Boletim ICVSM Índice do Custo de Vida de Santa Maria nº 17 Outubro/2007 PROEX Pró-Reitoria de Extensão NEPE Núcleo Econômico de Pequisa e Extensão - Curso de Economia EVOLUÇÃO DO CUSTO DE VIDA EM SANTA MARIA EM SETEMBRO DE 2007 Em setembro, o Índice do Custo de Vida em Santa Maria (ICVSM) registrou alta de 0,31% nos produtos e serviços cujos preços são acompanhados pelo índice. Observa-se pela figura 1 que o impacto maior da alta de alguns produtos alimentícios de maior peso na composição do índice, como o leite e a carne, ocorreu no mês de julho, regredindo nos meses subseqüentes para patamares inclusive inferiores à 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 Abr Mai Jun Jul Ago Set Figura 1. Variação percentual mensal do Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM), nos últimos seis meses. média do 1º semestre do ano. A inflação acumulada no ano é de 4,51% e, a dos últimos doze meses, de 6,36%. Dentre os nove grupos de produtos e serviços que compõem o ICVSM (tabela 1), Vestuário foi o que apresentou, em EQUIPE TÉCNICA: NEPE – Núcleo Econômico de Pesquisa e Extensão do Curso de Economia Professores: José Maria Dias Pereira (Coordenador Geral), Valduino Estefanel (Coordenador de Estatística), Herton Castiglioni Lopes, Marcelo Arend e Ana Monteiro Costa (Analistas Econômicos) Acadêmicos: Antônio Ricardo Sones Henriques, Diogo Mazui Silva, Mauro César Batista Nogueira, Paula Machado Inchauspe, Patrícia Dornelles de Aguiar e Rodrigo Gayer (Pesquisadores/Bolsitas Proex e Prograd) CPD – Centro de Processamento de Dados da UNIFRA Prof. Elton Regis C. Spode (Coordenador de Programação) Gláucia L. de Oliveira (Programadora) Camila Monego Moreira (Webmaster) Laboratório de Multimídia do Curso de Comunicação Social da UNIFRA Prof. Gabriel Görski (Coordenador) média, a maior elevação dos preços (+2,04%). Esse aumento nos preços é comum nesta época do ano por causa do fim do inverno e a chegada dos pedidos nas lojas de artigos para serem vendidos na primavera e verão. Como o frio está terminando mais tarde este ano, também é provável que muitas lojas ainda não tenham iniciado as tradicionais liquidações de roupas de inverno. Dentre os maiores aumentos observados nesse grupo, mostrados na figura 3, destaca-se sandálias e sapatos de plástico femininos (+33,7%), camisa masculina (+20,7%) e bermuda e short feminino (+17,3%). Em contrapartida, já se nota diminuições nos preços dos agasalhos (casaco, suéter) femininos que caíram, em média, -10,1% em setembro, assim como roupas de mesa (-13,2%) e roupas de banho (-10,8%). Depois de ter sofrido deflação (queda nos preços mé- Tabela 1. Variação e contribuição do Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM) em setembro de 2007 (base: dezembro de 2005)*. Índice Peso (%) Agosto 1) Alimentação 25,12 116,67 117,38 2) Habitação 26,07 105,69 105,52 Grupo Setembro Variação no mês (%) Contribuição no mês (%) Variação em 2007 (%) Últimos 12 meses (%) 0,69 0,19 11,60 17,07 -0,13 -0,03 1,29 1,21 3) Artigos residência 3,03 96,31 95,26 0,79 0,02 2,36 3,65 4) Vestuário 5,26 110,01 113,67 2,04 0,11 16,29 10,74 5) Transporte 16,21 99,30 101,61 0,16 0,03 -1,05 1,50 6) Saúde e Cuidados pessoais 7,32 110,22 111,36 0,45 0,03 6,17 10,55 7) Despesas pessoais 5,75 112,19 111,90 -0,24 -0,01 3,07 5,63 8) Educação 2,90 104,63 105,16 0,16 0,00 2,99 2,47 9) Comunicação 8,34 93,69 91,89 -0,30 -0,02 -3,18 -3,96 100,0 107,03 107,63 0,31 0,31 4,51 6,36 Geral *Valores sujeitos a retificações. 