UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIRETO AMBIENTAL GENISE DE MELO BENTES RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DA REALIDADE À LEGISLAÇÃO NO ESTADO DO AMAZONAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Ambiental. ORIENTADOR: Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo Manaus 2006 INTRODUÇÃO A aplicabilidade e efetividade da norma jurídica são problemas recorrentes no mundo jurídico. O Brasil é considerado um país com um avançado arcabouço jurídico ambiental, todavia, a lei nem sempre consegue ter concretude na realidade. A inadequabilidade da norma jurídica à realidade cotidiana dos indivíduos é um motivo desta não ser aplicada, conduzindo a sua não efetividade. No Amazonas, a política ambiental está sendo baseada na criação, implementação e gestão de unidades de conservação, em especial a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, prevista na da Lei Federal nº. 9.985, de 18 de julho de 2000, que que trata sobre a instituição o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza SNUC, e seu Decreto nº. 4.340, de 22 de agosto de 2002, como um instrumento de proteção dos recursos ambientais, e propicia a melhoria da qualidade de vida das populações locais. Portanto, são imprescindíveis estudos para analisar a aplicabilidade e efetividade desta norma jurídica ambiental, buscando averiguar a correspondência entre a realidade e a lei no Estado do Amazonas. Na metodologia do trabalho foram selecionadas duas Reservas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha, para realização de um estudo sobre as características de cada, através de um paralelo entre seus respectivos perfis, como proposto na legislação. Na caracterização das Reservas foi utilizado um único roteiro, visando retratar a situação existente em diversos âmbitos, social, político, econômico, jurídico e ambiental, e fornecer elementos para comparar as duas unidades de conservação, tendo como variável a Lei Federal n°. 9.985/00, preliminarmente, exposta. O método adotado foi o indutivo, porque o estudo partiu de casos particulares para apresentar conclusões gerais a respeito da temática. A técnica empregada foi a pesquisa bibliográfica, visto que o objeto é a norma jurídica pertinente a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, e o que já foi concretizado nas Reservas selecionadas. Realizamos também, uma visita técnica à Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha, bem como visitas aos órgãos ambientais que gerenciam as unidades de conservação selecionadas, participamos também de evento, onde estavam presentes os representantes da maioria das Reservas de Desenvolvimento Sustentável localizadas no Estado do Amazonas. Essas atividades trouxeram elementos novos, complementando e enriquecendo a pesquisa bibliográfica. A análise realizada foi a qualitativa, entendida por Costa (1997)1, como sendo a que utiliza mecanismos interpretativos e de descoberta de relações e significados . Buscou-se uma relação entre o que está estabelecido na norma jurídica sobre Reserva de Desenvolvimento Sustentável e a concretização dessa norma na realidade existente. A forma de interpretação jurídica foi a sociológica que Martins (2002)2 define, como sendo aquela que se constata a realidade e a necessidade social na elaboração da lei e em sua aplicação . Neste sentido, o capítulo 1 trata da apresentação de conceitos fundamentais que permearam o presente trabalho: os de aplicabilidade e efetividade. Segue-se com uma breve exposição sobre a Lei n°. 9.985/00, direcionada a esta categoria de unidade de conservação. Abordamos, por conseguinte, sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, ressaltando o seu antecedente histórico, sua inclusão na lei federal a partir do modelo trazido pela Reserva 1 2 COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade, 1997. MARTINS, Sérgio Pinto. Instituições de Direito Público e Privado, 2002. de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, localizada no Estado do Amazonas. Os seus requisitos jurídicos para a criação, implementação e gestão, bem como a disposição legal sobre população tradicional e a as regras para utilização dos recursos naturais na categoria de unidade de conservação em questão são apresentados no capítulo 2. No capítulo 3 discorremos sobre as duas Reservas de Desenvolvimentos Sustentável que foram selecionadas para o estudo; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a do Piranha. O contexto social, político, econômico, jurídico e ambiental das Reservas é descrito nesta parte do trabalho, indicando a realidade das referidas unidades de conservação. Por fim, no capítulo 4 são levantadas e apreciadas as dificuldades existentes da UC advinda da legislação e da realidade do Estado do Amazonas, propondo alternativas para o equacionamento do quadro construído sobre as Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, culminando nas considerações sobre o tema apresentado na conclusão do presente trabalho. CAPITULO 1 APLICABILIDADE E EFETIVIDADE E UMA PANORÂMICA DA LEI Nº. 9.985/00 E SEU DECRETO REGULAMENTADOR. O Direito autêntico não é apenas declarando mas reconhecido, é vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de conduzir-se . MIGUEL REALE Neste capítulo apresentaremos os conceitos de aplicabilidade e efetividade que serão utilizados neste trabalho. Será apresentada também uma síntese dos principais aspectos da Lei Federal nº. 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza - SNUC, e seu Decreto nº. 4.340, de 22 de agosto de 2002, realizando uma contextualização do surgimento da referida lei e descrevendo dispositivos relacionados à efetividade da norma jurídica sobre Reserva de Desenvolvimento Sustentável. 1.1 CONCEITUAÇÃO DE APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DA NORMA JURÍDICA Ao analisar a norma jurídica referente à Reserva de Desenvolvimento Sustentável, prevista na Lei Federal nº. 9.985, de 18 de julho de 2000 (Lei nº. 9.985/00), que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, para verificar a sua efetividade no Estado do Amazonas, faz-se imprescindível esclarecer os conceitos de aplicabilidade e efetividade, com a finalidade de determinar e uniformizar a terminologia que será utilizada no decorrer do presente trabalho. O aprofundamento doutrinário nas diversas classificações de aplicabilidade da norma não faz parte do objetivo central do nosso estudo. Essa abordagem inicial será adotada apenas para esclarecer e evidenciar o conceito de efetividade . Posteriormente, aplicabilidade e efetividade serão examinadas sob a confluência dos significados. Um dos problemas recorrentes no mundo jurídico é a questão da aplicabilidade e efetividade na norma jurídica; a literatura é vasta, sobretudo no âmbito do direito constitucional, autores como Barroso (1993)3, Silva (2001)4 e Teixeira (1991)5, entre outros, discorrem sobre o tema. Inclusive utilizaremos, como base, as definições oriundas da literatura produzida pelos referidos autores para o delineamento do conceito de aplicabilidade e efetividade da norma jurídica. Neste primeiro momento, trabalharemos estes conceitos separadamente, para depois realizarmos uma síntese entre as acepções apresentadas. O dicionário jurídico de Diniz (1998) 6 dá aos vocábulos aplicabilidade da norma o significado de que é a qualidade da norma de poder ser aplicada. Tomando por critério a questão da intangibilidade e da produção dos efeitos concretos [...] . O termo efetividade no dicionário de Língua Portuguesa de Houaiss (2001)7 incide em caráter, virtude ou qualidade do que é efetivo, é a faculdade de produzir um efeito real... . Enquanto que no dicionário jurídico de Diniz (1998)8 vamos encontrar a palavra efetividade remetida à eficácia, eficácia jurídica e eficácia social . Assim, verifica-se que o termo efetividade pode ser sinônimo do termo eficácia . A segunda por sua vez, apresenta duas vertentes: a eficácia jurídica e a eficácia social. 3 BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da constituição brasileira, 1993. 4 SILVA, José Afonso da. Normas constitucionais quanto à eficácia. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 2001, p. 63-66. (?) 5 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional, 1991. 6 DINIZ, M. H. Dicionário Jurídico, 1998. 7 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 8 Ibid. Na doutrina jurídica, o vocábulo eficácia pode ser empregado com significados diferentes entre os autores, por exemplo, para Stammler (apud Teixeira 1991)9, este termo corresponde à vigência10, enquanto que no entendimento de Teixeira (1991)11 a expressão designa a aplicabilidade da norma jurídica, pela possibilidade de produzir efeitos jurídicos , podendo ser chamada de eficácia jurídica, por outro lado, a eficácia enseja a observância real, acatamento social , entendida como eficácia social . Ferraz Jr. (1999) 12 se refere à eficácia jurídica, denominando-a de eficácia sintática, como sendo aquela que tem a aptidão para produzir efeitos jurídicos por parte da norma, independente da sua efetiva produção . Silva (2001) 13 preleciona que a eficácia social designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada . A eficácia social decorre da correspondência entre a norma jurídica e a realidade social. Assim, se a norma jurídica espelhar o anseio dos seus destinatários e for adequada à realidade, será observada pela sociedade. Em síntese, podemos concluir que a eficácia jurídica está relacionada à aplicabilidade. Segundo Sarlet (2001) 14 seria a exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica . Assim, a eficácia jurídica fica no plano da possibilidade da norma ser exigível podendo ser ou não aplicada, enquanto que a eficácia social é a real aplicabilidade ou a executoriedade da norma jurídica, ocorrendo a chamada efetividade. 9 TEIXEIRA, José Horácio. Meirelles. op. cit., p. 285-299. A vigência no dizer de TEIXEIRA (1991, p. 286) significa o modo específico de existência das normas jurídicas. 11 Ibid., p. 286. 12 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica, 1999, p. 117. 13 SILVA, José Afonso da. op. cit., s/n. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2004, p. 225-247. 10 Portanto, ao utilizarmos o termo efetividade no presente trabalho estamos nos referindo à eficácia social, definida por Barroso (1993) 15 como: [...] a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. 1.1 LEI Nº. 9.985/00 E O DECRETO REGULAMENTADOR Nº 4.340/02 A Lei nº. 9.985/00 regulamentou o artigo 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SNUC, é também conhecida como Lei do SNUC, e estabelece critérios e normas para criação, implantação e gestão das unidades de conservação. Em 22 de agosto de 2002, adveio o Decreto nº. 4.340, que regulamentou alguns artigos da Lei nº. 9.985/00, nos aspectos pertinentes a criação, gestão, plano de manejo e conselhos das unidades de conservação, entre outros. Antes de realizarmos a exposição da Lei nº. 9.985/00, é necessário salientar que os termos espaço territorial especialmente protegido, assim como unidade de conservação, usualmente empregados no Brasil, são motivos de debates na doutrina nacional, como veremos a seguir. 15 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas da Constituição brasileira, 1993, p 78 e ss. limites e possibilidades 1.2 CONCEITO DE ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS E UNIDADE DE CONSERVAÇÃO O artigo 225, §1º, inciso III, da Constituição Federal, dispõe que cabe ao Poder Público definir em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Espaço Territorial Especialmente Protegido (ETEP) não tem uma definição legal clara e precisa, entretanto, a literatura nos fornece alguns conceitos, entre eles o de Silva (2004)16 que denomina como: áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivos das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais. Conforme define o mencionado autor acima, ETEP não é sinônimo de unidade de conservação, por entender que esta é uma espécie, enquanto ETEP é um gênero de espaços ambientais. Em sentido contrário, Antunes (apud Freitas 2001)17 afirma que compreende espaço protegido como unidade de conservação. Ao passo que Mercadante (2001)18, ao fazer interpretação jurídica do artigo constitucional que dispõe sobre ETEP, leva em consideração a origem histórica do 16 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional, 2004, p. 230. FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais, 2001, p. 138. 18 MERCADANTE, Maurício. Democratizando a criação e a gestão de unidades de conservação da natureza: a lei 9.985, de 18 de julho de 2000. In: Revista de Direitos Difusos, 2001, p. 563. 17 dispositivo, ou seja, o desastre ambiental ocorrido em Sete Quedas, através do qual se compreendeu a necessidade de que somente por lei, é possível ocorrer a alteração ou supressão de um ETEP. Neste sentido, Mercante (2001)19 afirma que fica claro entender por ETEP: os Parques Nacionais e áreas equivalentes , vale dizer, as chamadas Unidades de Conservação . Santilli (2005) 20 afirma que a norma constitucional, ao se referir à ETEP, não abarca somente as unidades de conservação, como também as áreas de preservação permanente, reserva legal, entre outros. Apesar da unidade de conservação poder ser entendida como ETEP, o raciocínio inverso não é aplicável, visto que ETEP não é unidade de conservação. Portanto, o legislador constitucional, ao eleger o gênero ETEP, buscava alcançar um sentido mais amplo, do qual incide o termo unidade de conservação. O termo Unidade de Conservação (UC) pode ser considerado sinônimo de área protegida21, ou área silvestre22. A legislação ambiental brasileira, anterior ao SNUC, não estabelecia claramente o conceito de UC, embora a noção tenha surgido desde a criação do primeiro Parque, o Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos (Millano, 1999)23. A concepção trazida pelo Parque Nacional Americano correspondia à realidade daquele momento, no qual ocorria uma intensa urbanização e havia a necessidade de proteger grandes 19 Ibid., mesma página. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos, 2005, p. 109. 21 Pela Convenção da Diversidade Biológica (art. 2º), promulgada pelo Decreto n° 2.519, de 16.3.1998, área protegida é área definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação . Em relação à terminologia de áreas protegidas Barreto Filho (1999) esclarece que os ambientalistas brasileiros preferem utilizar o vocábulo unidade de conservação em vez de área protegida, alertando que essa opção decorre do que ele designa de tradição normativa e formalista do ambientalismo brasileiro . 22 Na conceituação de Silva (1996) áreas silvestres são terras que pelo valor dos seus recursos existentes devem ser mantidas na forma silvestre sob um regime de manejo adequado. (SILVA, Lauro Leal da. Ecologia: Manejo de áreas silvestres. Santa Maria: MMA, FNMA, FATEC, 1996. p. 25 23 MILANO, Miguel Serediuk. Unidades de Conservação no Brasil: Mitos e Realidade. In: Anais do 3º Congresso Internacional de Direito Ambiental, 30 de maio a 02 de junho de 1999: a proteção jurídica das florestas tropicais, 1999, p. 307-316. 20 espaços naturais, considerados como ilhas de beleza e valor estético, proporcionando a meditação (SMA, 2001)24. Pela dinamicidade da realidade social, a noção de UC evoluiu no tempo, ampliando o seu significado, e se adaptando aos tipos distintos de áreas protegidas criadas neste lapso temporal. A União Mundial para Conservação da Natureza25 adotou como conceito de unidades de conservação: as áreas [espaços territoriais; definidos] de terra e/ou mar, especialmente dedicadas à proteção e manutenção da diversidade biológica e aos recursos naturais e culturais associados e geridas [ou manejadas] através de meios legais ou outros (Maretti, 2001).26 Observa-se que a falta de precisão terminológica na legislação acaba por prejudicar a aplicação da lei, restando às outras fontes do Direito, por exemplo, a doutrina a construção dos conceitos fundamentais para a efetividade da norma jurídica. Ressalte-se que, em alguns casos, a doutrina não consegue preencher a lacuna legal existente, devido às divergências entre os autores, sendo que a celeuma de determinadas definições só será extinta com o surgimento do conceito estabelecido pela norma jurídica. No caso da UC, a Lei nº. 9.985/00 conceituou como: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (art. 2º, I). 24 SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Atlas das unidades de conservação ambiental do Estado de São Paulo, 2000. p. 11. 25 A UICN foi criada em 1948, é uma Organização Internacional que congrega instituições governamentais e não governamentais em volta da problemática da integridade e diversidade da natureza. A sigla em inglês é IUCN significa International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources (traduzindo União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), contudo, desde a década de 90 é chamada simplesmente de World Conservacion Union (conhecida no Brasil por União Mundial para Conservação da Natureza). Fonte: http://www.uicn.org e http://www.iucn.org/en/about/ acesso em 11 de julho de 2005. 26 MARETTI, Cláudio. Unidades de Conservação no Brasil. In: Revista de Direitos Difusos. Floresta e Unidades de Conservação, 2001. Todavia, a referida lei não colocou termo nas divergências acerca da definição de UC. Neste sentido observa Silva (2005, p.230)27 a Lei 9.985/00, de 18.7.2000, perdeu boa oportunidade de assumir uma terminologia adequada, tal como prevista na Constituição (art. 225, III)... . Isso demonstra a falta de habilidade do legislador em construir um texto infraconstitucional em harmonia com a Constituição Federal que, devido ao seu ato omisso ou comissivo, acaba propiciando interpretações diversas sobre a definição legal de um instrumento protetor dos recursos ambientais. Enfim, apesar das divergências a respeito da conceituação de UC, neste trabalho utilizaremos o conceito legal previsto na Lei nº. 9.985/00, tendo em vista que abordaremos a RDS, tipo de UC, proveniente do Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza, criado pela citada lei. 1.3 SISTEMA NACIONAL DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA O artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei Federal nº. 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Entende-se por Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), o conjunto organizado de unidades de conservação federais, estaduais e municipais que, planejado, manejado e gerenciado como um todo, é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de conservação, sendo uma estratégia essencial para a proteção da diversidade biológica do país. 27 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. A estruturação do SNUC lembra a do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criado pela Lei nº. 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. No entanto, o legislador não integrou no SNUC o Distrito Federal, conforme Rodrigues (2001)28. O SNUC é composto de órgão consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA, que tem as atribuições de acompanhar a implementação do Sistema. Ainda, o SNUC possui um órgão central para coordenar o Sistema, sendo encarregado para isso o Ministério do Meio Ambiente (MMA), bem como seus órgãos executores, como o Instituto Brasileiro de Recursos Renováveis do Meio Ambiente (IBAMA), os órgãos estaduais e municipais, que têm a finalidade de implementar o SNUC. A Lei nº. 9.985/00 foi uma tentativa de sistematização de legislações esparsas a respeito do assunto. No entanto, algumas unidades de conservação não foram contempladas pelo citado diploma legal. Silva (2004)29, ao comentar sobre a ausência de alguns tipos de unidade de conservação no SNUC, utiliza a expressão espaços , para os quais eram considerados anteriormente a Lei nº. 9.985/00 como unidades de conservação (UCs), entre eles o Jardim Zoológico, Jardim Botânico etc. Nota-se que a Lei nº. 9.985/00 provoca uma discussão entre os doutrinadores quanto ao elenco estabelecido como UCs, se é um rol taxativo ou apenas exemplificativo, tendo em vista que outros tipos previstos em normas esparsas ficaram fora do SNUC. 28 RODRIGUES, J. E. R. Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC): Uma análise à luz da legislação vigente (Lei Federal 9.985 de 18 de julho de 2000), 2002. 29 SILVA, José. Afonso. Direito Ambiental Constitucional, 2004. Para Freitas (2001)30, a Lei nº. 9.985/00 não encerra em seus dispositivos os tipos de UCs, lembrando da existência de outros tipos previstos em leis e resoluções. Dessa maneira, aquele autor entende que a Lei nº. 9.985/00 não revogou as anteriores, que tratavam de espécies diferenciadas de UCs. Apenas o legislador não obteve êxito em congregar, em um único texto legal, todas as espécies de UCs. Ao analisar o regime brasileiro de UCs, Benjamin (2001)31 elaborou a concepção da existência de dois tipos de UCs, as insculpidas pela Lei nº 9.985/00, e as que não estão contempladas naquele diploma legal. Na visão daquele autor, as UCs podem ser denominadas típicas e atípicas. As típicas estão inseridas no SNUC, e as atípicas são aquelas previstas na legislação brasileira. No entanto, não fazem parte das categorias estabelecidas na Lei nº. 9.985/00. Por fim, conclui que a Lei nº. 9.985/00 trouxe um rol numerus clausus em relação às UCs que integram o SNUC, permitindo a existência de outros tipos prescritos na legislação, que seriam classificados de extra-sistema , usa como exemplo, a Reserva da Biosfera. A Reserva da Biosfera32 está prevista na Lei nº. 9.985/00, todavia não faz parte do Sistema Nacional de Unidade de Conservação, portanto, não possui o status de UC determinado naquela Lei Federal. Isso é resultante da falta de clareza da definição dos termos ETEP e UC empregados na legislação, além da imprecisão técnica do legislador em construir um Sistema Nacional, deixando de levar em consideração alguns tipos legais previstos em legislações esparsas. 30 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: RT, 2001. 31 BENJAMIN, A. H. O regime brasileiro de unidades de conservação. In: Revista de Direito Ambiental, 2001. p. 27-56. 32 A Reserva da Biosfera é um modelo, adotado internacionalmente, de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com os objetivos básicos de preservação da diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações (art. 41, Lei nº. 9.985/00). Os objetivos da Lei nº. 9.985/00 refletem as duas categorias de UCs, as de proteção integral e a de uso sustentável. Tendo em vista que o presente trabalho trata sobre Reserva de Desenvolvimento Sustentável, vamos destacar alguns que estão relacionados a este tipo. O SNUC enuncia como objetivos a promoção do desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais, a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento, valorização econômica e socialmente a diversidade biológica, contribuição para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais, favorecimento de condições e promoção da educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico, e proteção dos recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura, e promovendo-as social e economicamente. Na busca de estabelecer a relação entre a proteção ambiental, a participação e o desenvolvimento sustentável, coadunando-se aos objetivos do SNUC, temos as seguintes diretrizes: Assegurar os mecanismos e procedimentos necessários ao envolvimento da sociedade no estabelecimento e na revisão da política nacional de unidades de conservação; Assegurar a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação; Buscar apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, de organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão de unidades de conservação; Assegurar que o processo de criação e gestão de unidades de conservação sejam feitos de forma integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, considerando as condições e necessidades sociais e econômicas locais; Considerar as condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais; Garantir as populações tradicionais, cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação, meios de subsistência alternativos, ou a justa indenização pelos recursos perdidos. Em razão das diretrizes traçadas no SNUC, percebe-se que a instituição e efetividade de uma UC da categoria de uso sustentável perpassam pela articulação e participação de atores locais33 e institucionais, impondo a sustentabilidade social e econômica das populações tradicionais, como fundamento na realização da justiça social. Note-se que a Lei nº. 9.985/00 baseia-se no desenvolvimento sustentável, princípio constitucional, que fundamenta o Direito Ambiental, sendo a sua conceituação necessária neste trabalho. 33 O termo atores locais é utilizado para designar os residentes e usuários da unidade de conservação e do seu entorno e as organizações sociais e políticas existentes naquela localidade, no sentido de que cada indivíduo se identifica com um tipo de conduta e ao desempenhar seu papel participa do mundo social. Para LUCKMAN & BERGER (2004) os indivíduos executam ações separadas institucionalizadas no contexto de sua biografia. Esta biografia forma um todo sobre o qual é feita posteriormente uma reflexão na qual as ações discretas não são pensadas como acontecimentos isolados mas como partes relacionadas de um universo subjetivamente dotado de sentido, cujo o significado não são particulares ao indivíduo, mas socialmente articulados e compartilhados . Cf. LUCKMANN, T. & BERGER, Peter L. A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento. FERNANDES, Floriano de Souza (trad.). Petrópolis, Vozes, 2004. Neste sentido, podemos dizer que os indivíduos são atores e desempenham papéis na realidade social. 2.2.1 Desenvolvimento sustentável A noção de desenvolvimento sustentável foi se modificando ao longo do tempo, devido a sua trajetória histórica nos documentos internacionais e nacionais, abordaremos sucintamente algumas referências ao conceito de desenvolvimento sustentável na literatura, declinando a atual. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano34, em 1972, resultou na Declaração de Estocolmo, que já vislumbrava o conceito de desenvolvimento sustentável, nos seus princípios 2, 8 e 12, estabelecida como a gestão de recursos naturais e a correlação de desenvolvimento e meio ambiente . É preciso mencionar que, para muitos doutrinadores, essa Declaração de Estocolmo de 1972 foi um marco no que tange à proteção do meio ambiente e o nascimento do Direito Ambiental Internacional (Vieira, 1999)35. A publicação Os limites do crescimento do Clube de Roma foi outro documento importante que apresentou várias conclusões, dentre elas, a de alcançar a estabilidade econômica e ecológica, assim, os autores da publicação propuseram o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial (Brüseke, 1995)36. Nesses estudos, já se refletia a limitação dos recursos naturais, associado à teoria Malthusiana do crescimento populacional ilimitado. 34 Cf. Declaração de Estocolmo disponível na página eletrônica: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm> acesso em 11 de julho de 2005. 35 VIEIRA, Suzana. Cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira: o papel do Direito, 1999. 36 BRÜSEKE, Frank Josef. O Problema do desenvolvimento sustentável. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável, 1995, p. 29. Segundo Layrargues (1997)37, o conceito de ecodesenvolvimento foi lançado por Maurice Strong em 1973. Consistia na definição de um estilo de desenvolvimento adaptado às áreas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais, sem comprometer o esgotamento da natureza, pois nestes locais ainda havia a possibilidade de tais sociedades não se engajarem na ilusão do crescimento mimético. Nesse sentido, afirma Brüseke (1995)38 que o economista Ignacy Sachs utilizou-se do conceito de ecodesenvolvimento e formulou princípios básicos, integrando seis aspectos norteadores do desenvolvimento, sendo os seguintes: a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população envolvida; d) a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas, e f) programas de educação. Em 1987, o relatório Our Common Future (Nosso Futuro Comum) foi publicado, se tornando conhecido como Relatório Brundtland , apresentando um novo conceito de desenvolvimento sustentável, definido como aquele que atende às necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades (Acselrad, 1993 )39. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco/92, realizada no Rio de Janeiro, resultou em três documentos: Declaração do Rio/92; Agenda 21; e Convenção de Diversidade Biológica. Para Lopes Silva (2001) 40, na Eco/92, o conceito de desenvolvimento sustentável foi consagrado universalmente, visto que permeia praticamente toda a Declaração do Rio/92. 37 LAYRARGUES, Philippe Pomier. Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: evolução de um conceito? Revista Proposta, 1997, p. 5-10. 38 BRÜSEKE, Frank Josef. op. cit., p. mesma página. 39 ACSELRAD, Henri. Desenvolvimento sustentável: a luta por um conceito. Revista Proposta, Rio, 1993. 40 SILVA, Marcus Vinícius Lopes. O Princípio do Desenvolvimento Sustentável. Revista de Direitos Difusos, 2001, p. 796-804. Conforme Fonseca (2001) 41, a Agenda 21, que fixou compromissos para mudança do padrão de desenvolvimento, também implementou o conceito de desenvolvimento sustentável, colocando como pressuposto a convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção ambiental. O princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se acolhido no artigo 225, caput, da Constituição Federal, que dispõe: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.. Para Figueiredo e Rodrigues (2001) 42, a Constituição Federal de 1988 está impregnada desse princípio, a partir de seu art. 3º, inciso II, que dispõe constituir objetivo fundamental da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e do artigo 170, que, simultaneamente, dispõe que a ordem econômica deve observar os princípios da propriedade privada, da função social da propriedade, da defesa do consumidor e da defesa do meio ambiente. Ao analisar a ordem econômica, a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento econômico Derani (2001)43 conclui que: Não se pode pensar em desenvolvimento da atividade econômica sem o uso adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade é dependente do uso da natureza, para sintetizar de maneira mais elementar. Destarte, a elaboração de políticas visando ao desenvolvimento econômico sustentável, razoavelmente garantido das crises cíclicas, está diretamente relacionada à manutenção do fator natureza da produção (defesa do meio ambiente), na mesma razão da proteção do fator capital (ordem econômica fundada na livre iniciativa) e da manutenção do fator trabalho (ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano). A consideração conjunta deste três fatores garante a possibilidade de atingir os fins colimados pela ordem econômica constitucional assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social... 