ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
ROSANGELA DA SILVA
Mulher e Poder: relações de gênero nas instituições de defesa e
segurança nacional
Rio de Janeiro
2011
ROSANGELA DA SILVA
Mulher e Poder
relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da Escola
Superior de Guerra como requisito à obtenção do
diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia.
Orientador: CMG
RIO DE JANEIRO
2001
Pedro Fonseca Júnior
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
expressam
qualquer
orientação
institucional da ESG
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Silva, Rosangela.
Mulher e Poder: relações de gênero nas instituições de defesa e segurança
nacional. /Silva, Rosangela. Rio de Janeiro: ESG, 2011.
f.: il.
Orientador: CMG Pedro Fonseca Júnior
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
(CAEPE), 2011.
1. Gênero. 2. Equidade 3. Mulher e Poder. 4. Segurança e Defesa. I.
Título.
As mulheres de fibra e coragem que cotidianamente ainda
enfrentam dificuldades e preconceitos pelo simples fato de
serem mulheres.
As colegas de turma: Helena, Sandra, Vera, Elba, Ângela,
Geórgia, Dilara, Gisele e Liliane. Mulheres que, coletivamente
ou individualmente, fizeram a diferença no CAEPE 2011.
A
minha
mãe.
Juntas,
superamos
as
dificuldades
do
afastamento nesse período em que cursava o CAEPE.
Ao meu namorado, que apoiou e incentivou a minha vinda para
o Rio de Janeiro, mesmo sabendo das dificuldades da
distância que, felizmente não atrapalhou só nos fortaleceu.
AGRADECIMENTOS
A Itaipu Binacional, na pessoa de seu Diretor-Geral Jorge Samek, pela oportunidade
que me foi ofertada de cursar o CAEPE 2011.
Aos amigos queridos do ESG Café que partilharam comigo, nesse período,
momentos especiais que guardarei com carinho na lembrança.
“Não há uma ação transformadora nesse país
que não tenha a cabeça,
o braço e
o coração da mulher”
Clara Charf
RESUMO
Essa monografia aborda a questão da equidade de gênero e as relações de poder
na sociedade e nas instituições de defesa e segurança. O objetivo desse estudo é
analisar os conceitos ligados às questões de gênero e poder na sociedade brasileira.
A metodologia adotada foi focada na revisão da literatura dos principais autores que
discutem os temas de gênero e poder relacionando esses temas nas estruturas da
sociedade. A análise apresentada inclui uma visão sobre o papel atual das mulheres
nos espaços de decisão das organizações públicas e nas instituições de segurança
e defesa.
Palavras chaves: Gênero, Equidade, Poder
ABSTRACT
This monograph refers to the subject of gender impartiality and hierarchy relations at
the society and its security/defense institutions. The goal of this study is to confirm
some concepts linked to gender and hierarchy questions at the Brazilian society. The
methodology adopted was focused on the revision of literature of the main authors
that discuss questions related to hierarchy, gender and society structures. The
analysis presented includes a vision about the actual women character related to
organizational decisions and the approach of its questions to the impartiality of
gender in the security and defense institutions.
Keywords: Gender, Equity, Hierarchy
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1 Parlamentos no mundo (%)...................................................................31
GRÁFICO 2 Parlamentos no mundo (valores absolutos)...........................................31
GRÁFICO 3 E QUADRO 1 Participação das mulheres nos Parlamentos no
mundo..........................................................................32
QUADRO 2 Mulheres nas Secretarias Municipais das Capitais Brasileira ...............33
GRÁFICO 4 Distribuição de homens e mulheres nos Gabinetes Ministeriais............35
GRÁFICO 5 Distribuição das/os DAS segundo sexo e nível de função....................36
GRÁFICO 6 Distribuição das/os eleitas/os para o Senado Federal, por sexo...........36
GRÁFICO 7 Distribuição das/os para a Câmara dos Dep. Federal, por sexo...........37
GRÁFICO 8 Distribuição das/os eleitas/os para as Câmaras dos Deputados
estaduais, por sexo...................................................................................................37
GRÁFICO 9 Distribuição das/os deputadas/os estaduais nas assembleias
legislativas, por sexo.................................................................................................38
GRÁFICO 10 Número de prefeitas/os e vereadoras/os eleitas/os.............................38
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
10
2
PAPEL DA MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
12
2.1. DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
2.2 A MULHER E O TRABALHO NA HISTÓRIA
12
13
3
EQUIDADE DE GÊNERO
19
4
RELAÇÕES DE PODER ENTRE GÊNEROS:
23
5
MULHER E PODER
27
6
MULHERES E A SEGURANÇA E DEFESA
39
6.1 A RESOLUÇÃO DO CSNU
40
7
CONCLUSÃO
42
8
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
44
10
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende detectar as relações de gênero e poder na estrutura
da sociedade brasileira de forma macro e de como essas relações de reproduzem
de forma micro nas instituições de defesa e segurança.
É inegável que o aumento da presença feminina nas esferas de poder em
diferentes instituições, tanto pública como privada, é uma tendência mundial e no
Brasil essa tendência tem sido percebida pela sociedade brasileira com mais
intensidade, resultado, principalmente, de ações afirmativas no que se refere à
valorização do papel feminino.
Pode-se afirmar que esse novo patamar na condição das mulheres no mundo
do trabalho e nos espaços de decisão, representado principalmente na eleição da
Presidenta Dilma Rousseff, expressa uma mudança cultural sem parâmetros para a
sociedade brasileira.
A idéia inicial para elaboração da monografia era desvendar as relações de
gênero e poder nas instituições de defesa e segurança que estão sendo dirigidas por
mulheres e de como os valores femininos são assimilados por essas instituições.
Porém, ao longo da pesquisa percebemos a necessidade de detalhar com
mais precisão os conceitos de gênero, equidade e poder. Isso se justifica em razão
do reduzido número de literatura disponível que trate desses temas sob a ótica da
defesa e segurança e, principalmente, pela vivência como estagiária da Escola
Superior de Guerra durante o ano de 2011. Essa experiência de convivência diária
com o tema segurança e defesa lado a lado com os principais atores: militares das
três forças, policiais militares, delegados e promotores de justiça demonstrou que a
questão da equidade de gênero e poder merecia mais atenção desse estudo
situações de pré-conceitos com relação ao papel da mulher e da própria condição do
“ser mulher” se reproduziam nas diferentes atividades do CAEPE.
Dessa forma alguns objetivos iniciais do projeto foram modificados ou
abandonados em razão da real necessidade de reafirmação do papel da mulher na
estrutura da sociedade.
Esse trabalho se estrutura em três momentos: a primeira parte priorizamos a
análise histórica do papel da mulher na sociedade e a divisão social e sexual do
11
trabalho; na segunda parte focamos nos conceitos de gênero e equidade, nas
relações de gênero e poder, mulher e poder utilizando-se dos principais teóricos que
se debruçam sobre o tema; e finalmente na última parte uma análise, ainda que
superficial mas não menos importante, do papel da mulher nas questões de
segurança e defesa.
As entrevistas inicialmente pensadas com mulheres que hoje estão ocupando
os espaços de decisão nas esferas do poder, principalmente nas instituições de
segurança e defesa, se mostraram prematuras em razão do pouquíssimo tempo de
atuação dessas mulheres nesses espaços e, portanto, o objetivo principal de
identificar possíveis mudanças culturais nessas organizações conduzidas sob
valores femininos não seria atingido, porque, obviamente mudança de corações e
mentes masculinas não acontece em um estalar de dedos.
