentação apresentou elevação média de
+0,69%, no mês de setembro. Em parte, a queda dos preços
verificadas em agosto podia ser explicada pela grande alta
dos preços registradas em julho. No mês de setembro, as
maiores altas ocorreram nos produtos hortifrutigranjeiros,
cujas variações de preços, para cima ou para baixo, costumam ser muito superiores aos dos demais produtos e
serviços, dependendo se estiverem na estação ou não. Conforme mostra a figura 2, tiveram aumentos significativos
nos preços: abacaxi (+38,8%), mamão (+33,5%), beterraba
(+27,3%), melancia (+25,8%) e cenoura (+25,4%).
Com o final do inverno e a recuperação das pastagens,
já se observa claramente uma redução dos preços da carne
e do leite e seus derivados que foram os “vilões” do grupo alimentação no mês de julho em Santa Maria. O preço do leite
longa vida (caixa) caiu, nos pontos de venda pesquisado em
setembro, em média, -16,3%. Também diminuiu de preço
o leite tipo C (-4,4%) e queijo lanche (-5,5%) e mussarela
(-5,6%). Já o preço da carne de boi teve queda de -2,9%
(costela) e -0,3% (traseiro). As maiores quedas de preços no
grupo alimentação foram verificadas nas seguintes verduras: alface (-31,4%), couve (-26,6%), repolho (-23.5%) e rúcula
(-20%).
O grupo artigos de residência apresentou alta de +0,79%
nos seus preços médios, destacando-se máquinas fotográficas (+8,1%), máquinas de lavar roupa (+6,5%) e colchões
(+4,6%) como os itens que mais aumentaram os preços.
Em sentido contrário, cafeteira elétrica (-3,5%), forno de microondas (-2,4%) e guarda-roupa de solteiro (-1,6%) foram
os itens que mais diminuíram de preço.
Entre os grupos que experimentaram aumentos, na média de seus preços, encontramos também saúde e cuidados
pessoais, com alta de +0,45%. A coleta de preços dos remédios nas farmácias pesquisadas em setembro registrou uma
elevação de +26,4% no preço dos hormônios, em comparaAbacaxi
ção com o mês anterior. Os remédios para redução do colesterol também foram majorados em 14,6%, em média. Em
contrapartida, os shampoos sofreram, em média, reduções
de -9,0% nos preços, seguidos pela pílula anticoncepcional
(-7,3%), sabonete (-5,9), talco (-5,1%) e antigripais (-4,8%).
Por coincidência, os grupos educação e transporte tive­
ram o mesmo percentual de aumento no mês de setembro
(+0,16%). No caso da educação, foram observados aumentos de +9,1% no material escolar (caneta, lápis, borracha) e
de +8,4% nas taxas escolares. Já os preços dos cadernos diminuíram -4,0%, em média. Com referência ao transporte, as
maiores altas de preços foram registradas em bateria de automóvel (+6,3%), câmara e pneu de automóvel (+4,9%) e no
preço das bicicletas (+3,4%). Já os combustíveis, de elevado
peso na composição do grupo transporte, mantiveram em
setembro, na maioria dos postos, os mesmos preços praticados em agosto. Apenas a gasolina comum sofreu uma
redução quase insignificante (-0,4%) no seu preço médio,
cujo litro passou de R$ 2,58 (agosto) para R$ 2,57 (setembro).
Na contramão dos aumentos, três grupos sofreram
reduções nos preços médios praticados em setembro,
comparativamente com agosto. Foram eles: comunicação
(-0,30%), despesas pessoais (-0,24%) e habitação (-0,13%).
Praticamente o único responsável pelo resultado do grupo
comunicação foi o aparelho de telefone celular, que so­
freu, em média, uma queda de -14,% no preço. Isso reflete
a velocidade de inovação do setor, favorecido também pela
queda do dólar que baixou os preços dos componentes importados. A redução do preço dos serviços de lavagem de
roupas (-12,8%) foi o que mais contribuiu para a queda dos
gastos com despesas pessoais. Nos gastos com habitação,
registraram alta de preços: tijolos (+4,5%), amaciante de roupa (+3,8%) e lâmpadas (+2,2%). Sofreram quedas de preços:
fósforos (-8,9%), tinta (-6,4%) e desinfetante (-5,2%).