41 Paulo Eduardo de Barros FONSECA. Princípio do Desenvolvimento Sustentável: Agricultura Sustentável, Revista de Direitos Difusos, 2001p. 762. 42 FIGUEIREDO, GJP de. RODRIGUES, JER. Do regime das reservas de desenvolvimento sustentável à luz do novo Sistema Nacional de Unidades de Conservação. In: BENJAMIM, A. H. de (org.). Direito ambiental das áreas protegidas, 2001. 43 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 2001. Verifica-se nessa assertiva que a relação entre ordem econômica, desenvolvimento e meio ambiente não deve ser antagônica, mas complementar, para proporcionar a melhoria da qualidade de vida do ser humano. Neste rumo, Milaré (1993) 44 afirma que a utilização dos recursos naturais de forma inteligente deve subordinar-se aos princípios maiores de uma vida digna, em que o interesse econômico cego não prevaleça sobre o interesse comum da humanidade e do planeta. O desenvolvimento sustentável veio conciliar a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento, na utilização dos recursos naturais. O conceito de desenvolvimento sustentável não se encontra pronto e acabado, seguramente, ele está sendo construído por cada sociedade. Tendo em vista que a Lei nº. 9.985/00 cria a categoria de uso sustentável, nada mais adequado do que incluir entre os seus objetivos o desenvolvimento sustentável. 1.3.2 Categorias e tipos de unidades de conservação A Lei nº. 9.985/00 estabelece doze categorias de unidade de conservação. Estas UCs estão divididas em dois grupos, um é chamado de Unidade de Proteção Integral, e o outro Unidade de Uso Sustentável. Para Mercadante (2001)45 a divisão de grupos é oriunda da herança da concepção conservacionista do SNUC. Para os conservacionistas, o grupo das Unidades de Proteção Integral é aquele que reúne as verdadeiras unidades de conservação, as únicas realmente 44 MILARÉ, Edis. Processo Coletivo Ambiental. In: Dano Ambiental prevenção, reparação e repressão, 1993, p. 257-277. 45 MERCADANTE, Maurício. Democratizando a criação e a gestão de unidades de conservação da natureza: a lei 9.985, de 18 de julho de 2000, 2001, p. 557-586. dignas do nome, capazes de assegurar a efetiva conservação da natureza. As demais são, no máximo, complementares ao Sistema e algumas, na verdade, só teriam sido introduzidas na Lei do SNUC por conveniência Política. Na discussão do projeto de lei que culminou no SNUC, prevaleceram dois modelos de criação e gestão de UCs, conhecidos como modelo conservacionistas e modelo socioambiental, surgiram em virtude dos grupos que ajudaram a elaborar o anteprojeto da Lei nº. 9.985/00. Ainda no entendimento de Mercadante (2001)46, os conservacionistas acreditam que para conservar a natureza, é necessário separar grandes áreas naturais e mantê-las sem qualquer tipo de intervenção antrópica (salvo as de caráter técnico e científico, no interesse da própria conservação). Conseqüentemente, as populações que vivem dentro dessas áreas devem ser postas para fora. O acesso das populações que vivem em torno dos recursos da área protegida deve ser proibido, posto que para esses a intervenção humana na natureza é, por definição, degradadora. Esse movimento é marcado pela concepção naturalista, a qual entende que a proteção da natureza significa necessariamente o afastamento do homem, sendo que este lugar seria paradisíaco e selvagem, usado pelo ser humano apenas para contemplação, que para Diegues (2001)47 representa o mito da natureza intocada e intocável, a busca do paraíso perdido. Assim, as unidades de proteção integral são aquelas onde há restrição de exploração ou aproveitamento econômico dos recursos naturais, admitindo-se apenas o aproveitamento indireto dos seus benefícios. 46 47 MERCADANTE, Maurício. op. cit. DIEGUES, Antônio Carlos Santana. O mito moderno da natureza intocada, 2001. A Lei nº. 9.985/00 define proteção integral como manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto dos seus atributos naturais. Existem exceções para alguns casos previstos no ordenamento jurídico brasileiro como, por exemplo, a possibilidade da imposição de pagamento de entrada para visitação pelo público nas UCs. Este tipo de UC também é conhecido como de uso indireto, por não envolver consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais. As unidades de proteção integral são as seguintes: Estação Ecológica (EE), Reserva Biológica (REBIO), Parque Nacional (PARNA), Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. Em sentido contrário ao grupo de proteção integral, temos o de uso sustentável, que concilia a proteção dos recursos ambientais com a presença humana, e possibilita a utilização destes recursos pelas populações tradicionais, visando à justiça social e a efetividade da UC. Neste sentido, Mercadante (2001)48 afirma que o grupo socioambientalista entende que além de socialmente mais justo, as possibilidades de conservação são mais efetivas quando se trabalha junto com as populações, sem expulsá-las das áreas protegidas, ou impedir o acesso aos seus recursos. O socioambientalismo, segundo Santilli (2005, p. 31), surgiu na metade dos anos 80, por meio das articulações políticas entre os movimentos sociais e movimento ambientalista. O marco do socioambientalismo pode ser considerado o surgimento da Aliança dos Povos da Floresta49, movimento organizado na Amazônia brasileira. 48 MERCADANTE, Maurício. op. cit. A Aliança dos Povos da Floresta foi uma proposta conjunta de índios e seringueiros. Neste movimento, houve aproximação entre seringueiros e os líderes indígenas, que durante séculos viveram em confronto permanente. 49 A luta do movimento era contra o desmatamento e, como proposta, concebeu a criação da figura de Reservas Extrativistas na Amazônia, por entender que a Amazônia não pode ser transformada num santuário intocável, e também pela necessidade de evitar o desmatamento e apresentar uma alternativa econômica (FASE, 1989).50 Neste modelo, o homem não é removido da área onde foi instituída a Reserva Extrativista, porque ele irá contribuir para a conservação dos recursos naturais, que será conciliado com o desenvolvimento econômico e social. Por fim, Santilli (2005, p. 34)51 conclui que o socioambientalismo foi construído com base na idéia de que as políticas públicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental. Nas unidades de uso sustentável, é possível a exploração e o aproveitamento econômico dos recursos naturais, desde que seja planejada e regulamentada, conforme a definição legal prevista na Lei nº 9.985/00, é aquela que permite a exploração do ambiente, de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável. É considerada de uso direto, porque envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais. As unidades de uso sustentável são: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna (RF), Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). 50 FASE. Histórias de lutas. O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Rio de Janeiro, 1989. 51 SANTILLI, Juliana. Op. cit., p. 34. Cada uma destas UCs têm objetivos e manejos diferenciados. O tamanho das unidades é determinado, em cada caso, pelas finalidades específicas as quais se destinam as UCs, de acordo com os ecossistemas e valores biológicos a serem protegidos. As novas categorias de UCs trazidas pelo SNUC foram a Reserva de Fauna52, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Está previsto no artigo 55, da Lei nº. 9.985/00, que as unidades de conservação criadas com base nas legislações anteriores, e que não pertençam às categorias previstas na referida lei serão reavaliadas, no todo ou em parte, no prazo de até dois anos, com o objetivo de definir sua destinação, com base na categoria e função para as quais foram criadas, conforme o disposto no regulamento desta Lei. Isto quer dizer que, as modalidades de UCs que não foram previstas no SNUC, poderão ser enquadradas nestas categorias, no prazo de dois anos. O referido artigo foi regulamentado inicialmente pelo Decreto nº. 3.834, de 05 de junho de 2001, posteriormente revogado pelo Decreto nº. 4.340/02, no qual está determinado que a reavaliação seja feita mediante ato normativo do mesmo nível hierárquico que a criou, sendo a proposta oriunda do órgão executor. De acordo com os dados do IBAMA53, sete unidades de conservação no âmbito federal foram reavaliadas, conforme o quadro1 a seguir: 52 A Reserva de Fauna é uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos (Art. 19, da Lei nº. 9.985/00). 53 Cf. <http://www.ibama.gov.br> acesso em 03 de fevereiro de 2006. Quadro 1 Unidades de Conservação Federal transformadas pela reavaliação UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Horto Florestal de Açu UNIDADE DA FEDERAÇÃO Rio Grande do Norte Estação Experimental Dr. Epitácio Santiago Horto Florestal de Paraopeba Horto Florestal de Sobral Reserva Ecológica Raso da Catarina Reserva Ecológica Juami Pajurá Reserva Ecológica Jutaí-Solimões São Paulo Minas Gerais Ceará Bahia Amazonas Amazonas CATEGORIA TRANSFORMADA Floresta Nacional de Açu Floresta Nacional de Lorena Floresta Nacional de Paraopeba Floresta Nacional de Sobral Estação Ecológica Raso da Catarina Estação Ecológica Juami Pajurá Estação Ecológica Jutaí-Solimões 2001 INSTRUMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO Portaria nº. 245 DATA Portaria nº. 246 18/07/2001 Portaria nº. 248 18/07/2001 Portaria nº. 358 27/09/2001 Portaria n. 373 11/10/2001 Portaria nº. 374 11/10/2001 Portaria nº. 375 11/10/2001 18/07/2001 FONTE: IBAMA, 2001. NOTA: Adaptado de IBAMA, 2006. Portanto, essas UCs Federais foram enquadradas nas categorias do SNUC, dentro do prazo legal, sob a égide do Decreto nº. 3.834/01, em vigor naquela época. Diante do exposto, deve ser destacado que as UCs estão sendo utilizadas na política ambiental adotada pelo Governo Federal e do Estado do Amazonas, como forma de proteção aos recursos ambientais, para consolidar o SNUC. O Amazonas apresenta como característica relevante na sua política ambiental a criação, implementação e gerenciamento de UCs de uso sustentável, dentre elas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, que será abordada no próximo capítulo. CAPÍTULO 2 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Não tenho um caminho novo. O que eu tenho é um jeito novo de caminhar . THIAGO DE MELLO. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável, parafraseando o poeta caboclo, Thiago de Mello, representa este novo jeito de caminhar, onde o novo jeito consiste em adequar uma maneira de proteger os recursos ambientais tendo em vista a realidade de determinada área. Assim, neste capítulo apreciaremos as normas jurídicas pertinentes a RDS, para verificar como é este jeito novo de caminhar. 2.1 ABORDAGEM JURÍDICA DA RDS A Lei nº. 9.985/00, em seu artigo 14, inciso VI, dispõe como uma categoria de UC, do grupo de Uso Sustentável, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, ou RDS. A definição de RDS está estabelecida na lei mencionada no parágrafo anterior, como sendo uma área natural que abriga populações tradicionais54, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações, e adaptados às condições ecológicas locais, e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica (art. 20, Lei nº. 9.985/00). Para Vieira (1999)55, a Lei nº. 9.985/00 tomou como modelo para a criação desse tipo de UC, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, localizada no município de Tefé, no Amazonas. Neste sentido, Queiroz e Moura56 (2005) afirmam que RDS Mamirauá foi a primeira UC desta categoria implantada no Brasil. Conforme os autores, essa proposta se originou da solicitação do biólogo José Márcio Ayres ao governo do Estado do Amazonas, em 1985, para criar uma área de proteção ao primata Uacari branco57, objeto de estudo de sua tese de doutorado, e ameaçado de extinção. Em 09 de março de 1990, por meio do Decreto Estadual n° 12.836, o governo do Amazonas criou a Estação Ecológica Mamirauá. Este tipo de UC não permite a presença humana dentro de sua área. Consequentemente, os moradores teriam que ser removidos daquela região. Após negociações políticas, a EE foi transformada para a categoria de Reserva 54 O termo populações tradicionais não foi definido juridicamente pela Lei nº. 9.985/00. Utilizaremos este termo quando for mencionado pela norma jurídica e a literatura, sendo que a adotaremos como expressão correspondente residentes e usuários da unidade de conservação e do seu entorno , ou população local , para designar os possíveis indivíduos que seriam integrantes daquela categoria. 55 VIEIRA, Susana Camargo. op. cit., mesma página. 56 QUEIROZ, Helder; e MOURA, Edila. Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Fonte: http//www.mamiraua.org.br. Site acessado em 03 de março de 2005. 57 cacajao calvus calvus. de Desenvolvimento Sustentável, por meio da Lei Estadual n° 2.411, de 16 de julho de 1996 (Queiros & Moura, 2005)58. Observou-se que a categoria de EE não era aplicável à realidade local. Desse modo, para compatibilizar a permanência dos moradores na área e permitir a exploração sustentável dos recursos naturais, a legislação precisava ser modificada e ajustada à situação da área. Mercadante (2001, p. 567)59, ao relembrar os antecedentes históricos da Lei nº. 9.985/0060, observa que o conceito de EE criava uma série de dificuldades para a incorporação das comunidades ribeirinhas61 à gestão da UC . Em decorrência dessa problemática, o governo do Amazonas a transformou em RDS, uma categoria até então inexistente na legislação . O autor assevera ainda que: Em grande medida inspirados na experiência de Mamirauá, os socioambientalistas propuseram, durante a tramitação da Lei do SNUC no Congresso, a criação da categoria Reserva Ecológico-Cultural. Conquanto o nome não fosse perfeito, na medida em que seguia separando e, de certo modo, opondo, a natureza ao homem, ao invés de integrá-los, era melhor do que Desenvolvimento Sustentável, que sugere uma área sob uso antrópico intensivo, com finalidade comercial inclusive, o que não traduz o real objetivo da categoria. Em função do fato consumado da nova denominação conferida a Mamirauá, acabou prevalecendo o nome de Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Mamirauá não precisaria ter mudado de nome se pudéssemos ter evoluído para uma conceituação mais flexível de EE. Ao fazer esta afirmação, Mercadante (2001) anteriormente em seu texto revela que na sua visão, a RDS, denominada por ele de Redes, tem o conceito central semelhante ao do PARNA, por conservar grandes áreas naturais. A diferença marcante é que a RDS permite a permanência dos moradores e da utilização dos recursos naturais da UC, enquanto o PARNA 58 QUEIROZ, Helder; e MOURA, Edila. Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Fonte: http//www.mamiraua.org.br. Site acessado em 03 de março de 2005. 59 MERCADANTE, Maurício. op. cit., p.567. 60 O projeto de Lei do SNUC tramitou durante 12 anos no Congresso Nacional. 61 Ao utilizar o termo comunidades ribeirinhas Mercadante (2001) está se referindo as populações residentes e usuárias dos recursos ambientais de Mamirauá. Lima & Alencar (2005) ao descreverem o histórico de ocupação daquela área, conceituam comunidades como termo que denota não só o assentamento, mas carrega principalmente o sentido de responsabilidade comunal pelas decisões políticas que afetam a vida de seus moradores . Cf. LIMA, Deborah Magalhães; e ALENCAR, Edna Ferreira. Histórico da ocupação humana e mobilidade geográfica de assentamentos na várzea do médio Solimões. In: TORRES, Haroldo. & COSTA, Heloisa. (orgs.) População e Meio Ambiente: Debates e desafios, 2004. p. 133-163. não admite legalmente essa possibilidade. Para ilustrar a idéia, Mercadante (2001) exemplifica a situação do PARNA do Jaú e compara com a RDS Mamirauá, dispondo que um difere do outro, porque no primeiro a população residente é um problema e, na segunda, elas fazem parte do conceito da UC. A noção de área natural protegida se concretizou com o Parque Yellowstone, naturalmente outras categorias de UC derivaram daquela concepção. No entanto, a RDS é o resultado de um outro contexto social e político, pertencente ao grupo de uso sustentável, cuja conceituação e objetivo básico refletem isso; tem um processo histórico e político diferenciado do PARNA, representa uma evolução no conceito de áreas naturais protegidas. Portanto, a diferença não é tão simplista como o referido autor coloca. A EE Mamirauá nasceu de um projeto cientifico que levou em consideração principalmente o aspecto da conservação ambiental, não permitindo a permanência do homem naquele ambiente, característica própria de UC do grupo de proteção integral. No entanto, a experiência demonstrou que era necessário integrar homem-natureza, para que realmente se efetivasse a proteção ambiental. Além do que esse acontecimento demonstrou que a norma jurídica não estava adequada àquele caso, e que para atingir a finalidade da proteção ambiental, a legislação deveria ser alterada em consonância com a situação já existente. A RDS surgiu como alternativa para solucionar o conflito ocasionado pela categoria EE criada naquela localidade, com a proposta de aliar a proteção dos recursos naturais com o uso sustentável destes pela população local, como veremos a seguir. 2.2 OBJETIVO DA RDS A RDS tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvidas por estas populações. A redação do artigo sobre a finalidade da RDS ainda traz resquícios do conservacionismo, quando menciona que o objetivo básico é preservar a natureza, dando a idéia de que a área da Reserva deve ser intocada. Tal fato nos remete à discussão sobre o projeto de lei do SNUC, que foi objeto de polêmica entre as duas correntes, o conservacionismo e o socioambientalismo. Na opinião dos conservacionistas, as verdadeiras UCs são aquelas pertencentes ao grupo de proteção integral. São as únicas capazes de assegurar a efetiva conservação da natureza, ao passo que o grupo de uso sustentável é apenas complementar, de segunda classe , e foi introduzida no SNUC por conveniência política (Mercadante, 2001, p. 565). Enfim, a RDS, apesar de ser do grupo de uso sustentável, com uma proposta diferenciada de relação entre homem e natureza, ainda foi marcada pela influência do conservacionismo; corrente dominante na Lei nº. 9.985/00. Ao indicar como objetivo assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, o legislador buscou garantir um mecanismo jurídico que viabilizasse a manutenção dos residentes da UC, por meio do uso dos recursos naturais, respeitando o seu modo de viver, somente aprimorando-o para atender a conjuntura ambiental, tecnológica, econômica e normativa. A manutenção da vida dos moradores e usuários da RDS deve ser pautada no mínimo de condições que um indivíduo precisa ter para viver em sociedade. Educação, saúde, saneamento básico, habitação, energia, água potável, segurança e geração de renda são requisitos básicos, que devem estar presentes no planejamento dos meios necessários e para a melhoria da qualidade de vida da população local. Estes requisitos básicos devem ser propiciados pelo Estado e pela instituição responsável pela administração da Reserva, para que atenda as necessidades dos moradores e usuários da UC, para viabilizar os objetivos da RDS. Os serviços podem fornecem melhores condições e ainda colaborar na manutenção da vida dos residentes e usuários da RDS, ainda trazendo melhorias na qualidade de vida, desde que sejam disponibilizados de maneira regular naquela localidade e com eficiência. Quanto a qualidade de vida dos moradores e usuários prevista como objetivo da RDS, é um conceito complexo, porque depende do contexto e do tipo de sociedade a qual ele será aplicado. Para Neves (1992)62, a qualidade de vida é o estado do conjunto de condições responsáveis pelo grau de bem-estar das pessoas . Enquanto que Derani (2001, p. 81)63 ao conceituar qualidade de vida, discorre que o termo apresenta dois aspectos diferentes, um proveniente do direito econômico, e o outro do direito ambiental, assim dispõe: Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta este dois aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite espiritual. Não é possível conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a 62 63 NEVES, Estela. Meio ambiente: Aplicando a Lei, 1992. DERANI, Cristiane. op. cit., p. 81. expressão qualidade de vida , muitas vezes referida por sua expressão sinônima de bem-estar . Podemos afirmar que a qualidade de vida prevista na legislação sobre RDS é pautada na ótica ambiental de consumo sustentável e responsável, integrando os dois ramos do direito, econômico e ambiental. E a qualidade de vida, ou bem-estar, deve ter um conceito relativisado, dependendo do grupo social e do tempo, dessa forma este termo poderia ser baseada em critérios elegidos pela população local, destinatária da norma jurídica, que poderá confirmar se ocorreu ou não um melhoramento na qualidade de vida e oportunizará os parâmetros para obtenção de indicadores sobre o tema. Um fator relevante nas condições de melhoramento da qualidade de vida é o reconhecimento jurídico das pessoas, através da emissão de documentos básicos e orientações jurídicas sobre seus direitos e deveres. Por outro lado, em muitos lugares da Amazônia, o indivíduo, por exemplo, sequer tem o registro de nascimento; documento que juridicamente o reconhece como pessoa que possui capacidade de direitos e deveres na vida civil. Sendo assim, a falta daquele documento inviabiliza o exercício da cidadania, impedindo-o, realmente, de fazerem parte do Estado Democrático de Direito, proclamado na nossa Constituição Federal de 1988. A valorização, conservação e aperfeiçoamento do conhecimento, e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvidas pelas populações tradicionais fazem parte do objetivo da RDS. Para isso ocorrer, é necessário realizar um diagnóstico do conhecimento e técnicas de manejo utilizadas pelas residentes e usuários da UC. Este levantamento verificaria a existência de conhecimentos e técnicas de manejo dos recursos ambientais daquela determinada população, com a finalidade de fornecer dados para que a ciência tradicional possa contribuir com o melhoramento do conhecimento ou técnica, introduzindo tecnologias não-impactantes ou de pouco impacto, com baixos custos. Nesse sentido, Begossi (2002) 64 destaca que a escala é um ponto fundamental em ecologia, que dependendo do tipo de análise, várias questões podem ser percebidas e informações obtidas. A escala está ligada a capacidade de suporte (K) definida por Roughgarde (apud Begossi, 2002) como o tamanho máximo populacional de uma espécie que uma área pode sustentar sem reduzir sua habilidade de sustentar a mesma espécie no futuro . Ainda, Begossi (2002) afirma que as análises de escala em ecologia têm conduzido a uma abordagem contemporânea que leva em conta os sistemas (ecossistemas) e os aspectos evolutivos incluídos em ecologia de populações e de comunidades. Em relação ao assunto, Fearnside (apud Begossi, 2002) reforça em seu comentário que: A capacidade de suporte humana deve ser considerada central para políticas de desenvolvimento. O manejo de recursos contemporâneo, incluindo populações nativas em áreas de conservação, tais como florestas tropicais, deve incluir medidas da capacidade de suporte. É impossível hoje lidar com o manejo local de recursos naturais sem uma análise da capacidade de suporte. Dessa maneira, observa-se a relevância da escala de aproveitamento de recursos naturais e do limite da capacidade de suporte do meio, para que seja possível analisar a realidade existente dos ecossistemas e das populações, a fim de planejar um manejo adequado a situação de cada área. Esse tipo de análise, que leva em consideração as populações que residem na UC e em seu entorno, é vital para o processo de envolvimento dos indivíduos na concretização de manejo dos recursos ambientais, visto que valoriza os conhecimentos e técnicas daqueles habitantes. A valorização e a conservação do conhecimento e das técnicas de manejo dos recursos ambientais das populações também podem ser concretizadas por meio de registros da história 64 BEGOSSI, Alpina. Escalas, economia ecológica e a conservação da biodiversidade. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas, 2002. p. 56-71. da comunidade e do seu modo de vida, pelo órgão ambiental competente e a sociedade, assegurando que as futuras gerações possam ter acesso a estes conhecimentos. Indubitavelmente, as presentes e futuras gerações serão beneficiárias dos resultados gerados pela realização dos objetivos da RDS, que deverá ser criada por meio de lei pelo poder público, além de outros requisitos que apresentaremos no próximo item. 2.2 CRIAÇÃO DE UMA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Na instituição de uma RDS é necessário observar os requisitos legais que antecedem o ato de criação, para conferir legitimidade e legalidade ao fato jurídico, por isso é de fundamental importância conhecer as exigências da Lei nº. 9.985/00 e do Decreto nº. 4.320/02. Antes de criar uma RDS deve ser realizada consulta pública. Neste processo, o poder público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas. Além disso, o órgão ambiental que irá propor a criação da UC deverá realizar estudos técnicos que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a UC. A consulta pública constitui um progresso na instituição de UCs no Brasil, permitindo que os residentes e usuários da unidade de conservação e do entorno, além dos demais interessados tomem parte da situação e possam participar do processo decisório, que anteriormente, era concentrado apenas na Administração Pública. O conceito de consulta pública pode ser entendido como uma exigência legal (Lei nº. 9.985/00 e Decreto nº. 4.320/02) para assegurar que as populações locais, ambientalistas, pesquisadores, profissionais liberais, empresários, organizações da sociedade civil sejam informados e opinem sobre as propostas de criar, ampliar e mudar a categoria das UCs, segundo Palmieri, Veríssimo & Ferraz (2005)65. Ainda, Palmieri, Veríssimo & Ferraz (2005) alertam que a população local deve ser previamente esclarecida sobre a criação da UC para evitar que a informações distorcidas possam influenciar negativamente, como exemplo é utilizado o caso da RDS Uatumã, no Amazonas, que a população local era contrária à criação da UC, devido a informações falsas alardeadas por exploradores irresponsável dos recursos ambientais daquela área. A informação é um elemento fundamental no processo democrático, neste sentido, a legislação impõe que seja clara e de fácil compreensão, para que possa ser entendido o objeto da consulta. Significa, portanto, transparência da Administração Pública para garantir um processo decisório democrático, conforme preceitua Benjamin (2003)66: Transparência ambiental significa exatamente isso: conhecimento público daquilo que dispõem os órgãos governamentais e os degradadores potenciais, permitindo aos cidadãos, num segundo momento, intervir eficazmente no sentido de proteger sua saúde, propriedade e o próprio ambiente, fiscalizando, a um só tempo, aqueles e estes. Daí resulta que a transparência não é fim em si mesmo; tem um caráter instrumental, garantindo a realização de outros objetivos, como a democratização dos processos decisórios, na medida em que a participação pública só faz sentido quando opera num contexto de livre circulação de informações. A consulta pública representa um significativo avanço, decorrente de princípios constitucionais, como o princípio da informação, da participação, da precaução, inseridos na Constituição Federal de 1988, no artigo 225, que garantam a participação de todos os interessados sobre as questões referentes ao meio ambiente. 65 PALMIERE, Roberto. VERÍSSIMO, Adalberto. & Ferraz, Marcelo. Guia de consultas públicas de unidades de conservação. Piracicaba: Imaflora. Belém: Imazon, 2005. Disponível em <http://www.imazon.org.br > acesso em 27 de dezembro de 2005. 