12
2. PAPEL DA MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
2.1.DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
Analisar historicamente o papel da mulher nas relações de trabalho nos
remete ao conceito da “divisão social do trabalho” e aos seus dois principais
formuladores: Durkheim e Marx.
Émile Durkhein, um dos principais teóricos da Sociologia, descreve a divisão
do trabalho social como a necessidade de se estabelecer uma solidariedade
orgânica entre os membros da sociedade. A solução estaria em seguir o exemplo de
um organismo biológico, onde cada órgão tem uma função e depende dos outros
para sobreviver, em que cada membro da sociedade exerce uma função na divisão
do trabalho, obrigado através de um sistema de direitos e deveres, e também sente
a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros.
A cooperação entre os membros de uma sociedade, ou seja, forma de
realização de um trabalho conjunto e planificado, em que os diversos indivíduos
participam no mesmo processo produtivo ou em processos diferentes, mas
interligados, representou durante décadas uma ação comum para obtenção de
meios de subsistência. Esta forma de atividade surge primeiro como uma divisão
natural de trabalho entre homens e mulheres ou entre adultos, anciões ou crianças.
Na medida em que ocorre a complexidade dos processos produtivos. A divisão
social do trabalho surge em consequência do avanço no grau de desenvolvimento
das forças produtivas e de organização interna das comunidades.
Para Marx a divisão social do trabalho, conduz à formação de grupos
especializados nas diferentes atividades produtivas e à obtenção de níveis de
produtividade que permitem a criação de excedentes econômicos. À divisão social
do trabalho alia-se a tendência para a apropriação, numa primeira fase, dos
instrumentos de trabalho e, posteriormente, dos restantes meios de produção.
Determinam-se relações sociais entre os indivíduos respeitantes ao uso e posse dos
instrumentos, dos materiais e até dos bens produzidos.
13
2.2. A MULHER E O TRABALHO NA HISTÓRIA
A história, através de diferentes fontes, mostra que no Antigo Egito, a mulher
era reconhecida como esposa, mãe ou amante. As mulheres egípcias não
ocupavam cargos administrativos ou posições no governo, apenas homens da
família real podiam assumir estas funções, apesar de haver atividades destinadas às
mulheres, como a tecelagem, além de algumas ocupações religiosas que também
tinham destaque na época. Merece destaque o fato de que na história do Egito,
houve rainhas que governaram. Esta situação ocorria como último recurso em
situações em que se fazia necessário aguardar a maioridade do rei, ou quando o
Faraó não havia tido filhos. Apesar da posição inferior da mulher nesta sociedade,
pode-se dizer que a mesma era evoluída neste aspecto para a época, pois apesar
de não haver reconhecimento de igualdade entre sexos, havia respeito pelas
mulheres.
Na maior parte das civilizações da época, a mulher era submetida às
decisões do marido e ao lar, porém na antiga Grécia, na Civilização Minóica
existente nas Ilhas do Mar Egeu, entre 2200 a. C e 1400 a.C, a mulher tinha um
papel totalmente diferenciado das outras civilizações gregas. A atividade
predominante era a comercial, sendo a mulher livre para adquirir propriedade e ser
independente. Frente ao preconceito e a discriminação, tal liberdade deve ser
considerada uma evolução histórica do trabalho da mulher.
Vale ressaltar as considerações dos historiadores André Aymnaerd e Jeannine Auboyer, em um livro traduzido por Pedro Moacir Campos (1962. P.201):
Afirma-se que na sociedade cretense a mulher ocupava lugar de destaque,
desfrutando de certa liberdade, o que nos é revelado por apresentações
figuradas, mostrando as mulheres em praça pública, no teatro e na arena
circense, cabendo às sacerdotisas o principal papel nas cerimônias
religiosas.
Sendo a antiga Grécia dividida em cidades-estados que nunca se unificaram,
percebe-se o destaque de Esparta e Atenas em relação a algumas sociedades.
Cidade de caráter militarista e oligárquico, Esparta, no período de 480 a. C, a 359 a.
C, homens e mulheres eram criados de maneira semelhante, visando apenas a
criação de cidadãos soldados. A partir dos sete anos de idade, as crianças
14
passavam da responsabilidade dos pais para a do Estado. Os homens aprendiam a
lutar com a prática de diversos exercícios físicos, objetivando um corpo ágil e sadio.
Já as mulheres tinham destaque nesta sociedade por serem reprodutoras dos
soldados, as quais também se exercitavam para gerar crianças sadias. Tanto os
homens como as mulheres pertenciam ao Estado. Nesta cidade-estado a mulher
tinha que pedir autorização para casar, passando por um teste de fertilidade e, como
os homens viviam em luta pertencendo ao Estado até os 60 anos, a mulher ficava
responsável pelo sustento e cuidado da casa, recebendo uma educação mais
aprimorada do que a dos homens.
Já Atenas, com modelo político de democracia aristocrata, era a principal cidade da Grécia Antiga, na qual ocorria forte discriminação à mulher. Apesar de sua
evolução civil perante as outras cidades Gregas, nessa sociedade apenas os homens estudavam, às mulheres restava apenas cuidar dos lares, de acordo com as
vontades dos maridos. Como na maior parte da Grécia antiga, em Atenas, as mulheres eram extremamente submissas aos homens.
Chico Buarque de Holanda, em sua música “Mulheres de Atenas”, faz uma
síntese bastante precisa desta realidade.
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus
maridos orgulho e raça de Atenas (...). Elas não têm gosto ou vontade, nem
defeito, nem qualidade. Têm medo apenas. Não tem sonhos, só tem
presságios. O seu homem, mares, naufrágios, lindas sirenas, morenas (...).
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Temem por seus maridos heróis e amantes de Atenas.
Pode-se observar que em algumas das civilizações antigas, as mulheres
eram submissas ao homem. Porém em sociedades como Gália, Germânia e alguns
povos da América pré-colombiana, não existiam uma organização hierárquica em
decorrência dos sexos. Como exposto no estudo de Alice Monteiro Barros (1995,
P.29):
“Em Roma e na Grécia Antiga, a situação das mulheres era semelhante,
salvo no que tange às atividades comerciais, ausentes naquela. Entretanto,
o cenário entre gauleses e germânicos era outro, pois a situação da mulher
aproximava-se mais da do homem, chegando a participar de guerras,
construções de residências e a tomar parte do conselho que decidia sobre a
guerra e a paz. A agricultura ficava exclusivamente sobre seus ombros e, na
Idade Média, continuava sendo a principal atividade das mulheres, ao lado
dos trabalhos de tapeçaria, ourivesaria e fabricação de roupa. As
corporações de ofício de mulheres não gozavam de autonomia, tendo
sempre um homem para vigiá-las, controle que se intensifica no
Renascimento.”
15
Frente à grande submissão das mulheres em outras épocas, merece registro
o fato de que as mulheres tinham acesso a grande parte das profissões durante a
idade média, chegando até mesmo a estudar em grandes universidades, embora em
número reduzido em relação ao homem. Ocorre que, com a crise do sistema feudal
e o início do Renascimento, marcado pelo mercantilismo e a retomada do direito
Romano, surgem uma série de retrocessos na condição da mulher e na sociedade
ocidental. Com relação a esta época, assim coloca Alice Monteiro de Barros (1995.
P.29):
No Renascimento, as mulheres vão perdendo várias atividades que lhes
pertenciam, como o trabalho com a seda, com materiais preciosos, com a
cerveja e com as velas, e se confinam entre as paredes domésticas,
entregues ao trabalho domicílio, que surge nos primórdios do século XVI, e
perde a importância a partir do século XIX, quando o algodão e a lã são
retirados das casas para as fábricas. Os homens, dada a miséria que
enfrentam no campo, dirigem-se às fábricas, para executarem um trabalho
que até então era confiado às mulheres. Em seguida, a mão-de-obra da
mulher e do menor é solicitada na indústria têxtil, tanto na Inglaterra, como
na França, porque era menos dispendiosa e mais “dócil”.