Sandália e sapato de plástico …
Mamão
Óculos sem grau
Beterraba
Hormônio
Melancia
Camisa homens
Cenoura
Bermuda e short mulher
-35 -30 -25 -20 -15 -10
-5
0
Leite em caixas
Agasalho (casaco, suéter) para mulher
Rúcula
Roupa de banho
Repolho
Serviço de lavanderia e tinturaria
Couve
Roupa de mesa (tec ido)
Alface
Telef one celular
5
10
15
20
25
30
35
40
Variação (%)
Figura 2. Produtos alimentícios com maiores altas e baixas de
preço em Santa Maria em setembro de 2007.
2
-25
-20
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
25
30
35
Variação (%)
Figura 3. Produtos não alimentícios com maiores altas e baixas
de preço em Santa Maria em agosto de 2007.
Boletim nº 17: Índice do Custo de Vida de Santa Maria
Outubro de 2007
Economia & Finanças
ARTIGO ESPECIAL
A pobreza está diminuindo no Brasil?
Os recentes dados divulgados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio), do IBGE, referentes ao ano de 2006, trouxeram à baila certas polêmicas relativas à evolução da renda do trabalhador e a questão da pobreza e miséria no Brasil, além das já clássicas comparações entre os governos FHC e Lula.
Os dados sobre rendimentos do trabalho mostram que a renda média avançou 7,2% no ano passado – o maior ritmo de expansão desde 1995. O valor da
renda média do país em 2006 chegou a R$ 888,00, patamar idêntico ao ano de
1999, conforme mostra a figura 4. O rendimento médio real cresceu nos anos
2004-06, depois de uma queda contínua no período 1997-2003. Nota-se também
que nos dois últimos anos a renda do trabalhador cresceu, mas não a ponto de
recuperar o poder de compra de 1996, período em que os efeitos do Plano Real
no combate a inflação proporcionaram ganhos reais aos assalariados.
1000
949
R$
900
888
888
800
792
balho dos mais pobres, em detrimento da população mais rica, ou a tendência de
longo prazo seguirá, com relativa estabilidade nos ganhos da população pobre?
Em outras palavras, a partir do governo Lula a pobreza tende a se reduzir?
Com base nos dados da PNAD, os economistas Sônia Rocha, do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), e Marcelo Néri, da FGV-RJ, afirmaram
que, em 2006, tanto o total de pobres quanto o de miseráveis caiu ao menor
patamar desde 1987. Metodologicamente, há diferenças entre os conceitos de
linha da pobreza e de miseráveis. Segundo o estudo do IETS, é considerado pobre
o individuo com renda mensal inferior a R$ 266,00. Em se tratando da verificação
do número de miseráveis, o estudo da FGV considera pessoas com renda inferior
a R$ 118,00. Ambas as classificações transformam em unidades monetárias as
necessidades calóricas ou alimentares dos indivíduos.
Conforme mostra a figura 6, em 1995, primeiro ano completo do Plano
Real, a proporção de pobres no total da população brasileira caiu para 33,2%
como conseqüência direta da estabilidade de preços. A partir daí, a proporção
de pobres volta a apresentar uma tendência ascendente até o ano de 2003. Em
2005, a proporção de pobres ficou em 30,5%. Já em 2006, o percentual de pobres
em relação ao total da população atinge seu menor patamar histórico, de 26,9%.
Em números absolutos, houve queda de 10,6% no contingente de pobres no país,
de 54.884 milhões de pessoas em 2005 para 49.043 milhões em 2006.
33
33,2
735
700
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Anos
R$
Conclui-se também que, no primeiro governo FHC (1995-98), o crescimento
médio anual da renda real do trabalhador foi significativo, de 7,5%. Já no seu
segundo mandato (1999-02), a variação média anual foi de -3,6%, expressando
que nesse período o trabalhador teve seu poder de compra reduzido. Em relação ao primeiro mandato do governo Lula (2003-06), a variação média anual da
renda do trabalhador foi modesta, de 1,1%. Nesse sentido, nos últimos quatro
anos, o governo Lula não conseguiu proporcionar ganhos ao rendimento do trabalhador equiparáveis as taxas do primeiro mandato de FHC, mas também não
gerou perdas reais de renda, como no segundo mandato de FHC.