66 BENJAMIN, Antônio Herman. Objetivos do Direito Ambiental. In: BENJAMIN, A. H. & SÍCOLI, José Carlos Meloni. (orgs.). O Futuro do controle da poluição e da implementação ambiental. Anais do 5º Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: IMESP, 2001.p. 57-78. Destaca-se que a consulta pública é requisito legal previsto na Lei nº. 9.985/00 e o Decreto nº. 4.320/02, portanto, precisa ser obedecido para que ocorra a legitimidade e a eficácia jurídica do ato de criação da UC. A criação da UC é respaldada pela consulta pública, conferindo legitimidade na decisão que repercutirá na vida dos residentes e usuários da UC e em seu entorno. A consulta pode ser feita por meio de reuniões, ou outras formas em que o órgão ambiental competente possa propiciar a participação da população local e os demais interessados. Assim, a audiência pública poderá ser um procedimento de consulta às populações locais. A audiência pública é um instrumento que deveria possibilitar e garantir um espaço democrático para os atores locais e interessados na proteção do meio ambiente. Outros meios também podem ser utilizados na consulta pública, desde que consigam ter uma representatividade da população local. Contudo, por vezes, estes meios são utilizados de maneira inadequada e não conseguindo alcançar a primordial finalidade de propiciar a participação daqueles que anteriormente a Lei do SNUC eram excluídos no processo de criação de uma UC. Dessa maneira, a consulta pública, em determinadas circunstâncias, é usada apenas para o cumprimento da exigência legal. Neste sentido, podemos lembrar do caso do Parque Nacional do Tumucumaque, no Amapá, criado por ato do Poder Executivo Federal, as vésperas da Conferência Rio + 10, que realizou a consulta pública por meio eletrônico, ensejando polêmica em torno da sua criação. A consulta pública é também prevista na transformação de categoria de UC de uso sustentável para proteção integral, de forma total ou parcial, e na ampliação dos limites da área, sem modificação dos seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, e poderá ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que a criou a Reserva. A redação do dispositivo legal que prevê a consulta para ampliação dos limites da área, sem modificação dos seus limites originais é confusa, melhor dizer, inapropriada, porque é impossível aumentar o tamanho da área sem modificar a sua dimensão original. Outra questão é o instrumento normativo que poderá ser utilizado na ampliação e na transformação da UC, podendo ser do mesmo nível hierárquico do que a criou. Este dispositivo parece conflitar com o texto Constitucional, que dispõe que a alteração ou supressão dos limites da UC deverá ser feita por lei (art. 225, § 1º, III, CF). Silva (2004, p. 251) reforça esta assertiva ao declarar que: É certo também que uma ampliação por instrumento normativo inferior à lei esbarra com o disposto no art. 225, § 1º, III, da Constituição, que exige lei para a alteração e supressão de Espaços Especialmente Protegidos, como são as unidades de conservação. Assim, o posicionamento do referido autor nos permite afirmar que o dispositivo legal previsto na norma infraconstitucional fere a Constituição Federal. Esta situação pode ser ilustrada, com o caso do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que além de ampliar os limites da UC sem realizar consulta pública adequada, teve como instrumento o decreto, ato do presidente da República, em 2001, que ensejou um Mandado de Segurança junto ao Supremo Tribunal Federal67. Benjamin (apud Pedreira, 2005) ao analisar a alteração e supressão dos limites da UC, afirma que somente será feito por lei o caso de supressão, ou ato que ameace a existência de UC, distinto da ampliação que poderá ser feita por instrumento da mesma hierarquia da criação da área protegida. Nesta interpretação, Benjamin (apud Pedreira, 2005) entende que não há conflito de normas, apenas o legislador Constitucional visa proteger a existência da UC, e a ampliação dos limites da área não tem por finalidade colocá-la em risco. 67 Cf. PEDREIRA, Rodrigo Bulhões. Legalidade do decreto de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Jus navigandi, Teresina, a. 9, n. 654, 22 abr., 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6612. Acesso em 06 de fevereiro de 2006. Além disso, Silva (2004, p. 251) argumenta que a Lei nº. 9.985/00 não definiu a natureza do ato de criação das unidades de conservação. Todavia, entende que seria mais apropriada a criação por lei de UC, por impor obrigações e restrições de direitos . No Amazonas, o instrumento usado para criação de UC geralmente é o decreto. Todavia, as Reservas apresentadas neste trabalho foram constituídas mediante lei. É necessário que no ato de criação de uma UC deva constar a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade, o órgão responsável por sua administração e a população tradicional beneficiária. Tendo em vista esses itens, constata-se a imprescindibilidade da realização de estudos técnicos anteriormente a criação da UC. Em síntese, a consulta pública e os estudos técnicos prévios são requisitos essenciais na criação de uma UC, portanto, precisam ser rigorosamente cumpridos, para garantir o exercício do direito à informação e à participação, principalmente, da população local, que terá sua vida afetada pelas propostas que serão apresentadas em relação à UC. 2.3 POPULAÇÕES TRADICIONAIS Populações tradicionais é um termo amplamente discutido na atualidade, em virtude da terminologia e conceituação, que ainda não tem um consenso entre os estudiosos da temática, sendo necessária a apresentação das concepções e caracterizações existentes sobre este termo neste trabalho. O conceito jurídico de população tradicional a ser aplicado às UCs ainda não foi elaborado. O projeto de Lei do SNUC apresentava um artigo com a definição de populações tradicionais, todavia foi vetado pelo Presidente da República, com a justificativa de ser tão abrangente, que caberia toda a população do Brasil68. As populações tradicionais são um dos atores locais mais importantes em relação à criação e a gestão de UC de uso sustentável, todavia não há uma definição legal para dizer quem realmente faz parte desta categoria. Esta lacuna legal ocasiona um entrave na efetividade da Lei nº. 9.985/00, visto que se não há uma descrição de quem são esses indivíduos, dificilmente a lei poderá ser aplicada, de acordo com o objetivo que busca alcançar. Por outro lado, Oréfice (2003)69 afirma que o art. 20, Lei nº. 9.985/00 dá parâmetros para a construção do conceito de população tradicional, por declarar que é uma área natural que abriga populações tradicionais cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. Diegues e Arruda (2001)70 ao analisarem o conceito de populações tradicionais, traçam características das denominadas sociedades tradicionais para descrever os povos indígenas e segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos, conforme síntese abaixo: dependência da relação de simbiose entre a natureza e de seus ciclos; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, transferido por oralidade a outras gerações; 68 Mensagem n° 967, de 18 de julho de 2000. Comunicação do Presidente da República ao Senado Federal sobre a decisão do veto parcial do Projeto de Lei do SNUC. 69 ORÉFICE, Cíntia. Comunidades tradicionais frente ao ordenamento jurídico vigente. In: Revista de Direitos Difusos. Floresta e Unidades de Conservação. São Paulo: Esplanada - ADCOAS e IBAP, ano I, v. 22, nov./dez., 2003, p. 3067-3081 (p.3075). 70 DIEGUES, Antônio Carlos; e ARRUDA, Rinaldo S.V. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília, 2001. noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente; moradia e ocupação de território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados; importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e as relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades extrativistas; tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. fraco poder político, que em geral reside nos grupos de poder dos centros urbanos; e auto-identificação ou identificação por outros de pertencer a uma cultura distinta. Freitas (2001)71, ao apontar observações pertinentes a Lei nº. 9.985/00, destaca a proteção em vários dispositivos em relação às populações tradicionais, afirmando que significa famílias que habitam o local há longo tempo (p. ex., os caiçaras do litoral paulista e sul-fluminense) e não proprietários ou posseiros recém-instalados na área . No comentário acima, o autor esboça a sua noção de populações tradicionais, já delimitando a sua esfera de abrangência, excluindo proprietários e posseiros que estão a pouco tempo na área, marcando como característica o lapso temporal. 71 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2001, p. 138. Almeida & Cunha (1999)72, na busca de uma definição para populações tradicionais, enfatizam que este termo teve vários sentidos, que foram se solidificando e mudando com o tempo, resultado da evolução do vocabulário de outros países, do nosso país e da legislação internacional. Faz-se necessário incluir neste item um comentário realizado na II Conferência Estadual das Populações tradicionais do Amazonas73, que ocorreu nos dias 28 e 29 de novembro de 2005, com o tema Geração de renda em unidades de conservação , onde o termo populações tradicionais foi mencionado. Um dos participantes do evento, Aldenor Barbosa, do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Novo Airão, ao proferir a palestra sobre a sua experiência na resolução de conflitos em áreas de uso sustentável, esboçou a sua dúvida em relação ao conceito de populações tradicionais, que rotineiramente é utilizado para identificar os moradores das UCs, indagando em que consistiria o respectivo conceito. E lembrou ainda que, além da utilização do termo populações tradicionais, por vezes, os moradores de UCs eram chamados de povo de barranco , povo da floresta , povo ribeirinho . Assim, indignado, disse: Eu não sei quem eu sou . Estou em crise de identidade . Essa declaração gerou risos e aplausos, acompanhados de frases em apoio ao expositor do painel. Observa-se no referido desabafo que a ausência de definição jurídica e o uso de vários termos para designar os residentes e os usuários de UC e seu entorno, tem gerado uma confusão entre os atores sociais. Isso pode afetar as relações entre moradores e entre estes e 72 CUNHA, M. & ALMEIDA, M. Populações tradicionais e conservação. In. Seminário de Consulta em Macapá 21 a 25 de setembro de 1999. Avaliação e identificação de ações prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade da Amazônia brasileira do Programa Nacional da Diversidade Biológica. 73 Este evento foi promovido pelo governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SDS e pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPAAM, contou com a presença de vários representantes de unidades de conservação do Estado do Amazonas e também de instituições governamentais e não governamentais que trabalham nessas áreas. as instituições, sendo que estas, geralmente, são responsáveis em utilizar largamente esses vocábulos, sem verificar se correspondem à identidade cultural do grupo social. Almeida & Cunha (1999)74 afirmam que a expressão populações tradicionais teve como paradigma os grupos indígenas, mas o primeiro termo é mais abrangente e se diferencia pelo fundamento da reivindicação da terra. Os referidos autores diferem populações tradicionais dos povos indígenas pelo aspecto da terra, sendo que o primeiro está vinculado por um pacto, enquanto o outro pelo vínculo histórico tem o direito originário à terra. O pacto consistiriam na limitação trazidas pelas normas jurídicas do tipo de UC de uso sustentável na busca da proteção ambiental, que se consolidam, por exemplo, com o contrato de concessão de direito real de uso. Ainda, conforme Almeida & Cunha (1999): Nesse sentido, são populações tradicionais aquelas que aceitam as implicações da definição legal que exige o uso sustentável de recursos naturais - seja conforme práticas transmitidas pela tradição, seja por meio de novas práticas. Outra maneira de entender este processo é perceber que a população tradicional é uma categoria ocupada por sujeitos políticos, que se dispõem a ocupá-la, comprometendo-se com certas práticas associadas à noção de uso sustentável. [ ....] Em suma, participar da categoria populações tradicionais significa ter uma organização local e lideranças legítimas, associar-se a tradições de uso sustentável dos recursos naturais no passado, e aderir em um território especificado ao uso de técnicas de baixo impacto ambiental no futuro. Esta definição não leva em consideração o tempo como fator determinante para o tradicional. Somente se refere a práticas não-predatórias utilizadas no passado por um grupo social, e que se espera deles o mesmo no futuro, assegurando essa perspectiva por meio de um pacto. Por sua vez, os novos integrantes desta categoria precisam aderir a todos os deveres que advém do termo, para serem reconhecidos como populações tradicionais. A noção apresentada por Almeida & Cunha (1999) nos remete à idealização do surgimento do Estado, na visão de Rousseau, para explicar a passagem do estado da natureza 74 Idem. Op. citada pág. 8. ao estado civil, que o homem precisava fazer um contrato social, para garantir os direitos de liberdade, igualdade e propriedade, assim como a paz social75. Pertencer à categoria de populações tradicionais é abandonar qualquer prática que não seja sustentável. Significa também restringir a sua liberdade, igualdade e os direitos de propriedades, em prol da proteção dos recursos ambientais e da própria espécie. Decorrente disto, faz-se necessário explicar tal fato detalhadamente. De acordo com o preceito constitucional, vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual todos são iguais perante a lei, todos têm assegurado o direito à vida, à liberdade, à livre iniciativa, à propriedade etc. Contudo, uma UC prevê um regime jurídico e de administração diferenciado, em que o morador, no caso de UC de uso sustentável, tem uma série de deveres a serem cumpridos, que acabam limitando a liberdade dos residentes da Reserva, se comparados à pessoas que vivem fora da área protegida. Esta análise se configura sob uma ótica ambiental sustentável e inclusiva, em função de que esse regime diferenciado tem como objetivo a conservação da natureza e a sua utilização sustentável. Inclusiva porque, como já foi mencionado ao longo do primeiro capítulo, existe uma corrente ambientalista que não admite a presença humana em UC, baseada ainda na idéia de exclusão do homem, como se ele não fizesse parte da natureza. Neste caso, na RDS, o homem é incluído desde a discussão da criação da área natural protegida, como também da maneira que será conduzida a vida dentro desta UC, ou seja, prevê a participação do morador, e até das pessoas que moram em seu entorno, nas práticas de proteção do meio ambiente; é o que está prescrito na legislação ambiental. Isto não quer dizer que, o morador da Reserva é diferente de outra não residente, contudo, ele tem no dizer de Benatti (2001, 303)76 uma finalidade de relevante interesse 75 Cf. WEFFORT, Francisco (org.) Os clássicos da política, 1997, P.189-199. público a cumprir, fins esses que estarão inscritos no ato de criação da unidade, em contratos que se estabelecerão entre o órgão público e a população beneficiada . O autor, a quem nos referimos na citação anterior, ao afirmar a existência sobre esse múnus público , o estava relacionado ao contrato de concessão real, do qual a população tradicional é beneficiada. Além disso, é possível afirmar que, devido às restrições de direitos e imposições de deveres específicos a essa população, pode ser considerado um múnus público. Neste sentido, o Estado deveria estar presente naquela localidade, através de seus serviços e atividades, garantindo pelo menos o mínimo existencial àquela população, na busca de alcançar os objetivos da Reserva. Além disso, as populações tradicionais obrigam-se a participar da preservação, recuperação, defesa e manutenção da unidade de conservação. E, ainda, o uso dos recursos naturais por estas populações deverá obedecer as normas do artigo 23, § 2º, e seus incisos, que determinam a: I proibição do uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de práticas que danifiquem os seus habitats; II proibição de práticas ou atividades que impeçam a regeneração natural dos ecossistemas; III demais normas estabelecidas na legislação, no Plano de Manejo da unidade de conservação e no contrato de concessão de direito real de uso (grifos meus). Note-se a imposição de deveres e a previsão de normas que serão dispostas no plano de manejo e no contrato de concessão de direito real de uso destinadas aos moradores e usuários da RDS, que sofrerão conseqüencias se não cumprirem com as suas obrigações, inclusive poderá ensejar na rescisão do contrato social . Estas regras deverão ser elaboradas em conjunto com a população local para corresponder as suas necessidades e anseios. No Amazonas, o órgão gestor é o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e por meio do seu Departamento de Gestão Territorial, tem como práxis tratar os 76 BENATTI, José Heder. Presença humana em unidade de conservação: um impasse científico, jurídico ou político?In: Biodiversidade na Amazônia Brasileira: avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios. CAPOBIANCO, João (coord.), 2001, p. 299-305. moradores da área nos mesmos moldes que a Lei nº. 9.985/00 dispõe sobre as populações tradicionais, exceto em relação aos moradores que mudaram para área após a criação da UC, e aqueles que exploram em larga escala os recursos naturais de maneira insustentável77. 2.4 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA A regularização fundiária é considerada um dos problemas graves das UCs, conforme Brito (2003), sendo que muitas áreas naturais protegidas do Brasil ainda não conseguiram realizá-la. Neste sentido, a literatura ao tratar sobre a questão, a ilustra com o exemplo do Parque Itatiaia, no Rio de Janeiro, a primeira unidade de conservação do Brasil, que até o presente momento não conseguiu fazer a sua regularização fundiária. Bennatti (2003, p. 134)78 enfatiza essa situação, ao afirmar que a grande maioria das unidades de conservação federais têm-se limitado à demarcação de seus limites, enquanto que sua regularização fundiária, fiscalização e implementação não saem do papel. O motivo alegado quase sempre é o mesmo: falta de verbas. O recurso financeiro acaba sendo um dos entraves na regularização fundiária, sendo que o Poder Público não tem verba para indenizar os proprietários particulares, posseiros e suas benfeitorias que se encontram nas UCs. A regularização fundiária segundo WWF (apud Brito, 2002)79: O Direito Agrário entende como regularização fundiária a definição das situações dominiais e processuais de imóveis rurais, situados em determinado espaço territorial. Para a solução de questões dessa natureza, normalmente se utiliza da via da discriminatória, por meio dos procedimentos administrativos ou processo judicial previsto na Lei nº. 6.383 de 7.12.76 (WWF, 1994). Porém, no que tange as unidades 77 FISCHER, Cristina. Diretora do Departamento de Gestão Territorial do IPAAM. Informação pessoal. BENATTI, José Heder. Posse agroecológica & manejo florestal, 2003. 79 BRITO, Cecília Wey de. Unidades de conservação: intenções e resultados, 2003. 78 de conservação, a regularização fundiária consiste na solução das situações dominiais e possessórias não no sentido de reconhecê-las e mantê-las intocáveis, [...] mas com o objetivo de incorporar as terras ocupadas a justo título ou não ao patrimônio do órgão gestor da unidade de conservação . Isto quer dizer que antes da criação de uma UC, necessariamente deverá ser realizado um levantamento da questão fundiária para ter conhecimento da situação existente, se a área englobar terras devolutas80, ou já arrecadadas pelo Estado, tornando-se terras públicas, como também se houve ou não uma Ação de Discriminação Administrativa81 ou Judicial82, e a qual esfera pertence (União, Estado, Distrito Federal ou Município), se tem propriedade particular, ou se é terra indígena etc. Ademais, é oportuno mencionar esse procedimento, inclusive esclarecendo a imprescindibilidade da realização deste levantamento, evitando uma eventual ação de nulidade, por ausência de competência do ente para transformar em UC determinada área que pertence a outra esfera. Tendo em vista que a falta de levantamento fundiário poderá ensejar o risco de uma UC ser criada em terras pertencentes a outro ente competente. Nesta linha de raciocínio, podemos enfatizar a assertiva acima, colocando a situação fática da RDS Urariá, no município de Maués, no Estado do Amazonas, que teve a sua criação proposta pelo poder público municipal, mas não foi instituída como UC, porque a área delimitada não pertence integralmente aos bens do município, sendo que uma parte pertence à esfera Estadual. Portanto, a procuradoria jurídica do IPAAM deu parecer negativo em relação à criação da referida Reserva, da forma que foi proposta pela Prefeitura de Maués. 83 Por fim, anteriormente a instituição de uma UC, necessariamente é fundamental realizar um levamento fundiário com a finalidade de tomar conhecimento sobre a natureza jurídica das terras, onde será constituida a RDS. 80 Na Constituição Federal de 1967, as terras devolutas incluíam-se entre os bens dos Estados Federados quando não pertenciam a União Federal (art.5°). A Constituição Federal de 1988 dispõe que as terras devolutas indispensáveis a defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei, são consideradas como bens da União (art. 20, II). 81 É prevista na Lei 6.383/76. 82 É prevista também na Lei 6.383/76. 83 FICHER, Christina. Diretora do Departamento de Gestão Territorial. Informação pessoal. 2.4.1 DESAPROPRIAÇÃO E CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO A Lei nº. 9.985/00 prevê o contrato de concessão de direito real de uso como instrumento jurídico para regularizar a posse do morador da RDS e, ainda, estabelece a possibilidade de desapropriação quando for inviavel conciliar a a propriedade privada na área da UC. A RDS é domínio público, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei do SNUC. Figueiredo e Rodrigues (2001) entendem que essa previsão legal sobre desapropriação refere-se às propriedades particulares insuladas no interior das Reservas de Desenvolvimento Sustentável e ainda: nestas situações, desde que ao proprietário seja permitido o livre acesso ao seu bem imóvel, não será impositiva a desapropriação, cumprindo destacar que a propriedade particular não perde tal condição pelo simples motivo de todas as propriedades lindeiras serem estatais. Doutra sorte, se inviável for a existência dessas ilhas de áreas particulares dentro do perímetro das reservas, deverá o Poder Público desapropriá-las. Apesar de colocar que a RDS é de domínio público, a lei ainda prevê possibilidade de existência de propriedade particular dentro desta UC. Silva (2004)84, ao descrever a categoria RDS, confirma essa interpretação que tem natureza pública, porque a lei a declara de domínio púbico, de sorte que, havendo áreas particulares incluídas em seus limites, serão, se necessário, desapropriadas, nos termos da lei . Portanto, é admitida a existência de propriedade privada nos limites da RDS, mesmo que a lei tenha declarado a dominialidade pública da UC. 84 SILVA, José. Afonso. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 5 ed. 2004. p. 230. Ainda, o referido diploma legal dispõe que as populações tradicionais que ocuparem as áreas de Reserva de Desenvolvimento Sustentável terão a posse e o uso regulados por contrato de concessão de direito real de uso. O contrato de concessão de direito real de uso é o instrumento jurídico pelo qual a Administração Pública transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público ao particular, como direito resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, edificação, cultivo e qualquer outra exploração de interesse social (Meirelles, 2001).85 Este contrato pode ser individual e coletivo, devendo ser realizado pelo órgão estatal competente, para assuntos de regularização fundiária. Portanto, o contrato de concessão de direito real de uso é uma importante mecanismo utilizado na RDS, que por um lado assegura o direito do morador a posse da sua área, e, por outro, atribui deveres inerentes àquela condição de possuidor, por exemplo, determina como será o uso dos recursos ambientais, objeto que será tratado na próxima unidade. 2.5 UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS O uso dos recursos naturais pelos moradores de UC de maneira sustentável foi um dos caminhos para a compatibilização da conservação da natureza e a manutenção da vida da população que reside naquela área. É uma característica da RDS, que demonstra o avanço da concepção de área protegida, resultado da luta do movimento socioambientalista e segmentos sociais com interesses afins. A Lei nº. 9.985/00, ao descrever as atividades que seriam permitidas dentro da RDS, colocou, entre elas, a utilização dos recursos naturais, conforme veremos abaixo: 85 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. É permitida e é incentivada a visitação pública, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área. É possível a realização de pesquisa científica voltada à conservação da natureza, para melhorar a relação das populações residentes com seu meio e à educação ambiental, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, as condições e restrições por este estabelecida, e às normas previstas em regulamento. É admitida a exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de Manejo da área. Deve-se ressaltar também que outras atividades poderão ser desenvolvidas, desde que estejam previstas no Plano de Manejo, e não sejam conflitantes com o objetivo da RDS. Essa flexibilidade nos tipos de ações na RDS viabiliza que as populações tradicionais possam incluir as suas formas de explotação da natureza, que podem variar de uma época do ano, e também de uma região para outra. Todavia, esta flexibilidade precisa estar presente também no Plano de Manejo da UC. A Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), do Estado do Amazonas, por meio de uma publicação, tem divulgado aos residentes e usuários de UC e demais interessados, as atividades que podem ser realizadas nos tipos de UC. Na RDS, consta como atividades admitidas a exploração de madeira de manejo, pesca, extrativismo, turismo ecológico, agricultura familiar, criar pequenos animais, pesquisa científica e educação ambiental86. 86 Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Parques e Reservas do Estado do Amazonas. Fev., 2005. Quanto à exploração de bens e recursos naturais, na RDS é definido que será objeto de autorização87 os produtos, sub-produtos (sic) e serviços oriundos da UC, que estejam de acordo com os objetivos que justificam a sua criação. Os produtos, sub-produtos e serviços provenientes da UC, de acordo com o art. 25, Decreto nº. 4.340/020, seriam aqueles destinados a dar suporte físico e logístico a sua administração e à implementação das atividades de uso comum do público, tais como visitação, recreação e turismo, e também recursos naturais explorados, nos limites estabelecidos em lei O uso de imagem da UC com finalidade científica, educativa ou cultural será gratuito. Somente a utilização para fins comerciais poderá ser cobrada pelo órgão executor, por meio de ato administrativo. No caso de uso de recursos naturais da UC, podemos relembrar a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), que foi assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992. Na CDB, foi estabelecido um conjunto de medidas a serem adotadas para conservação da diversidade de ecossistemas, espécies e genes de cada nação, destacando a conservação in situ88, como um dos objetivos do SNUC. Ainda na CDB, em seu artigo 8°, está descrito que: cada parte contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: a)estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica. [...] c)regulamentar ou administrar recursos biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica, dentro ou fora de áreas protegidas, a fim de assegurar sua conservação e utilização sustentável; [...] e)promover o desenvolvimento sustentável e ambientamente sadio em áreas adjacentes às unidades de conservação a fim de reforçar a proteção destas. 87 A autorização para exploração comercial de produto, sub-produto ou serviço de unidade de conservação deve estar fundamentada em estudos de viabilidade econômica e investimentos elaborados pelo órgão executor, ouvido o conselho da unidade (art. 29, Decreto nº. 4.340/020). 88 Conforme a Lei n°. 9.985/00 a conservação in situ é a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. Essa convenção internacional, que já está incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo n° 02/94, reforça a idéia do uso sustentável da biodiversidade que, aliada também ao conhecimento tradicional, representam, atualmente, um mercado promissor, sobretudo na indústria farmacêutica e de cosméticos. Com a finalidade de regulamentar a CDB, surgiu a Medida Provisória n°. 2186-16, de 23 de agosto de 2001, que normatiza o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, e cria o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) com a competência, dentre outras, de autorizar e dar anuência aos Contratos de Utilização de Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios (CURBs)89. Neste sentido, podemos destacar o CURB, firmado entre o governo do Estado do Amapá, representado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente SEMA/AP, a Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru, e a empresa Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda., com o objetivo de acesso ao patrimônio genético da espécie breu branco (Protium pallidum), para fins de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, proveniente da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Iratapuru, localizada no Estado do Amapá, que obteve autorização e anuência do CGEN, pela Deliberação n° 94, em 24 de fevereiro de 2005. No Brasil, este foi o primeiro contrato de acesso ao patrimônio genético em uma UC, para fins de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, que obteve autorização e anuência do CGEN. Este contrato vai gerar um produto ou um sub-produto da RDS Iratapuru, propiciado por um serviço ambiental da RDS, a manutenção da diversidade biológica. Um produto, sub-produto ou serviço de uma RDS vem carregado de uma simbologia de ambientalmente sustentável, politicamente correto e socialmente justo. Por conseguinte, tem 89 Mais informações poderão ser obtidas no site http://www.mma.gov.br uma aceitação e vendagem melhor, devido a importância da variável ambiental ao mercado internacional90. Essa situação demonstra uma alternativa econômica aos residentes das UC, especificamente as de uso sustentável, desde que estejam presentes os fatores da sustentabilidade e da repartição eqüitativa entre os atores sociais, para propiciar a melhoria da qualidade de vida da comunidade residente na área natural protegida. As alternativas econômicas devem fazer parte da proposta de programas ou projetos estruturados pelos órgãos que gerenciam a RDS, sempre levando em consideração a vocação e a necessidade dos residentes da área. 90 Cunha & Almeida (1999) ao comentarem sobre a emergência de novos mercados, citam os mercados de nicho, descrevendo-os como expressão da demanda por valores de existência, biodiversidade e paisagens naturais e também pelo aumento do valor no pagamento quando se trata de produtos produzidos em condições ecologicamente sadias ou socialmente justas. (CUNHA, M. & ALMEIDA, M. Populações tradicionais e conservação. In. Seminário de Consulta em Macapá 21 a 25 de setembro de 1999. Avaliação e identificação de ações prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade da Amazônia brasileira do Programa Nacional da Diversidade Biológica). 