O movimento Feminista surge na busca da igualdade entre a mulher e o
homem, e não se caracteriza apenas como uma luta quanto ao acesso ao mercado
de trabalho, mas também quanto à liberdade da mulher perante a sociedade. Este
movimento ganha força com a Revolução Francesa e o surgimento do Iluminismo,
onde começa a luta das mulheres pelo direito ao estudo entre outros. Uma das
grandes conquistas deste movimento é o direito ao voto, permitido em 1893 na Nova
Zelândia e, posteriormente, em 1918 na Alemanha. Além disso, já se percebe nesse
contexto o aumento das oportunidades de trabalho para a mulher. Ainda com
relação aos reflexos do movimento Feminista, Luiz Carlos de Azevedo (2001. P. 63)
relata:
Não obstante, a campanha pelo sufrágio feminino corria pelo mundo,
tornando-se lei em inúmeros países da Europa. No Brasil, no entanto, esse
intuito só seria alcançado quando a edição do Decreto 21.076, de 24 de
fevereiro de 1932 (Código Eleitoral), prescrevendo este que “é eleitor o
cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste
Código (art. 2).
Com a Revolução Industrial, aumentou significativamente o número de
mulheres que trabalhavam fora do lar, pois com a produção por meio das máquinas,
não havia mais necessidade de força física, atribuída exclusivamente ao homem,
apesar do fato não ocasionar a diminuição da discriminação existente. Sob as mais
16
diversas justificativas, dentre elas a de que as mesmas “teriam quem as
sustentasse”, as mulheres tinham jornada de trabalho de mais de 14 horas diárias e
ainda ganhavam muito menos que os homens. Além disso, sofriam abusos de
diversas maneiras por parte de seus superiores, mulheres que eram violentadas no
ambiente de trabalho. Para Alice Monteiro de Barros (1995. P.30), “O processo de
industrialização vivido pelo mundo europeu, no século XIX, caracterizou-se pela
exploração do trabalho dessas classes chamadas de “meias-forças”.
Em Nova York, em 1848, tem-se a primeira Convenção dos Direitos da
Mulher em Seneca Falls, fruto da união do movimento feminista ao movimento
operário, impulsionado pela idéia de socialismo que começa a surgir nesse período.
Na maior parte dos países ocidentais, as reivindicações do movimento foram
formalmente conquistadas nas décadas de 1930 e 1940. A eclosão de duas grandes
guerras mundiais, tornou o trabalho da mulher extremamente necessário. Os
homens tiveram que lutar nas guerras, enquanto as mulheres ocupavam os cargos
vagos para o sustento da família. Entretanto, com o fim das guerras, houve
campanhas para desvalorização do trabalho feminino, evidenciando que as
conquistas haviam sido apenas no âmbito legislativo. Sobre este período, assim
relata Alice Monteiro Barros (1995. P.203):
A utilização de homens durante a Segunda Guerra Mundial ensejou na
Europa, o aumento na oferta de trabalho, levando as mulheres a um
ingresso forçado no mercado, nas mais diversas atividades, inclusive em
profissões consideradas, até então, masculinas, demonstrando que
estavam em condições de realizá-las, principalmente na indústria. Por outro
lado, após a guerra, a maioria das mulheres voltou aos serviços domésticos,
cedendo o emprego aos homens, enquanto algumas continuavam a
trabalhar e muitas retornaram por volta dos anos cinquenta e sessenta.
Pode-se perceber que o preconceito a mulher, não decorria da mesma ser
considerada “sexo frágil”, mas sim da preocupação do homem com relação a sua
vaga no mercado de trabalho.
Cuba foi um país que, no enfrentamento aos preconceitos que envolvem a
situação feminina, criou uma lei que prevê a obrigação legal do marido dividir com a
mulher os serviços domésticos. A esposa poderia inclusive recorrer ao Comitê de
Defesa da Revolução em caso de recusa do marido. Tal recurso fundamenta-se na
igualdade do socialismo, incentivando as mulheres a trabalharem e gerarem mais
riquezas.
17
Assim, chega-se ao século XXI com o trabalho da mulher não só como um
direito, mas como uma necessidade para o sustento do lar. Também se observa
que, “a penetração da mulher no mercado de trabalho se dá pela via da filantropia
que é usada pela mulher da classe dominante como reação para sair do isolamento
do lar.” (MICHEL in FISCHER, 2001. P.03)
No campo do trabalho, a exclusão da mulher não encontra explicação nas
conjunturas econômicas, pois suas raízes estão fincadas em matrizes
diversificadas, a exemplo dos interesses do patriarcado em manter a mulher
distante do patrimônio e numa relação hierárquica inferior, imputando-lhe a
atribuição de prestar serviço social gratuito, de importante relevância para a
sociedade pensada para o homem. A desconstrução dessa forma de
exclusão da mulher e sua integração ao mundo do trabalho se dão a partir
do século XIX através do empenho e da luta feminista travada na sociedade
1
mundial.
O fato é que mesmo com a quebra do isolamento do lar e participação na
esfera pública, este processo de entrada no mercado de trabalho se arrasta até os
dias atuais em um processo de reações e conquistas. É perceptível no nosso dia-adia que. mesmo depois de muitas batalhas as mulheres, ainda recebem salários
proporcionalmente menores que os homens e que dificilmente assumem cargos de
chefia, apesar de numericamente estarem em igualdade aos homens inseridos no
mercado de trabalho. Em números segundo a revista Opet e Mercado de 2008, as
executivas têm salários entre 15 e 30% inferiores aos homens. “Apesar de terem
adentrado em massa no mundo do trabalho no ultimo século, as mulheres ainda
ganham menos e dificilmente conseguem chegar aos últimos degraus da hierarquia
de empresas e de outras instituições publicas.” (VIEZZER e MOREIRA, 2006. P.23)
Há os que acreditam que isso é uma consequência vinda da necessidade da
mulher conciliar trabalho e tarefas de casa: “Uma das razões para haver tão poucas
mulheres em cargos de comandos nas empresas, em todo o mundo, é a opção de
um grande número delas pela diminuição da carga de trabalho.” (DINIZ, 2004. P.24)
O homem, de modo geral, ainda continua ausente na divisão das tarefas
domésticas. Por não ter conquistado a equidade de gênero na esfera
privada, ou seja, a participação do masculino nas tarefas da casa, a mulher
assume uma carga de trabalho no espaço público semelhante ou mais
2
exaustivo do que a do trabalhador masculino.
1
2
FISCHER e MARQUES, 2001. P.03
Id. 2001. P.04
18
Contudo, grande parte das mulheres ainda busca conciliar as atividades domésticas e de renda. “No espaço da sociabilidade do trabalho, ela toma ciência de
que pode gerenciar a própria vida, pode exercer a chefia da família e, através do
convívio coletivo, livrar-se da timidez, aprende a sorrir e a criar sonhos.” (FISCHER e
MARQUES, 2001. P.04)
Este cenário apresenta repercussões positivas para as mulheres, segundo
DINIZ, “a mulher é portadora de uma espécie de licença da sociedade. Enquanto o
homem ainda é cobrado, principalmente pelo sucesso profissional, para as mulheres
isso é uma possibilidade, não uma obrigação.” (2004. p..23) Mesmo porque,
infelizmente a identificação com a profissão como fonte de sucesso é algo mais
presente nos homens do que nas mulheres.