Ao se desagregar mais os números, é possível constatar os reais beneficiados do crescimento da renda do trabalho. De acordo com a figura 5, o aumento
do rendimento em 2006 favoreceu, proporcionalmente, os empregados mais pobres. Os 50% mais pobres da população foram contemplados com um aumento
na renda média de 8,5%. Desta forma, os 50% mais pobres tiveram um aumento
acima da média nacional de 7,2%. Também conseguiram recuperar o poder de
compra de 1996, já que, nesse período de dez anos, tiveram um aumento de
9,7% na renda. Porém, o rendimento médio dessa população (R$ 293,00) continua abaixo do salário mínimo de 2006, que era de R$ 350,00. Já os 50% mais
ricos, com renda média de R$ 1.482,00, não recuperaram o poder de compra de
1996, quando possuíam renda média de R$ 1.686,00.
1686
267
1521
257
1996
1999
50% mais pobres
1482
1339
246
293
2003
28,8
34,1
29
28,5
33,4
34,9
35
35,6
34
33,2
30,5
27,2
28,4
27,6
28,2
26,7
2006
50% mais ricos
Figura 5–Poder de Compra de Pobres e Ricos
Na última década existe uma tendência à queda na renda dos 50% mais
ricos da população. Em relação aos 50% mais pobres, a tendência indica uma
relativa estabilidade da renda média dessa população ao se considerar períodos mais longos. Nesse sentido, os aumentos na renda dos 50% mais pobres da
população, constatados nos dois últimos anos, lançam uma dúvida para o futuro:
iniciou-se uma nova tendência, ascendente, de ganhos nos rendimentos do tra-
26,9
25,4
23
Figura 4– Rendimento Real do Trabalho (em R$)
1700
1500
1300
1100
900
700
500
300
100
-100
28
34,1
22,8
19,3
18
1995
1996
1997
1998
1999
Iets (pobres)
2001
2002
2003
2004
2005
2006
FGV (miseráveis)
Figura 6–Proporção de Miseráveis e Pobres na População Total do Brasil, em %
A proporção de brasileiros classificados como miseráveis caiu de 35% para
19% do total da população brasileira, entre 1993 e 2006. Uma redução cerca de
45% no percentual de miseráveis em um prazo de apenas 14 anos. As análises da
FGV indicam que, do ponto de vista da distribuição de renda, os 50% mais pobres
cresceram a sua participação nas riquezas do país em 12%, enquanto os 10%
mais ricos, em 7,8%, no ano passado. Outro dado importante destacado pelo
estudo do economista Marcelo Néri indica que a proporção de pessoas abaixo da
linha de pobreza, que era de 22,77% em 2005, caiu para 19,31% em 2006.
Segundo o estudo do IETS, a causa principal da redução da pobreza está localizada no avanço do mercado de trabalho, que possibilitou um forte aumento
da massa salarial de 9,8%. O reajuste real do salário mínimo em 2006, de 13,3%,
e a expansão das transferências de renda assistenciais (entre elas o programa
Bolsa Família), que atingiram R$ 20 bilhões em 2006, também contribuíram para
o aumento de renda das famílias, na base da distribuição, e redução da incidência de pobreza.
Essa análise sobre as causas da redução da pobreza permite contestação.
Em primeiro lugar, está o fato de serem analisados, prioritariamente, os rendimentos dos trabalhadores formais. Sabe-se que, principalmente dentro da
análise unidimensional da renda, os mais pobres são justamente aqueles que
não conseguem ingressar no mercado de trabalho formal. Além disso, como
destacado nesse estudo, existe a influência de programas assistenciais na diminuição da pobreza pela ótica da renda. Uma vez que, por exemplo, o programa
Bolsa Família não visa à emancipação do beneficiado, este pode ter um impacto
positivo apenas temporal, já que as pessoas não têm perspectiva de aumento de
renda a longo prazo.