1 Boletim nº 17: Índice do Custo de Vida de Santa Maria Outubro de 2007 dios), no mês de agosto, o conjunto de produtos pesquisados do grupo alimentação apresentou elevação média de +0,69%, no mês de setembro. Em parte, a queda dos preços verificadas em agosto podia ser explicada pela grande alta dos preços registradas em julho. No mês de setembro, as maiores altas ocorreram nos produtos hortifrutigranjeiros, cujas variações de preços, para cima ou para baixo, costumam ser muito superiores aos dos demais produtos e serviços, dependendo se estiverem na estação ou não. Conforme mostra a figura 2, tiveram aumentos significativos nos preços: abacaxi (+38,8%), mamão (+33,5%), beterraba (+27,3%), melancia (+25,8%) e cenoura (+25,4%). Com o final do inverno e a recuperação das pastagens, já se observa claramente uma redução dos preços da carne e do leite e seus derivados que foram os “vilões” do grupo alimentação no mês de julho em Santa Maria. O preço do leite longa vida (caixa) caiu, nos pontos de venda pesquisado em setembro, em média, -16,3%. Também diminuiu de preço o leite tipo C (-4,4%) e queijo lanche (-5,5%) e mussarela (-5,6%). Já o preço da carne de boi teve queda de -2,9% (costela) e -0,3% (traseiro). As maiores quedas de preços no grupo alimentação foram verificadas nas seguintes verduras: alface (-31,4%), couve (-26,6%), repolho (-23.5%) e rúcula (-20%). O grupo artigos de residência apresentou alta de +0,79% nos seus preços médios, destacando-se máquinas fotográficas (+8,1%), máquinas de lavar roupa (+6,5%) e colchões (+4,6%) como os itens que mais aumentaram os preços. Em sentido contrário, cafeteira elétrica (-3,5%), forno de microondas (-2,4%) e guarda-roupa de solteiro (-1,6%) foram os itens que mais diminuíram de preço. Entre os grupos que experimentaram aumentos, na média de seus preços, encontramos também saúde e cuidados pessoais, com alta de +0,45%. A coleta de preços dos remédios nas farmácias pesquisadas em setembro registrou uma elevação de +26,4% no preço dos hormônios, em comparaAbacaxi ção com o mês anterior. Os remédios para redução do colesterol também foram majorados em 14,6%, em média. Em contrapartida, os shampoos sofreram, em média, reduções de -9,0% nos preços, seguidos pela pílula anticoncepcional (-7,3%), sabonete (-5,9), talco (-5,1%) e antigripais (-4,8%). Por coincidência, os grupos educação e transporte tive ram o mesmo percentual de aumento no mês de setembro (+0,16%). No caso da educação, foram observados aumentos de +9,1% no material escolar (caneta, lápis, borracha) e de +8,4% nas taxas escolares. Já os preços dos cadernos diminuíram -4,0%, em média. Com referência ao transporte, as maiores altas de preços foram registradas em bateria de automóvel (+6,3%), câmara e pneu de automóvel (+4,9%) e no preço das bicicletas (+3,4%). Já os combustíveis, de elevado peso na composição do grupo transporte, mantiveram em setembro, na maioria dos postos, os mesmos preços praticados em agosto. Apenas a gasolina comum sofreu uma redução quase insignificante (-0,4%) no seu preço médio, cujo litro passou de R$ 2,58 (agosto) para R$ 2,57 (setembro). Na contramão dos aumentos, três grupos sofreram reduções nos preços médios praticados em setembro, comparativamente com agosto. Foram eles: comunicação (-0,30%), despesas pessoais (-0,24%) e habitação (-0,13%). Praticamente o único responsável pelo resultado do grupo comunicação foi o aparelho de telefone celular, que so freu, em média, uma queda de -14,% no preço. Isso reflete a velocidade de inovação do setor, favorecido também pela queda do dólar que baixou os preços dos componentes importados. A redução do preço dos serviços de lavagem de roupas (-12,8%) foi o que mais contribuiu para a queda dos gastos com despesas pessoais. Nos gastos com habitação, registraram alta de preços: tijolos (+4,5%), amaciante de roupa (+3,8%) e lâmpadas (+2,2%). Sofreram quedas de preços: fósforos (-8,9%), tinta (-6,4%) e desinfetante (-5,2%). Sandália e sapato de plástico … Mamão Óculos sem grau Beterraba Hormônio Melancia Camisa homens Cenoura Bermuda e short mulher -35 -30 -25 -20 -15 -10 -5 0 Leite em caixas Agasalho (casaco, suéter) para mulher Rúcula Roupa de banho Repolho Serviço de lavanderia e tinturaria Couve Roupa de mesa (tec ido) Alface Telef one celular 5 10 15 20 25 30 35 40 Variação (%) Figura 2. Produtos alimentícios com maiores altas e baixas de preço em Santa Maria em setembro de 2007. 