2.6 GERENCIAMENTO DA RDS A previsão do art. 6 º, III, da Lei nº. 9.985/00 consigna os órgãos executores: no âmbito federal o IBAMA, no âmbito estadual, o órgão ambiental estadual (no caso do Amazonas, o IPAAM) e no município o órgão ambiental municipal. Portanto, nas suas respectivas esferas, cada um desses órgãos têm as atribuições para implantar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as UCs. Na administração, dentre outras funções, o órgão executor tem a responsabilidade de aprovar a instalação de redes de abastecimento de água, esgoto, energia e infra-estrutura urbana em geral, em unidade de conservação, quando estes equipamentos são admitidos. Ainda, no gerenciamento da RDS, o órgão gestor tem o papel de ser articulador entre os vários grupos sociais interessados na UC e, conforme o SNUC, ele poderá se aliar à comunidade científica para incentivar o desenvolvimento de pesquisas sobre a fauna, a flora e a ecologia das UCs, e sobre formas de uso sustentável dos recursos naturais, para efeito0 de valorização do conhecimento das populações tradicionais. A RDS Mamirauá é um exemplo de articulação com a comunidade científica. Por conseguinte, tem um rol extensivo de trabalhos científicos publicados e em andamento, que estão sendo realizados na área da UC91. A RDS poderá ser gerida por um conselho deliberativo, que deverá ser presidido pelo órgão responsável por sua administração, e constituído por representantes de órgãos públicos92, de organizações da sociedade civil93 e das populações tradicionais residentes na 91 Cf. no site http://www.mamiraua.org.br/mamiraua/mamiraua.htm e http://www.cnpq.br/mamiraua. A representação dos órgãos públicos deve contemplar, quando couber, os órgãos ambientais dos três níveis da Federação e órgãos de áreas afins, tais como pesquisa científica, educação, defesa nacional, cultura, turismo, paisagem, arquitetura, arqueologia e povos indígenas e assentamentos agrícolas (Art. 17, §1°, Decreto nº. 4.340/02). 93 A representação da sociedade civil deve contemplar, quando couber, a comunidade científica e organizações não-governamentais ambientalistas com atuação comprovada na região da unidade, população residente e do 92 área, com representação paritária, na medida do possível, considerando a situação local. O mandato de conselheiro é de dois anos, renovável por igual período, não remunerado, e considerado atividade de relevante interesse público. A reunião do conselho deve ser pública, devendo ocorrer em local de fácil acesso, com pauta já prevista na ocasião da convocação. O conselho tem como competência as seguintes atribuições: Elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa dias, contados da sua instalação; Acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação, quando couber, garantindo o seu caráter participativo; Buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno; Esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados com a unidade; Avaliar o orçamento da unidade e o relatório financeiro anual, elaborado pelo órgão executor a partir dos objetivos da unidade de conservação; Ratificar a contratação e os dispositivos do termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), na hipótese de gestão compartilhada da unidade; Acompanhar a gestão por OSCIP, e recomendar a rescisão do termo de parceria, quando constatada irregularidade; Manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou corredores ecológicos; e Propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso. entorno, população tradicional, proprietários de imóveis no interior da unidade, trabalhadores e setor privado atuantes na região e representantes dos Comitês de Bacia Hidrográfica agrícolas (Art. 17, §2°, Decreto nº. 4.340/02). O Decreto nº. 4.340/02 prevê que, no caso de UC municipal, o conselho municipal ambiental pode ser designado como conselho da RDS, desde que tenha competência estabelecida para isso, e que a composição seja a mesma daquela descrita acima. A gestão da RDS também pode ser compartilhada com uma OSCIP, por meio de um termo de parceria, que deverá ser celebrada entre esta e o órgão executor. A gestão compartilhada consiste em que o órgão governamental terá um parceiro na administração da UC, cada qual com as suas atribuições, competências e responsabilidades delineadas no termo de parceria. É preciso observar que, a OSCIP, com representação no conselho da UC, não pode se candidatar à gestão compartilhada, tendo em vista a sua natureza em desempenhar atividades de fiscalização da administração da UC. A gestão compartilhada da UC surgirá por meio de propostas formuladas em atendimento ao edital elaborado e promovido pelo órgão executor. Em relação aos recursos destinados a RDS, estes ficam sob a administração do órgão gestor, que deverá aplicá-los na implantação, gestão e manutenção da UC. Devido a isso, esse órgão deve fornecer relatórios anuais sobre a sua administração ao órgão executor e ao conselho deliberativo. Este órgão também poderá receber recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais, com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas, ou de pessoas físicas que desejarem colaborar com a conservação da UC. A gestão de uma RDS deve ser pautada nas normas jurídicas e também empenhada em fortalecer o vínculo de parcerias na concretização dos objetivos da UC, principalmente, no tocante, ao fomento da participação da população local, fazendo com que os instrumentos de normatização, por exemplo, o plano de manejo, seja resultado desta parceria. Neste sentido, o plano de manejo deve ser elaborado para ser fruto desta parceria, onde o conhecimento técnico e o dos moradores e usuários da área serão integrados, organizados e, assim, corresponderão a realidade daquela área. 2.7 PLANO DE MANEJO A unidade de conservação deve ter seu Plano de Manejo, conforme o art. 27, da Lei nº. 9.985/00, e deve ser feito no prazo de cinco anos após a sua criação. O Plano de Manejo pode ser entendido como um conjunto de orientações, regras e sugestões para o uso correto dos recursos existentes em determinada área (FVA, 2003)94. Elaborar o Plano de Manejo significa realizar um planejamento da RDS. Para Millano (2001)95, planejamento trata basicamente do ordenamento das ações, procedimentos e processos de condutas a serem adotadas no manejo e administração da unidade. Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo, deverá ser propiciada e garantida a participação das populações tradicionais. A participação da população tradicional é fundamental em todo o processo de formação da RDS, primordialmente na elaboração do Plano de Manejo, visto que este documento indicará os tipos de atividades, locais e recursos naturais que poderão ser utilizados, selando o futuro daquela comunidade. Em virtude do impacto na vida das pessoas residentes na RDS, o Plano de Manejo deve atender ao princípio da participação e da informação, ser transparente e propiciar o engajamento dos moradores locais. 94 FVA - Fundação Vitória Amazônica. Unidades de Conservação e o Parque Nacional do Jaú. Manaus: FVA, 2003. 95 MILANO, Miguel Serediuk. Planejamento de unidades de conservação: um meio e não um fim. 2001. O Decreto nº. 4.340/02 descreve que o Plano de Manejo, no caso da RDS, deverá ser aprovado pelo órgão executor para, posteriormente, ser aprovado por meio de resolução do conselho deliberativo. O Plano de Manejo da RDS deverá definir as zonas de proteção integral, de uso sustentável, de amortecimento96 e corredores ecológicos97, inclusive com medidas para promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. A definição dos limites do subsolo e o espaço aéreo deverão estar inseridos no Plano de Manejo, se estes não foram definidos no ato da criação da reserva. Além, de delimitar a zona de amortecimento e os corredores ecológicos, como também integrar a vida social e econômica dos moradores vizinhos da UC. Se, anteriormente ao Plano de Manejo, tiver sido realizado o contrato de concessão de direito real de uso com as populações tradicionais, este instrumento deverá ser atualizado com o conteúdo daquele, no caso de existirem discrepâncias entre ambos. Em atendimento ao princípio da publicidade, o Plano de Manejo deverá ser colocado à disposição de qualquer interessado, sendo arquivada uma cópia na sede da UC e outra no centro de documentação da sede do órgão executor. A Lei nº. 9.985/00, em seu artigo 14, estabeleceu que os órgãos executores do SNUC, em seu âmbito de atuação, devem fazer um roteiro metodológico básico para a elaboração dos Planos de Manejo das diferentes categorias de UCs, uniformizando conceitos e metodologias, fixando diretrizes para o diagnóstico da unidade, zoneamento, programas de manejo, prazos de avaliação e de revisão e fases de implementação. 96 A zona de amortecimento é o entorno de uma UC, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade (art. 2°, XVIII, Lei nº. 9.985/00). 97 Os corredores ecológicos são porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais (art. 2°, XIX, Lei nº. 9.985/00). Na verdade, este tipo de procedimento já havia sido adotado anteriormente ao SNUC, pelo IBAMA, em relação ao planejamento das ações nas UCs de proteção integral no âmbito federal. Milano (2001)98 ao comentar sobre o roteiro metodológico (versão 3.0) do IBAMA, adverte que: Considerando que muitos planos de manejo de unidades de conservação federais tais quais muitos conhecem, em especial aqueles produzidos pelo antigo IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, por diferentes motivos nunca foram implementados, não é ilógico considerar que as sucessivas iniciativas oficiais observadas nos últimos tempos, associadas a metodologias de planejamento escondem deficiências institucionais e motivos estruturais e conjunturais muito mais graves para a existência plena das unidades, que a desatualização ou falta de planos de manejo. Esta questão se faz especialmente importante, pelo fato desses próprios planos constituírem o referencial brasileiro de planejamento de unidades de conservação. Essa observação nos faz refletir se realmente um roteiro metodológico básico e padronizado para uma categoria de UC conseguirá retratar um planejamento em harmonia com a realidade local, respeitando as peculiaridades de cada lugar e de seus moradores. Na elaboração do Plano de Manejo, deve sempre ser levado em consideração que, ele será destinado aos moradores. Sendo assim, precisa ser um documento simples, refletindo as necessidades dessas pessoas, compatibilizadas com as variáveis ambientais. Não deve ser um documento de gabinete, um formulário para ser preenchido e depois enderaçado aos moradores da Reserva. O Plano de Manejo é um instrumento que permite a verificação da efetividade ou não da legislação, tendo em vista que visa o planejamento de ações na UC, contudo, a efetividade também dependerá da espécie de plano que foi realizado, se ele é ou não aplicável àquela situação. Uma questão importante que precisa ser ressaltada é o prazo para elaboração de um Plano de Manejo, que deve estar pronto no lapso temporal de 5 anos após a criação da UC. 98 Idem. Dificilmente este prazo é cumprido, aliás, uma parte das UCs existentes anteriormente a Lei nº. 9.985/00 sequer têm Plano de Manejo. O órgão ambiental geralmente não tem suporte suficiente de recursos humanos, financeiros e disponibilidade de tempo para conseguir cumprir o prazo. Ao comentar sobre Plano de Manejo, Machado (2002)99 afirma que na falta de cumprimento do prazo na elaboração deste documento, o órgão executor, ou se ele não tiver personalidade jurídica, o estado ou o município, poderão ser réus de uma Ação Civil Pública. Assim, a Lei nº. 9.985/00 prevê que a partir da criação de cada UC, e até que seja estabelecido o Plano de Manejo, devem ser formalizadas e implementadas ações de proteção e fiscalização. Evidentemente, precisa ser feito um Plano de Uso da área até que seja elaborado o Plano de Manejo, para que se possa tentar alcançar o objetivo da UC. O Plano de Uso é um documento mais simples que o Plano de Manejo, com um processo de construção menos complexo que aquele, e por não abranger todos os requisitos legais que devem estar presentes no Plano de Manejo. O Plano de Uso consiste em descrever a maneira tradicional que a comunidade sempre adotou no uso dos recursos naturais, de modo sustentável e planejado, para que sejam mantidas para as futuras gerações (FASE, 2000). Enfim, observa-se que as atividades na RDS precisam ser planejadas, sistematizadas e normatizadas para que seja possível administrar a conduta dos moradores e usuários da UC e atingir a finalidade da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, devendo ser realizado pelo plano de manejo. 99 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002. 2.8 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL VERSUS RESERVA EXTRATIVISTA Ao abordarmos a temática RDS é necessário fazer uma distinção entre esta categoria e a Reserva Extrativista, para esclarecer que apesar, das duas UC integrarem o grupo de Uso Sustentável e de surgirem como alternativa concebida e formulada na região norte, elas não são sinônimas. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é de domínio público, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com o que dispõe a Lei nº. 9.985/00. A diferença sutil que o legislador estabeleceu entre a RDS e a Resex está justamente na questão da desapropriação. A RDS permite a existência de propriedade privada dentro do seu limite territorial, de acordo com o previsto na Lei nº. 9.985/00, de que a propriedade será desapropriada, se o uso for conflitante com os objetivos da UC. A Resex, por sua vez, prevê a obrigatoriedade de desapropriação no espaço territorial daquela UC, e a devida indenização. Uma outra distinção que pode ser considerada é o surgimento histórico entre esses dois tipos de UC. As Resex surgiram a partir da luta dos seringueiros, que se aliaram aos povos indígenas da Amazônia brasileira, e propuseram como alternativa econômica e para proteção do meio ambiente, a criação desta modalidade de UC. Desde o princípio, esse movimento conhecido por socioambientalismo promoveu a interação entre homem e natureza, ou seja, que o morador da área protegida seria um instrumento utilizado na conservação e proteção da UC, além de propiciar uma alternativa socioeconômica justa e ambientalmente sustentável. Um fato marcante na articulação e a organização do movimento socioambientalista foi o assassinato do seringueiro e líder sindicalista Chico Mendes, em 1988. Allegretti (1994, p. 20)100, ao resgatar os pressupostos conceituais de Resex, afirma que esta surgiu: da necessidade de encontrar uma alternativa que promovesse de forma adequada a regularização fundiária dos antigos seringais (áreas de exploração da borracha nativa) na Amazônia e respondesse ao mesmo tempo, as demandas dos grupos locais por melhores condições de vida. Por outro lado, a RDS Mamirauá, conforme já descrito anteriormente, nasceu de um projeto de Doutorado do pesquisador José Márcio C. Ayres, que demonstrou a necessidade de se preservar uma área que assegurasse a sobrevivência do macaco Uacari branco. Inicialmente, foi criada por Decreto Estadual como Estação Ecológica. Posteriormente, em 1996, foi transformada pelo governo Estadual em RDS (Vieira, 1999)101. A RDS, como veremos no próximo capítulo, foi adequação de uma modalidade de unidade de conservação de Proteção Integral a categoria de Uso Sustentável, devido à pressão social , e por corresponder melhor à realidade fática do lugar onde foi criada. Esta categoria resultou da aliança entre a pesquisa científica e participação dos moradores e usuários, que foram integrados em processo de construção do novo regime de administração da área natural protegida. Na análise de Allegretti (1994)102 as Reservas Extrativistas podem ser, portanto, consideradas como reservas de desenvolvimento sustentado, nas quais atividades econômicas baseadas na extração de produtos da floresta, na agricultura, na criação de animais domésticos, assim como na industrialização destes produtos, podem ser desenvolvidas desde que atendam a critérios de sustentabilidade e de retorno social. 100 ALLEGRETTI, Mary Helena. Reservas Extrativistas: Parâmetros para uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia. In: ARNT, Ricardo (org.). O destino d floresta. Rio de Janeiro: Relume Dumará. P. 17-47. 101 VIEIRA, Susana Camargo. Cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira: o papel do Direito. São Paulo: USP, 1999. 102 ALLEGRETTI, Mary Helena. Reservas Extrativistas: Parâmetros para uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia. In: ARNT, Ricardo (org.). O destino d floresta. Rio de Janeiro: Relume Dumará. P. 17-47. No entanto, ao apreciarmos o modelo RDS Mamirauá no capítulo a seguir, fica clarificado que um diferencial entre ela e a RESEX é a aliança entre a pesquisa científica que embasará programas realizados dentro da reseva, com a participação dos residentes e usuáros da UC. Esta parceria entre pesquisadores e moradores, representa um fator determinante no êxito do projeto, em função desta situação, é possível observar o aumento significativo de RDS na região amazônica. 2.9 RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL As RDS estão concentradas no norte do Brasil e estão estabelecidas no âmbito federal, estadual e municipal, conforme veremos abaixo. As RDS criadas pelo Poder Público Estadual do Amazonas são as seguintes: A RDS MAMIRAUÁ, localizada entre os municípios de Tefé e Fonte Boa, transformada pela Lei estadual nº. 2.411/96; RDS BARARATI, no município de Apuí, criada pelo Decreto nº. 24.813/05; RDS ARIPUANÃ, no município de Apuí, pelo Decreto nº. 24.811/05; RDS UACARI, no município de Carauarí, criada pelo Decreto nº. 25.039/05; RDS UATUMÃ, localizada nos municípios de São Sebastião do Uatumã e de Itapiranga, na bacia do Rio Uatumã, criada pelo Decreto nº. 24.295/04; RDS AMANÃ, localizada entre as bacias do Rio Negro e do baixo Rio Negro e do baixo Rio Japurá, criada pelo Decreto nº. 19.021/98; RDS PIAGAÇU-PURUS, localizada na entre as bacias do Rio Purus e do médio Rio Solimões, criada pelo Decreto nº. 23.723/03; RDS CUJUBIM, localizada na bacia do Rio Jutaí, criada pelo Decreto nº. 23.724/03; RDS RIO AMAPÁ, localizada no município de Manicoré, criada pelo Decreto nº. 25041/05. A RDS criada no âmbito Municipal é a RDS do PIRANHA, localizada à margem esquerda do Rio Solimões, próxima à foz do Rio Manacapuru, onde existe um complexo de lagos denominado Lago do Piranha, no município de Manacapuru, do Estado do Amazonas; criada pela Lei nº. 009, de 04 de julho de 1997. As RDS criadas em outros Estados são as seguintes: RDS RIO IRATAPURU, abrangendo parcialmente os municípios de Laranjal do Jari, Mazagão e Pedra Branca do Amapari, no Estado do Amapá, criada pela Lei Estadual nº. 392, de 11 de dezembro de 1997; RDS ALCOBAÇA e a RDS PUCURUÍ-ARARÃO estão localizadas nas áreas territoriais dos municípios de Tucuruí e Novo Repartimento, no Estado do Pará, foram instituídas pela Lei Estadual nº. 6.451, de 08 de abril de 2002 (SANTILLI, 2004). A RDS, criada no âmbito Federal, é a RDS ITATUPÃ-BAQUIÁ, localizada no município de Gurupá, situado no arquipélago do Marajó, no Estado do Pará, em decorrência do Processo no 02001.001741/2004-65, por meio do Decreto sem número, de 14 de junho de 2005. Observa-se que a partir de 2003 houve um crescimento na criação de RDS no Estado do Amazonas, resultado da política adotada pelo poder estadual local, na busca de compatibilizar a proteção ambiental, desenvolvimento e justiça social, como veremos a seguir. CAPÍTULO 3 AMAZONAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO "Algumas pessoas ainda pensam que podem proteger as reservas somente com guardas, mas isto já se mostrou insuficiente. Um envolvimento mais amplo da população é necessário para a conservação ser um sucesso, além de investimentos a longo prazo em educação, saúde e participação política" MÁRCIO AYRES No capítulo realizaremos uma síntese da política ambiental nacional e estadual, que atualmente, utiliza UC como um dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente, dentre elas, evidencia-se a RDS, pela replicação do modelo exitoso de Mamirauá a outras localidades do Amazonas. Neste sentido, apresentaremos a RDS Mamirauá com as suas principais características, programas e plano de manejo da referida área. Ainda, caracterizaremos a RDS Piranha para fazer um comparativo entre as duas UCs, tendo em vista que foram criadas e são administradas por diferentes esferas, estadual e municipal. 4 PROTECAO AMBIENTAL NA AMAZONIA A Amazônia legal brasileira corresponde a quase 60% do território nacional, com uma superfície de aproximadamente 5 milhões de km², representando 78% da cobertura vegetal do país abrangendo oitos estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e a maior parte do Maranhão (Albagali, 2001)103. Com essa enorme extensão, representado uma significativa amostra da biodiversidade brasileira e com potencialidade de produtos e serviços ambientais, a Amazônia enseja proteção para conservação dos seus recursos naturais. Devido a essa necessidade de proteção têm surgido institutos jurídicos para viabilizar a proteção ambiental, e neste sentido, temos as UCs. Em conseqüência de problemas na criação e implantação de UCs surgem críticas em relação a sua efetividade. Assim, Ayres & Fonseca (2003)104 afirmam que: Na Amazônia, a maior parte das unidades de conservação não foi adequadamente implantada, demandando estrutura física e pessoal capacitado. Os parques e reservas amazônicos enfrentam desafios como desmatamentos para variados fins, desmadeiramento seletivo, pesca, caça, agricultura em pequena escala, mineração de ouro e de outros minerais, invasão de terras e, mais importante, problemas de titulação de terras. Aquelas que não enfrentam tais ameaças, estão localizadas em áreas remotas, inacessíveis até para as agências governamentais é de apenas 1 (um) para cada 15.000 km² de matas a serem protegidas. Ainda, Ayres & Fonseca (2005) ao relatarem a situação das UCs na Amazônia estão levantando os problemas existentes para indicar como solução o projeto Ecológicos , Corredores conceituado como as grandes extensão de ecossistemas florestais biologicamente prioritários na Amazônia e na Mata Atlântica, delimitados em grande parte por conjuntos de unidade de conservação (existentes ou propostas) e pelas suas comunidades ecológicas. Segundo governo do Amazonas (2005)105 este projeto visa alterar o paradigma da conservação de biodiversidade no Brasil de ilhas biológicas para corredores biológicos , com o intuito de abranger grandes extensões de áreas relevantes da Amazônia e da Mata 103 Albagali, Sarita. Amazônia: fronteira geopolítica da biodiversidade. Revista Parcerias Estratégicas, 2001. AYRES, José Márcio. FOSENCA, Gustavo A. B. et all. Os corredores ecológicos das florestas tropicais do Brasil, 2005, p. 21. 105 Informação retirada da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Governo do Estado do Amazonas. Disponível em http://www.sds.gov.br acesso em 25 de janeiro de 2005. 104 Atlântica e, ao mesmo tempo, fortalecer as capacidades regionais e locais com a adoção de modelos inovadores de gestão. O projeto Corredores Ecológicos está inserido no contexto do Subprograma de Unidades de Conservação e Manejo de Recursos Naturais, integra o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), criado pelo Decreto n°. 563/92, com o objetivo de otimizar os benefícios oferecidos pelas florestas tropicais, em acordo com as metas de desenvolvimento do País. Nesta direção, o Governo Federal por meio do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) está propiciando a criação de diversas áreas no bioma Amazônico para a proteção e promoção do desenvolvimento sustentável da região, objetivando consolidar o Sistema Nacional de Unidade de Conservação. O ARPA tem como objetivos a identificação de áreas mais importantes que tenham representatividade da biodiversidade da Amazônia, promover a criação e consolidação das UCs que formam mosaicos de áreas protegidas, desenvolver estratégias de sustentabilidade financeiras das destas, apoiando o desenvolvimento das comunidades locais e avaliar sua efetividade, bem como o monitoramento da conservação da diversidade biológica106. Estes dois projetos estão sendo implementados no Estado do Amazonas que, segundo dados do governo107, é o maior Estado brasileiro, com uma área de 157.782.000 hectares e com uma população de 2,8 milhões de habitantes. Este Estado abrange um terço da Amazônia brasileira, sendo sua porção mais protegida, com menos de 3% de áreas desmatadas. O Estado do Amazonas apresenta 76.765.498 hectares de áreas protegidas: 45.985.930 hectares correspondem a terras indígenas, 30.779.568 hectares de áreas protegidas são unidades federais, estaduais e municipais (Amazonas, 2003)108. 106 Informação retirada do Ministério do Meio Ambiente. Disponível em http://www.mma.gov.br acesso em 24 de agosto de 2001 e em 25 de janeiro de 2005. 107 AMAZONAS, Governo do Estado. Áreas protegidas do Estado do Amazonas: subsídios para a estratégia estadual de conservação da biodiversidade. VIANA, VIRGÍLIO (Orgs.), 2003. 108 Ibid. No Amazonas, o Governo Estadual instituiu como prioritário o Programa Zona Franca Verde, promovendo o desenvolvimento sustentável relacionado às unidades de conservação, como estratégia estadual de conservação da biodiversidade, regularização fundiária e inclusão social. Aliado ao programa governamental, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPAAM estão trabalhando em parceria na implementação do projeto Corredores Ecológicos no Estado do Amazonas. Os corredores ecológicos abrangem o Corredor Central da Amazônia109, onde está localizada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e nas proximidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha110, unidades de conservação que serão abordadas neste capítulo. 109 O Corredor Central da Amazônia está localizado em quase sua totalidade no Estado do Amazonas e, numa mínima parte, do Estado do Pará e Roraima, ocupando uma área aproximada de 24.555.000 km² ha. Este corredor corta as bacias hidrográficas dos rios Negro e Solimões, além de cortar diversos outros rios de primeira grandeza, tais como: Juruá, Japurá, Jutaí e Tefé. O Corredor Central da Amazônia está formado por aproximadamente 40% de Terras Indígenas e 30% de Unidades de Conservação federais e estaduais. Projeto Corredores Ecológicos. Termo de Referência para contratação de consultoria: Elaboração do Estudo para Revisão do Plano de Manejo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá . Disponível no site (verificar anotações dos sites). 110 Apesar da literatura a respeito da RDS do Piranha consignar que ela está inserida no Corredor Central da Amazônia, em contraposição o órgão ambiental, IPAAM, por meio do Departamento de Gestão Territorial, declina esta afirmativa, baseados na literatura sobre os corredores ecológicos. FISCHER, Christina. Informação pessoal. Cf. AYRES, José Marcio; FONSECA, Gustavo A.B; et all. Os Corredores ecológicos das florestas tropicais do Brasil.Belém: Sociedade Civil Mamirauá, 2005. Ministério do Meio Ambiente. Projeto Corredores Ecológicos: Corredor Central da Amazônia. Folder. Cópia reprográfica. 4.1 PRIMEIRAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO AMAZONAS O Amazonas foi o primeiro Estado brasileiro a ter a categoria de Reserva de Desenvolvimento Sustentável, implementada pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ou RDS Mamirauá. A RDS Mamirauá foi criada como Estação Ecológica pelo Governo do Estado do Amazonas, por meio do Decreto n. º 12.836, de 09 de março de 1990. Posteriormente, o Governo Estadual através da Lei n. º 2.411, de 16 de julho de 1996, transformou a unidade de proteção de uso integral na categoria de uso sustentável e a denominou como Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. A RDS serviu como inspiração para a criação desta categoria na Lei nº. 9.985/00, que inicialmente, era chamada de Reserva Ecológico-Cultural no projeto de Lei do SNUC. Todavia, em conseqüência da nova denominação de Mamirauá, houve essa mudança na terminologia para Reserva de Desenvolvimento Sustentável, conforme Mercadante (2001, p. 567). Verifica-se no resgate histórico sobre a denominação da RDS projeto de Lei do SNUC, a importância e a repercussão de Mamirauá naquele contexto político, por inserir um novo modelo de UC no âmbito nacional, na busca de conciliar a proteção da natureza, o desenvolvimento sustentável e a justiça social para as populações e usuárias da Reserva. Martins (2002)111 ao comentar sobre a RDS Mamirauá defende essa categoria como um novo conceito de UC: Tenho como privilégio a possibilidade de acompanhar Mamirauá desde os primeiros passos até a transformação em Reserva de Desenvolvimento Sustentável RDS, um novo conceito de unidade de conservação. Aqui se juntam a proteção da maior área 111 MELLO, Thiago de. Mamirauá. Tefé: Sociedade Civil Mamirauá, 2002. de várzea na Amazônia, um espaço inestimável para estudo e pesquisa, a participação das comunidades na vida e destinos da reserva e uma aliança que deu certo entre governo e sociedade. Este novo modelo propiciou a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha (RDS Piranha) pelo governo municipal de Manacapuru, localizada no Estado do Amazonas, através da Lei nº. 009, de 04 de julho de 1997. A seguir realizaremos uma descrição com base na literatura existente com a finalidade de caracterizar a realidade existente na RDS Mamirauá e RDS do Piranha. 4.2 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ AMAZONAS 4.2.1 Caracterização da Reserva Mamirauá A RDS Mamirauá fica localizada nas imediações do município de Tefé112, no Estado do Amazonas, entre os rios Solimões e Japurá, com uma área aproximada de 1.124.000 ha, compreende terras do município de Fonte Boa, Japurá, Maarã, Uarini e Juruá. Para Vieira (1999)113 Mamirauá é a maior unidade de conservação brasileira formada por florestas alagáveis, e a única unidade implementada para proteger o ecossistema de várzea114 amazônica do Brasil. Foi reconhecida pela Convenção RAMSAR como parte de um grupo de áreas úmidas de importância mundial. 