A visão de que os 50% mais pobres melhoraram por causa de um aumento
de R$ 47,00 na sua renda média, entre 2003 e 2006, passando a perceber R$
293,00, deixa também de enfatizar que esse valor está muito aquém de um
rendimento que garanta a aquisição de bens de necessidade básica. Tampouco
isso modifica a escandalosa concentração da renda brasileira, onde os 10% mais
pobres detinham apenas 1% do total dos rendimentos em 2006. Já os 10% mais
ricos concentravam 44,4% do total de remunerações. De acordo com a pesquisa,
em 2006, os 10% mais ricos da população recebiam um rendimento médio mensal de R$ 3.947,00.
3
Embora com tendência à queda, a desigualdade de renda pode voltar a
aumentar pela exigência de qualificação profissional. No futuro, os postos de
trabalho que melhor remuneram estarão restritos aqueles poucos que tiveram
a possibilidade de estudar em bons colégios e faculdades. Apesar de ter havido,
nos nos últimos anos, uma grande expansão das matrículas no ensino médio e
mesmo superior, a qualidade do ensino continua baixa para os padrões internacionais.
É preciso considerar também que os rendimentos dos trabalhadores variam
bastante conforme as regiões do Brasil. Em 2006, considerando todo o território
nacional, 12,7% dos domicílios com rendimento do trabalho tinham renda até
um salário mínimo. Na região nordeste, esse percentual chegava a 25,3% e, no
sul do Brasil, era de 7,6%. Quando comparamos a parcela dos maiores rendimentos do trabalho, apenas 3% dos domicílios no Brasil apresentam renda superior
a 20 salários mínimos. Enquanto no sudeste, esse percentual chega a 3,8%, na
região nordeste apenas 1,5% dos domicílios situavam-se nessa faixa de renda
Depois da concentração de renda ter aumentado quase até o final da década de 80, a partir de 1989, embora de maneira bastante lenta, a desigualdade
social vem sofrendo redução. Isso é mostrado pelo chamado coeficiente de Gini,
que varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade). Pelos dados
do IBGE, esse índice passou de 0,544, em 2005, para 0,541, em 2006. Uma pergunta que ocorre imediatamente é: quanto falta para alcançar uma distribuição
de renda desejável? A resposta depende, é claro, do que é considerada uma
distribuição de renda desejável. A tabela 2 mostra os coeficientes de Gini para
alguns países que podem servir de referência.
Tabela 2 – Coeficiente de Gini* para diversos países
País
Gini
Distância
Anos para o Brasil alcançar
EUA
46,6
9,3
14
México
46,0
9,9
14
Uruguai (melhor da América latina)
44,9
11
16
Canadá
39,3
16,6
24
Portugal (pior da Europa)
38,5
17,4
25
Inglaterra
37,0
18,9
27
Dinamarca (melhor do mundo)
24,7
31,2
45
*multiplicado por 100
Pode-se tomar como parâmetro os EUA – um país grande como o Brasil e
com grande diversidade em sua população. A desigualdade da distribuição de
renda per capita nos EUA é quase 10 pontos decimais de Gini abaixo da nossa,
o que quer dizer que o Brasil terá que manter o ritmo de queda no Coeficiente
de Gini por uma década e meia. A situação torna-se mais complicada se o Brasil
almejar ter uma distribuição de renda equiparável a de Portugal, a pior desigualdade da Europa: serão necessárias duas décadas e meia para alcançar nossa antiga metrópole. A situação mais dramática seria alcançar níveis equiparáveis aos
da Dinamarca. Seria necessário manter o ritmo de queda no Coeficiente de Gini
por quase meio século.
Com base nesses dados, podemos verificar o quão complexo são os estudos
sobre pobreza, miséria e desigualdade. Além disso, devemos nos questionar se o
aumento do rendimento médio do trabalhador formal é uma variável suficiente
Nota técnica: O Índice do Custo de Vida de
Santa Maria (ICVSM), calculado pelo Núcleo
Econômico de Pesquisa e Extensão (NEPE),
do curso de Economia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), mede a variação
de preço de produtos consumidos por famílias residentes na zona urbana da cidade,
com renda entre um e oito salários-mínimos.
Sua estrutura foi organizada com base numa
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF),
executada em 2004/2005, tendo como base
uma amostra extraída do cadastro do IPTU.
O cálculo do índice é feito pela fórmula de
Laspeyres e sua base é dezembro de 2005
(ver sobre a metodologia do índice no Boletim ICVSM nº 1, no portal da UNIFRA, na
internet). Os produtos foram divididos em
nove grupos, cujos preços foram coletados
conforme quadro ao lado.