Mas percebe-se que o sucesso feminino como integrante de organizações e
empresas está inerente a esses debates que cercam o assunto. Esse novo
momento nas palavras de José Manuel Caron Jr, ex-presidente do Sindicato dos
Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe-PR).: “a imagem da
professorinha imortalizada na música e na consciência de cada um de nós, é tão
antiga e tão bela, quanto irreal. Hoje, a professorinha é pós-graduada e altamente
preparada para exercer qualquer função dentro da escola, tanto pedagógica quanto
administrativa, financeira ou acadêmica.” A mulher está saindo da condição de
coadjuvante dentro do mercado de trabalho e no núcleo familiar, se preparando para
enfrentar novos desafios e assumindo funções mais estratégicas nas corporações.
Com tantas conquistas no mercado de trabalho, ainda observa-se no cenário
atual uma desigualdade de cargos, funções e salários com relação aos homens.
Então deve-se procurar neste caso, a equidade de gêneros como forma de
reeducação social visando à extinção da exclusão social, como veremos a seguir.
19
3. EQUIDADE DE GÊNERO
Como já observado no capítulo anterior, combater a exclusão social feminina
é uma busca. Isso porque, na Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III), em 10 de dezembro de 1948, no artigo II,
encontramos a seguinte afirmação: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou, qualquer outra condição”. Na
Declaração, encontramos artigos em defesa da igualdade e liberdade entre os seres
e respeito aos Direitos Humanos.
Foi em um contexto de expansão urbana na França que o conceito de
exclusão surgiu e “(...) toma vulto a partir do livro Les Exclus (1974), de autoria de
Lenoir, que define os excluídos como aqueles indivíduos concebidos como resíduos
dos 30 anos gloriosos de desenvolvimento.” (MARQUES E FISCHER, 2001. P.01)
Para entender a relação de equidade de gênero e a exclusão social, faz-se
preciso uma análise de conceitos.
Equidade significa o reconhecimento dos direitos da população e a
efetivação desses direitos em igualdade de condições. Significa também,
não restringir o acesso a bens, serviços ou quaisquer outros direitos por
causa das diferenças que se conformam entre as pessoas e entre os
3
diversos segmentos sociais.
O conceito de “gênero” abrange mais do que a diferença macho e fêmea ou
mulher e homem: “O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as ‘construções
sociais’: a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais
das identidades subjetivas dos homens e das mulheres.” (SCOTT, 1995) O conceito
de gênero dado por Viezzer e Moreira (2006. P.30) explica que:
“(...) surgiu nos EUA em meados dos séculos XX primeiramente designando as diferenças
psicológicas entre homens e mulheres. Posteriormente na Inglaterra, na década de 1970, algumas estudiosas acadêmicas debruçaram-se sobre um fenômeno curioso: as diferenças
3
VIEZZER E MOREIRA, 2006, P.21
20
sexuais entre machos e fêmeas da espécie humana traduziam-se quase sempre em
desigualdades no tratamento de homens e mulheres, em detrimento das mulheres.
De um modo simplificado a equidade de gênero nada mais é do que: “a
equivalência de resultados na vida de homens e mulheres, reconhecendo as suas
diferentes necessidades e interesses, e exigindo uma redistribuição de poder e
recursos.” (Reeves e Baden in Piazzolla, 2008)
Compreende-se a importância de uma sociedade visando à diminuição da exclusão social das mulheres em busca da equidade entre gêneros, quando se percebe que esta exclusão vem de uma origem histórica remota. E que está de um
modo geral enraizada na sociedade pós-moderna devido a fatores culturais
Na época antes de Cristo havia registros da exclusão da mulher em obras de
pensadores famosos como:
Platão em seu V livro A República, desenhava a mulher como reencarnação
dos homens covardes e injustos. Aristóteles em A História Animalium,
afirmava que a mulher é fêmea em virtude de certas características: é mais
vulnerável a piedade, chora com mais facilidade, é mais afeita à inveja, à
lamuria, à injuria, tem menos pudor e menos ambição, é menos digna de
4
confiança, é mais encabulada.
No início da Era Moderna, que alguns acreditam ter sido a época de uma
“revolução social”, devido ao sistema feudal ter começado a ser substituído pelo
modelo capitalista, ainda alguns outros filósofos importantes desenhavam sua forma
de pensar embalando a sociedade: “Rousseau vê a mulher como destinada ao
casamento e à maternidade. Kant a considera pouco dotada intelectualmente,
caprichosa, indiscreta e moralmente fraca. Sua única força é o encanto. Sua virtude
é aparente e convencional.” (ALAMBERT in FISCHER, 2001. P.02)
Entrando no século XVIII, a Igreja estava se organizando como organização
de poder institucional, difundindo fé, burocracia e valores. As visitas pastorais e o
confessionário funcionavam como mecanismos de controle, afirmando e reafirmando
normas e regras morais que pregavam a submissão da mulher de forma
inquestionável.
E no mesmo século, em um cenário de revolução industrial em alguns países:
Depois da revolução industrial, que circunscreveu cada vez mais homens e
mulheres a determinados papéis. Para as mulheres o mundo privado, para
4
ALAMBERT in FISCHER, 2001. P.02
21
os homens o domínio da vida publica. As crenças básicas desse modelo
são: a visão de que o fato de ser homem ou mulher se associa –
naturalmente - com algumas atividades, potencialidades, limitações e atitudes; a valorização diferenciada das atividades identificadas como
masculinas ou femininas; valorização diferenciada de uma mesma
atividade, atitude ou comportamento dependendo se o sujeito é homem ou
5
mulher.
Um exemplo de como as mulheres eram vistas é um depoimento de 1898 por
Selina Cooper, em artigo intitulado "The Lancashire Factory Girl", onde já no mercado de trabalho a mulher ainda é discriminada:
Eu tenho escutado frequentemente comentários sarcásticos quanto às
mulheres que trabalham em fábricas do tipo oh, ela é apenas uma operária;
o que dá ao mundo a impressão que nós não temos o direito de sonhar com
uma outra realidade a não ser a nossa. Eu lamento que ainda não
estejamos atentas aos fatos e que percebamos que contribuímos muito para
aumentar a riqueza da nação e, que em função disso, temos direito a
respeito e não insultos. Pois em muitas casas de Lancashire há heroínas
cujos nomes nunca serão conhecidos; ainda assim, é consolador saber que
6
nós, como classe, contribuímos para o mundo.
Em 1918. com o fim do conflito da primeira guerra mundial, o mundo
encontrava-se em ruínas e no campo econômico não era diferente. As mulheres
assumiram o mercado de trabalho, passaram a integrar mais ativamente a
sociedade. Mas mesmo dentro desse cenário, ainda a mulher era desvalorizada.
“Certos setores de produção e de serviços absorveram bem essa mão-de-obra,
vislumbrando um aumento da mais valia, através do pagamento de salários menores
à mão-de-obra feminina.” (CALIL, 1998)
Com o final da segunda guerra mundial, a sociedade teve que integrar cada
vez mais as mulheres no mercado de trabalho. Por mais que as jornadas de trabalho
ainda fossem exaustivas e os salários inferiores, foi a partir daí que as políticas para
que as mulheres fizessem parte do desenvolvimento começaram a serem discutidas.