2 -25 -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20 25 30 35 Variação (%) Figura 3. Produtos não alimentícios com maiores altas e baixas de preço em Santa Maria em agosto de 2007. Boletim nº 17: Índice do Custo de Vida de Santa Maria Outubro de 2007 Economia & Finanças ARTIGO ESPECIAL A pobreza está diminuindo no Brasil? Os recentes dados divulgados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE, referentes ao ano de 2006, trouxeram à baila certas polêmicas relativas à evolução da renda do trabalhador e a questão da pobreza e miséria no Brasil, além das já clássicas comparações entre os governos FHC e Lula. Os dados sobre rendimentos do trabalho mostram que a renda média avançou 7,2% no ano passado – o maior ritmo de expansão desde 1995. O valor da renda média do país em 2006 chegou a R$ 888,00, patamar idêntico ao ano de 1999, conforme mostra a figura 4. O rendimento médio real cresceu nos anos 2004-06, depois de uma queda contínua no período 1997-2003. Nota-se também que nos dois últimos anos a renda do trabalhador cresceu, mas não a ponto de recuperar o poder de compra de 1996, período em que os efeitos do Plano Real no combate a inflação proporcionaram ganhos reais aos assalariados. 1000 949 R$ 900 888 888 800 792 balho dos mais pobres, em detrimento da população mais rica, ou a tendência de longo prazo seguirá, com relativa estabilidade nos ganhos da população pobre? Em outras palavras, a partir do governo Lula a pobreza tende a se reduzir? Com base nos dados da PNAD, os economistas Sônia Rocha, do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), e Marcelo Néri, da FGV-RJ, afirmaram que, em 2006, tanto o total de pobres quanto o de miseráveis caiu ao menor patamar desde 1987. Metodologicamente, há diferenças entre os conceitos de linha da pobreza e de miseráveis. Segundo o estudo do IETS, é considerado pobre o individuo com renda mensal inferior a R$ 266,00. Em se tratando da verificação do número de miseráveis, o estudo da FGV considera pessoas com renda inferior a R$ 118,00. Ambas as classificações transformam em unidades monetárias as necessidades calóricas ou alimentares dos indivíduos. Conforme mostra a figura 6, em 1995, primeiro ano completo do Plano Real, a proporção de pobres no total da população brasileira caiu para 33,2% como conseqüência direta da estabilidade de preços. A partir daí, a proporção de pobres volta a apresentar uma tendência ascendente até o ano de 2003. Em 2005, a proporção de pobres ficou em 30,5%. Já em 2006, o percentual de pobres em relação ao total da população atinge seu menor patamar histórico, de 26,9%. Em números absolutos, houve queda de 10,6% no contingente de pobres no país, de 54.884 milhões de pessoas em 2005 para 49.043 milhões em 2006. 33 33,2 735 700 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Anos R$ Conclui-se também que, no primeiro governo FHC (1995-98), o crescimento médio anual da renda real do trabalhador foi significativo, de 7,5%. Já no seu segundo mandato (1999-02), a variação média anual foi de -3,6%, expressando que nesse período o trabalhador teve seu poder de compra reduzido. Em relação ao primeiro mandato do governo Lula (2003-06), a variação média anual da renda do trabalhador foi modesta, de 1,1%. Nesse sentido, nos últimos quatro anos, o governo Lula não conseguiu proporcionar ganhos ao rendimento do trabalhador equiparáveis as taxas do primeiro mandato de FHC, mas também não gerou perdas reais de renda, como no segundo mandato de FHC. Ao se desagregar mais os números, é possível constatar os reais beneficiados do crescimento da renda do trabalho. De acordo com a figura 5, o aumento do rendimento em 2006 favoreceu, proporcionalmente, os empregados mais pobres. Os 50% mais pobres da população foram contemplados com um aumento na renda média de 8,5%. Desta forma, os 50% mais pobres tiveram um aumento acima da média nacional de 7,2%. Também conseguiram recuperar o poder de compra de 1996, já que, nesse período de dez anos, tiveram um aumento de 9,7% na renda. Porém, o rendimento médio dessa população (R$ 293,00) continua abaixo do salário mínimo de 2006, que era de R$ 350,00. Já os 50% mais ricos, com renda média de R$ 1.482,00, não recuperaram o poder de compra de 1996, quando possuíam renda média de R$ 1.686,00. 