4
Número de
Produtos
Semanas
Número de
Preços
1) Alimentação
317
5
1585
2) Habitação
21
34
2
1
42
34
3) Artigos de residência
140
22
1
5
140
110
4) Vestuário
170
1
170
5) Transporte
64
1
64
6) Saúde e cuidados
pessoais
86
5
14
2
1
5
172
5
70
7) Despesas pessoais
64
1
64
8) Educação
53
1
53
9) Comunicação
25
1
Grupo
Totais
1015
25
2534
para diagnosticar aumento ou diminuição da pobreza. Afinal, qual fator qualifica uma pessoa como pobre?
Na visão econômica tradicional, ser pobre é não possuir renda suficiente
para atender necessidades básicas. Essa estratificação, comumente, adota linhas de pobreza, como a da ONU para a América Latina, segundo a qual é pobre
aquele que recebe menos de US$ 2,00 por dia. Classificar esse estrato da população sob essa ótica atende somente uma dimensão do desenvolvimento humano:
a renda. Essa análise unidimensional desconsidera o desenvolvimento e a emancipação da população. Para que uma pessoa tenha autonomia de exercer a vida
que deseja, ela precisa de outros aspectos tão importantes quanto a renda.
A questão principal reside em que a renda é um importante “meio” para
obter fatores como saúde, educação, alimentação e habitação, que garantem a
manutenção de uma vida digna, mas não implica necessariamente nesses fins. O
fato de possuir certo patamar de renda não garante que uma família está “livre”
da pobreza. Essa afirmação surge de análises empíricas, como por exemplo, as
realizadas com famílias comparando renda e qualidade de vida das crianças.
Famílias que apresentam renda um pouco maiores, mas nas quais a mãe possui
conhecimento limitado sobre higiene e saúde, podem ter crianças mais doentes
e desnutridas do que naquelas onde, mesmo com renda inferior, a mãe com conhecimento mais amplo cria filhos saudáveis e com possibilidades de futuro mais
promissoras. Neste caso, o fator determinante para a saúde das crianças é o grau
de conhecimento materno e não a renda familiar.
Análises unidimensionais podem mostrar-se mais viáveis em um primeiro
momento, mas são insuficientes como fonte de conhecimento para um formador de políticas públicas. Mesmo onde há sinalização de baixa renda, variável
que interfere significativamente na qualidade de vida da população, o fator que
mais contribui para a manutenção da pobreza, ou seja, que impossibilita as pessoas de levarem a vida que desejam e julgam boa, pode estar na deficiência da
qualidade educacional ou na falta de centros de saúde. Ainda, provavelmente,
os pobres do nordeste não são iguais aos do sudeste ou do sul. A renda coloca
todos na mesma condição e limita a essa variável uma melhor qualidade de vida,
estabelecendo uma relação direta entre o meio e o fim que nem sempre ocorre.
Em resumo, mesmo quando são considerados somente os rendimentos dos
empregados e a renda dessa população, afirmações categóricas sobre a redução
da pobreza em 2006, como aquelas encontradas nos dois estudos citados, são
contestáveis. Essa simplificação do conceito de pobreza, sob uma análise unidimensional, favorece ao governo que, assim, pode projetar metas possíveis de
serem alcançadas em prazo menor. Seja como for, mesmo aceitando a meto­
dologia desses estudos, resta um saldo de 50 milhões de pessoas com renda insuficiente para viver com a dignidade que todo ser humano merece. Além disso,
temos percentuais de desigualdade social e regional que não cedem de maneira
significante. Diante desse quadro, devemos comemorar uma pequena diminui­
ção da pobreza ou lamentar porque temos tantos pobres?
Expediente: este boletim é órgão de divulgação do Núcleo Econômico de Pesquisa e
Extensão (NEPE), do CentroUniversitário Franciscano (UNIFRA), rua Silva Jardim, 1535
– 2º andar – CEP 97.010-491 – Santa Maria, RS.Disponível na internet no portal www.
unifra.br (inclusive números anteriores). E-mail do editor: [email protected]
Tiragem: 250 exemplares. Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a
fonte.
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