Parafraseando Viezzer e Moreira, 2006, durante os anos 40 até 60 o enfoque
era no bem estar, ou seja, satisfazer as necessidades básicas e não a diferenciação
dos papéis tradicionalmente estipulados a homens e mulheres. Já na década de 70
a visão social era da anti-pobreza, em outras palavras, buscava a auto-suficiência
econômica das mulheres e o benefício da sua renda para o lar, mas não focava na
igualdade entre homens e mulheres nas estruturas econômicas e sociais. Na década
5
6
VIEZZER E MOREIRA, 2006, P.33
MACHADO, 2008
22
de 80, a mulher era marginalizada e vista como mão de obra não qualificada, o
cenário então inspirou políticas voltadas para a valorização econômica feminina.
Enfim, na década de 90, o enfoque foi o gênero: “trata-se de uma fase marcada pela
busca de empoderamento das mulheres, tendo como base ações afirmativas e a
política de cotas de participação das mulheres nos partidos políticos, nas empresas
e em outras esferas de poder”7
No momento atual a busca é pela equidade e a promoção ampla do poder
feminino. Ou seja, a busca por uma redefinição de poder na sociedade: “que vai do
aumento da autoconsciência e de crescente autodeterminação individual a uma
mudança coletiva em direção a maior equidade social dentro dos países e entre os
blocos de países.” (VIEZZER E MOREIRA, 2006. P.36 e 37)
Pesquisando sobre o tema equidade de gêneros, percebe-se que em nenhum
país as mulheres têm oportunidades iguais aos homens. Observa-se esta desigualdade principalmente na área econômica e política.
A análise histórica, mostrando a discriminação contra a mulher ou o ser
feminino e sua conquista nos últimos séculos e a revisão de conceitos sobre gênero,
é fundamental para a compreensão do processo de construção do papel social da
mulher e abre uma nova perspectiva de análise: relação de poder entre os gêneros
que veremos no capítulo seguinte.
7
VIEZZER E MOREIRA, 2006. p. 36 e 37
23
4. RELAÇÕES DE PODER ENTRE GÊNEROS:
A relação entre gêneros se estabelece dentro de um sistema hierárquico que
dá lugar a relações de poder. Entende-se poder neste caso “não como uma coisa,
mas como algo relacional, ou seja, fazendo parte de todas as relações humanas.”
(ELIAS in YÉPEZ, 2005. P.150) E nessa relação de poder, o masculino não só é
diferente do feminino, mas também visto como superior e dominante. “A
discriminação da mulher começa cedo, no momento do nascimento ou mesmo
antes. Pois, quando meninas e meninos chegam à escola já têm interiorizado, a
maioria dos padrões de conduta discriminatória.” (TOJAL, 2003. P.1)
A diferença entre os sexos vai além da definição biológica. São
representações sociais e culturais, e manifestam-se de diversas maneiras. “Acreditase relevante considerar, portanto, a infância e a adolescência não apenas como
construções sociais mediadas sempre pela dimensão sócio-cultural, mas uma etapachave de definição do habitus social entendido como o universo simbólico que gera
o estilo peculiar de pensar e agir individual” (YÉPEZ e PINHEIRO, 2005. P.149)
Assim, desde muito jovem a criança sabe qual papel vai seguir na sociedade
e muitos desses papéis são exigidos pela coletividade e fixados pelas famílias:
A partir dos 7 anos, quando se percebe um interesse maior pelas questões
sexuais, começa a haver uma separação das crianças por sexo, e as
famílias exercem grande pressão para que essas distinções se acentuem,
principalmente com os ‘cuidados’ redobrados com as meninas. As mães e
outras mulheres convencem-nas dos perigos da proximidade com os
meninos, pois elas podem ser vítimas das ‘ousadias’ deles, ou até mesmo
da violência física praticada pelos valentões. Assim, teoricamente, as
meninas aprendem e reproduzem entre si que menina não anda, nem
brinca com menino, pois são dois modos de ser incompatíveis na
convivência cotidiana, ainda que muitas não concretizem essa idealização
8
dos adultos.
Na mesma faixa etária, meninos são estimulados inferiorizarão do feminino:
“aos meninos é recomendado o distanciamento das meninas, através de uma
pressão social que os estigmatiza como “boiolas”, “viados” ou “ousados”, caso
tenham maior interesse em brincar ou ficar no meio das meninas.” (RIBEIRO, 2006.
P.153)
8
RIBEIRO, 2006. P.153
24
Já na adolescência, “(...) é nesse momento que aprenderão definitivamente
as técnicas corporais que conservarão por toda idade adulta.” (MAUSS in FRAGA,
1995. P.36) E nesta fase onde receios e anseios se mesclam encontramos o
seguinte cenário:
É significativo, por exemplo, o fato de que as adolescentes, apesar de se
queixarem da carga de responsabilidades domésticas e do maior controle
exercido sobre elas, em relação aos irmãos, dão menos sinais de
confrontos com os pais e/ou responsáveis. Convertidas historicamente em
responsáveis pelo cuidado e educação dos filhos, as próprias mulheres
reproduzem esses padrões sexistas de socialização, contribuindo para a
9
reprodução das relações de gênero vigentes.
Segundo Célia Chaves Gurgel do Amaral (1997. P.295), as diferenças são
além das biológicas e neste caso foram traçadas pelos próprios adolescentes e
relatadas no seguinte quadro:
9
YÉPEZ e PINHEIRO, 2005. P.159
25
A autora nos conta que o ser homem, em sua pesquisa, significou permissão
e o ser mulher, proibição. Outro conceito marcante da pesquisa foi sobre o
“machismo”. Neste caso, meninas e meninos concordaram que tem uma conotação
negativa, e revela exploração e dominação do outro.
Outros fatores que mesmo não divulgados como deveriam mostram a
desigualdade e fixam as relações de poder em todo o mundo são dados como estes
da ONU: existem no mundo atualmente cerca de 1,2 bilhões de pessoas vivendo
com menos de um dólar por dia. Em torno de 70% desse total são mulheres; de
cada três analfabetos existentes, duas são mulheres; mulheres e crianças
representam cerca de 80% dos refugiados de guerras e conflitos armados.
Os códigos simbólicos que embasam qualquer cultura permanecem no tempo
como valores inerentes e estão no nosso cotidiano, identificando-nos enquanto
seres humanos.
A dominação masculina, exerce uma "dominação simbólica" sobre todo o
tecido social, corpos e mentes, discursos e práticas sociais e institucionais;
(des)historiciza diferenças e naturaliza desigualdades entre homens e
mulheres. (...) a dominação masculina estrutura a percepção e a
10
organização concreta e simbólica de toda a vida social.
Porém, para que se possa atingir a equidade de gêneros é necessário
entender o contexto histórico em que essas discriminações foram praticadas: “a
categorização masculino e feminino é feita com violência e não de forma natural,
pois, colocando a masculinidade como dominante e a feminilidade como submissa,
reforçamos a continuação da desigualdade patriarcal” (RIEGER in SILVA, 2006.
P.74), para que hoje, nessa nova era de valorização social seja discutida com mais
frequência, políticas baseadas nesse novo momento.
A dominação masculina está presente em todas as sociedades pois elas se
constituíram sob uma perspectiva androcêntrica que pressupõe a dominação do
princípio masculino (ativo) sobre o princípio feminino (passivo).
Essa dominação simbólica descrita por BOURDIEU (1999) exerce sobre os
corpos um forte poder sem a necessidade da força física. É um a dominação
imposta e quase sempre invisível. Entende-se a noção de gênero em BOURDIEU
(2003) como um elemento da construção histórica, na qual a desigualdade entre os
sexos é resultante de uma construção que gera e mantém sistemas, formas e
significados aos quais são atribuídos valores distintos que servem para propósitos
10
BOURDIEU in ARAÚJO, 2008
26
determinados. Assim, podemos entender que as instituições família, escola, igreja,
Estado reproduzem as relações de poder, opressão e desigualdade entre os sexos.
A família é a instituição determinante na reprodução não só biológica, mas
também na estrutura do espaço social e das relações sociais. A escola, responsável
pela transmissão do saber capacita para o mundo do trabalho e define em suas
práticas tanto o conhecimento necessário, como o trabalho apropriado conforme o
gênero, já que existe um inter-relacionamento entre conhecimento e poder é
necessária uma divisão de saberes entre o sexo dominante e o sexo dominado.
Entende-se assim que cabe ao masculino o exercício de atividades mais
qualificadas e ao feminino as atividades menos qualificadas, ou com remuneração
menores. Na sociedade capitalista, que valoriza primeiro a qualificação ao trabalho,
a mulher tem cabido sempre a incapacidade, a incompetência e a fragilidade.
Ao Estado cabe a responsabilidade de inscrever nas normas sociais os
princípios fundamentais da visão andocêntrica construída pela sociedade.
BORDIEU aponta para a urgente revisão e questionamento sobre as
condições históricas das relações entre os sexos. Para tanto, é fundamental à
descoberta de contradições e de espaços que não reproduzam as relações de
dominação. Essas novas balizas devem ser estabelecidas dentro das instituições
responsáveis pela reprodução da desigualdade entre os gêneros.
A mulher, seu corpo, sua sexualidade e os papéis sociais que lhe foram
atribuídos ao longo da história tem a possibilidade de inverter, modificar essa
condição através da distribuição do poder nas instituições sociais e da apropriação
do saber.
27
5. MULHER E PODER
O estudo do poder possibilita a tentativa de compreensão de suas inúmeras
cadeias, que se formam na sociedade e se refletem principalmente nas diferentes
instituições pelos mais variados interesses. Pode-se analisar o poder por diferentes
vertentes: poder econômico, poder político, poder da mídia, entre muitos.
Frente a essas inúmeras possibilidades de estudo do poder encontramos em
FOUCAULT (1984) considerações teóricas que são capazes de dar suporte à
reflexão sobre o papel do poder nas relações de gênero.
Para FOUCAULT, o poder é uma prática social e como tal construída
historicamente, ou seja, não é natural na sociedade. Além de percebê-lo como uma
prática constituída na formação histórica das sociedades, o poder tem o propósito de
ativar micropoderes que estavam sob a dominação de saberes dominantes e nas
suas especificidades, darem conta de microfacetas da realidade. O poder social
constitui-se de relações desiguais que partem das relações de força presente na
sociedade.
O poder para FOUCAULT teria:
(..)uma essência e seria um atributo, que qualificaria os que o possuem
(dominantes) distinguindo-os daqueles sobre os quais se exerce
(dominado). Mas, o poder não tem essência, ele é operatório. Não é
atributo, mas relação: a relação de poder é o conjunto das relações de
forças, que passa tanto pelas forças dominadas quanto pelas dominantes,
11
ambas constituindo singularidades.
A análise do poder na perspectiva de FOUCAULT é fundamental para
compreender as relações de desigualdades das mulheres em relação aos homens,
uma vez que concebe “o poder como uma rede de relações sempre tensas. Não
admite polaridade fixa, mas considera que homens e mulheres, através das mais
diferentes práticas sociais, constituem relações em que há constantemente
negociações, avanços, recuos, consentimentos, revoltas e alianças” (FOUCAULT in
LOURO, 1998, p. 39-40).
FOUCAULT revela o poder como algo vivo no próprio tecido do corpo social,
podendo-se denominar de poder o conjunto de relações presentes em toda parte, na
11
FOUCAULT in DELEUZE, 1991, p. 37
28
estrutura do corpo social. O poder disciplinar é algo implícito nas organizações, a
repressão se realiza através dos saberes constituídos e das relações desiguais,
constituídas de acordo com os campos de força existentes na sociedade.
Assim podemos entender a relação mulher e poder sobre três perspectivas: a
primeira diz respeito à posição da mulher na estrutura de dominação e a
contraposição feminino x masculino; a segunda refere-se à pretensão de poder da
mulher na sociedade moderna e o porquê a mulher tem participação tão pequena no
cenário político; a terceira perspectiva remete a representação que as mulheres
empoderadas tem construído com as mulheres em geral.
Neste cenário, vamos nos concentrar na presença feminina nos espaços de
decisão e poder e a baixa participação de mulheres nesses espaços, que a muito
tempo vem sendo apontada como um obstáculo à consolidação da democracia no
Brasil e no Mundo. Analisando as estatísticas de diferentes institutos e organizações
no Brasil e no mundo, vamos nos deparar com um número de mulheres ocupado
posições de decisão infinitamente menor que o número de homens. A ausência de
um percentual mais representativo da parcela feminina mundial nesses espaços
chama a atenção por uma falsa dificuldade de enfrentamento do problema e pela
resistência nas tentativas de desconstrução dos obstáculos que impedem uma maior
participação das mulheres nos mais variados espaços de poder e decisão.
Um espaço que tem recebido maior atenção de pesquisadores é o espaço da
política, principalmente pela identificação maior do poder institucional. Segundo
RANGEL:
A sub-representação das mulheres na política institucional é reconhecida
como um grave problema em regimes eletivos, e vem sendo apontada como
sintoma do déficit democrático que atinge diversos governos
representativos. Em 1995, a Conferência Mundial sobre Mulher das Nações
Unidas (a Conferência de Beijing) estabeleceu um mínimo de 30% como
meta mundial da participação feminina em casas legislativas. Entretanto,
dados da União Interparlamentar (IPU, sigla em inglês), órgão vinculado à
Organização da Nações Unidas (ONU), mostraram que, 13 anos depois,
essa meta foi alcançada em somente 20 Câmeras de Deputados no
12
mundo.
A problemática da baixa participação de mulheres em espaços de poder tem
relação estreita com o limitado acesso à esfera pública, mas não se explica
unicamente por esse fato:
12
RANGEL, Patrícia. “Existe democracia sem as mulheres? uma reflexão sobre a função e o apoio às ações
afirmativas na política”. In: Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Ano I, número 1.
Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009.
29
Ao longo do século XX e, mais especialmente, a partir da década de 1960,
as sociedades ocidentais presenciaram uma verdadeira “invasão” das
mulheres ao espaço público. Tradicionalmente relegadas à esfera
doméstica, sob a resistente dicotomia do público/masculino X
privado/feminino, mulheres das mais diferentes origens enfrentam a divisão
sexual de trabalhos e as imposições dela decorrentes, lutando pela
alcançarem outros espaços e experimentarem outras possibilidades de
13
inserção social.
A participação feminina no mundo do trabalho não é uma condição nova para
uma parcela significativa de mulheres no país e no mundo, mas ainda é grande a
distância entre homens e mulheres na ocupação do espaço público e, mais
especificamente, nos espaços de poder da política institucional.
Com representatividade de 50% da população e do eleitorado e com maior
nível de escolaridade as mulheres dividem igualmente com os homens a
responsabilidade pela economia do nosso país, ou seja, as mulheres representam
50% da população economicamente ativa. Mas apesar desse cenário, a mulheres
não atingem 20% dos espaços de poder e decisão nas instituições do Poder
Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse quadro se reflete no setor privado, onde
apenas 20% das mulheres ocupam cargos de chefia.14.
Podemos entender que fatores culturais então entre as principais causas da
disparidade na participação de homens e mulheres na esfera pública. A cultura da
divisão sexual do trabalho e o preconceito de gênero ainda dificultam a plena
participação feminina nas instâncias decisórias da vida social.