112 Segundo dados do governo do Amazonas, Tefé fica situada na região do triângulo Jutaí-Solimões-Juruá, dista de Manaus 525 km em linha reta e 672 km por via fluvial, com uma área territorial de 23.808 km², limita-se com os municípios de Coari, Tapauá, Alvarães, Carauari e Maraã, com uma população de 64.576 habitantes, sendo 47.698 habitantes na zona urbana e 16.878 na zona rural. Cf. site <http://www.segov.am.gov.br/programas> acessado em 25 de janeiro de 2005. 113 VIEIRA, Susana Camargo. op. cit., 1999. 114 As várzeas amazônicas estão associadas aos rios de água branca que apresentam grande concentração de nutrientes dissolvidos; carregam sedimentos que fertilizam o solo, das áreAs que são alagadas períodicamente, e apresentam alta fertilidade e potencial produtivo. As várzeas estão divididas, em várzeas do estuário, várzeas do médio e baixo Amazonas, várzeas do alto e médio Solimões e várzeas dos pequenos rios que sofrem influência das marés. Essa divisão estabelece uma distinção das várzeas a partir do tipo de pulso de inundação . (Junk, É também uma das áreas que compõe a proposta para integrar a Reserva da Biosfera na Amazônia Brasileira, da UNESCO e ainda faz parte de do projeto dos Corredores Ecológicos a serem implantados pelo PPG7115. Conforme o Plano de Manejo (2005)116 Para viabilizar a implantação da RDS Mamirauá, a área foi dividida em área "focal" com 260.000 ha., onde se iniciaram as atividades-piloto de pesquisa e extensão e as operações para manutenção da reserva, e uma "área subsidiária", para a qual será estendida futuramente a experiência piloto efetuada na área focal. 4.2.2 Criação da RDSM É preciso destacar que a consulta pública como procedimento anterior ao ato de criação de Mamirauá, na época, como Estação Ecológica e também na sua transformação em RDS, não era necessária pela ausência de previsão legal a respeito. Mello (2002)117 ao comentar sobre Márcio Ayres, lembra que Mamirauá foi fruto de ideais de conservação que o biólogo já possuía quando iniciou os seus estudos na área, onde atualmente é a Reserva. O objeto de estudo do doutorado era um macaco, o Uacari branco, que estava na lista de espécies ameaçadas de extinção118, do Livro Vermelho do Brasil e da IUCN e posteriormente, foi descoberto que o habitat daquela espécie estava restrito a Amazônia Central. 1983). JUNK, W.J. As águas da região amazônica. In: SALATI, E.; JUNK, W. J.; SCHUBART, H. O. R.; OLIVEIRA, A. E. (Org.) Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia, 1983. 115 Informação disponível em <http://www.pop-tefe.rnp.br/reserva/reserva.htm> 116 Plano de Manejo. Disponível em <http://www.mamiraua.org.br> acessado em 25 de janeiro de 2005. 117 MELLO, Thiago de. op. cit., 2002. 118 Além do macaco Uacari branco estavam na lista de extinção e viviam naquela área, o peixe-boi (Trichecus inunguis), o jacaré-açu (Melanosuchus niger) e o piraruccu (Arapaima gigas) e o macaco-de-cheiro (Saimiri Vanzolinii) que ainda não havia sido descrito na literatura. AYRES, José Márcio. Estação Ecológica do lago Mamirauá: Proposta de implantação. Amazonas, 1989. Um aspecto jurídico que deve ser salientado é a transformação de Mamirauá a categoria de RDS, que rigorosamente cumpriu o disposto na Constituição Estadual do Amazonas (art. 230, V) e na Constituição Federal de 1988 (art. 225, III) que somente permitem mediante lei a alteração ou supressão de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos119. O Poder Executivo ao enviar ao Projeto de Lei ao Poder Legislativo do Estado do Amazonas declara em sua minuta de mensagem de lei120 que a transformação da UC é necessária para adequação da natureza jurídica da área protegida a realidade sócio-econômica existente naquela região. Além de que, ressalta a imperatividade de estabelecer diretriz para manutenção da população na área, ao mesmo tempo em que se deseja manter os objetivos de proteção dos recursos ambientais. 4.2.3 Objetivo da RDS Mamirauá Os objetivos da RDS Mamirauá são: promoção do desenvolvimento sustentável das populações que habitam a área da Reserva, com prioridade para o combate à pobreza e à melhoria das suas condições de vida; proteção dos recursos ambientais e sócio-culturais existentes na área, especialmente através da prática de atividades que não comprometam a integridade dos atributos que justificaram a criação da Reserva, mas que assegurem a manutenção do equilíbrio ecológico existente; realização de pesquisas relativas a modelos de desenvolvimento sustentável que possam ser adotados no Estado do Amazonas, bem como na biodiversidade existente na área, para melhor aproveitamento dos resultados em benefícios das comunidades locais e regionais; e estabelecimento de mecanismos que facilitem às 119 O referido dispositivo constitucional estadual é uma reprodução do artigo 225, III, da Constituição Federal de 1988. 120 Governo do Estado do Amazonas. Minuta: mensagem de lei. Manaus, abril, 1996. próprias comunidades, o exercício das atividades de fiscalização e proteção dos recursos da flora, fauna, hídricos, do solo e subsolo, inclusive a extração, produção, transporte, consumo e comercialização dos produtos e subprodutos da Reserva. Ayres (2000)121 em documento interno do IPAAM lembra a finalidade central da RDS, revelando alguns dados sobre a UC, ao afirmar que: A proposta da RDSM é conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento sustentável das populações locais tradicionalmente usuárias da Reserva, composta por aproximadamente 5.300 habitantes, distribuídos em 61 comunidades ribeirinhas. Ao reforçar a importância da RDSM Ayres (2000) indica que os parceiros na concretização do novo paradigma a ser construído no Amazonas são as populações tradicionais designando-as como populações locais tradicionalmente usuárias da Reserva . Talvez, este termo implique em uma abrangência maior do que populações tradicionais, no sentido de que são inseridos na sua conceituação os moradores e usuários (não-moradores) que tradicionalmente usam os recursos ambientais de maneira sustentável naquela área. Esta terminologia será devidamente tratada no capítulo IV, onde será levantada a problemática da ausência do conceito de populações tradicionais e as implicações jurídicas que poderão ocorrer em função desta lacuna da norma jurídica. 121 Ayres, José Márcio. Documento interno do IPAAM. Cópia reprográfica. 4.1.4 População Tradicional De acordo com o Plano de Manejo (2005)122 existem 23 assentamentos localizados na área focal da reserva, sendo 17 comunidades, 6 sítios e 46 casas isoladas. Em torno dessa área existem 37 assentamentos identificados como sendo usuários, em diferentes graus de intensidade, da área da reserva. Os assentamentos de usuários, 16 no rio Solimões, 17 no Japurá e 4 no Aranapu e Panauã, dependem da várzea de Mamirauá principalmente para a pesca e para a extração da madeira. No total, 60 assentamentos, tanto de moradores quanto de usuários, participam do processo de implantação da reserva desde o início os trabalhos do projeto Mamirauá. Este documento ainda descreve que a área focal da reserva é habitada por 1.668 habitantes, e a população de usuários é em torno de 3.600 indivíduos, totalizando cerca de 5.277 indivíduos diretamente envolvidos no processo de implantação da reserva. A maior parte da população de moradores e usuários está situada ao longo do rio Solimões, o rio mais navegado, e em áreas próximas dos centros urbanos de Tefé, Alvarães e Uarini. Podendo ser observado que algumas áreas apresentam uso sobreposto por diferentes setores de comunidades, o que em alguns momentos gera conflitos de pequena monta. O Plano de Manejo (2005) realiza uma caracterização sócio-econômica dos moradores e usuários da Reserva, abaixo serão descritos alguns itens que compõem aquele documento: Os moradores e usuários da Reserva compõe uma população excessivamente jovem, no total de habitantes 56% tem menos de 15 anos. A faixa etária de 0-5 anos corresponde a 25% dos habitantes, o que indica um comportamento demográfico de alta natalidade. Esta alta natalidade coexiste, no entanto, com uma alta taxa de mortalidade infantil: 85 por mil nascidos vivos. As pessoas com mais de 65 anos representam apenas 2% do total da 122 Disponível em <http://mamiraua.org.br > acessado em 25 de janeiro de 2005. população. A alta mortalidade infantil e a baixa expectativa de vida da população são indicadores de uma baixa qualidade de vida da população. As habitações, construídas de forma a enfrentar os períodos de cheia, são feitas sobre pilastras de madeira, estilo palafitas. Durante as grandes cheias é comum elevarem o assoalho várias vezes de forma a impedir a entrada da água, embora algumas famílias residam em casas flutuantes por todo o ano. De acordo com os levantamentos epidemiológicos no ano de 1993, as condições de saúde foram consideradas boas, por não ter ocorrência de patologias graves, sendo que as existentes são resultantes dos hábitos de higiene inadequados e pelas condições sanitárias e impróprias de realização de suas atividades produtivas. As doenças mais freqüentes são diarréias, parasitoses intestinais, cáries dentárias etc. Não há descrição sobre a existência de posto de saúde na área, apenas consta que o acesso da população aos serviços de saúde geralmente implica no deslocamento aos centros urbanos, principalmente Tefé. O trabalho dos agentes de saúde ainda é insatisfatório pela sua limitação profissional e pela carência dos seus instrumentos de trabalho. Quanto à educação, o quadro é mais agravante, a população da reserva tem poucas oportunidades de acesso ao ensino formal. Do total da população maior que 15 anos 38% é analfabeta, e a escolaridade dos que freqüentaram a escola é baixa, restrita às primeiras séries do primeiro grau. Entre os chefes de domicílio, 88% cursou até a quarta série apenas. Naquela época, a maioria das comunidades tinha escolas que funcionavam ou em casas próprias, seguindo o estilo local, ou na casa comunitária ou mesmo na casa do professor. Há em média um professor por escola, contratado pelo município, que além das atividades docentes também realiza as atividades produtivas comuns a todos os moradores. Seu nível de escolaridade é em média a quarta série do primeiro grau. Em muitos casos, como o professor é um indivíduo com mais conhecimento que os outros moradores, acumula ainda as funções de agente de saúde e líder comunitário. As aulas são ministradas em apenas um turno, geralmente o matutino, com uma única turma agrupando alunos de diversas séries. As turmas têm em média 18 alunos. Por ocasião do censo demográfico, 58% das crianças na faixa escolar não estavam freqüentando a escola, seja porque os pais consideravam o ensino oferecido insuficiente, ou necessitavam do trabalho dos filhos, ou a escola não estava funcionando na ocasião por falta de professor. A produção econômica da população de Mamirauá é tipicamente camponesa, caracterizada pela combinação de uma produção doméstica para consumo direto, principalmente os ítens básicos da alimentação, o peixe e a farinha, e uma produção para venda, composta por peixe, farinha, madeira e, em menor escala, carne de jacaré, que gera uma renda média anual para os domicílios em torno de U$900.00. Esta produção é vendida para regatões, comerciantes itinerantes que dominam o comércio principalmente nas comunidades que ficam mais distantes das cidades, ou diretamente para o mercado de Tefé e Alvarães. O calendário de atividades econômicas é definido pela variação do nível d'água. Na agricultura, o plantio de roçados é feito na vazante, e a colheita é feita um pouco antes da enchente. Em relação à produção extrativa de madeira, as árvores são derrubadas no verão (final da seca e início da enchente), as toras são reunidas durante o final da enchente, e o transporte das toras é feito no inverno (cheia), época em que é feita a comercialização da madeira. A pesca é realizada em maior intensidade no verão, quando as águas baixas tornam a atividade mais produtiva em razão da concentração maior dos peixes. Esta sazonalidade da produção se reflete na renda mensal. Como a pesca é a atividade mais lucrativa, o período de águas baixas, ou "verão", possibilita uma renda média mais alta do que na época da cheia, ou "inverno", uma época de recursos escassos. A síntese do quadro social e econômico da região demonstrou a imprescindibilidade da implementação de um projeto que modificasse a situação existente, neste sentido foi realizada a parceria dos moradores e usuários da área com as instituições que administram a Reserva, que inicialmente não havia sido estabelecida. Na proposta da criação de Estação Ecológica, Ayres (1989)123 lembra a ocorrência de uma enchente de 1982, que provocou uma grande migração dos residentes da região para o município de Tefé e outras áreas de terra firme, permanecendo um número reduzido de grupos, denominando-o como domésticos, considerando 80 no total. Apesar de constar em sua proposta de criação a existência de população humana no interior da área delimitada como UC de proteção integral, categoria que não admite presença humana no local, o poder público não levou em consideração este fator na efetividade da legislação e determinou a instituição da Estação Ecológica. Ayres (apud Mello, 2002) reconhece que a categoria escolhida não era adequada a área. Neste sentido afirma que: Havia uma população razoável ao redor da Reserva, disposta a proteger seus recursos naturais, até então secularmente explorados por intermediários e grandes pesqueiros. Poderia ajudar muito no meu trabalho de proteção da área. Desde 1983 o lago Mamirauá foi fechado pelo IBDF, a meu pedido, para que eu pudesse realizar a minha pesquisa. Convém dizer que os moradores não gostaram muito dessa intromissão. Quando voltei da Inglaterra, após o doutorado, os moradores vieram conversar comigo e pediram que se continuasse a proteger a área do lago, porque os recursos pesqueiros tinham aumentado bastante enquanto eu vivia lá, mas quando eu fui embora os pesqueiros tornaram a voltar. Naquele momento (já era 1986), eu percebi que havia uma mudança de atitude, para qual contribuía o movimento da Igreja, Pastoral da Terra, que então iniciava um trabalho de proteção aos lagos. Aquela população pobre, sempre acusada de ser a causa de problemas ambientais, poderia vir a ser, ao contrário, a solução do problema. Ayres pressupôs que deveria ser imediatamente encaminhada uma proposta que pudesse solucionar aquelas questões em virtude do quadro alarmante de degradação ambiental e para resguardar a singular espécie de primata ali existente. Naturalmente, aquele pesquisador priorizou a proteção da biodiversidade e a pesquisa científica. 123 AYRES, José Márcio. Estação Ecológica do lago Mamirauá: Proposta de implantação. Amazonas, 1989. Entretanto, aliar a participação das populações locais à proteção ambiental baseados em um novo paradigma de desenvolvimento sustentável era uma questão fundamental e urgente a ser realizada, consequentemente adveio a lei estadual transformando a EE em RDS. Historicamente, as populações daquela área se organizaram com o apoio da Igreja Católica pela proteção dos recursos ambientais do lago Mamirauá. A iniciativa da comunidade em evitar que pesqueiros adentrassem a área havia culminado em ações ambientais de proteção, por exemplo, os acordos de pesca. O governo do Amazonas (2002)124 no Relatório de Avaliação do Convênio n° 013/014/98 celebrado entre o IPAAM e a SCM reconhece a existência de ações anteriores a do Estado, ao relatar que: As ações de proteção dos recursos naturais existentes na área atualmente abrangida pela RDSM, antecedem a qualquer decisão ou ato institucional tomado pelo Estado. Os ribeirinhos organizados e liderados por movimentos conduzidos pela Igreja Católica, no início da década de 70, começaram os primeiros trabalhos voltados à conscientização ambiental e de preservação de lagos. O programa de proteção na área da RDSM, data de 1980, e é portanto anterior à criação da UC como Estação Ecológica, que ocorreu em 1990, e sua transformação em RDS que se deu somente em julho de 1996. Ayres (1989)125 confirma esta organização ao descrever a problemática ambiental da área idealizada para a Estação Ecológica, comenta de maneira breve a atuação das comunidades que conseguiam em pequena proporção manter os pesqueiros afastados dos seus lagos. Ao realizarem um histórico da ocupação humana na RDS Mamirauá LIMA & ALENCAR (2002, p. 145-149)126 revelam que: Com relação à organização social dos assentamentos, a partir dos anos 70, o trabalho do MEB e da Prelazia, de formar lideranças comunitárias e orientar os moradores na sua nova condição de independência e responsabilidade pelo seu próprio destino, 124 GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS. IPAAM. Relatório de Avaliação do Convênio n° 013/014/98IPAAM, Celebrado entre IPAAM e a Sociedade Civilo Mamirauá SCM. Manaus, maio de 2002. 125 AYRES, José Márcio. Estação Ecológica do lago Mamirauá: Proposta de implantação. Amazonas, 1989. 126 LIMA, Deborah Magalhães; e ALENCAR, Edna Ferreira. Histórico da ocupação humana e mobilidade geográfica de assentamentos na várzea do médio Solimões, 2004, p. 145-149. passa a ter grande repercussão. As vilas e sítios são, a partir dessa década, chamados de comunidades, termo que denota não só o assentamento, mas carrega principalmente o sentido de responsabilidade comunal pelas decisões políticas que afetam a vida de seus moradores. Essa reogarnização ao social dos assentamentos se consolidou na década de 80. A partir desta data, a estrutura de lideranças criadas pelo MEB passa a ser reconhecida como autêntica (não vinculada estritamente à Igreja Católica) e é adotada tanto por instituições governamentais (como prefeituras e Emater) quanto por outras não governamentais (como congregações protestantes). A afirmativa acima indica que um dos fatores que proporcionam uma UC bem sucedida é o nível de conscientização e participação dos comunitários na proteção do meio ambiente. Nas informações retiradas no Plano de Manejo (2005)127 percebe-se que a participação da comunidade na RDS Mamirauá resultou em um modelo de participação comunitária eleito pelos próprios moradores, a partir de uma série de consultas feitas em campo no qual foi decidido que cada assentamento teria dois representantes no projeto, e grupos de assentamentos vizinhos estariam organizados em setores. Atualmente, os assentamentos estão organizados em nove setores que se reúnem bimestralmente, e cada setor tem um coordenador. As Assembléias Gerais são organizadas anualmente e constituem o fórum deliberativo mais abrangente, nos quais decisões de manejo são discutidas e votadas. Até 1996 foram realizadas 4 assembléias gerais, com duração de 3 dias e uma audiência média de 60 participantes. Participaram das assembléias, além dos representantes de moradores e usuários, instituições locais governamentais e não governamentais. Os principais resultados destas assembléias foram: (I) o fechamento dos lagos da reserva para a pesca profissional destinada aos mercados mais distantes, Manaus e Manacapuru principalmente; (II) a definição dos lagos de preservação, manutenção e comercialização de cada comunidade, com a fiscalização dos lagos de preservação a cargo de seus respectivos moradores com apoio do IBAMA para atuar em casos de invasões; (III) a alocação de lagos destinados às sedes de município para pesca comercial; e (IV) a proibição de extração de madeira nas restingas ao redor dos lagos de preservação. Além de promover esta participação política formal, trabalhos 127 Disponível em <http://www.mamiraua.org.br> acessado em 25 de janeiro de 2005. de educação ambiental e extensão em saúde foram realizados nas comunidades e em muito contribuíram para a aceitação da proposta de implantação da reserva na região. QUEIROZ (2005)128 assevera que a diferença principal entre as RDS e outras UCs de uso direto é a aplicação da pesquisa científica aos princípios de envolvimento da população local e de gestão participativa da própria UC. A gestão participativa é administração da RDS com a participação dos moradores e usuários da UC. Ressalta ainda, que: O modelo ou abordagem de conservação preconizada na experiência de Mamirauá considera que o uso sustentado do ambiente atua tanto como promotor da efetiva proteção e conservação da biodiversidade local, como também da mitigação de sérios problemas sociais que enfrentam aquelas comunidades que habitam a área desde muito. A permanência das populações humanas locais no interior da unidade nunca foi colocada em dúvida, e ao contrário de ser entendida como uma fonte de problemas, conforme os paradigmas de conservação vigentes ainda em meados da década dos 80 do século passado, era e é entendida como parte fundamental da solução para o problema maior. Importante frisar a participação dos moradores e usuários da Reserva como um elemento valioso na viabilização de um modelo adequado as necessidades do ribeirinho e a realidade daquela área, que ainda aliou a pesquisa científica para basear a manutenção da biodiversidade local. No Plano de Manejo da RDS Mamirauá (2005)129 é ressaltado que: Além dos valores da biodiversidade, dos recursos hídricos, dos valores cênicos, os moradores da reserva compreendem que cada invasão à área representa uma perda na renda anual (e a diminuição das possibilidades de reversão real da renda gerada) ou um aumento no esforço para manutenção da mesma. São estes os princípios que norteiam a participação das comunidades no processo de preservação e uso sustentado da área. Valores ecológicos e econômicos (diretos ou indiretos) são os aspectos mais relevantes que justificam todo o trabalho de conservação das várzeas do Mamirauá. Sua conjugação com outros aspectos citados podem listar um enorme rol de recursos importantes para o desenvolvimento e bem estar regionais. É nossa obrigação para com as gerações futuras dar-lhes o direito de usufruir desses recursos. A única forma de fazê-lo é garantir, hoje, sua perpetuação através do uso racional e sustentável desta unidade de conservação. 128 QUEIROZ, Helder Lima de. A pesquisa científica em Mamirauá: instrumento de consolidação do manejo participativo e da conservação da biodiversidade. Disponível em <http://mamiraua.org.com.br> acesso em 20 de dezembro de 2005. 129 Disponível em <http://mamiraua.org.br > acessado em 25 de janeiro de 2005. Verifica-se que a proteção ambiental é aliada a diversos fatores que impulsionam os moradores e usuários a serem participantes na implementação de um modelo sustentável para a área de Mamirauá. Posteriormente, com a descrição da RDS do Piranha poderemos estabelecer uma relação entre as duas Reservas e analisarmos com mais profundidade essa questão. 4.2.5 Regularização Fundiária A RDS Mamirauá abrange a área de várzea, que segundo SURGIK (2005)130 não tem um conceito jurídico claro, podendo ser utilizada os conceitos científicos existentes na literatura, para não criar um conceito legal que possa engessar a possibilidade do uso. A dominialidade da várzea no Plano de Manejo (2005)131 é descrita como bem público da União, caracterizada como terras de marinha , definidas pelo Decreto-Lei nº. 9.760/96, em seu artigo 2°: Os terrenos de marinha são, e m uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da Linha da Preamar Média de 1831: a)os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas até onde se façam sentir a influência das marés; b)os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros, pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. 130 SURGIK, Ana Carolina Santos. Estudo jurídico para a várzea Amazônica. p.15-31. In: BENATTI, José Heder (org.). A questão fundiária e o manejo dos recursos naturais da várzea: análise para a elaboração de novos modelos jurídicos, 2005. 131 Cf. Plano de Manejo da RDS Mamirauá. Disponível <http://mamiraua.org.br > acessado em 25 de janeiro de 2005. Por ser bem público federal, a competência para fazer o levantamento da ocupação da área é do Serviço do Patrimônio da União - SPU para possa ser realizada a regularização fundiária, que Benatti (2005)132 afirma destinar-se a concretizar o domínio e a posse do estado (quando se tratar de unidade de conservação, terreno de marinha e terreno de várzea) sob as terras inseridas nos limites da área a ser regulamentada.E por seqüência deverá ser feita a cessão da área, por meio do contrato de concessão de direito real de uso aos moradores da Reserva. Entretanto, até o presente momento os moradores da RDS Mamirauá não possuem contrato de concessão de direito real. 4.2.6 Atividades realizadas na RSDM Em 1990 na RDS Mamirauá foi iniciada a elaboração do Projeto Mamirauá, que somente foi concluído em 1992. Neste lapso temporal entre a elaboração a implementação do projeto, foi obtido um fundo integrado por organismos internacionais para financiar algumas atividades de pesquisas para levantar a situação e ameaças a conservação ambiental naquela área. O Projeto Mamirauá (2001)133 tem as suas atividades centralizadas numa área focal, de cerca de 260.000 ha. Nesta área os trabalhos de pesquisas científicas iniciais constaram de levantamentos dos principais grupos de fauna e flora e de cartografia e análise de imagens de satélite. Simultaneamente, um censo demográfico e sócio-econômico foi realizado com as comunidades usuárias da RDSM (moradoras ou não). Uma vez identificados os principais recursos naturais utilizados pelas populações humanas no local, estas espécies foram alvo de 132 BENATTI, José Heder. A questão fundiária e o manejo dos recursos naturais da várzea: análise para a elaboração de novos modelos jurídicos. Manaus: IBAMA/ProVárzea, 2005. 133 Projeto Mamirauá. Site http://www.pop-tefé.rnp.br/projeto/projeto.htm acessado em 03 de setembro de 2001. pesquisa biológica específica e mais aprofundada para subsidiar a continuidade do uso sustentado destes recursos. Assim, espécies de peixes, mamíferos, répteis e árvores madeireiras foram os principais itens estudados. Estudos das condições de saúde da população e outros estudos sociológicos foram desenvolvidos para permitir uma melhor compreensão das relações históricas e ecológicas destas comunidades tradicionais e seu meio ambiente. QUEIROZ (2005)134 descreve que nos primeiro anos do Projeto Mamirauá (1990-1995) foi realizada uma identificação estratégica científica e que as principais atividades de pesquisa deste período foram organizadas em banco de dados. No Plano de Manejo (2005) consta que as atividades principais do projeto Mamirauá foram distribuídas através de cinco grandes programas: Operações Centrais, concentrando as atividades administrativas e operacionais; Sistemas Terrestres, realizando pesquisas sobre jacarés, caça, extração de madeira, levantamentos florestais e de fauna terrestre, e dispersão de sementes; Sistemas Aquáticos, realizando estudos sobre limnologia, mercado de peixes, biologia de peixes comerciais e ornamentais, e mamíferos aquáticos; Sócio-Economia e Participação Comunitária, desenvolvendo extensão em saúde e educação ambiental, sócio-economia e participação comunitária; e o Banco de Dados, organizando os dados obtidos com as pesquisas realizadas e gerenciando u sistema de mapeamento geográfico para a reserva. Os resultados destas pesquisas foram utilizados na elaboração do Plano de Manejo sustentável, que será tratado em um item específico. Os programas acima transcritos prosseguiram e outros foram introduzidos no decorrer do Projeto Mamirauá, continuando a relação entre pesquisa científica e a participação comunitária. Entre os programas atuais de Mamirauá (2005)135 está inserido o de qualidade de vida, do IDSM, que visa assegurar melhores formas de adaptabilidade136 humana aos ecossistemas das RDS Mamirauá e da RDS Amanã (RDSA) contribuindo para o desenvolvimento do 134 QUEIROZ, Helder Lima de. A pesquisa científica em Mamirauá: instrumento de consolidação do manejo participativo e da conservação da biodiversidade. Disponível em <http://mamiraua.org.com.br> acessado em 20 de dezembro de 2005. 135 Disponível em <http://www.mamirauá.org. com> acesso em 03 de março de 2005. 136 No sentido de reestruturação de atividades e modo de vida, tendo em vista a introdução de mudanças a partir do modelo da RDS Mamirauá. pensamento crítico e reflexivo sobre o uso sustentado dos recursos naturais e para o fortalecimento de ações vinculadas às políticas públicas de desenvolvimento sustentável. Alternativas econômicas é outro programa que vem sido desenvolvido em Mamirauá, com o objetivo de compensa as restrições de acesso e uso dos recursos naturais pelas populações locais no Plano de Manejo, contribui para a consolidação de políticas de conservação com manejo participativo137. O programa inclui formação para uso de novas práticas de produção e comercialização dos produtos, gerenciamento contábil e acesso a financiamentos, por meio do micro-crédito. Alem destes, ainda são realizados programaspilotos relativos a sistemas sustentáveis dos recursos pesqueiros, agricultura de várzea, artesanato, manejo florestal comunitário, ecoturismo e micro-crédito138. Por fim, é desenvolvido um programa de educação ambiental em parceria com a Esso Brasileira de Petróleo, com a finalidade de promover ações de conscientização ambiental destinadas às crianças e jovens das comunidades da Reserva e das sedes dos municípios de Tefé, Alvarães e Uarini. Os resultados dos programas evidenciam o sucesso da RDS Mamirauá. Nesse sentido, pode-se destacar o programa de pesca, que propiciaram o aumento da população de pirarucu, nos lagos, e consequentemente dos pescadores, da produção e do número de espécies explotadas. No programa de agricultura houve uma elevação do nível de produção dos agricultores familiares da Reserva Mamirauá; introdução de novas culturas, com a redução de áreas derrubadas para plantio e melhoria do nível de organização dos agricultores. O programa de artesanato beneficia mais de 30 famílias com a comercialização desses produtos. Quanto ao programa de manejo florestal, foi detectado que houve uma diminuição da 137 Manejo participativo em Mamirauá está fundamentado na aliança entre a participação das populações locais e a pesquisa científica, culminando na realização de normas e uso de manejo político e socialmente, gerandor do plano de manejo (QUEIROZ, H. L. Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000200011> acesso em 20 de dezembro de 2005. 138 Cf. mais detalhes no site<http://www.mamiraua.org.br> acesso em 25 de janeiro de 2005. exploração ilegal, como também uma melhora no monitoramento devido à atuação dos agentes ambientais voluntários139 e a conquista foi o aumento do interesse das comunidades pelo manejo florestal comunitário. O Ecoturismo na RDS Mamirauá tem entre os seus resultados, os prêmios de O melhor destino de ecoturismo do mundo , da revista americana Conde Nast Traveler e o prêmio Sustainable Tourism Awards (categoria de Conservação) pela Smithsonian & Traveler Foudation. Em janeiro de 2003, a Pousada Flutuante Uacari foi recomendada no suplemento de turismo do New York Times140. E o programa de microcrédito, que consiste em propiciar aos pequenos proprietários rurais da RDS Mamirauá e RDS Amanã, um financiamento ajustado as suas necessidades e condições, também tem apresentado bons resultados e está em expansão, buscando parceiros nacionais e internacionais para a ampliação de financiamentos141. 4.2.7 Gestão da RDS Mamirauá A Sociedade Civil Mamirauá, criada em 1992, é uma organização não governamental (ONG) sem fins lucrativos, que administra o Projeto Mamirauá, sendo responsável por todas as atividades da RDS Mamirauá, por meio de um convênio com o IPAAM142. Em 1999, por meio de Decreto Federal, foi instituída a organização social ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá 139 Agentes ambientais voluntários (AAV) foi normatizado pela Instrução Normativa do IBAMA, nº 66, de 12 de maio de 2005, onde foi criado no âmbito daquela autarquia federal o Programa Agente Ambientais Voluntários, com a finalidade de propiciar a toda pessoa física ou jurídica que preencha os requisitos necessários para participação de forma voluntária, auxiliando o IBAMA em atividade de educação ambiental, proteção, preservação e conservação dos recursos naturais em Unidades de Conservação Fedral e áreas protegidas, conforme o art. 1º. E o AAV é a pessoa física, que poderá se habilitar ao ingreso no Programa AAV, se tiver a maioridade, possuir documento público de identificação, ser vinculada a uma entidade civil ambientalista ou afim; ser capacitado e credenciado pelo IBAMA, ter idoneidade moral e ser alfabetizado (art. 12, I.N. n 66. IBAMA). 140 Cf. Mamirauá: A maior área de várzea protegida do planeta. Revista Amazonas Hoje, 2004. 141 Cf. mais detalhes no site<http://www.mamiraua.org.br> acesso em 25 de janeiro de 2005. 142 O termo de convênio nº. 13/98 de cooperação técnico foi celebrado em 30 de novembro de 1998. (IDSM), com a finalidade de continuar a implementação do Projeto Mamirauá. O IDSM por meio de um convênio com o IPAAM tem a responsabilidade de gerenciar duas UCs, a RDS Mamirauá e a RDS Amanã. A missão da instituição é o desenvolvimento de modelo de área protegida para grandes áreas de florestas tropicais onde, através do manejo participativo, possa ser mantida a biodiversidade, os processos ecológicos e evolutivos143. Está previsto no decreto regulamentador da Lei nº. 9.985/00 que entidade gestora da RDS Mamirauá deverá encaminhar relatório trimestral circunstanciado ao Presidente do IPAAM onde constará todas as atividades desenvolvidas na UC. Precisa ser ressaltado que a captação de recursos financeiros é uma tarefa fundamental a ser desenvolvida pelo órgão gestor da Reserva, que deverá encetar esforços em obter parcerias para financiar pesquisas e atividades dentro da UC. A Sociedade Civil Mamirauá vem cumprido bem essa função, instituindo parcerias, cooperação, convênios etc. Neste sentido, Vieira (1999)144 confirma a o fato analisar a cooperação internacional na Amazônia: Mamirauá tem sido objeto de cooperações, convênios, acordos ou simples declarações e assinaturas de termos de responsabilidade. O maior investidor individual foi o DEFID (sic) , no valor de US$ 10 milhões hoje. A UE tem financiado pouca coisa de 80 a 120 mil dólares/ano, o WWF contribuiu muito no início, mas com a entrada em cena do DEFID (sic) resolveu-se centrar todas as contribuições britânicas em um só agente. Também existe financiamento brasileiro o CNPq financia infraestrutura e hospedagem de pesquisadores a EMBRAPA desenvolve um projeto conjunto de pesquisa agropecuária. A cooperação informal é muito importante os contatos são feitos diretamente pelos pesquisadores interessados, freqüentemente inexistindo contrato ou convênios formais.A instituição de origem, ou o próprio pesquisador, arca com despesas de viagem, e Mamirauá com as de hospedagem mas há exigência: o projeto apresentado pelo pesquisador tem que atender ao que está previsto no Plano de Manejo. 143 Cf. < http://www.mamiraua.org.br> acessado em 25 de janeiro de 2005. VIEIRA, Susana Camargo. Cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira: o papel do Direito. São Paulo: USP, 1999. 144 Nota-se que devido a uma boa articulação política a RDS Mamirauá recebeu bastante financiamento em prol da sustentabilidade da UC. Fischer (2005)145 confirmou que parte desta cooperação era resultado das articulações realizadas pelo pesquisador José Márcio Ayres. 4.2.8 Plano de Manejo da RDS Mamirauá Os requisitos, diretrizes, procedimentos do Plano de Manejo e a sua forma de aprovação foram previstas na Lei Estadual nº. 2.411/96, que transformou a categoria de Mamirauá para a de uso sustentável. O citado diploma legal dispõe que o governo do Estado aprovará, mediante Decreto, o Plano de Manejo a ser observado na Reserva, o qual deverá conter no mínimo o zoneamento ecológico-econômico, com indicações das áreas selecionadas e usos recomendados, bem como as restrições quanto à utilização, os objetivos, o horizonte de vigência, e mecanismos de controle e avaliação. Inclusive a Lei Estadual nº. 2.411/96 já estabelecia a obrigatoriedade da participação dos assentamentos humanos de Mamirauá na elaboração do Plano de Manejo. Os itens que deveriam orientar a elaboração do Plano eram os seguintes. A definição das áreas geográficas prioritárias para atuação, no âmbito do Plano. O estabelecimento de áreas de proteção integral de recursos. A criação nas áreas adjacentes de zonas-tampão, as quais integrarão o conjunto de medidas necessárias à proteção ambiental da Reserva. A definição de zonas nas quais, a residência e ocupação pelas populações humanas serão mantidas, principalmente aquelas que já dependem tradicionalmente, para sobrevivência da utilização de recursos ambientais da Reserva; 145 FISCHER, Christina. Diretora do Departamento de Gestão Territorial do IPAAM. Informação Pessoal. 2005. A política de ocupação de áreas por habitantes que porventura venham a migrar para a região a qual deverá ser realizada nas áreas adjacentes à reserva, mesmo que dependentes do uso de seus recursos, a fim de se evitar o adensamento populacional no interior da área. A política ambiental de caráter geral, inclusive as restrições de uso dos recursos ambientais; A definição da política de ocupação e uso das áreas das várzeas, providência que inicialmente deverá compreender a autorização de assentamentos preferencialmente nos solos inundáveis mais altos e menos sujeitos à elevação das águas; e Os mecanismos de integração com os Municípios de Fonte Boa, Japurá, Maraã, Uarini e Juruá, em cujos limites encontram-se a reserva, bem como os Municípios de Tefé e Alvarães, para a implementação dos objetivos da UC. O Plano de Manejo da RDS Mamirauá foi aprovado pelo Decreto nº. 19.272, de 08 de setembro de 1998146, sendo que este instrumento e a fiscalização são executados na área focal da RDS, que corresponde a 23,13% da área total147. O referido Decreto designa que a gestão da RDS Mamirauá quando for realizada sob a responsabilidade de outras instituições com respaldo no artigo 2.º, parágrafo único, da Lei nº. 2.411/96, que o licenciamento ambiental de atividades de potencial impacto em seu interior dependerá, obrigatoriamente, da oitiva da entidade gestora, que deverá se pronunciar no prazo máximo de 30 dias. Se não houver manifestação neste prazo, o processo de licenciamento seguirá normalmente. O Plano de Manejo da RDS Mamirauá é o resultado dos primeiros anos de pesquisa integrado a participação dos comunitários da área. Neste instrumento jurídico consta basicamente, um breve histórico da Reserva, os aspectos ambientais, caracterização sócioeconômica, sistema de zoneamento, os estudos que embasaram as pesquisas, as normas e recomendações para o uso sustentado dos recursos naturais, fiscalização e vigilância; e 146 Consta na página eletrônica da RDS Mamirauá que o primeiro Plano de Manejo para esta Reserva foi publicado em 1996 pela Sociedade Civil Mamirauá. Cf. site http://www.mamiraua.org.br acessado em 25 de janeiro de 2005. 147 AMAZONAS, Governo do Estado. In: VIANA, Virgílio (Orgs.). Áreas protegidas do Estado do Amazonas: subsídios para a estratégia estadual de conservação da biodiversidade, 2003. atividades para a segunda fase de implementação do projeto Mamirauá em relação a extensão, pesquisa e monitoramento. 4.3 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PIRANHA DO MUNICÍPIO DE MANACAPURU AMAZONAS 4.3.1 Caracterização da Reserva do Piranha A prefeitura municipal de Manacapuru148 criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha (RDSP) por meio da Lei nº. 009, de 04 de julho de 1997. A RDSP conforme documento interno da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Meio Ambiente e Turismo - SEDEMAT (S.D.)149 possui uma área de 103.000ha., localiza-se à margem esquerda do Rio Solimões próximo a foz do Rio Manacapuru, onde existe um complexo de lagos denominado Lago do Piranha, inserido no Corredor da Amazônia Central, no Município de Manacapuru. Seu acesso é feito por barco e ou hidroavião. Está distante a 110 km de Manaus e a 25 km da Cidade de Manacapuru, 3:00 horas de barco, 1:00 de voadeira e 15 minutos de hidroavião. O governo municipal de Manacapuru fez a proposta da criação da RDSP, após estudos realizados por consultores da Ambiental Consultoria & Assessoria e técnicos do IBAMA, considerando a área valiosa para conservação e preservação dos recursos ambientais. Importante observar que segundo MESQUITA & SOARES (S. D.).150 ao descreverem a região do lago do Piranha e o entorno, afirmam que um tipo especial de várzea 148 Segundo dados do governo do Amazonas, Manacapuru é um município do Amazonas, situado na mesorregião do entorno de Manaus, dista da Capital do Estado 68 km em linha reta, e 102 km por via fluvial, tem uma população de 73.695 habitantes, com 47.662 na zona urbana e 26.033 na zona rural, possui uma área territorial de 7.367,90 Km² e limita-se com os municípios de Manaquiri, Iranduba, Beruri, Anamã, Novo Airão e Caapiranga. Conferir site http://www.segov.am.gov.br/programas acessado em 25 de janeiro de 2005. 149 SEDEMAT. Relatório sócio-econômico da RDS-Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. 150 MESQUITA, Antônio de Lima; SOARES, João Bosco; FRANCISCO, Ângelo Lima; e LIMA, José Ricardo de Araújo. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Cópia reprográfica. é o ecossistema fluviolacustre, que se forma na planície da inundação (quando permanece inundado boa parte do tempo) e sedimentação do rio Solimões (rio Amazonas). No relatório sócio-econômico da SEDEMAT (S.D.) consta que a área geográfica da RDS do Piranha estava dividida em três núcleos comunitários e dispõe da seguinte infra-estrutura: 02 Escolas de 1º a 4º série do Ensino Fundamental; 02 Posto de Saúde; 01 Sede Social; 02 Templos da Igreja Assembléia de Deus; 01 Centro Administrativo com alojamentos, salão para reuniões, sala de ambulatório e consultório médico, sala de aula, cozinha industrial e toda uma estrutura de banheiros e iluminação própria.; 02 grupos geradores de 5 kVA que alimenta as escolas, a Sede social, os postos de saúde, uma Igreja e algumas casas de moradores circunvizinhos ao núcleo de duas comunidades. Existe uma pequena rede elétrica (cerca de 300 metros) interligando estas instalações. Na visita técnica realizada em 08 de março de 2005 na Reserva, foi averiguado que os residentes da Reserva se dividem em três comunidades: Comunidade Fazenda Braga, Comunidade Assembléia de Deus Betel e Comunidade Boa União. Para atender a demanda educacional da Reserva existe apenas uma escola de 1º a 4º série do Ensino Fundamental, em estado crítico151, precisando reformas urgentes, principalmente no telhado. E não foi identificada nenhuma infra-estrutura de posto de saúde naquela área. Somente foi obtida a informação que um agente comunitário de saúde, que é residente da UC, visita as demais comunidades ocasionalmente152. O Centro Administrativo estava desativado e as suas instalações abandonadas e em condições precárias153. De acordo com o levantamento da SEDEMAT (S.D.) a Reserva tem 72 prédios, sendo que 66 são considerados ocupados, abrigando 76 famílias. O défice (sic) habitacional é de 13,5%, em sua maioria constituem-se de famílias recém-formadas e ou famílias que optam por morar com os pais. As construções (casas e flutuantes) que formam as comunidades são em números de 72, sendo que 14 delas foram construídas na parte da terra, as demais são flutuantes. Essas construções estão próximas uma das outras, dispostas em alinhamento de 151 Vide foto nos anexos. COSTA, Almir de Souza. Morador da RDS do Piranha. Informação Pessoal. 153 Vide foto nos anexos. 152 frente para o rio. As construções são de madeira com teto de alumínio e ou palha, geralmente obedecem ao mesmo padrão arquitetônico, com exceção do Centro Administrativo e o hotel, que possuem estruturas e paredes metálicas. 4.3.2 Criação da RDSP Segundo documento interno da SEDEMAT (s.d.) 154 que realiza um resgate histórico da Reserva, aquela área sempre foi de grande importância e produtividade, quer no aspecto pesqueiro ou na cultura de fibras como a juta e a malva. O cultivo de fibras marcou as décadas de 60, 70 e meados de 80. O declínio econômico da juta criou vários problemas para os seus agricultores, como a fome e a miséria, fazendo com que realizassem o ofício da pesca para sobreviver, originando o pescador de caixinha, figura típica naquela região. O pescador de caixinha é aquele que não tem registro na colônia de pescadores, pesca um volume pequeno de pescado e não o seleciona, conserva em uma caixinha de isopor155. Na área da Reserva, a riqueza da biodiversida é percebida pela abundância de peixes e aves, que atraia pescadores e caçadores que exploravam irresponsavelmente a fauna local, comprometendo as potencialidades naturais daquela área. Pode-se ilustrar esta situação baseando-se no documento da SEDEMAT (S.D)156, com o exemplo apresentado pelos moradores mais antigos, relatando que no período da desova dos bodós157 eram retirados mais de 3 milhões de indivíduos desta espécie, incluindo os barcos pesqueiros que entravam na área. 154 SEDEMAT. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. SEDEMAT. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. 156 Ibid. 157 Liposarcus pardalis 155 Por fim, o documento interno da SEDEMAT (s.d.)158 expõe que devido ao quadro econômico ocasionado pelas fibras, aliada a falta de consumo sustentável, a pesca em caixinha se tornou a alternativa econômica e teve um aumento considerável, principalmente na área do Piranha, que era de fácil acesso e próximo a Manacapuru. Em conseqüência, os moradores daquela área, receosos do esgotamento dos recursos ambientais, estabeleceram parcerias com a finalidade de proteção da natureza, iniciando o movimento pró-reserva, que culminou na criação da associação dos moradores como administradora da área. O governo municipal na busca de obter recursos apoiou a idéia, que foi transformada na Lei Municipal nº. 009, de 04 de julho de 1997, criando a primeira RDS Municipal. 4.3.3 Objetivos da RDS do Piranha A RDS do Piranha tem como objetivos: a promoção do desenvolvimento sustentável das populações que habitam a área da Reserva, com prioridade para o combate a pobreza e a melhoria das suas condições de vida; proteção dos recursos ambientais e sócio-culturais existentes na área, assegurando a manutenção do equilíbrio ecológico; realização de pesquisas relativas a ao desenvolvimento sustentável e a biodiversidade existente na área, para melhor aproveitamento dos resultados em benefício das comunidades locais e regimentais; promoção das condições necessárias para atividades de ecoturismo no interior da RDSP, respeitadas as restrições impostas pelas legislações pertinentes; e estabelecimento de mecanismos que facilitem, às próprias comunidades, o exercício de atividades de ecoturismo, fiscalização e 158 Ibid. proteção dos recursos da flora, fauna, hídricos, do solo e subsolo, inclusive a extração, produção, transporte, consumo e comercialização dos produtos e subprodutos da RDSP159. 4.3.4 População Tradicional da RDSP O documento interno da SEDEMAT (s.d)160 realiza um diagnóstico sócio-econômico da RDSP revela que os moradores da área, assim como de outras regiões da Amazônia, quase sempre estabelecem-se às margens dos rios e de seus tributários. A proximidade da água e dos recursos da floresta possibilita as condições necessárias para sua subsistência. A forma como os moradores da Reserva se relacionam com a natureza imprime singularidades a seu modo de vida, o uso dos recursos naturais disponíveis no Piranha pela população tradicional está vinculada à necessidade de subsistência do grupo doméstico. Ela se efetiva a partir do conhecimento do sistema ambiental, da sazonalidade, do preço de mercado, da disponibilidade dos recursos, da mão-de-obra, e se caracteriza como atividade extrativista. Os produtos mais utilizados para o consumo direto provêm do extrativismo vegetal e animal, pela atividade agrícola e pela criação doméstica. São as diferentes práticas e usos dos recursos naturais, de acordo com os ciclos da natureza, utilizando os ecossistemas de várzea, que evidenciam a existência de um conjunto de conhecimentos tradicionais que embasa a subsistência dos moradores dos paranás e lagos da área da Reserva. De acordo com as condições de acesso e de deslocamento, os grupos sociais locais se especializam em algum produto, gerando assim, pescadores, juticultores, apicultores, agricultores e outros, que aplicam técnicas de manejo nem sempre apropriadas 159 BRASIL. Lei nº. 009, de 04 de julho de 1997. Instituto Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Turismo, o Fundo Municipal para o Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Turismo, o Sistema Municipal de Unidades de Conservação e dá outras providências. 160 SEDEMAT. Relatório sócio-econômico da RDS-Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. as características dos produtos, dos períodos sazonais e do ambiente no qual são encontrados e podem ser extraídos. A população da RDS, é constituída de 341 habitantes, agrupados em 76 grupos familiares, os quais habitam em 66 domicílios, ou seja, 10 famílias residem com os pais e/ou outros parentes. O grupo etário apresenta a seguinte formação: 5,3% formado por crianças com idade inferior a um (<1) ano de idade, 18,5%formada por crianças com idade entre um e cinco ( 1 5) anos, 29,6% formado por crianças e adolescente na faixa etária de cinco e 15 anos, 35,2% de jovens e adultos na faixa de quinze e quarenta e cinco ( 15 45), os quais representam a principal força de trabalho produtivo da reserva, 10,2% da população constitui grupo da melhor idade, estão entre quarenta e cinco e sessenta e cinco ( 45 65) anos, são responsáveis pelas decisões e resolução das questões mais complexas na comunidade e 1,2% apresentam idade superior a sessenta e cinco ( 65) anos (SEDEMAT, s.d). Mesquita & Soares (s.d.)161 baseados no levantamento sócio-econômico da RDSP realizado em abril de 1997, pela Ambiental Amazônia Consultoria & Assessoria LTDA., afirmam que a quase totalidade dessa população vive em péssimas condições de moradia, saúde, higiene e educação . O quadro atual não é muito diferente do que aquele revelado por Mesquita & Soares, pelo que foi possível se observar na visita técnica, conforme as entrevistas realizadas com alguns moradores da área. Em outro documento interno da SEDEMAT (S.D.)162 há indicação de que vivem naquela área 64 famílias, sendo que 54 foram selecionadas pela Associação de Moradores dá área para receber ajuda financeira, no valor de 01 salário mínimo, enquanto não são 161 MESQUITA, Antônio de Lima; SOARES, João Bosco; FRANCISCO, Ângelo Lima; e LIMA, José Ricardo de Araújo. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Cópia reprográfica. 162 SEDEMAT. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. implementados os projetos de consumo sustentável, para isso exige em contrapartida, que seja realizado o monitoramento da área como agentes ambientais por esse moradores que recebem esta colaboração econômica. Esta ajuda financeira acaba descaracterizando juridicamente a figura do agente voluntário ambiental163, do qual no capítulo seguinte terá o seu papel e relevância destacado. Um aspecto negativo mencionado pelo documento referido anteriormente era que essa remuneração, não havia um controle da escala de fiscalização por parte da Associação de Moradores, ou seja, todos os selecionados recebiam independentemente de ter trabalhado ou não na fiscalização. Evidente que essa omissão no controle da fiscalização ocasionava insatisfação para aqueles que devidamente realizavam esta atividade. 4.3.5 Regularização Fundiária Em relação à situação fundiária, há a Lei Municipal nº. 017, de 17 de setembro de 1997, que autorizou o município de Manacapuru a receber por doação uma área de aproximadamente 103.550 (centro e três mil e quinhentos e cinqüenta) hectares, localizada na região do complexo fluviolacustre dos lagos Cabaleana e Padre (lago do Piranha), destinandose exclusivamente a criação da RDSP. Apesar desta Lei Municipal, não existe documento na SEDEMAT que possa indicar que realmente houve a doação do imóvel referido acima, ressalta-se a que a criação da RDSP foi anterior a esta lei. 163 Afinal, o agente ambiental voluntário não recebe remuneração em contrapartida do exercício das suas atividades. Outra questão é que na área da Reserva tem propriedades particulares, sendo que uma delas164 é usada esporadicamente para pecuária, atividade conflitante com os objetivos da RDSP. Contudo, a área não foi desapropriada como prevê a Lei Federal nº. 9.985/00. Ainda ao foi realizado o contrato de concessão de direito real de uso na RDSP. 4.3.6 Atividades e uso dos recursos ambientais na RDSP Os fatos descritos abaixo fazem parte do Relatório sócio-econômico (s.d.) elaborado sobre a RDS do Piranha em que síntese detectou que: O sistema comercial é permeado por relações de dependência moral e de compadrio que reforçam a dependência financeira. A falta de opções a quem vender e a distância dos mercados constituem outros componentes importantes do sistema. Existem produtos cuja prioridade é o consumo direto e imediato, como quelônios e peixes, enquanto outros, como fibra, farinha e o mel, são trocados por mercadorias. A exploração madeireira no interior da RDSP está localizada principalmente nas proximidades das margens dos paranás do Piranha, Piranhaúba e Pirapitinga, além dos lagos do Cendê, Flecha e Tauari, mas também ocorre de forma pequena e isolada em torno das comunidades. A madeira extraída pelos próprios moradores é utilizada na construção de residências, de canoas e de embarcações de pequeno porte. Ocorre ainda, por meio de intermediários do ramo, a comercialização para consumidores de Manacapuru, bem como a exploração de madeira por pessoas não residentes na área da unidade. Em alguns casos, está presente o sistema de aviamento; em outros, a madeira é vendida a preços aviltantes. Atualmente, talvez pela baixa densidade das espécie comerciais e o difícil acesso, o extrativismo vegetal não causa alterações importantes à cobertura vegetal: os métodos 164 Informação obtida por meio de entrevistas com os moradores da Reserva. utilizados para acessar os recursos caracterizam-se pela baixa taxa de visitação às áreas exploradas, uma vez que as picadas e estradas são temporárias e estreitas. A comercialização dos produtos dá-se quase exclusivamente por venda direta e a maioria dos comerciantes não é especializada em um só produto. Essa atitude pode estar relacionada à proibição da entrada de comerciantes madeireiros na Reserva, feita pela Prefeitura no ano 1997. Aparentemente, os moradores da RDS-Piranha seguem um padrão semelhante, selecionando algumas espécies de animais que ocorrem em abundância e escolhendo os locais de moradia em função da localização dos recursos. No caso da caça, isso significa procurar fixar residência onde há mais quelônios aquáticos, grandes roedores, primatas e aves. A caça é praticada nas áreas de floresta, nas margem dos paranás e nos lagos, não somente da propriedade mas em áreas adjacentes. A carne de caça é, depois do peixe, o alimento protéico mais importante para a população ribeirinha da Reserva. A maioria dos peixes utilizados como alimento pela população da Reserva é pescada artesanalmente com anzol ou zagaia, técnicas que capturam exemplares individuais e pouco ameaçam os estoques naturais enquanto objetivam o abastecimento de pequenas comunidades. O extrativismo de animais é um tipo de interação predador presa, que pode ser estimulado por dois fatores: pelo crescimento populacional das comunidades extrativistas (fator interno) ou pelo mercado. No nível em que ocorre, o extrativismo na Reserva desenvolvimento sustentável do Piranha, aparentemente não provocou extinções locais, nem produziu variações observáveis nas abundâncias. Os animais são capturados sobretudo para comer, com exceção dos peixes que em grande parte são vendidos e constituem importante fonte de renda para a população, que, no entanto, ainda vive em situações precárias de empobrecimento. O sistema de agricultura tradicionalmente praticado na RDS-Piranha, é o sistema de pousio, no qual, os moradores cultivam durante seis meses do ano, com base em seus costumes e tradições e têm uma maneira própria de cuidar das roças, normalmente herdada de seus pais. Na agricultura praticada os processos ainda são, também, bastante tradicionais corte/queima, com o objetivo de atender ao consumo das famílias. A preparação da área envolve várias etapas, dependendo da cobertura vegetal, tais como broca, derrubada, queimada e coivara. O plantio segue a forma tradicional e é feito pelos membros das famílias. As formas tradicionais de produção normalmente utilizam animais de pequeno porte, geralmente alimentados com restos de alimentos e de processamento de produtos. Estes dados devem fazer parte do Plano de Manejo da RDS do Piranha para subsidiar as ações que deverão ser implementadas naquela área, além das atividades de educação ambiental e alternativa sustentável que já foram inseridas na Reserva como veremos a seguir. Em meados de novembro de 2000, a SEDEMAT idealizou um projeto de educação ambiental, com o intuito de formar agentes ambientais para participarem junto aquele órgão do processo de conservação e proteção dos recursos naturais nas comunidades rurais do município de Manacapuru. Este projeto visava capacitar 60 agentes voluntários, dentre eles, 30 seriam provenientes da área de entrada a RDS Piranha165. Segundo documento interno da SEDEMAT (S.D.)166 o projeto foi concretizado naquele ano, com cerca de 80 agentes ambientais, dos quais 54 eram da RDS do Piranha e os demais das comunidades das áreas de amortecimento (Sacambú, Castanho, Laguinho, Campinas e Costa do Cabaleana). Ainda, a RDS Piranha tem um projeto de ecoturismo e alternativa sustentável aos residentes da UC, que é viabilizado através do hotel de selva, localizado no interior da UC. O hotel de selva foi construído com o patrocínio da Suframa com o objetivo de oferecer uma alternativa econômica as comunitários da RDS do Piranha, que seriam contratados para 165 Informações retiradas do referido projeto. SEDEMAT. Projeto de Educação Ambiental: Formação de agente ambiental para a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha (RDSP). Manacapuru, nov., 2000. 166 SEDEMAT. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Documento Interno. Cópia reprográfica. prestar serviços no ramo da hotelaria. Em agosto de 2001, a Prefeitura Municipal de Manacapuru e a Amazona Ecopark Hotéis e Turismo Ltda. celebraram o Termo de Permissão de Uso167, que prevê a permissão do uso do Hotel Flutuante do Piranha168 e de atividades de ecoturismo, consta no seu termo uma estação de tratamento de esgoto sanitário, implementada naquela área. 4.3.7 Gestão da RDS Piranha A RDSP será gerenciada conforme a Lei nº. 009/97 pelo poder executivo municipal, ou mediante convênio com instituições idôneas, com autorização legislativa. Em cumprimento a esta previsão legal, a gestão é realizada pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Meio Ambiente e Turismo SEDEMAT, que foi criada pela Lei Municipal n nº. 010, de 04 de julho de 1997, com a finalidade principal de atendimento das necessidades de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida no Município de Manacapuru, através do ordenamento sustentável de suas atividades produtivas, da proteção do meio ambiente, e da adoção de práticas pouco impactantes de geração de emprego e renda e uma das suas atribuições é a garantia da proteção dos ecossistemas, incluindo a fauna e a flora, e a viabilização da conservação das áreas representativas do município e também a criação do Sistema Municipal de Unidades de Conservação. No sentido de gerenciar a RDSP em conjunto com a prefeitura municipal de Manacapuru se originou a Associação de Moradores da Reserva de Desenvolvimento 167 Manacapuru. Prefeitura Municipal. Termo de Permissão de Uso. Cópia Reprográfica. Nome descrito no folder da Reserva de Desenvolvimento Sustentável elaborado pela Prefeitura Municipal de Manacapuru. 