1686 267 1521 257 1996 1999 50% mais pobres 1482 1339 246 293 2003 28,8 34,1 29 28,5 33,4 34,9 35 35,6 34 33,2 30,5 27,2 28,4 27,6 28,2 26,7 2006 50% mais ricos Figura 5–Poder de Compra de Pobres e Ricos Na última década existe uma tendência à queda na renda dos 50% mais ricos da população. Em relação aos 50% mais pobres, a tendência indica uma relativa estabilidade da renda média dessa população ao se considerar períodos mais longos. Nesse sentido, os aumentos na renda dos 50% mais pobres da população, constatados nos dois últimos anos, lançam uma dúvida para o futuro: iniciou-se uma nova tendência, ascendente, de ganhos nos rendimentos do tra- 26,9 25,4 23 Figura 4– Rendimento Real do Trabalho (em R$) 1700 1500 1300 1100 900 700 500 300 100 -100 28 34,1 22,8 19,3 18 1995 1996 1997 1998 1999 Iets (pobres) 2001 2002 2003 2004 2005 2006 FGV (miseráveis) Figura 6–Proporção de Miseráveis e Pobres na População Total do Brasil, em % A proporção de brasileiros classificados como miseráveis caiu de 35% para 19% do total da população brasileira, entre 1993 e 2006. Uma redução cerca de 45% no percentual de miseráveis em um prazo de apenas 14 anos. As análises da FGV indicam que, do ponto de vista da distribuição de renda, os 50% mais pobres cresceram a sua participação nas riquezas do país em 12%, enquanto os 10% mais ricos, em 7,8%, no ano passado. Outro dado importante destacado pelo estudo do economista Marcelo Néri indica que a proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza, que era de 22,77% em 2005, caiu para 19,31% em 2006. Segundo o estudo do IETS, a causa principal da redução da pobreza está localizada no avanço do mercado de trabalho, que possibilitou um forte aumento da massa salarial de 9,8%. O reajuste real do salário mínimo em 2006, de 13,3%, e a expansão das transferências de renda assistenciais (entre elas o programa Bolsa Família), que atingiram R$ 20 bilhões em 2006, também contribuíram para o aumento de renda das famílias, na base da distribuição, e redução da incidência de pobreza. Essa análise sobre as causas da redução da pobreza permite contestação. Em primeiro lugar, está o fato de serem analisados, prioritariamente, os rendimentos dos trabalhadores formais. Sabe-se que, principalmente dentro da análise unidimensional da renda, os mais pobres são justamente aqueles que não conseguem ingressar no mercado de trabalho formal. Além disso, como destacado nesse estudo, existe a influência de programas assistenciais na diminuição da pobreza pela ótica da renda. Uma vez que, por exemplo, o programa Bolsa Família não visa à emancipação do beneficiado, este pode ter um impacto positivo apenas temporal, já que as pessoas não têm perspectiva de aumento de renda a longo prazo. A visão de que os 50% mais pobres melhoraram por causa de um aumento de R$ 47,00 na sua renda média, entre 2003 e 2006, passando a perceber R$ 293,00, deixa também de enfatizar que esse valor está muito aquém de um rendimento que garanta a aquisição de bens de necessidade básica. Tampouco isso modifica a escandalosa concentração da renda brasileira, onde os 10% mais pobres detinham apenas 1% do total dos rendimentos em 2006. Já os 10% mais ricos concentravam 44,4% do total de remunerações. De acordo com a pesquisa, em 2006, os 10% mais ricos da população recebiam um rendimento médio mensal de R$ 3.947,00. 