As relações de poder que estruturam e organizam a sociedade que se
manifestam nos valores sociais e nas convenções de gênero que se inter-relacionam
criando uma rede complexa e dando corpo a problemática da baixa participação das
divisão sexual e racial do trabalho, que se origina basicamente em uma esfera
masculina de tomada de decisões e reproduz preconceito no qual as mulheres não
são consideradas para ocupar cargos de poder e decisão.
No Brasil, a Lei de Cotas se mostra ineficaz para garantir o acesso maior da
presença feminina nas instituições políticas. Além disso, cotidianamente, nos
espaços públicos e privados, se reproduz o pensamento de que os cargos de
decisão não foram feitos para serem ocupados por mulheres.
13
PINHEIRO, Luana & BRANCO, Alexandre. “Mulheres nos espaços de poder e decisão: o Brasil no cenário
internacional”. In: : Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Ano I, número 1. Brasília :
Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009.
14
.Dados:
“Mais
Mulheres
no
Poder:
eu
assumo
esse
compromisso”.
http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br
30
Mesmo com a presença cada vez maior das mulheres no mercado de
trabalho, as mulheres continuam recebendo salários menores que dos homens e
exercendo atividades inferiores e de longe dos espaços de decisão. Talvez podemos
explicar esse fato por historicamente as mulheres estarem relacionadas as
atividades que rementem ao cuidado do outro, seja no seu papel de mãe ou no de
responsável pelos membros da família.
O entendimento corrente sobre o lugar ocupado, a importância e o valor do
trabalho reprodutivo e das responsabilidades familiares nas sociedades e,
como parte disso, a definição das mulheres como responsáveis exclusivas
por eles, tem uma série de desdobramentos. Primeiramente, é importante
lembrar que esses aspectos derivam de uma divisão sexual do trabalho,
dicotômica e rígida, que atua como poderoso princípio norteador nas bases
da organização social e econômica das sociedades. Manifesta-se em uma
forma específica de relação entre trabalho produtivo remunerado e trabalho
produtivo não-remunerado, no qual as noções homem-provedor e mulhercuidadora e das mulheres como força de trabalho secundária são
15
reforçadas.
Somente o incremento de políticas públicas que valorizem a equidade de
gênero na sociedade pode superar esperiótipos arraigados em nossa sociedade,
transformando a organização das instituições e dos valores ali produzidos e
reproduzidos.
O Brasil frente às outras nações do mundo ainda tem um longo caminho a
trilhar no que diz respeito à promoção da equidade de gênero.
A Instituição Não-Governamental União Parlamentar, que mede a presença
feminina nos Parlamento Mundiais, em pesquisa realizada em 2009, revela que
apenas 18,6% de mulheres acupavam nequele ano cadeiras no Poder Legislativo
em 187 países pesquisados. Ruanda foi o único país a ter mais de 50% de mulheres
no Legislativo. Nesse ano o Brasil tinha apenas 9% de representação feminina na
Câmara dos Deputados e 12,3% no Senado Federal, ocupando o 109º na colocação
mundial revelada pelo IPU.
15
VASCONCELOS, Márcia. “Responsabilidades familiares”. : Revista do Observatório Brasil da Igualdade
de Gênero. Ano I, número 1. Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009.
31
32
33
Pesquisa semelhando foi realizada no Brasil pela ONG Mais Mulheres no
Poder, também no ano de 2009 revelando que a presença feminina nos Estados é
de 13% e nas Prefeituras de 8%, sendo que nas capitais esse porcentual aumenta
para 20% considerando que 70% ocupam cargos ligados diretamente a esfera do
cuidado, nesse caso, as Secretarias de Assistência Social. Esse números reforça o
pensamento arraigado na sociedade brasileira sobre o papel que “pode”/”deve” ser
desempenhado pelas mulheres.
Os dados obtidos nas eleições municipais de 2008 mostram que as mulheres
representavam, então, apenas 19,85% do primeiro escalão dos Executivos
Municipais nas 26 capitais analisadas. Eram 79 secretárias (19,85%) e 319
secretários (80,15%) nas 398 secretarias analisadas.
34
As eleições de 2010 demonstraram que o quadro da representatividade
feminina pouco se alterou, apesar de elegermos a primeira mulher presidente do
Brasil. A presidente se deparou com uma tarefa complexa e difícil: garantir a
presença de mulheres no primeiro escalão do governo federal. A meta inicial era de
pelo menos um terço de mulheres na equipe ministerial, mas essa meta acabou não
sendo cumprida em função de dois aspectos: em sua maioria, os partidos da base
aliada não apresentaram candidatas entre os nomes indicados e segundo, a
invisibilidade das mulheres como cidadãs e sujeitos da vida pública.
35
Pode-se afirmar que a presença de mulheres nos cargos eletivos e
executivos, principalmente as mais identificadas com uma agenda de compromisso
com a equidade de gênero e garantia dos direitos das mulheres, promove a inclusão
política de forma mais democrática e ampliada. A questão da invisibilidade das
mulheres como atores da vida públicas reflete-se na ausência da presença feminina
nos partidos e demais instituições.
Um estudo realizado pelo DIEESE e apresentado no Anuário da Mulher
Brasileira se constitui em um subsídio necessário e oportuno neste momento da
conjuntura política e social do país, quando a efetivação das políticas públicas para
as mulheres é uma das condicionantes para a erradicação da pobreza, compromisso
do governo da Presidenta Dilma Rousseff.
O estudo recolhe e sintetiza as principais estatísticas e informações
disponíveis sobre as mulheres e aborda questões relacionadas às condições das
mulheres na família, no mundo do trabalho, no poder, na educação, na saúde e em
outros espaços importantes da cidadania.
Apresentamos aqui os resultados referentes às mulheres e o poder. Os dados
refletem as dificuldades enfrentadas para uma maior presença de mulheres nos
espaços de decisão. O cenário nacional, reflete-se nos cenários estudais e
municipais.
36
37
38
39
Os números oscilaram positivamente com o Governo Dilma Rousseft, mas
ainda está longe de atingirmos os índices que efetivamente garantam o equilíbrio
entre homens e mulheres nas esferas de poder e decisão.
O destaque se dá principalmente na presença de mulheres nos espaços de
decisão e poder nas áreas ligadas a questão e segurança e defesa como veremos a
no próximo capítulo.
40
6. MULHERES E A SEGURANÇA E DEFESA
O mundo vivenciou a partir da década de 60 mudanças estruturais no que se
refere a divisão sexual do trabalho. As mulheres, historicamente reféns do espaço
doméstico, começam a ganhar o espaço para além do quintal de suas casas
reivindicando, das mais diferentes formas, uma maior inserção na vida social,
principalmente no mercado de trabalho.
O que vivemos hoje é reflexo desse movimento de décadas, constatamos a
maior atividade econômica das mulheres e consequentemente maior autonomia em
função do acesso a recursos financeiros, ou leia-se, salário. Além disso, as mulheres
tem dedicado tempo a sua formação, resultado disso que hoje o nível de
escolaridade feminino no Brasil é maior que o masculino.
A busca por uma maior inserção social ocupando espaços, principalmente no
mundo do trabalho, que tradicionalmente eram concebidos como masculinos, pode
ser facilmente verificados no nosso cotidiano: são mulheres pedreiras, garis, pilotas,
motoristas, engenheiras, policiais entre tantas outras profissões.
No rol das novas atividades que as mulheres conquistam, alguns espaços de
decisão e poder ligados diretamente as áreas de segurança e defesa merecem
destaque. E o destaque se dá principalmente por serem essas áreas ainda
identificadas como sendo pertencente ao universo masculino.