168 Sustentável do Piranha, que teve o seu estatuto social aprovado na assembléia geral em 25 de junho de 1998, no qual estão estabelecidos os seus objetivos, como o de administrar a UC169. A administração em conjunto seria um fator de relevante importância, devido a proximidade nas relações sociais entre usuários da Reserva e a presidência da Associação que poderia facilitar a comunicação entre estes e o poder público local. No capítulo IV apreciaremos este assunto. A Associação de Moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha e a SEDEMAT precisam ter instrumentos para que possam conduzir uma gestão que garanta a proteção dos recursos ambientais e a implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável para os usuários da Reserva, que poderia ser pelo Plano de Manejo. 4.3.8 Plano de Manejo da RDSP A Lei Municipal de Manacapuru nº. 009/97, em seu artigo 9° dispõe que a Prefeitura Municipal adotará, elaborado com a participação das comunidades da RDSP, Plano de Manejo para a Reserva, o qual deverá conter no mínimo o zoneamento ecológico-econômico, com indicações das áreas selecionadas e usos recomendados, bem como as restrições quanto a utilização, os objetivos, vigência e mecanismos de controle e avaliação. O diploma legal prevê ainda que o Plano de Manejo deve ser orientado para definir as áreas geográficas prioritárias para atuação, estabelecer as áreas de proteção integral e as zonas destinadas a moradia dos usuários da RDSP. Neste instrumento jurídico também deverá constar mecanismos de integração da Reserva com os municípios vizinhos, principalmente com o município de Manacapuru, para garantir a implementação dos objetivos da UC. 169 Associação de Moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Estatuto Social da Associação de Moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha. Lago do Piranha, jul.,1998. A migração de pessoas que venham estabelecer moradia na região deverá ser conduzida por meio de uma política de ocupação para que não ocorra o adensamento populacional no interior da Reserva, podendo ser utilizada as áreas adjacentes à UC, esta política deverá estar delineada no Plano de Manejo, sendo que este será aprovado por meio de ato do poder municipal. O Plano de Manejo da RDS do Piranha já foi realizado pela Ambiental Consultoria & Assessoria Ltda. e entregue a SEDEMAT, todavia, na época da visita técnica170 este importante instrumento ainda não havia sido encontrado entre os documentos da Secretaria171. Somente, foi fornecida uma cópia reprográfica da proposta técnica de Plano de Manejo feita pela Ambiental Consultoria & Assessoria Ltda. (anexo 01). Em virtude da falta de documentação sobre o processo de elaboração do Plano de Manejo na SEDEMAT, nos baseamos na proposta da realização do Plano de Manejo da Ambiental Consultoria e Assessoria Ltda., que apesar de não constar data, o texto indica que foi feito após o advento da Lei nº. 9.985/00. Na referida proposta o objetivo geral é a elaboração do Plano de Manejo da RDSP, dotando a UC de um Zoneamento e diretrizes de gestão. Nos objetivos específicos constam a realização de diagnóstico ambiental e sócio-econômico da Reserva, para ordenar o uso e prevê a criação de um Conselho Deliberativo. Indica como produtos esperados: Oficina de Planejamento e consolidação dos resultados; sinalização turística e ambiental da Reserva; elaboração do Plano de Manejo e de um CD-Rom com os dados decorrentes do referido documento. A metodologia consistiria em organizar o planejamento, coletar e analisar as informações básicas disponíveis, visitas de campo a RDS, gerar informações gerais a respeito da área, reunião técnica da equipe de planejamento, elaboração de proposta para zoneamento, 170 A visita técnica foi realizada nos dias 07 e 08 de março de 2005 no município de Manacapuru e na área da RDS do Piranha. 171 Na ocasião da visita técnica o sr. Daniel havia assumido recentemente a função de secretário municipal da SEDEMAT. Informou que alguns documentos, entre eles, o Plano de Manejo não estavam nos arquivos daquela Secretaria. realização de oficina de planejamento e consolidação dos subsídios da oficina de planejamento e apresentação da versão final do Plano de manejo. Ainda, há a previsão de uso de imagens de satélite que deverão ser fornecidas pela Prefeitura Municipal de Manacapuru, que serão interpretadas buscando obter os seguintes produtos: caracterização da cobertura vegetal, caracterização do uso e ocupação do solo, unidades geomorfológicas, rede de drenagem, relevo, rede viária e estabelecimento de unidades ambientais homogêneas (Ambiental Consultoria e Assessoria, s.d.)172. No texto referente à metodologia observa-se a falta de clareza em relação à inserção dos atores sociais173 como integrantes no processo de construção deste instrumento que irá conduzir as ações na UC e em seu entorno. Neste sentido, a RDS Piranha é inversa a da RDS Mamirauá pela instituição e pela participção Enfim, diante da caracterização realizada em relação à RDS Mamirauá e a RDS Piranha, podemos afirmar que as duas tiveram diferentes modos de criação, implementação e gerenciamento, apesar da RDS Piranha ter sido constituída sob a influencia do Modelo Mamirauá. Um fator que se mostra visível na caracterização, e que se mostrou determinante na distinção entre as RDS, foi o envolvimento da população local e a sua participação no planejamento, na elaboração de instrumentos de normartização e gerenciamento da UC. 172 Ambiental Consultoria e Assessoria Ltda. Proposta de Plano de Manejo pela Ambiental Assessoria. Cópia reprográfica. 173 Neste caso, os atores sociais são os usuários da Reserva, instituições governamentais ou não governamentais e demais interessados. CAPÍTULO 4 ANÁLISE DA APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO SOBRE RDS NO ESTADO DO AMAZONAS A sociedade deve viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade . MIGUEL REALE. Para situar a discussão que será feita a seguir, precisamos refletir preliminarmente as finalidades do presente estudo, que tem como meta principal analisar a legislação referente à Reserva de Desenvolvimento Sustentável, prevista na Lei nº. 9.985/00, no intuito de verificar a sua aplicabilidade e efetividade no Estado do Amazonas. Para tanto, caracterizamos e comparamos os dois modelos de RDS no Estado do Amazonas, para relacionar a legislação pertinente à realidade, bem como apontar os entraves da norma jurídica sobre RDS na sua concretização no Estado do Amazonas, e propor soluções e encaminhamentos aos problemas levantados na pesquisa. O Governo Federal e Estadual estão realizando programas com o objetivo de criação, implementação e gestão de UCs no Estado do Amazonas, como alternativa para compatibilizar a proteção dos recursos ambientais com a sua explotação sustentável, para a manutenção da subsistência e a melhoria da qualidade de vidas das populações locais. O Poder Público, através de UCs de uso sustentável, está propondo um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, visando conciliar os aspectos ambientais, sociais e econômicos. É preciso lembrar que as UCs trazem, em sua trajetória, discussões polêmicas em torno de conceitos jurídicos, da participação da população local, da regularização fundiária, das indenizações, da fiscalização, do monitoramento etc.; problemas que ainda não foram superados no âmbito doutrinário, judicial, ou seja, jurídico. Nesse rumo, nota-se que política ambiental em instituir, implementar e gerenciar UCs é um desafio, em especial, no caso do Estado do Amazonas, onde a distância e o difícil acesso a determinadas localidades, entre outros fatores, por vezes dificultam o desenvolvimento de ações do Poder Público. Essas são questões que fazem parte das peculiaridades do Estado do Amazonas, que poderão influenciar na concretização de determinadas normas jurídicas, como é o caso da Lei nº. 9.985/00, que dispõe sobre RDS. Com base nisso, tratar crítica e juridicamente deste tema, é trazer uma discussão necessária e urgente, sobretudo diante da proteção dos recursos naturais e da sustentabilidade das populações locais. Os recursos ambientais aparecem, hoje, como uma base para o desenvolvimento da região amazônica. Incorporada a isso há preocupações quanto à sustentabilidade econômica, ecológica e da qualidade de vida das populações locais. Tais questões não podem ser equacionadas, sem se pensar numa forma de gerenciar inteligentemente esses recursos. Diante desta situação, percebemos a importância do Direito, das normas jurídicas, em garantir e propiciar alternativas para conciliar a relação entre homem e natureza. Para isso, é imprescindível a análise da legislação, com intuito de verificar a sua aplicabilidade e efetividade. Neste sentido, realizaremos, no próximo item, a análise da RDS prevista na Lei nº. 9.985/00 para, no final do capítulo, conferir a sua efetividade no Estado do Amazonas. 4.1 ASPECTOS LEGAIS QUE INFLUENCIAM NA APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO SOBRE RDS Na análise das normas jurídicas sobre RDS estabelecidas na Lei n º. 9.985/00 pudemos verificar que alguns dispositivos legais precisam ser modificados ou complementados, para que se possa entender como e para quem devem ser corretamente aplicados, na busca da sua aplicabilidade e efetividade. Neste primeiro momento, vamos fazer um levantamento de alguns aspectos legais observados nos artigos sobre RDS da Lei n º. 9.985/00, para depois trazermos dados a partir da realidade local, e os seus entraves na concretização da referida legislação. Além disso, é preciso salientar novamente, a influência sobre a Lei n º. 9.985/00 causada pelos participantes do movimento conservacionista, que foi impregnada através de vocábulos conservacionista até mesmo nas categorias de UC de uso sustentável, por exemplo, a RDS que traz como um objetivo básico a preservação da natureza. Isto acaba trazendo implicações na aplicabilidade e efetividade da RDS. Um dos fatores que enseja a falta ou falha na aplicabilidade e efetividade da norma jurídica é a imprecisão terminológica. A falta de clareza de termos, elencados na norma jurídica, pode ensejar uma confusão ou conflito na sua aplicabilidade. Na literatura temos os termos espaço territorial especialmente protegido , e unidade de conservação , como exemplos de imprecisão terminológica, amplamente debatidos e ainda não resolvidos pela legislação atual. Especificamente nos dispositivos sobre RDS, podemos relacionar o termo populações tradicionais que, além de não ter uma precisão técnica, ainda não possui um conceito delineado na norma jurídica referida. Isto acarreta um problema na efetividade da norma jurídica sobre RDS, tendo em vista que não há uma definição dos integrantes do mencionado termo. Outro item da norma jurídica que poderá ser indicado, é a melhoria da qualidade de vida das populações locais, um dos objetivos da RDS. A qualidade de vida não tem um conceito jurídico, esta lacuna legal não é tão grave, o problema é como será verificada esta melhoria de qualidade de vida, quais seriam os parâmetros, a fim de aferir a sua concretização. O conceito de qualidade de vida deve ser relativisado, sendo que seu conteúdo deverá ser ajustado ao tipo de sociedade e da sua relação com o meio ambiente, coaduanando os aspectos do direito econômico e do direito ambiental, conforme assinala Derani (2001, 81)174. Ainda, na parte dos objetivos da RDS, temos o aperfeiçoamento do conhecimento e técnicas de manejo, envolvendo a questão da escala e a capacidade de suporte, que acarreta na intensidade e maneira que serão explotados os recursos ambientais, para não ocorrer escassez, ou prejuízos ambientais as presentes e as futuras gerações. Outra questão pertinente à RDS é trazida pela Lei n º. 9.985/00, ao dispor sobre a criação de UC, estabelecendo como critério a realização de estudos técnicos anteriores ao ato de instituição da Reserva. Entende-se que o levantamento fundiário deve ser parte dos estudos técnicos, precedentes à criação da UC. O levantamento fundiário tem como finalidade mapear a situação fundiária de uma área. Ao fornecer esses dados, o levantamento fundiário poderá ser uma referência, no sentido de indicar quais são os tipos de categorias adequadas para determinada área. O problema é a falta do levantamento fundiário, além das dificuldades em realizá-lo, devido à ausência de dados e à existência de grilagem das terras no Estado do Amazonas. A inobservância deste critério poderá levar a outros, por exemplo, a falta de legalidade de criação de uma UC, realizada por uma esfera de Poder Público em áreas tituladas por outra esfera, conforme exemplo destacado no capítulo II. Além disso, poderá repercutir ainda na falta de regularização fundiária, pelo desconhecimento da situação da área, conseqüência que afetará a desapropriação de áreas particulares, e a previsão de gastos no orçamento público, para a justa indenização. E também refletirá na demora na elaboração de contrato de concessão de direito real de uso, podendo inviabilizar algumas atividades de 174 DERANI, Cristiane. op.cit., p. 81. trabalho das populações locais, tornando-se um empecilho ao desenvolvimento sustentável da região. O Plano de Manejo está intrinsecamente ligado à regularização fundiária, cuja ausência poderá causar prejuízo na realização de atividades previstas no instrumento de planejamento da UC. Além deste fator, o Plano de Manejo previsto na legislação não é detalhado, no sentido de esclarecer na lei que aquele instrumento de planejamento de atividades das populações locais deve ser simples e adequado aos seus destinatários. Um dispositivo legal, que também poderá ensejar problema, é o artigo 22, §5º e § 6º, da Lei nº. 9.985/00 que dispõe sobre a alteração e transformação da UC por instrumento do mesmo nível hierárquico que a criou. Essa norma jurídica conflita com o texto constitucional, e admite somente a alteração por lei. Por fim, um último ponto advindo do texto legal sobre RDS é a redação confusa do artigo 20, §2°, o qual determina que a área é de domínio público, e permite propriedade privada em seu interior. Destaca-se que esta seria a única diferença jurídica desta categoria, em relação à RESEX, principalmente no aspecto de aplicabilidade e efetividade da norma jurídica, visto que, no caso da RESEX, é imprescindível a desapropriação de áreas particulares, insuladas nos limites da UC. A seguir, serão levantadas as dificuldades oriundas da realidade das RDS selecionadas, para apontar outros entraves na concretização das normas jurídicas sobre RDS. 4.2 REALIDADE DAS RDS NO ESTADO DO AMAZONAS E SEUS ENTRAVES A realidade pode ser interpretada de várias maneiras, dependendo da percepção, do prisma e do interesse do indivíduo que busca descobri-la. Neste sentido, Berger & Luckman (2004, 35-36)175 afirmam que: A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida em que forma um mundo coerente. [...] O mundo da vida cotidiana não somente é tomado como uma realidade certa pelos membros ordinários da sociedade, na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem as suas vidas, mas é um mundo que origina o pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles. No presente estudo, a realidade descrita a respeito da RDS no Estado do Amazonas é aquela apresentada pela literatura e documentos oficiais referentes à RDS Mamirauá e RDS do Piranha, que proporcionou uma caracterização de cada uma dessas Reservas, que serão analisadas sob a ótica jurídica, com a finalidade de levantar os entraves a partir desta relação entre a realidade do Estado do Amazonas e as normas jurídicas sobre RDS. A descrição das Reservas selecionadas para o estudo nos revelaram as diferenças entre as duas UCs, por vezes sinalizando dificuldades na concretização da norma jurídica sobre RDS no Estado do Amazonas. Preliminarmente, vamos destacar as diferenças entre as Reservas para, em seguida, apontar os problemas que afetam ou impedirão a concretização deste instrumento de proteção ambiental. A primeira diferença entre as RDS descritas no capítulo 3 é a forma de criação de cada uma. A RDS Mamirauá inicialmente surgiu no cenário Amazônico como Estação Ecológica, ligada à conservação da biodiversidade daquela área. Posteriormente, após a mobilização e organização das populações locais pela Igreja Católica, além da percepção do aumento dos recursos ambientais, por exemplo, o pescado. As populações residentes e usuárias dos 175 Berger & Luckman, op. cit., p. 35-36. recursos ambientais se tornaram aliados fundamentais na proteção dos recursos naturais. Percebeu-se que a categoria era inadequada àquela realidade local, pela existência de moradores no interior da Reserva. Portanto, precisava ser adequada àquela situação, daí decorre a sua transformação em RDS, criando um novo paradigma de UC. A RDS do Piranha, segundo documentos oficiais, teve sua criação devido ao movimento pro-Reserva de moradores e usuários da área, em conseqüência da exploração inadequada e da escassez dos recursos ambientais, por exemplo, o pescado. Este movimento pro-Reserva recebeu apoio da Prefeitura Municipal de Manacapuru, que propôs a instituição por lei da RDS do Piranha. Neste sentido, temos outra diferença entre a RDS Mamirauá e do Piranha, sendo que esta foi criada mediante lei pelo Poder Público Municipal de Manacapuru, e a outra foi transformada por lei pelo Governo do Estado do Amazonas. Por ser de âmbito estadual, a RDS Mamirauá tem uma maior visibilidade, e consegue articular convênio com instituições nacionais, assim como cooperação internacional. Fato que é mais difícil de ser feito no âmbito municipal, pela pouca visibilidade do Poder Público local, no cenário nacional e internacional. Uma outra distinção que podemos ressaltar é a participação das populações residentes e usuárias das Reservas, que em Mamirauá está evidenciada na realização do plano de manejo, nas atividades executadas no interior da RDS e suas respectivas avaliações e fiscalização, sendo o resultado do envolvimento dos residentes e usuários da UC e do seu entorno. Em contrapartida sobre a RDS do Piranha, há trechos da literatura em que se percebe a ausência da participação, ou um grau de participação que demonstra a falha no processo de envolvimento da população local. Isso talvez seja o fator que acarreta outra diferença nos tipos de atividades que são desenvolvidas nas Reservas. Além disso, Mamirauá apresenta um conjunto de programas relacionados à pesquisa científica e à participação dos residentes e usuários da área e do entorno da UC, abordando diversos aspectos, como a educação, saúde, geração de renda, profissionalização, valorização da cultura etc., administrado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá em parceria com o órgão ambiental estadual, o IPAAM, em uma área focal. Na literatura pesquisada sobre a RDS do Piranha não se observam pesquisas científicas vinculadas às ações na área da Reserva. Por outro lado, constatou-se que existem algumas atividades de ecoturismo, pela existência do hotel de selva no interior da Reserva e a criação de peixes em tanque-rede, como geração de renda e subsistência da população residente na área. A administração da Reserva é responsabilidade do órgão ambiental municipal, a SEDEMAT, que atua em parceria com a Associação dos Moradores do Piranha na área da Reserva. Estas são as distinções identificadas entre as Reservas que fazem parte do presente estudo. A partir desta síntese da literatura somada à descrição fática do capítulo 3, elencaremos os entraves gerados pela realidade no Estado do Amazonas, verificados nas RDS selecionadas, são eles: A ausência de serviços do Estado, como educação, saúde etc; a extensão da área da Reserva; o difícil acesso em algumas regiões e também em determinadas épocas do ano; falta de levantamento fundiário nas duas Reservas; a falta de regularização fundiária; a falta de infra-estrutura, recursos humanos e financeiros do Poder Público no âmbito municipal e estadual; a falta de articulação entre o Poder Público do município de Manacapuru e o Governo do Estado do Amazonas; a inexistência de acordos, convênios e cooperação entre instituições nacionais e internacionais; a ausência de pesquisas científicas atreladas às atividades desenvolvidas na Reserva; e o envolvimento das populações locais na implementação e gerenciamento da Reserva. A realidade das RDS no Estado do Amazonas nos apresenta entraves que repercutem, e continuarão a implicar na aplicabilidade e na efetividade da norma jurídica, se não forem resolvidos adequada e urgentemente. Alguns desses problemas demonstram a falta de políticas públicas direcionadas a estas populações locais, por muitas vezes esquecida. A seguir, descreveremos as dificuldades vivenciadas por residentes e usuários das RDS. 4.3 DIFICULDADES IDENTIFICADAS PELOS RESIDENTES E USUÁRIOS DAS RDS NO ESTADO DO AMAZONAS O que apresentaremos nesta unidade resulta da oficina com a participação de representantes (residentes e usuários) das RDS do Estado do Amazonas, que foi realizada e apresentada na II Conferência Estadual das Populações tradicionais do Amazonas176, ocorrida nos dias 28 e 29 de novembro de 2005, sob o tema Geração de renda em unidades de conservação , promovida pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SDS e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPAAM. Portanto, as dificuldades apresentadas são frutos da realidade existente nas Reservas, trazidas à tona por seus moradores, usuários e demais interessados. O evento congregava representantes de diversas categorias de UC do Estado do Amazonas, cuja realização das oficinas decorreu de uma metodologia que consistiu em separar grupos de trabalho por categorias de UCs177, para identificar as cinco principais dificuldades existentes nas áreas e, em seguida, apresentá-las à plenária, propiciando uma panorâmica da situação das UCs. Tendo em vista que o objeto de estudo são as normas jurídicas acerca da RDS, apenas será apresentado o resultado do grupo referente à categoria que estamos explorando. O grupo de RDS identificou as dificuldades descritas no quadro 3: 176 Neste evento estavam presentes organizações governamentais e não governamentais, estudante de graduação e pós-graduação, participei inclusive como mestranda da Universidade do Estado do Amazonas durante a oficina do grupo de trabalho sobre RDS e na apresentação em plenária dos grupos de todas as categorias de UC. 177 Os grupos de trabalhos (GT) eram os seguintes: GT 1 RESEX; GT 2 RDS; FT 3- PAE; GT 4 FLORESTAS e GT 5 UCs de Proteção Integral. O quadro abaixo não vai. Tabela 3 Síntese de dificuldades identificadas pelo GT 2 - RDS nas Reserva do Amazonas em 2005. Dificuldade Falta de fiscalização com regularidade Falta de fiscalização nos tabuleiros de quelônios e apoio financeiro aos guarda-praia Falta de AAVs e apoio financeiro para os mesmo Falta de fiscalização sobre os turistas predadores Falta de apoio técnico operacional e financeiro para utilizar os recursos existentes (que são abundantes), e de como realizar um comércio mais justo. Perda de produção agrícola por falta de escoamento Dificuldade em mudanças na vocação produtiva de cada pessoa Falta de organização comunitária (enfraquecimento das organizações de base) Invasão de pescadores de quelônios Conflitos institucionais Analfabetismo, documentação, saúde Cujubim Mamirauá Anamã Canumã Uacari Uatumã X X X X X X X X Rio PiaguaçuPiranha Tupé Amapá Purus X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Fonte: Oficina 1: Grupo de Trabalho de RDS da II Conferência Estadual das Populações Tradicionais, no dia 28 de novembro de 2005. Notas: A letra X identifica que a dificuldade ocorre naquela determinada Reserva. Nota geral: As linhas destacadas constituem as cinco principais dificuldades identificadas nas RDS. Os cinco primeiros itens identificados são: falta de fiscalização com regularidade; falta de apoio técnico, operacional e financeiro para utilizar os recursos existentes (que são abundantes), e de como realizar um comércio mais justo; falta de organização comunitária (enfraquecimento das organizações de base); invasão de pescadores e falta de CDRU. Esses são problemas que ocorrem em todas, ou na maioria das RDS representadas no evento178, os demais são específicos de algumas Reservas. No próximo item serão discutidos os entraves que foram levantados neste capítulo. 4.4 DISCUSSÃO SOBRE AS DIFICULDADES EXISTENTES NAS RDS E SUAS IMPLICAÇÕES NA APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DA NORMA JURÍDICA Na primeira parte do capítulo, mapeamos as questões em contexto diferenciados, identificadas na legislação, na realidade e por destinatários da lei acerca da RDS, apontando problemas que interferem ou impedem a aplicabilidade e efetividade da norma jurídica relativa à RDS no Estado do Amazonas. Para melhor apreciá-las, sintetizaremos as dificuldades em dois grupos indicados abaixo: Instrumento normativo e Populações locais e Órgãos Ambientais. 4.4.1 Instrumento normativo: lei e plano de manejo. O grupo sintetizado em instrumento normativo contempla as questões oriundas da redação dos dispositivos legais referentes à RDS que, em virtude da falta de clareza, coesão, 178 No GT2 RDS estavam presentes representantes das seguintes áreas: RDS Amapá, RDS Anamã, RDS Canumã, RDS Cujubim, RDS Mamirauá, RDS Piranha, RDS Piagaçu-Purus, RDS Tupé e RDS Uacari. imprecisão técnica, dubiedade, falta de detalhamento e utilização de termos sem conceitos jurídicos, podem propiciar interpretações diversas daquela prevista como finalidade da norma jurídica. Por conseqüência, não será aplicável ao caso, e não conseguirá ter efetividade. Neste sentido, temos o termo populações tradicionais que, além de não ter uma precisão técnica, ainda não possui um conceito delineado na norma jurídica estudada. A imprecisão técnica e a ausência da conceituação de populações tradicionais é um problema na efetividade da norma jurídica sobre RDS, porque não há definição jurídica de quem faz parte ou não daquele grupo social. Isto poderá implicar na generalização do termo, visto que todos são populações tradicionais. Ou a definição do termo poderá ensejar exclusão de indivíduos baseadas em características, para determinar quem pertence ou não aquela sociedade como formula Diegues e Arruda (2003)179. Outra possibilidade é buscar os parâmetros no dispositivo legal que define RDS (art. 20, da Lei n º. 9.985/00), conforme Oréfice (2003)180, para delinear o perfil dos integrantes das populações tradicionais . Esse conceito também poderia ser estabelecido, levando em conta o lapso temporal, como define Freitas (2001)181. No entanto, a conceituação feita a partir destas visões poderia ser limitada, e seu uso não ser adequado a determinados casos que ocorrem na realidade. Por exemplo, o enquadramento do indivíduo residente da área urbana que se une pelo casamento, ou estabelece união estável com um morador, ou usuário da Reserva, ou do seu entorno, pelas características ou o lapso temporal não pertenceria aquele grupo social designado como populações tradicionais, assim como, as pessoas que vivem na cidade e mantém sua propriedade na comunidade de origem. Neste exemplo poderia ser indicada a aplicação do conceito delineado por Almeida & Cunha (1999)182, onde os indivíduos são considerados como integrantes da categoria 179 Diegues, Antônio Carlos & ARRUDA, . op.cit., mesma página. Oréfice, Cintia. op. cit., mesma página. 181 FREITAS, Vladimir Passos. op. cit., mesma página. 182 Almeida & Cunha. op. cit., mesma página. 180 populações tradicionais , por anuírem os aspectos legais que ensejam o presente termo, ou seja, utilizar sustentavelmente os recursos ambientais. Um elemento importante a ser ressaltado na conceituação de populações tradicionais é a incorporação do termo pelos indivíduos que moram ou são usuários da Reserva, que precisam se identificar com a terminologia e o conteúdo, para sentirem-se parte do grupo social. Isso porque a própria população local questiona o termo e seu significado, conforme verificado no capítulo 2, e também em decorrência da profusão de termos utilizados anteriormente na legislação, segundo Almeida e Cunha (1999)183, e pelo governo e seus representantes. No Amazonas, o órgão ambiental estadual, ao observar a legislação em relação à RDS, não leva em consideração a ausência do conceito de populações tradicionais , sendo que na aplicação da norma, considera como integrantes deste grupo social os moradores e usuários das Reservas e do seu entorno. Lembrando que, anteriormente, na criação da RDS, é prevista a realização de um levantamento sócio-econômico para identificar o perfil das populações locais, sendo, neste momento, identificados os componentes daquele grupo social, e determinando aqueles que não fazem parte desta categoria; Por exemplo, são excluídos os indivíduos que exploram irresponsavelmente os recursos ambientais na área da UC. Essa identificação dos sujeitos é essencial para definir a atuação do órgão ambiental em relação a estes. Enfim, é necessária a construção de um conceito jurídico de populações tradicionais, que leve em consideração características particulares dos indivíduos que estão na área e tem uma relação histórica, social, cultural, ambiental e econômica, sob a ótica do novo paradigma de desenvolvimento sustentável, que visa conciliar a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento econômico e social para as presentes e futuras gerações, bem como aceitar a responsabilidade de ser sujeito na proteção dos recursos ambientais. 183 Ibid, mesma página. Ainda no grupo de instrumento normativo, temos a questão levantada no artigo 22, §5º e § 6º, da Lei nº. 9.985/00 que, devido a redação ser dúbia e com imprecisão técnica, dispõe respectivamente sobre a transformação e a ampliação da UC, admitindo o uso de instrumento do mesmo nível hierárquico da sua criação. Como afirmamos anteriormente, este dispositivo legal colide com o texto constitucional, conforme Silva (2004)184. Portanto, eventualmente, poderá ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Benjamin (apud Pedreira, 2005)185, por sua vez, não vê conflitos entre normas, ao se pronunciar especificamente sobre a ampliação, por não ter oferecer perigo a UC. A interpretação mais acertada parece ser a de Silva (2004)186, para o qual ampliar implica em alterar o limite definido no ato de criação da UC, e transformar é também realizar uma alteração de uma categoria para outra. Assim, percebe-se a necessidade de que o instrumento seja a lei. A aplicabilidade e efetividade deste dispositivo legal ficam prejudicadas pela existência do conflito de normas, por admitir instrumento normativo inferior à lei, contrariando norma constitucional. Ainda, concordando com o entendimento de Silva (2004)187, podemos ressaltar que o mais indicado no ato de criação de UC deve ser por lei, e não o decreto, como é a prática do atual Governo do Amazonas, em relação à RDS. A lei poderia conferir maior legitimidade e transparência no seu processo de construção. Além do que, a instituição de uma Reserva significa restrição de direitos e imposição de deveres, como bem pondera Silva (2004)188, que isto seria mais adequado ocorrer por lei específica. Em síntese, a transformação e a ampliação de UC, em específico, RDS, deveriam ocorrer somente por lei. Mesmo que estas tenham como requisito a consulta pública, melhor seria ser constituído por um instrumento normativo, como a lei, para que tivesse um processo 184 SILVA, J. A.. op. cit., mesma página. PEDREIRA, ....falta bibliografia, verificar na caixa. 