3 Embora com tendência à queda, a desigualdade de renda pode voltar a aumentar pela exigência de qualificação profissional. No futuro, os postos de trabalho que melhor remuneram estarão restritos aqueles poucos que tiveram a possibilidade de estudar em bons colégios e faculdades. Apesar de ter havido, nos nos últimos anos, uma grande expansão das matrículas no ensino médio e mesmo superior, a qualidade do ensino continua baixa para os padrões internacionais. É preciso considerar também que os rendimentos dos trabalhadores variam bastante conforme as regiões do Brasil. Em 2006, considerando todo o território nacional, 12,7% dos domicílios com rendimento do trabalho tinham renda até um salário mínimo. Na região nordeste, esse percentual chegava a 25,3% e, no sul do Brasil, era de 7,6%. Quando comparamos a parcela dos maiores rendimentos do trabalho, apenas 3% dos domicílios no Brasil apresentam renda superior a 20 salários mínimos. Enquanto no sudeste, esse percentual chega a 3,8%, na região nordeste apenas 1,5% dos domicílios situavam-se nessa faixa de renda Depois da concentração de renda ter aumentado quase até o final da década de 80, a partir de 1989, embora de maneira bastante lenta, a desigualdade social vem sofrendo redução. Isso é mostrado pelo chamado coeficiente de Gini, que varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade). Pelos dados do IBGE, esse índice passou de 0,544, em 2005, para 0,541, em 2006. Uma pergunta que ocorre imediatamente é: quanto falta para alcançar uma distribuição de renda desejável? A resposta depende, é claro, do que é considerada uma distribuição de renda desejável. A tabela 2 mostra os coeficientes de Gini para alguns países que podem servir de referência. Tabela 2 – Coeficiente de Gini* para diversos países País Gini Distância Anos para o Brasil alcançar EUA 46,6 9,3 14 México 46,0 9,9 14 Uruguai (melhor da América latina) 44,9 11 16 Canadá 39,3 16,6 24 Portugal (pior da Europa) 38,5 17,4 25 Inglaterra 37,0 18,9 27 Dinamarca (melhor do mundo) 24,7 31,2 45 *multiplicado por 100 Pode-se tomar como parâmetro os EUA – um país grande como o Brasil e com grande diversidade em sua população. A desigualdade da distribuição de renda per capita nos EUA é quase 10 pontos decimais de Gini abaixo da nossa, o que quer dizer que o Brasil terá que manter o ritmo de queda no Coeficiente de Gini por uma década e meia. A situação torna-se mais complicada se o Brasil almejar ter uma distribuição de renda equiparável a de Portugal, a pior desigualdade da Europa: serão necessárias duas décadas e meia para alcançar nossa antiga metrópole. A situação mais dramática seria alcançar níveis equiparáveis aos da Dinamarca. Seria necessário manter o ritmo de queda no Coeficiente de Gini por quase meio século. Com base nesses dados, podemos verificar o quão complexo são os estudos sobre pobreza, miséria e desigualdade. Além disso, devemos nos questionar se o aumento do rendimento médio do trabalhador formal é uma variável suficiente Nota técnica: O Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM), calculado pelo Núcleo Econômico de Pesquisa e Extensão (NEPE), do curso de Economia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), mede a variação de preço de produtos consumidos por famílias residentes na zona urbana da cidade, com renda entre um e oito salários-mínimos. Sua estrutura foi organizada com base numa Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), executada em 2004/2005, tendo como base uma amostra extraída do cadastro do IPTU. O cálculo do índice é feito pela fórmula de Laspeyres e sua base é dezembro de 2005 (ver sobre a metodologia do índice no Boletim ICVSM nº 1, no portal da UNIFRA, na internet). Os produtos foram divididos em nove grupos, cujos preços foram coletados conforme quadro ao lado. 4 Número de Produtos Semanas Número