Ainda que se tenham diversos trabalhos elaborados acerca da presença
feminina nas Forças Armadas Brasileira, ainda é quase nulo a pesquisa referente ao
verdadeiro papel da mulher nos espaços de decisão de poder na área de segurança
e defesa. Esses estudos quase sempre se reportam as atividades desempenhadas
pelas mulheres nos quarteis e um estranho paradoxo: a entrada de mulheres nas
Forças Armadas analisada sob dois aspectos, o da conquista democrática e como
um problema institucional.
Essa problemática, importante, porém não o foco desse trabalho, ainda
carece de maiores estudos, analises e reorganização da estrutura militar brasileira,
até porque, no Brasil atualmente temos uma mulher como Comandante-Chefe das
Forças Armadas, e portanto a idéia de que as funções de defesa e segurança
nacional são incompatíveis com o gênero feminino se desfazem como fumaça.
41
Entendendo que a paz está estreitamente ligada à igualdade entre mulheres e
homens, e ao desenvolvimento, pode-se afirmar da importância do papel das
mulheres na prevenção e resolução de conflitos e na consolidação da paz. A
participação das mulheres nos processos de tomada de decisão pressupõe o pleno
envolvimento delas em todos os esforços de manutenção e promoção da paz e
segurança
6.1. A RESOLUÇÃO DO CSNU
Em 31 de Outubro de 200, o Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) aprovou por unanimidade a Resolução 1325, reafirmando a importância da
promoção da igualdade de gênero em todas as fases dos processos de construção
da paz e da promoção da segurança. Trata-se do reconhecimento dos impactos
específicos que as guerras contemporâneas e as situações de insegurança tem
sobre a vida das mulheres em todos o mundo e os esforços desenvolvidos para
combatê-los e minimizá-los. A Resolução reforça a importância de igual participação
e do total envolvimento das mulheres nos esforços de manutenção e promoção da
paz e da segurança, e o mais importante, da real necessidade de aumentar o papel
das mulheres nas tomadas de decisão no que diz respeito à prevenção e a
resolução de conflitos e à sua participação nas operações de paz.
O documento cria uma base política internacional que sustenta a promoção e
a defesa da transversalidade da dimensão da igualdade de gênero na prevenção,
gestão e resolução de conflitos armados e em todas as fases dos processos de
construção da paz, entendendo a construção da paz de forma mais estrutural, ou
seja, com a aplicação tanto em países em processos de conflito armado e de
manutenção da paz conquistada, como também da aplicação em países em paz,
como é o caso do Brasil, mas que apesar disso, apresenta quadros de insegurança
social quando no debruçamos sobre os números da violência urbana.
Pode-se afirmar que o documento representa o coroamento do processo
desenvolvido pela sociedade civil, principalmente por organizações de defesa e
igualdade de gênero e dos direitos das mulheres, a nível internacional e ao longo de
décadas. O principal desafio era trazer para o centro do debate internacional
mecanismos de proteção da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres, seja
na esfera da violência sexual e discriminação em momentos de paz formal, ou seja
42
na vulnerabilidade e violações sentidas pelas mulheres em contextos de conflito
armado e de violência.
A
Resolução
1325
busca
inspiração
nos
principais
documentos
e
compromissos internacionais assumidos no âmbito das Nações Unidas e destinado
à promoção dos direitos de mulheres e crianças como a Convenção sobre a
eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e seu
Protocolo Opcional, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças e
protocolos referencia sobre o tema, em especial o Protocolo sobre Crianças e
Conflitos Armados.
As Conferências Mundiais sobre Mulheres das Nações Unidas em Nairobi, em
1985, e de Pequim, em 1995, foram as precursoras da Resolução 1325.
Recentemente, a adoção pelo Conselho de Segurança das Nações Unidades da
Resolução 1820 de Junho de 2008, traduz o reconhecimento da violência sexual
como um problema especifico de segurança, condenando e denunciando a violência
sexual praticada em situações de conflito como arma de guerra numa clara tentativa
de reforçar as respostas urgentes à falta de prevenção e proteção destinada a
mulheres, crianças e meninas, de forma a impedir que sofram violações dos seus
direitos humanos, incluindo a violência sexual.
A Resolução possibilita, de uma forma abrangente e incluiu para além da
abordagem dos conflitos armados e ajuda humanitária, a promoção interna da
coerência e articulação da política nacional de segurança pública e de combate a
violência.
A análise da realidade internacional comprovs que a existência e
implementação de Planos Nacionais de Segurança e Defesa que abranjam esse
tema contribui decisivamente para a real integração da dimensão da igualdade de
gênero nas políticas de defesa, de segurança interna e de cooperação para o
desenvolvimento dos Estados, revelando-se instrumentos chave na implementação
dessas políticas e na disseminação das preocupações relacionadas com Mulheres,
Segurança e Paz.
43
7. CONCLUSÃO
Com base nas leituras e estudos realizados foi possível verificar que relações
de poder se apresentam e reproduzem as formas tradicionais da divisão social do
trabalho, dificultando a inserção de mais mulheres nos espaços de decisão e poder.
Verificamos que a desigualdade de entre os gêneros é histórica e se pode ser
verificada em todas as sociedades mundiais.
Analisou-se que essa desigualdade, fixada pelas relações de poder, está
presente na história e no cotidiano. Ou seja, nas esferas de poder, no poder público,
no mundo do trabalho, no terceiro setor, no espaço doméstico, na educação e chega
desta forma, a ser uma crença que, apesar de muita luta ainda precisa ser mudada
na mente e no coração de cada ser humano, homens e mulheres.
Como solução ao problema apresentado da falta de mulheres em cargos de
poder e decisão no atual espaço da política institucional. A dissociação histórica
estabelecida entre mulheres e poder é algo a ser vencido no país.
A eleição de uma mulher para a presidência do Brasil e a consequente
indicação de mulheres para postos chaves de decisão na estrutura do Poder Federal
pode, sem dúvida, contribuir para a alteração do status de invisibilidade das
mulheres, porém ainda temos um longo caminho a percorrer.
Eliminar aos motivos, sejam eles culturais ou econômicos, que mantém o
cenário de exclusão, construir novos valores de equidade de gênero, novos
paradigmas de convivência social é um desafio a ser enfrentado para que mais
mulheres possam definitivamente viver em uma sociedade igual para homens e
mulheres.
O objetivo dessa monografia, de discutir o papel das mulheres nos espaços
de decisão e poder nas instituições de segurança e defesa deve ser analisado como
um ponto de partida para esse tema: novo, importante e inexplorado, considerando o
pouquíssimo material disponível para pesquisa sobre esse tema específico.
A Resolução 1325 do CSNU, que já completou 10 anos, pode e deve ser
utilizada como um instrumento pelas mulheres para se apropriarem do tema Defesa
e Segurança e conquistarem espaço em todas as estruturas do poder público onde o
44
tema esteja em discussão, como por exemplo, na elaboração do Livro Branco de
Defesa.
Somente com a participação democrática, que garanta condições iguais, que
valorize a capacidade e a experiência e não o gênero pode assegurar a real
transformação para uma sociedade igualitária.
45
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Estudo Histórico sobre a Condição Jurídica da Mulher no Direito Luso-Brasileiro, desde os Anos Mil até o Terceiro Milênio. São
Paulo: Revista do Tribunais, 2001
AYMARD, André & AUBOYER, Jeannine.O oriente e a Grécia antiga. História geral
das civilizações. Europeia : São Paulo,.1962
BARROS, Alice Monteiro de. A Mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr,
1995.
BERGER, P; LUCKMANN. T. A construção social da realidade: tratado de
sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1976.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro : Beltrane Brasil,
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