186 SILVA, J.A. op. cit., mesma página. 187 Ibid., mesma página. 188 Ibid., mesma página. 185 mais complexo e assegurar a sua efetiva proteção, evitando eventuais problemas jurídicos, e estar em consonância com a Constituição da República Federal. Ainda referente ao aspecto da norma jurídica sobre RDS, no que concerne o disposto no artigo 20, §2°, reflete um texto dúbio, por permitir distintas interpretações sobre a questão da dominialidade da área. Uma interpretação pode se dar, no sentido de admitir a existência de propriedade particular no interior da RDS, é entendimento de Silva (2004)189 e Figueiredo e Rodrigues (2001)190. Enquanto que vislumbramos a possibilidade de posicionamento contrário, tendo em vista a lei declarar a dominialidade pública da área na primeira parte do dispositivo, portanto não admitiria a possibilidade de existir propriedade particular nos seus limites. A obscuridade desta norma jurídica implica a dificuldade em ser aplicada aos casos, principalmente no Amazonas, que a falta de regularização fundiária é gravíssima. O artigo deveria ser clarificado, para não pairar dúvida sobre a possibilidade de área ser considerada de domínio público, excetuando as propriedades privadas devidamente tituladas nos limites da Reserva, ou seja, admitindo a existência de áreas de domínio particular, assim distinguindo-se da RESEX. Isto terminaria qualquer discussão sobre a existência de duas categorias de UC de uso sustentável similares. A admissão de propriedade particular na Reserva seria a única diferença entre RDS e RESEX, no aspecto jurídico, porque historicamente são bem distintas as origens, como descreve Allegretti (1994)191. Por outro lado, poderia também culminar em outro problema jurídico a regularização fundiária, em específico a desapropriação, ainda não resolvido em diversas UCs do Brasil, conforme Brito (2002)192. Na verdade, a regularização fundiária já faz parte do rol dos problemas de qualquer UC, todavia, no caso específico da RDS, inicialmente, não incidiria a questão da desapropriação de terras particulares e sua justa indenização. 189 SILVA, J. A. op. cit., p. RODRIGUES, J. op. cit., p. 191 ALEGRETTI, M. op. cit., p. 192 Brito, C. op. cit., p. 190 O Poder Público Estadual do Amazonas vem determinando, nos decretos de criação, que ficam excluídas as possíveis propriedades privadas nas Reservas. Neste sentido, temos o Decreto nº. 24.295, de 25 de junho de 2004, que criou a RDS do Uatumã e o Decreto nº. 25.039, de junho de 2005, que criou a RDS Uacari, entre outros. É uma alternativa que o Governo Estadual elegeu, para evitar eventuais problemas relacionados à existência de propriedades particulares com registro de titulo aquisitivo. Enfim, o referido artigo precisaria ser alterado para não ensejar interpretações diferentes daquela pretendida pela lei, viabilizando a aplicabilidade e efetividade da norma jurídica. Além destes problemas de redação dos artigos temos ainda, o plano de manejo, previsto como instrumento para normatizar as condutas e atividades, bem como ser planejamento no modo de vida e atuação das populações locais; documento que deveria ser pormenorizado na legislação, com a finalidade de propiciar um entendimento mais claro e menos técnico, para incentivar a sua construção pelos moradores e usuários da Reserva e do seu entorno. A tecnicidade do documento, entretanto, tem que ser aliada à simplicidade de linguagem e retratar a realidade e o anseio das populações locais em relação ao seu modo de vida. A aplicabilidade deste instrumento na vida pressupõe que as populações locais sejam conhecedoras de seu conteúdo, aliás, que tenham participado do processo de elaboração do conteúdo, e em alguns casos, isso não acontece, por exemplo, na RDS do Piranha. Documentos internos da SEDEMAT demonstram que o plano de manejo da RDS do Piranha foi elaborado por uma consultoria técnica, que em sua proposta de elaboração deixou de incluir a participação naquele importante instrumento pelos residentes e usuários da Reserva, principais sujeitos que seriam afetados na aplicabilidade do documento. Em razão desses fatos, ter uma redação clara, precisa e detalhada do artigo pertinente, no sentido de esclarecer que o plano de manejo, apesar de ser um documento técnico, conduz a vida das populações locais. Por conseqüência, deve ser o mais simples possível, para conseguir a efetividade da norma jurídica de RDS. Por fim, no grupo instrumento normativo, um aspecto que inicialmente não é jurídico, mas que influenciou fortemente o texto normativo do SNUC, recaindo sobre a norma jurídica sobre RDS, foi o a corrente ideológica conservacionista. Esta corrente, como descreve Mercadante (2001)193, entende conservação da natureza sob uma ótica excludente, onde a relação homem e natureza são antagônicas, visto que apenas vê a ação antrópica no meio ambiente como degradadora. Em contraposição a essa corrente, adveio o socioambientalismo centrado em políticas públicas ambientais de inclusão das populações locais, que possuem vasto conhecimento sobre as condições ambientais da área (Santilli, 2005)194. Estas correntes ideológicas influenciaram no processo de elaboração da lei do SNUC, principalmente a ideologia conservacionista, que impregnou dispositivos legais, que tratam sobre categorias defendidas pelo socioambientalismo. A de uso sustentável, por exemplo, mencionada no artigo 20, §1°, que dispõe sobre RDS, cujo objetivo básico é a preservação da natureza . Conservação e preservação são vocábulos advindos da concepção conservacionista, marcando a norma jurídica com o valor de natureza intocada e intocável (Diegues, 2001)195. De certa forma, estes valores conservacionistas influenciam negativamente na aplicabilidade e na efetividade das normas jurídicas pertinentes à RDS, não somente pela predominância em vocábulos, expressões e até conceitos construídos a partir desta concepção, mas em virtude das conseqüências das tentativas de aplicabilidade das categorias resultantes desta ideologia à realidade amazônica. O Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, por exemplo, pertencente à categoria de Proteção Integral, na qual está estabelecida a obrigatoriedade da retirada da população local da área delimitada como UC, e a proibição da 193 MERCADANTE, Mauricio. op. cit., p. SANTILLI, Juliana. op. cit., p. 195 DIEGUES, Antônio Carlos. op. cit., p. 194 explotação dos recursos ambientais nos permite ressaltar a tentativa fracassada de aplicabilidade jurídica naquela região, visto que, até os dias atuais, a população local ainda não foi removida da área. Os efeitos provocados pela prática governamental do conservacionismo às populações locais são os sentimentos de apreensão, temor e receio de serem expulsos de suas terras podendo ensejar a perda das raízes, identidade e sua maneira própria de viver. Por vezes, o olhar dos moradores e usuários das Reservas é desconfiado, por temer que sejam excluídos, apesar do modelo proposto pelo movimento socioambiental ser inclusivo (Santilli, 2005). Isso é conseqüência das experiências negativas de outras populações locais que sofreram impactos da introdução de categorias de proteção integral, como o Parque do Jaú, tema de diversas polêmicas envolvendo a retirada dos seus moradores. Dessa maneira, a influência conservacionista é negativa e prejudicial à aplicabilidade e efetividade da norma jurídica, causa do receio e desconfiança das populações locais em torno das UCs. Uma alternativa para superar esta apreensão é o poder público estabelecer relação de confiança com os residentes e usuários da Reserva, cumprindo com os acordos ajustados, como também se aproximando daquelas comunidades, apoiadas por lideres da região e disponibilizando os seus serviços, marcando a presença do Estado naquela área. Faz-se necessário que a relação de confiança seja baseada na transparência da administração pública com os seus administrados, em informar adequadamente a forma e os procedimentos que, possivelmente, serão realizados naquela área, bem como propiciar e garantir a participação dos atores sociais; assunto que trataremos com mais profundidade na próxima unidade. 4.4.2 Populações tradicionais e órgãos ambientais Neste grupo vamos abordar entraves relacionados aos sujeitos locais e institucionais levantados anteriormente neste capítulo, perpassando desde a necessidade de assegurar a participação, organização social, política, econômica e jurídica das populações locais, bem como a ausência da presença do Estado nas áreas, a falta de regularização fundiária e de infraestrutura, recursos humanos e financeiros do poder público, articulação local, nacional e internacional e a pesquisa científica na UC. Os temas são transversais, à medida que trabalharmos um, e o outro assunto estiver intimamente ligado, será também inserido na discussão, para se obter uma conclusão geral. Inicialmente, a organização social, política, econômica e jurídica das populações locais é o ponto de partida para análise da aplicabilidade e efetividade da norma jurídica pertinente à RDS. A organização incide no fato das populações locais se agruparem em torno de objetivos comuns, estabelecendo relações sociais e responsabilidades políticas. Para alcançar determinadas metas, o grupo precisa se enquadrar em uma estrutura jurídica, o caso, por exemplo, da Associação de moradores ou Associação comunitária. Neste rumo, as comunidades conforme definição de Lima & Alencar (2002), nas áreas de Reserva, tem um papel fundamental, visto que elas são consideradas o núcleo social e político que influenciam diretamente os residentes da área. Portanto, é imprescindível que as comunidades sejam mobilizadas e organizadas socialmente, politicamente e juridicamente, para colaborarem na construção do novo paradigma de desenvolvimento sustentável adequado à realidade amazônica. Ser sócio de uma Associação, ou cooperado de uma Cooperativa, pode representar uma alternativa econômica para moradores da Reserva. Através desta organização poderão ser facilitadas algumas questões, por exemplo, a comercialização de produtos ou subprodutos explotados sustentavelmente das Reservas, bem como a articulação para o seu respectivo escoamento. A organização social ou jurídica não é a única maneira de ser inserido na relação com as instituições, em especial com os órgãos ambientais, também são consideradas importantes às iniciativas individuais. Todavia, a aglutinação de moradores em uma organização significa concentração de força e poder, e repercute em maior visibilidade e representatividade política do grupo social. O problema referente à organização é a falta de motivação e de articulação dos atores sociais, que leva ao enfraquecimento do grupo social, e repercute na participação dos respectivos atores. A participação, na maioria das vezes, impulsiona o surgimento de uma organização social e esta, por sua vez, favorece e propicia o exercício da cidadania, assim como a concretização na realidade de direitos declarados nas normas jurídicas. No caso de participação na criação, implementação e gestão de UCs, podemos denominar de cidadania ambiental. Isso não significa redução no conceito de cidadania, mas representa um enfoque centralizado nas questões ambientais, somadas ao conteúdo civil, político, social, econômico, educacional e existencial, referentes ao termo cidadania, que implica em criação de espaços sociais onde os indivíduos, no caso das UCs, moradores e usuários devem atuar como sujeitos construtores de sua história, instituições e normas que prescrevam condutas condizentes aos seus anseios e necessidades. Para isso, necessariamente precisam ser reconhecidos como sujeito de direitos, que juridicamente é papel do Estado. No entanto, pela sua ineficiência, e, por vezes, ausência na infra-estrutura física proposta e nos serviços prestados em determinados lugares acaba, em muitas situações não cumprindo com a sua função. A participação pode ensejar na transformação daquelas situações, fazendo com que o Estado reconheça o sujeito e seus direitos. A participação dos moradores e usuários de uma determinada UC é se pautar nesta ótica em haja o envolvimento dos indivíduos no processo democrático de construção de sua própria história, e na proteção dos recursos ambientais. Ela deve ser propiciada, garantida e fomentada, pelo Poder Público, para que todos possam ter o direito de participar sobre as questões pertinentes ao meio ambiente, principalmente por afetar diretamente a vida das populações locais. Deve também partir do pressuposto que qualquer um dos componentes das populações locais possam se manifestar, discutindo e analisando aquilo que é mais adequado à situação da região. Não decorre pelo simples fato de que os indivíduos daquela localidade são mais importantes, ou diferentes dos outros que não se encontram naquela condição. Provem da própria relação do homem - natureza, pelo individuo morar e retirar a sua subsistência dos recursos naturais naquela área. Por outro lado, não impede que os demais membros da sociedade participem, mas que considerem o fato de que a população local, devido à sua relação com o meio ambiente, e por estar no local recomendado para a criação de UC, ao determinar sua aceitação ou não da criação, ou escolher o tipo da UC, vai se submeter a restrições que os demais não irão sofrer na mesma medida. Participar é fazer parte de algo ou tomar parte de alguma coisa. Portanto, os habitantes locais precisam tomar parte dos fatos, se há proposta do poder público para criar unidade de conservação naquela área, o que quer dizer isso, no sentido mais simplório do termo, o que é realmente uma UC, quais são as implicações de uma unidade de conservação e a mudança na vida dos moradores e usuários dos recursos naturais daquela localidade, entre outros fatores. Isto precisa estar claro para o habitante local, para ele poder fazer parte do processo e assegurar que a criação da unidade de conservação não seja apenas uma norma prevista no papel. Este fazer parte no processo de criação é estar envolvido nas discussões sobre a temática, e colaborar nas decisões que serão delineadas para aquela localidade. Isso não deve terminar aí. A participação é um processo contínuo, apenas é iniciada no processo de criação, também deverá permanecer na implementação e gestão da unidade de conservação, sendo um termômetro em relação aos passos e decisões que estão sendo aplicados naquela localidade. Termômetro porque a participação indicará pelas discussões, se o que está sendo feito na UC está ou não em consonância com as necessidades e realidade do local. A participação envolve querer, saber e poder. O querer é delineado pela vontade em fazer parte de algo, em construir algo não somente para si, mas também para os demais. O saber perpassa pelo o que é e como participar. Participar não é algo que o indivíduo nasce sabendo; precisa ser apreendido e fomentado para ter concretude. O poder consiste na possibilidade de estar presente nas ocasiões que a participação faz-se necessária. A viabilidade da participação vai além do querer individual, perpassa também pela infraestrutura em propiciar o participar. Essas dificuldades poderão ser resolvidas com o apoio das instituições governamentais e até de organismos não governamentais, se este último estiver responsável pela gestão da Reserva. Neste sentido, estão inseridas as dificuldades oriundas das condições sócio-econômicas de uma determinada comunidade. Por exemplo, participar de assembléias na Reserva significa um custo social e econômico. É deixar a sua família. É deixar de produzir seus bens, é ter recursos financeiros para o transporte etc. para se locomover até o local do evento. Assegurar a participação é papel do Estado e da sociedade, principalmente daquela instituição, através de normas jurídicas como é o caso da RDS, que inclusive garante a gestão participativa. A gestão participativa é a parceria entre órgão ambiental, organização não governamental, comunitários e usuários para colaborarem na administração das atividades e recursos ambientais da Reserva. A sociedade, aliás, passando deste contexto macro para um micro, a comunidade, ou seja, os residentes e usuários de UC, devem assegurar a sua participação, ocupando os espaços públicos e pressionando também para que a administração dos recursos ambientais seja pautada na transparência. Assim, a participação não tem somente o condão de ser legitimadora dos atos da administração pública, também incide nos rumos e forma de atuação do poder público. A partir destas proposições, podemos tirar algumas conclusões. O papel do direito é garantir a participação da sociedade nas questões ambientais, em relação à RDS; isto está assegurado no rol dos seus dispositivos. A garantia desse direito não deve apenas constar no plano jurídico, ou seja, a sua previsão na norma jurídica. Ela precisa ser acompanhada de instrumentos que dêem suporte fático e propicie a sua realização. Dessa forma, será possível alcançar efetividade da norma jurídica pertinente à participação da população local na RDS, para que de fato seja vivenciado este elemento na criação, implementação e gerenciamento da UC. E não somente como cumprimento a um requisito legal, ou para dar legitimidade ao ato. Deve buscar realizar o objetivo central da norma jurídica, que neste caso quer ser moldada a realidade dos seus destinatários, que vão dizer se querem ou não a UC, como deverá ser implementada e gerenciada, quais são as necessidades e anseios da população local. Outro elemento que compromete a efetividade da legislação da RDS é a regularização fundiária, considerada um entrave no desenvolvimento do Brasil, em especial na Amazônia, devido às suas condições geomorfológicas. Por exemplo, a área de várzea, que implica em debates sobre a natureza jurídica e competência para tratar a questão. A literatura aponta a regularização fundiária como um problema que se repete nas unidades de conservação. No Amazonas, além das questões teóricas que envolvem a regularização fundiária, conforme exemplificado acima, ainda temos o de natureza prática, que é a dificuldade em obter dados sobre a situação fundiária, a falta de recursos humanos e financeiros nos órgãos competentes, para a realização de suas atribuições. Podemos apontar outros problemas decorrentes da temática, como a questão da desapropriação, da indenização, das ações discriminatórias, do contrato de concessão de direito real de uso, entre outras. A legislação estabelece que a RDS seja de domínio público. Todavia, prevê a desapropriação de áreas particulares em seu interior, quando for necessário. Neste sentido, deverá ser verificado se o uso da propriedade particular nos limites da Reserva não irá colidir com o objetivo da exploração sustentável dos recursos ambientais, identificando essa possibilidade, o caminho é a desapropriação da área particular. Na tentativa de evitar este problema nas novas RDS, o governo do Amazonas, como mencionado anteriormente, vem determinando nos decretos de criação que ficam excluídas as possíveis propriedades privadas nas Reservas. Esta atitude também pode nos indicar a ausência de um estudo anterior à criação da Reserva, que versa sobre a situação fundiária da área, que estabelece a possibilidade de existir propriedade privada, ou que seja comprovada a titularidade da área. A atual política governamental no Amazonas utiliza a unidade de conservação, como instrumento para proteção ambiental, inclusão social e regularização fundiária. O Instituto de Terras do Estado do Amazonas ITEAM, representado por seu secretário, declarou o início da realização de contratos de concessão de direito real de uso em algumas unidades de conservação. É o exemplo da Floresta Estadual de Maués. Ademais, vale ressaltar que há 14 anos aquele órgão não emitia documentos referentes à regularização fundiária no Estado. A falta do contrato de concessão de direito real de uso (CRDU) é uma realidade que abrange a maioria das UCs, conforme identificação dos seus moradores e usuários, na primeira parte do trabalho. Em 2005, o governo do Amazonas assinou um convênio com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA para fazer, em parceria, levantamentos fundiários em algumas localidades do Estado, regularização das terras e projetos direcionados as RDS Cujubim, RDS Piagaçu-Purus, RDS Amapá, RDS Uacari e demais áreas que não são unidades de conservação. A parceria entre órgão federal e estadual, com a finalidade de regularizar as áreas, por vezes gera conflitos institucionais, segundo os moradores das Reservas, porque um órgão, ao realizar atividades na área, não leva em consideração às ações iniciadas pelo outro. Esta conduta pode ser resultante das operações organizadas por estes órgãos no estilo mutirão, para atendimento à comunidade de maneira esporádica, sem uma política de continuidade desses trabalhos. Ademais, a luta para obtenção de documentos da terra é marcada pela ausência dos órgãos competentes nas comunidades ou nas imediações, além da burocracia, que colabora na demora do procedimento administrativo. Em geral, os ribeirinhos amazônicos não são titulares da área, moram na área e utilizam os recursos ambientais do lugar há gerações, possuindo a posse do imóvel. No entanto, não têm documentos que possam comprovar esse direito. Ademais, ainda há o caso de espaços territoriais que são comuns aos ribeirinhos, caracterizando a chamada propriedade comum, descrita por Benatti (2002)196 como posse agroecológica. A falta de documentação de terra impossibilita que os moradores da área possam obter financiamento de créditos, incentivos agrícolas, a fazer plano de uso, manejo florestal, participar de projetos na área de bioprospecção etc. Obter o documento legal é garantir o direito à terra, impedir invasão e grilagem em suas áreas. O caminho para solucionar estas situações e garanti-las é elaborar uma política agrária adequada às peculiaridades da Amazônia, levando em consideração as demandas da população local. Por fim, um dos problemas do segundo grupo de populações tradicionais e órgãos ambientais é a fiscalização. A atuação fiscalizadora pertence a dois grupos, o institucional, representado por órgãos ambientais competentes como IBAMA, IPAAM, SEDEMAT e SEDEMA e pelos moradores e usuários da Reserva, com a denominação de agentes ambientais voluntários. A fiscalização está relacionada a diversos fatores. Um deles é o econômico, que repercute na regularidade desta atividade, ou provoca a sua ausência, decorrente da falta de recursos financeiros destinados, por exemplo, à compra de diesel, de gasolina etc., para utilizar no transporte fluvial ou terrestre, para efeito de realização daquela atividade. Por outro 196 Cf. BENATTI, José Heder. A titularidade da propriedade coletiva e o manejo florestal comunitário. In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, 2002. lado, ainda temos a falta da infra-estrutura; quando tem fiscal, não tem barco, ou está com defeito; é só o casco, não tem motor etc. Outro fator é a falta de recursos humanos no âmbito institucional e dos atores sociais. No primeiro caso, a insuficiência de servidores públicos para atender às demandas da área demonstra a ausência do poder público, gerando insatisfação entre os moradores e usuários, e contribui na vulnerabilidade da região para a invasão e exploração inadequada dos recursos ambientais. Uma solução seria a promoção de concursos públicos, para preenchimento de cargos com atribuição de fiscalizar e monitorar o meio ambiente. Tendo em vista essas dificuldades de operacionalização da fiscalização pelo poder público, surgiu a figura dos agentes ambientais voluntários, que são moradores ou usuários da Reserva, participantes do curso de capacitação do IBAMA, com conteúdo de educação ambiental, monitoramento e fiscalização das áreas da UC, inclusive com técnicas de abordagem ao individuo que está utilizando ilegalmente ou irresponsavelmente os recursos ambientais. No final do curso, o agente ambiental voluntário recebe fardamento e credencial do IBAMA, para monitorar a área. As experiências locais, por exemplo, o projeto Pé-de-Pincha, no município de Terra Santa, no Pará, nos mostra que apesar do esforço da comunidade, em especial dos agentes ambientais voluntários, a falta de infra-estrutura, de recursos financeiros, de reconhecimento jurídico, entre outros, são empecilhos a uma eficiente e efetiva fiscalização e ao monitoramento da área. Para garantir essa atuação, deveria ser oferecida, em contrapartida, uma contribuição econômica pelo órgão gestor responsável pela administração da Reserva aos agentes ambientais voluntários. A contribuição econômica descaracterizaria o voluntariado. Todavia, poderia ser criado um tipo de trabalhador específico na lei, para atender a esta demanda, com as características do agente ambiental, morador ou usuário da UC etc. Inclusive a construção desta figura jurídica iria garantir ao agente ambiental voluntário um amparo legal em virtude de sua atuação, e também pelos perigos que enfrenta na realização desta tarefa. Essa é uma questão extremamente delicada, que precisa ser urgentemente resolvida, visto que a efetividade de uma UC, independente de ser de uso sustentável ou de proteção integral, passa pela fiscalização e o monitoramento da sua biodiversidade. A solução precisa ser jurídica, e abranger os aspectos econômicos e sociais da região. Outro entrave identificado é a falta de apoio técnico, operacional e financeiro por parte do órgão ambiental, para utilizar os recursos naturais. Isto está intrinsecamente relacionado à atuação do Estado, ou melhor dizendo, a sua inércia. Entrelaçar conhecimentos e técnicas das populações locais à pesquisa científica, utilizando esse conhecimento na proteção dos recursos ambientais e em geração de renda para os moradores, usuários da Reserva e fundos financeiros na implementação de atividades na área, como a RDS Mamirauá vem fazendo nesses anos, é a alternativa para esta dificuldade. Além disso, o estabelecimento de parcerias locais, nacionais e internacionais pelo poder público, ou pelo gestor da RDS, também se mostra como alternativa para captar recursos financeiros, humanos e equipamentos. Para isso, precisa notabilizar a Reserva, divulgando as ações existentes de proteção ambiental, seus produtos e serviços, aliados à implementação de políticas públicas ambientais direcionada a população local e aos produtos, subprodutos e serviços ambientais. Enfim, fatores indicados como problemas, na verdade, são alternativas de soluções que, bem aplicadas, poderão reverter o quadro de dificuldades existentes que afeta a efetividade da Reserva. Como ressaltamos anteriormente, estes itens, apesar de fazerem parte dos problemas identificados na realidade, no caso da RDS Piranha, necessariamente não significa que ecoará nas demais Reservas, e poderá ser aplicado como eventuais soluções. Naquele caso específico, aquelas dificuldades correspondem à falta de prioridade e visibilidade da política do governo local e seus agentes, e o fato do município ser o gestor da Reserva acaba por desfavorecer a situação, por não possuir uma infra-estrutura adequada, recursos humanos e financeiros em proporção mais significativa do que a estrutura oferecida pelo poder público estadual. Atualmente, a articulação entre municipalidade e Estado está sendo realizada pela SEDEMAT, na tentativa de que a proposta daquela RDS seja de fato concretizada naquela região. Inclusive o plano de manejo está sendo novamente elaborado, agora, pela SDS, cujo os primeiros dados foram, inclusive, coletados e ainda serão analisados. Portanto, nem todas as dificuldades levantadas podem ser consideradas realmente como problemas. Elas podem ser possíveis soluções, que dependem do esforço e prioridade do poder público e da pressão social, que poderá ser feita por meio da participação da população local. Diante do exposto, podemos afirmar que a realidade retratadas pelas experiências da RDS Mamirauá e RDS Piranha, bem como a legislação referente a RDS, afetam e também prejudicam a aplicabilidade e efetividade da norma jurídica sobre RDS por várias questões, que não são apenas de cunho jurídico. Como vimos no decorrer do capítulo, os outros aspectos têm repercussão jurídica, como é o caso da questão econômica relacionada à fiscalização, implicando na concretude da norma jurídica. Na aplicabilidade da norma jurídica, deve ser levado em consideração o contexto social, político, econômico, cultural e ambiental da população local, buscando adequá-la àquela situação. Essa conduta poderá resultar na modificação da lei, como aconteceu no caso da RDS Mamirauá, que surgiu em decorrência da realidade local. Isto no sentido de aprimorar a legislação, para que certamente seja o reflexo da realidade do Estado do Amazonas, e para ser observada por todos: poder público e indivíduo. Estes são elementos essenciais na aplicabilidade e efetividade da norma jurídica. Não existe norma jurídica com aplicabilidade e efetividade, sem a atuação eficaz e eficiente do poder público e da participação popular. Dessa maneira, a lei por si só não é suficiente para equacionar determinados problemas específicos de uma região, tendo em vista suas dificuldades em ser aplicada e efetivada. Todavia, é um caminho para ser trilhado em busca das finalidades a serem alcançadas, a proteção dos recursos naturais e a melhoria de qualidade de vida das populações locais. This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.