de Preços 1) Alimentação 317 5 1585 2) Habitação 21 34 2 1 42 34 3) Artigos de residência 140 22 1 5 140 110 4) Vestuário 170 1 170 5) Transporte 64 1 64 6) Saúde e cuidados pessoais 86 5 14 2 1 5 172 5 70 7) Despesas pessoais 64 1 64 8) Educação 53 1 53 9) Comunicação 25 1 Grupo Totais 1015 25 2534 para diagnosticar aumento ou diminuição da pobreza. Afinal, qual fator qualifica uma pessoa como pobre? Na visão econômica tradicional, ser pobre é não possuir renda suficiente para atender necessidades básicas. Essa estratificação, comumente, adota linhas de pobreza, como a da ONU para a América Latina, segundo a qual é pobre aquele que recebe menos de US$ 2,00 por dia. Classificar esse estrato da população sob essa ótica atende somente uma dimensão do desenvolvimento humano: a renda. Essa análise unidimensional desconsidera o desenvolvimento e a emancipação da população. Para que uma pessoa tenha autonomia de exercer a vida que deseja, ela precisa de outros aspectos tão importantes quanto a renda. A questão principal reside em que a renda é um importante “meio” para obter fatores como saúde, educação, alimentação e habitação, que garantem a manutenção de uma vida digna, mas não implica necessariamente nesses fins. O fato de possuir certo patamar de renda não garante que uma família está “livre” da pobreza. Essa afirmação surge de análises empíricas, como por exemplo, as realizadas com famílias comparando renda e qualidade de vida das crianças. Famílias que apresentam renda um pouco maiores, mas nas quais a mãe possui conhecimento limitado sobre higiene e saúde, podem ter crianças mais doentes e desnutridas do que naquelas onde, mesmo com renda inferior, a mãe com conhecimento mais amplo cria filhos saudáveis e com possibilidades de futuro mais promissoras. Neste caso, o fator determinante para a saúde das crianças é o grau de conhecimento materno e não a renda familiar. Análises unidimensionais podem mostrar-se mais viáveis em um primeiro momento, mas são insuficientes como fonte de conhecimento para um formador de políticas públicas. Mesmo onde há sinalização de baixa renda, variável que interfere significativamente na qualidade de vida da população, o fator que mais contribui para a manutenção da pobreza, ou seja, que impossibilita as pessoas de levarem a vida que desejam e julgam boa, pode estar na deficiência da qualidade educacional ou na falta de centros de saúde. Ainda, provavelmente, os pobres do nordeste não são iguais aos do sudeste ou do sul. A renda coloca todos na mesma condição e limita a essa variável uma melhor qualidade de vida, estabelecendo uma relação direta entre o meio e o fim que nem sempre ocorre. Em resumo, mesmo quando são considerados somente os rendimentos dos empregados e a renda dessa população, afirmações categóricas sobre a redução da pobreza em 2006, como aquelas encontradas nos dois estudos citados, são contestáveis. Essa simplificação do conceito de pobreza, sob uma análise unidimensional, favorece ao governo que, assim, pode projetar metas possíveis de serem alcançadas em prazo menor. Seja como for, mesmo aceitando a meto dologia desses estudos, resta um saldo de 50 milhões de pessoas com renda insuficiente para viver com a dignidade que todo ser humano merece. Além disso, temos percentuais de desigualdade social e regional que não cedem de maneira significante. Diante desse quadro, devemos comemorar uma pequena diminui ção da pobreza ou lamentar porque temos tantos pobres? Expediente: este boletim é órgão de divulgação do Núcleo Econômico de Pesquisa e Extensão (NEPE), do CentroUniversitário Franciscano (UNIFRA), rua Silva Jardim, 1535 – 2º andar – CEP 97.010-491 – Santa Maria, RS.Disponível na internet no portal www. unifra.br (inclusive números anteriores). E-mail do editor: [email protected] Tiragem: 250 exemplares. Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte.