ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA ROSANGELA DA SILVA Mulher e Poder: relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional Rio de Janeiro 2011 ROSANGELA DA SILVA Mulher e Poder relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG RIO DE JANEIRO 2001 Pedro Fonseca Júnior C2011 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG Biblioteca General Cordeiro de Farias Silva, Rosangela. Mulher e Poder: relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional. /Silva, Rosangela. Rio de Janeiro: ESG, 2011. f.: il. Orientador: CMG Pedro Fonseca Júnior Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2011. 1. Gênero. 2. Equidade 3. Mulher e Poder. 4. Segurança e Defesa. I. Título. As mulheres de fibra e coragem que cotidianamente ainda enfrentam dificuldades e preconceitos pelo simples fato de serem mulheres. As colegas de turma: Helena, Sandra, Vera, Elba, Ângela, Geórgia, Dilara, Gisele e Liliane. Mulheres que, coletivamente ou individualmente, fizeram a diferença no CAEPE 2011. A minha mãe. Juntas, superamos as dificuldades do afastamento nesse período em que cursava o CAEPE. Ao meu namorado, que apoiou e incentivou a minha vinda para o Rio de Janeiro, mesmo sabendo das dificuldades da distância que, felizmente não atrapalhou só nos fortaleceu. AGRADECIMENTOS A Itaipu Binacional, na pessoa de seu Diretor-Geral Jorge Samek, pela oportunidade que me foi ofertada de cursar o CAEPE 2011. Aos amigos queridos do ESG Café que partilharam comigo, nesse período, momentos especiais que guardarei com carinho na lembrança. “Não há uma ação transformadora nesse país que não tenha a cabeça, o braço e o coração da mulher” Clara Charf RESUMO Essa monografia aborda a questão da equidade de gênero e as relações de poder na sociedade e nas instituições de defesa e segurança. O objetivo desse estudo é analisar os conceitos ligados às questões de gênero e poder na sociedade brasileira. A metodologia adotada foi focada na revisão da literatura dos principais autores que discutem os temas de gênero e poder relacionando esses temas nas estruturas da sociedade. A análise apresentada inclui uma visão sobre o papel atual das mulheres nos espaços de decisão das organizações públicas e nas instituições de segurança e defesa. Palavras chaves: Gênero, Equidade, Poder ABSTRACT This monograph refers to the subject of gender impartiality and hierarchy relations at the society and its security/defense institutions. The goal of this study is to confirm some concepts linked to gender and hierarchy questions at the Brazilian society. The methodology adopted was focused on the revision of literature of the main authors that discuss questions related to hierarchy, gender and society structures. The analysis presented includes a vision about the actual women character related to organizational decisions and the approach of its questions to the impartiality of gender in the security and defense institutions. Keywords: Gender, Equity, Hierarchy LISTA DE ILUSTRAÇÕES GRÁFICO 1 Parlamentos no mundo (%)...................................................................31 GRÁFICO 2 Parlamentos no mundo (valores absolutos)...........................................31 GRÁFICO 3 E QUADRO 1 Participação das mulheres nos Parlamentos no mundo..........................................................................32 QUADRO 2 Mulheres nas Secretarias Municipais das Capitais Brasileira ...............33 GRÁFICO 4 Distribuição de homens e mulheres nos Gabinetes Ministeriais............35 GRÁFICO 5 Distribuição das/os DAS segundo sexo e nível de função....................36 GRÁFICO 6 Distribuição das/os eleitas/os para o Senado Federal, por sexo...........36 GRÁFICO 7 Distribuição das/os para a Câmara dos Dep. Federal, por sexo...........37 GRÁFICO 8 Distribuição das/os eleitas/os para as Câmaras dos Deputados estaduais, por sexo...................................................................................................37 GRÁFICO 9 Distribuição das/os deputadas/os estaduais nas assembleias legislativas, por sexo.................................................................................................38 GRÁFICO 10 Número de prefeitas/os e vereadoras/os eleitas/os.............................38 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10 2 PAPEL DA MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO 12 2.1. DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO 2.2 A MULHER E O TRABALHO NA HISTÓRIA 12 13 3 EQUIDADE DE GÊNERO 19 4 RELAÇÕES DE PODER ENTRE GÊNEROS: 23 5 MULHER E PODER 27 6 MULHERES E A SEGURANÇA E DEFESA 39 6.1 A RESOLUÇÃO DO CSNU 40 7 CONCLUSÃO 42 8 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44 10 1. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende detectar as relações de gênero e poder na estrutura da sociedade brasileira de forma macro e de como essas relações de reproduzem de forma micro nas instituições de defesa e segurança. É inegável que o aumento da presença feminina nas esferas de poder em diferentes instituições, tanto pública como privada, é uma tendência mundial e no Brasil essa tendência tem sido percebida pela sociedade brasileira com mais intensidade, resultado, principalmente, de ações afirmativas no que se refere à valorização do papel feminino. Pode-se afirmar que esse novo patamar na condição das mulheres no mundo do trabalho e nos espaços de decisão, representado principalmente na eleição da Presidenta Dilma Rousseff, expressa uma mudança cultural sem parâmetros para a sociedade brasileira. A idéia inicial para elaboração da monografia era desvendar as relações de gênero e poder nas instituições de defesa e segurança que estão sendo dirigidas por mulheres e de como os valores femininos são assimilados por essas instituições. Porém, ao longo da pesquisa percebemos a necessidade de detalhar com mais precisão os conceitos de gênero, equidade e poder. Isso se justifica em razão do reduzido número de literatura disponível que trate desses temas sob a ótica da defesa e segurança e, principalmente, pela vivência como estagiária da Escola Superior de Guerra durante o ano de 2011. Essa experiência de convivência diária com o tema segurança e defesa lado a lado com os principais atores: militares das três forças, policiais militares, delegados e promotores de justiça demonstrou que a questão da equidade de gênero e poder merecia mais atenção desse estudo situações de pré-conceitos com relação ao papel da mulher e da própria condição do “ser mulher” se reproduziam nas diferentes atividades do CAEPE. Dessa forma alguns objetivos iniciais do projeto foram modificados ou abandonados em razão da real necessidade de reafirmação do papel da mulher na estrutura da sociedade. Esse trabalho se estrutura em três momentos: a primeira parte priorizamos a análise histórica do papel da mulher na sociedade e a divisão social e sexual do 11 trabalho; na segunda parte focamos nos conceitos de gênero e equidade, nas relações de gênero e poder, mulher e poder utilizando-se dos principais teóricos que se debruçam sobre o tema; e finalmente na última parte uma análise, ainda que superficial mas não menos importante, do papel da mulher nas questões de segurança e defesa. As entrevistas inicialmente pensadas com mulheres que hoje estão ocupando os espaços de decisão nas esferas do poder, principalmente nas instituições de segurança e defesa, se mostraram prematuras em razão do pouquíssimo tempo de atuação dessas mulheres nesses espaços e, portanto, o objetivo principal de identificar possíveis mudanças culturais nessas organizações conduzidas sob valores femininos não seria atingido, porque, obviamente mudança de corações e mentes masculinas não acontece em um estalar de dedos. 12 2. PAPEL DA MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO 2.1.DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO Analisar historicamente o papel da mulher nas relações de trabalho nos remete ao conceito da “divisão social do trabalho” e aos seus dois principais formuladores: Durkheim e Marx. Émile Durkhein, um dos principais teóricos da Sociologia, descreve a divisão do trabalho social como a necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica entre os membros da sociedade. A solução estaria em seguir o exemplo de um organismo biológico, onde cada órgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver, em que cada membro da sociedade exerce uma função na divisão do trabalho, obrigado através de um sistema de direitos e deveres, e também sente a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros. A cooperação entre os membros de uma sociedade, ou seja, forma de realização de um trabalho conjunto e planificado, em que os diversos indivíduos participam no mesmo processo produtivo ou em processos diferentes, mas interligados, representou durante décadas uma ação comum para obtenção de meios de subsistência. Esta forma de atividade surge primeiro como uma divisão natural de trabalho entre homens e mulheres ou entre adultos, anciões ou crianças. Na medida em que ocorre a complexidade dos processos produtivos. A divisão social do trabalho surge em consequência do avanço no grau de desenvolvimento das forças produtivas e de organização interna das comunidades. Para Marx a divisão social do trabalho, conduz à formação de grupos especializados nas diferentes atividades produtivas e à obtenção de níveis de produtividade que permitem a criação de excedentes econômicos. À divisão social do trabalho alia-se a tendência para a apropriação, numa primeira fase, dos instrumentos de trabalho e, posteriormente, dos restantes meios de produção. Determinam-se relações sociais entre os indivíduos respeitantes ao uso e posse dos instrumentos, dos materiais e até dos bens produzidos. 13 2.2. A MULHER E O TRABALHO NA HISTÓRIA A história, através de diferentes fontes, mostra que no Antigo Egito, a mulher era reconhecida como esposa, mãe ou amante. As mulheres egípcias não ocupavam cargos administrativos ou posições no governo, apenas homens da família real podiam assumir estas funções, apesar de haver atividades destinadas às mulheres, como a tecelagem, além de algumas ocupações religiosas que também tinham destaque na época. Merece destaque o fato de que na história do Egito, houve rainhas que governaram. Esta situação ocorria como último recurso em situações em que se fazia necessário aguardar a maioridade do rei, ou quando o Faraó não havia tido filhos. Apesar da posição inferior da mulher nesta sociedade, pode-se dizer que a mesma era evoluída neste aspecto para a época, pois apesar de não haver reconhecimento de igualdade entre sexos, havia respeito pelas mulheres. Na maior parte das civilizações da época, a mulher era submetida às decisões do marido e ao lar, porém na antiga Grécia, na Civilização Minóica existente nas Ilhas do Mar Egeu, entre 2200 a. C e 1400 a.C, a mulher tinha um papel totalmente diferenciado das outras civilizações gregas. A atividade predominante era a comercial, sendo a mulher livre para adquirir propriedade e ser independente. Frente ao preconceito e a discriminação, tal liberdade deve ser considerada uma evolução histórica do trabalho da mulher. Vale ressaltar as considerações dos historiadores André Aymnaerd e Jeannine Auboyer, em um livro traduzido por Pedro Moacir Campos (1962. P.201): Afirma-se que na sociedade cretense a mulher ocupava lugar de destaque, desfrutando de certa liberdade, o que nos é revelado por apresentações figuradas, mostrando as mulheres em praça pública, no teatro e na arena circense, cabendo às sacerdotisas o principal papel nas cerimônias religiosas. Sendo a antiga Grécia dividida em cidades-estados que nunca se unificaram, percebe-se o destaque de Esparta e Atenas em relação a algumas sociedades. Cidade de caráter militarista e oligárquico, Esparta, no período de 480 a. C, a 359 a. C, homens e mulheres eram criados de maneira semelhante, visando apenas a criação de cidadãos soldados. A partir dos sete anos de idade, as crianças 14 passavam da responsabilidade dos pais para a do Estado. Os homens aprendiam a lutar com a prática de diversos exercícios físicos, objetivando um corpo ágil e sadio. Já as mulheres tinham destaque nesta sociedade por serem reprodutoras dos soldados, as quais também se exercitavam para gerar crianças sadias. Tanto os homens como as mulheres pertenciam ao Estado. Nesta cidade-estado a mulher tinha que pedir autorização para casar, passando por um teste de fertilidade e, como os homens viviam em luta pertencendo ao Estado até os 60 anos, a mulher ficava responsável pelo sustento e cuidado da casa, recebendo uma educação mais aprimorada do que a dos homens. Já Atenas, com modelo político de democracia aristocrata, era a principal cidade da Grécia Antiga, na qual ocorria forte discriminação à mulher. Apesar de sua evolução civil perante as outras cidades Gregas, nessa sociedade apenas os homens estudavam, às mulheres restava apenas cuidar dos lares, de acordo com as vontades dos maridos. Como na maior parte da Grécia antiga, em Atenas, as mulheres eram extremamente submissas aos homens. Chico Buarque de Holanda, em sua música “Mulheres de Atenas”, faz uma síntese bastante precisa desta realidade. Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus maridos orgulho e raça de Atenas (...). Elas não têm gosto ou vontade, nem defeito, nem qualidade. Têm medo apenas. Não tem sonhos, só tem presságios. O seu homem, mares, naufrágios, lindas sirenas, morenas (...). Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Temem por seus maridos heróis e amantes de Atenas. Pode-se observar que em algumas das civilizações antigas, as mulheres eram submissas ao homem. Porém em sociedades como Gália, Germânia e alguns povos da América pré-colombiana, não existiam uma organização hierárquica em decorrência dos sexos. Como exposto no estudo de Alice Monteiro Barros (1995, P.29): “Em Roma e na Grécia Antiga, a situação das mulheres era semelhante, salvo no que tange às atividades comerciais, ausentes naquela. Entretanto, o cenário entre gauleses e germânicos era outro, pois a situação da mulher aproximava-se mais da do homem, chegando a participar de guerras, construções de residências e a tomar parte do conselho que decidia sobre a guerra e a paz. A agricultura ficava exclusivamente sobre seus ombros e, na Idade Média, continuava sendo a principal atividade das mulheres, ao lado dos trabalhos de tapeçaria, ourivesaria e fabricação de roupa. As corporações de ofício de mulheres não gozavam de autonomia, tendo sempre um homem para vigiá-las, controle que se intensifica no Renascimento.” 15 Frente à grande submissão das mulheres em outras épocas, merece registro o fato de que as mulheres tinham acesso a grande parte das profissões durante a idade média, chegando até mesmo a estudar em grandes universidades, embora em número reduzido em relação ao homem. Ocorre que, com a crise do sistema feudal e o início do Renascimento, marcado pelo mercantilismo e a retomada do direito Romano, surgem uma série de retrocessos na condição da mulher e na sociedade ocidental. Com relação a esta época, assim coloca Alice Monteiro de Barros (1995. P.29): No Renascimento, as mulheres vão perdendo várias atividades que lhes pertenciam, como o trabalho com a seda, com materiais preciosos, com a cerveja e com as velas, e se confinam entre as paredes domésticas, entregues ao trabalho domicílio, que surge nos primórdios do século XVI, e perde a importância a partir do século XIX, quando o algodão e a lã são retirados das casas para as fábricas. Os homens, dada a miséria que enfrentam no campo, dirigem-se às fábricas, para executarem um trabalho que até então era confiado às mulheres. Em seguida, a mão-de-obra da mulher e do menor é solicitada na indústria têxtil, tanto na Inglaterra, como na França, porque era menos dispendiosa e mais “dócil”. O movimento Feminista surge na busca da igualdade entre a mulher e o homem, e não se caracteriza apenas como uma luta quanto ao acesso ao mercado de trabalho, mas também quanto à liberdade da mulher perante a sociedade. Este movimento ganha força com a Revolução Francesa e o surgimento do Iluminismo, onde começa a luta das mulheres pelo direito ao estudo entre outros. Uma das grandes conquistas deste movimento é o direito ao voto, permitido em 1893 na Nova Zelândia e, posteriormente, em 1918 na Alemanha. Além disso, já se percebe nesse contexto o aumento das oportunidades de trabalho para a mulher. Ainda com relação aos reflexos do movimento Feminista, Luiz Carlos de Azevedo (2001. P. 63) relata: Não obstante, a campanha pelo sufrágio feminino corria pelo mundo, tornando-se lei em inúmeros países da Europa. No Brasil, no entanto, esse intuito só seria alcançado quando a edição do Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 (Código Eleitoral), prescrevendo este que “é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código (art. 2). Com a Revolução Industrial, aumentou significativamente o número de mulheres que trabalhavam fora do lar, pois com a produção por meio das máquinas, não havia mais necessidade de força física, atribuída exclusivamente ao homem, apesar do fato não ocasionar a diminuição da discriminação existente. Sob as mais 16 diversas justificativas, dentre elas a de que as mesmas “teriam quem as sustentasse”, as mulheres tinham jornada de trabalho de mais de 14 horas diárias e ainda ganhavam muito menos que os homens. Além disso, sofriam abusos de diversas maneiras por parte de seus superiores, mulheres que eram violentadas no ambiente de trabalho. Para Alice Monteiro de Barros (1995. P.30), “O processo de industrialização vivido pelo mundo europeu, no século XIX, caracterizou-se pela exploração do trabalho dessas classes chamadas de “meias-forças”. Em Nova York, em 1848, tem-se a primeira Convenção dos Direitos da Mulher em Seneca Falls, fruto da união do movimento feminista ao movimento operário, impulsionado pela idéia de socialismo que começa a surgir nesse período. Na maior parte dos países ocidentais, as reivindicações do movimento foram formalmente conquistadas nas décadas de 1930 e 1940. A eclosão de duas grandes guerras mundiais, tornou o trabalho da mulher extremamente necessário. Os homens tiveram que lutar nas guerras, enquanto as mulheres ocupavam os cargos vagos para o sustento da família. Entretanto, com o fim das guerras, houve campanhas para desvalorização do trabalho feminino, evidenciando que as conquistas haviam sido apenas no âmbito legislativo. Sobre este período, assim relata Alice Monteiro Barros (1995. P.203): A utilização de homens durante a Segunda Guerra Mundial ensejou na Europa, o aumento na oferta de trabalho, levando as mulheres a um ingresso forçado no mercado, nas mais diversas atividades, inclusive em profissões consideradas, até então, masculinas, demonstrando que estavam em condições de realizá-las, principalmente na indústria. Por outro lado, após a guerra, a maioria das mulheres voltou aos serviços domésticos, cedendo o emprego aos homens, enquanto algumas continuavam a trabalhar e muitas retornaram por volta dos anos cinquenta e sessenta. Pode-se perceber que o preconceito a mulher, não decorria da mesma ser considerada “sexo frágil”, mas sim da preocupação do homem com relação a sua vaga no mercado de trabalho. Cuba foi um país que, no enfrentamento aos preconceitos que envolvem a situação feminina, criou uma lei que prevê a obrigação legal do marido dividir com a mulher os serviços domésticos. A esposa poderia inclusive recorrer ao Comitê de Defesa da Revolução em caso de recusa do marido. Tal recurso fundamenta-se na igualdade do socialismo, incentivando as mulheres a trabalharem e gerarem mais riquezas. 17 Assim, chega-se ao século XXI com o trabalho da mulher não só como um direito, mas como uma necessidade para o sustento do lar. Também se observa que, “a penetração da mulher no mercado de trabalho se dá pela via da filantropia que é usada pela mulher da classe dominante como reação para sair do isolamento do lar.” (MICHEL in FISCHER, 2001. P.03) No campo do trabalho, a exclusão da mulher não encontra explicação nas conjunturas econômicas, pois suas raízes estão fincadas em matrizes diversificadas, a exemplo dos interesses do patriarcado em manter a mulher distante do patrimônio e numa relação hierárquica inferior, imputando-lhe a atribuição de prestar serviço social gratuito, de importante relevância para a sociedade pensada para o homem. A desconstrução dessa forma de exclusão da mulher e sua integração ao mundo do trabalho se dão a partir do século XIX através do empenho e da luta feminista travada na sociedade 1 mundial. O fato é que mesmo com a quebra do isolamento do lar e participação na esfera pública, este processo de entrada no mercado de trabalho se arrasta até os dias atuais em um processo de reações e conquistas. É perceptível no nosso dia-adia que. mesmo depois de muitas batalhas as mulheres, ainda recebem salários proporcionalmente menores que os homens e que dificilmente assumem cargos de chefia, apesar de numericamente estarem em igualdade aos homens inseridos no mercado de trabalho. Em números segundo a revista Opet e Mercado de 2008, as executivas têm salários entre 15 e 30% inferiores aos homens. “Apesar de terem adentrado em massa no mundo do trabalho no ultimo século, as mulheres ainda ganham menos e dificilmente conseguem chegar aos últimos degraus da hierarquia de empresas e de outras instituições publicas.” (VIEZZER e MOREIRA, 2006. P.23) Há os que acreditam que isso é uma consequência vinda da necessidade da mulher conciliar trabalho e tarefas de casa: “Uma das razões para haver tão poucas mulheres em cargos de comandos nas empresas, em todo o mundo, é a opção de um grande número delas pela diminuição da carga de trabalho.” (DINIZ, 2004. P.24) O homem, de modo geral, ainda continua ausente na divisão das tarefas domésticas. Por não ter conquistado a equidade de gênero na esfera privada, ou seja, a participação do masculino nas tarefas da casa, a mulher assume uma carga de trabalho no espaço público semelhante ou mais 2 exaustivo do que a do trabalhador masculino. 1 2 FISCHER e MARQUES, 2001. P.03 Id. 2001. P.04 18 Contudo, grande parte das mulheres ainda busca conciliar as atividades domésticas e de renda. “No espaço da sociabilidade do trabalho, ela toma ciência de que pode gerenciar a própria vida, pode exercer a chefia da família e, através do convívio coletivo, livrar-se da timidez, aprende a sorrir e a criar sonhos.” (FISCHER e MARQUES, 2001. P.04) Este cenário apresenta repercussões positivas para as mulheres, segundo DINIZ, “a mulher é portadora de uma espécie de licença da sociedade. Enquanto o homem ainda é cobrado, principalmente pelo sucesso profissional, para as mulheres isso é uma possibilidade, não uma obrigação.” (2004. p..23) Mesmo porque, infelizmente a identificação com a profissão como fonte de sucesso é algo mais presente nos homens do que nas mulheres. Mas percebe-se que o sucesso feminino como integrante de organizações e empresas está inerente a esses debates que cercam o assunto. Esse novo momento nas palavras de José Manuel Caron Jr, ex-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe-PR).: “a imagem da professorinha imortalizada na música e na consciência de cada um de nós, é tão antiga e tão bela, quanto irreal. Hoje, a professorinha é pós-graduada e altamente preparada para exercer qualquer função dentro da escola, tanto pedagógica quanto administrativa, financeira ou acadêmica.” A mulher está saindo da condição de coadjuvante dentro do mercado de trabalho e no núcleo familiar, se preparando para enfrentar novos desafios e assumindo funções mais estratégicas nas corporações. Com tantas conquistas no mercado de trabalho, ainda observa-se no cenário atual uma desigualdade de cargos, funções e salários com relação aos homens. Então deve-se procurar neste caso, a equidade de gêneros como forma de reeducação social visando à extinção da exclusão social, como veremos a seguir. 19 3. EQUIDADE DE GÊNERO Como já observado no capítulo anterior, combater a exclusão social feminina é uma busca. Isso porque, na Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III), em 10 de dezembro de 1948, no artigo II, encontramos a seguinte afirmação: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou, qualquer outra condição”. Na Declaração, encontramos artigos em defesa da igualdade e liberdade entre os seres e respeito aos Direitos Humanos. Foi em um contexto de expansão urbana na França que o conceito de exclusão surgiu e “(...) toma vulto a partir do livro Les Exclus (1974), de autoria de Lenoir, que define os excluídos como aqueles indivíduos concebidos como resíduos dos 30 anos gloriosos de desenvolvimento.” (MARQUES E FISCHER, 2001. P.01) Para entender a relação de equidade de gênero e a exclusão social, faz-se preciso uma análise de conceitos. Equidade significa o reconhecimento dos direitos da população e a efetivação desses direitos em igualdade de condições. Significa também, não restringir o acesso a bens, serviços ou quaisquer outros direitos por causa das diferenças que se conformam entre as pessoas e entre os 3 diversos segmentos sociais. O conceito de “gênero” abrange mais do que a diferença macho e fêmea ou mulher e homem: “O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as ‘construções sociais’: a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres.” (SCOTT, 1995) O conceito de gênero dado por Viezzer e Moreira (2006. P.30) explica que: “(...) surgiu nos EUA em meados dos séculos XX primeiramente designando as diferenças psicológicas entre homens e mulheres. Posteriormente na Inglaterra, na década de 1970, algumas estudiosas acadêmicas debruçaram-se sobre um fenômeno curioso: as diferenças 3 VIEZZER E MOREIRA, 2006, P.21 20 sexuais entre machos e fêmeas da espécie humana traduziam-se quase sempre em desigualdades no tratamento de homens e mulheres, em detrimento das mulheres. De um modo simplificado a equidade de gênero nada mais é do que: “a equivalência de resultados na vida de homens e mulheres, reconhecendo as suas diferentes necessidades e interesses, e exigindo uma redistribuição de poder e recursos.” (Reeves e Baden in Piazzolla, 2008) Compreende-se a importância de uma sociedade visando à diminuição da exclusão social das mulheres em busca da equidade entre gêneros, quando se percebe que esta exclusão vem de uma origem histórica remota. E que está de um modo geral enraizada na sociedade pós-moderna devido a fatores culturais Na época antes de Cristo havia registros da exclusão da mulher em obras de pensadores famosos como: Platão em seu V livro A República, desenhava a mulher como reencarnação dos homens covardes e injustos. Aristóteles em A História Animalium, afirmava que a mulher é fêmea em virtude de certas características: é mais vulnerável a piedade, chora com mais facilidade, é mais afeita à inveja, à lamuria, à injuria, tem menos pudor e menos ambição, é menos digna de 4 confiança, é mais encabulada. No início da Era Moderna, que alguns acreditam ter sido a época de uma “revolução social”, devido ao sistema feudal ter começado a ser substituído pelo modelo capitalista, ainda alguns outros filósofos importantes desenhavam sua forma de pensar embalando a sociedade: “Rousseau vê a mulher como destinada ao casamento e à maternidade. Kant a considera pouco dotada intelectualmente, caprichosa, indiscreta e moralmente fraca. Sua única força é o encanto. Sua virtude é aparente e convencional.” (ALAMBERT in FISCHER, 2001. P.02) Entrando no século XVIII, a Igreja estava se organizando como organização de poder institucional, difundindo fé, burocracia e valores. As visitas pastorais e o confessionário funcionavam como mecanismos de controle, afirmando e reafirmando normas e regras morais que pregavam a submissão da mulher de forma inquestionável. E no mesmo século, em um cenário de revolução industrial em alguns países: Depois da revolução industrial, que circunscreveu cada vez mais homens e mulheres a determinados papéis. Para as mulheres o mundo privado, para 4 ALAMBERT in FISCHER, 2001. P.02 21 os homens o domínio da vida publica. As crenças básicas desse modelo são: a visão de que o fato de ser homem ou mulher se associa – naturalmente - com algumas atividades, potencialidades, limitações e atitudes; a valorização diferenciada das atividades identificadas como masculinas ou femininas; valorização diferenciada de uma mesma atividade, atitude ou comportamento dependendo se o sujeito é homem ou 5 mulher. Um exemplo de como as mulheres eram vistas é um depoimento de 1898 por Selina Cooper, em artigo intitulado "The Lancashire Factory Girl", onde já no mercado de trabalho a mulher ainda é discriminada: Eu tenho escutado frequentemente comentários sarcásticos quanto às mulheres que trabalham em fábricas do tipo oh, ela é apenas uma operária; o que dá ao mundo a impressão que nós não temos o direito de sonhar com uma outra realidade a não ser a nossa. Eu lamento que ainda não estejamos atentas aos fatos e que percebamos que contribuímos muito para aumentar a riqueza da nação e, que em função disso, temos direito a respeito e não insultos. Pois em muitas casas de Lancashire há heroínas cujos nomes nunca serão conhecidos; ainda assim, é consolador saber que 6 nós, como classe, contribuímos para o mundo. Em 1918. com o fim do conflito da primeira guerra mundial, o mundo encontrava-se em ruínas e no campo econômico não era diferente. As mulheres assumiram o mercado de trabalho, passaram a integrar mais ativamente a sociedade. Mas mesmo dentro desse cenário, ainda a mulher era desvalorizada. “Certos setores de produção e de serviços absorveram bem essa mão-de-obra, vislumbrando um aumento da mais valia, através do pagamento de salários menores à mão-de-obra feminina.” (CALIL, 1998) Com o final da segunda guerra mundial, a sociedade teve que integrar cada vez mais as mulheres no mercado de trabalho. Por mais que as jornadas de trabalho ainda fossem exaustivas e os salários inferiores, foi a partir daí que as políticas para que as mulheres fizessem parte do desenvolvimento começaram a serem discutidas. Parafraseando Viezzer e Moreira, 2006, durante os anos 40 até 60 o enfoque era no bem estar, ou seja, satisfazer as necessidades básicas e não a diferenciação dos papéis tradicionalmente estipulados a homens e mulheres. Já na década de 70 a visão social era da anti-pobreza, em outras palavras, buscava a auto-suficiência econômica das mulheres e o benefício da sua renda para o lar, mas não focava na igualdade entre homens e mulheres nas estruturas econômicas e sociais. Na década 5 6 VIEZZER E MOREIRA, 2006, P.33 MACHADO, 2008 22 de 80, a mulher era marginalizada e vista como mão de obra não qualificada, o cenário então inspirou políticas voltadas para a valorização econômica feminina. Enfim, na década de 90, o enfoque foi o gênero: “trata-se de uma fase marcada pela busca de empoderamento das mulheres, tendo como base ações afirmativas e a política de cotas de participação das mulheres nos partidos políticos, nas empresas e em outras esferas de poder”7 No momento atual a busca é pela equidade e a promoção ampla do poder feminino. Ou seja, a busca por uma redefinição de poder na sociedade: “que vai do aumento da autoconsciência e de crescente autodeterminação individual a uma mudança coletiva em direção a maior equidade social dentro dos países e entre os blocos de países.” (VIEZZER E MOREIRA, 2006. P.36 e 37) Pesquisando sobre o tema equidade de gêneros, percebe-se que em nenhum país as mulheres têm oportunidades iguais aos homens. Observa-se esta desigualdade principalmente na área econômica e política. A análise histórica, mostrando a discriminação contra a mulher ou o ser feminino e sua conquista nos últimos séculos e a revisão de conceitos sobre gênero, é fundamental para a compreensão do processo de construção do papel social da mulher e abre uma nova perspectiva de análise: relação de poder entre os gêneros que veremos no capítulo seguinte. 7 VIEZZER E MOREIRA, 2006. p. 36 e 37 23 4. RELAÇÕES DE PODER ENTRE GÊNEROS: A relação entre gêneros se estabelece dentro de um sistema hierárquico que dá lugar a relações de poder. Entende-se poder neste caso “não como uma coisa, mas como algo relacional, ou seja, fazendo parte de todas as relações humanas.” (ELIAS in YÉPEZ, 2005. P.150) E nessa relação de poder, o masculino não só é diferente do feminino, mas também visto como superior e dominante. “A discriminação da mulher começa cedo, no momento do nascimento ou mesmo antes. Pois, quando meninas e meninos chegam à escola já têm interiorizado, a maioria dos padrões de conduta discriminatória.” (TOJAL, 2003. P.1) A diferença entre os sexos vai além da definição biológica. São representações sociais e culturais, e manifestam-se de diversas maneiras. “Acreditase relevante considerar, portanto, a infância e a adolescência não apenas como construções sociais mediadas sempre pela dimensão sócio-cultural, mas uma etapachave de definição do habitus social entendido como o universo simbólico que gera o estilo peculiar de pensar e agir individual” (YÉPEZ e PINHEIRO, 2005. P.149) Assim, desde muito jovem a criança sabe qual papel vai seguir na sociedade e muitos desses papéis são exigidos pela coletividade e fixados pelas famílias: A partir dos 7 anos, quando se percebe um interesse maior pelas questões sexuais, começa a haver uma separação das crianças por sexo, e as famílias exercem grande pressão para que essas distinções se acentuem, principalmente com os ‘cuidados’ redobrados com as meninas. As mães e outras mulheres convencem-nas dos perigos da proximidade com os meninos, pois elas podem ser vítimas das ‘ousadias’ deles, ou até mesmo da violência física praticada pelos valentões. Assim, teoricamente, as meninas aprendem e reproduzem entre si que menina não anda, nem brinca com menino, pois são dois modos de ser incompatíveis na convivência cotidiana, ainda que muitas não concretizem essa idealização 8 dos adultos. Na mesma faixa etária, meninos são estimulados inferiorizarão do feminino: “aos meninos é recomendado o distanciamento das meninas, através de uma pressão social que os estigmatiza como “boiolas”, “viados” ou “ousados”, caso tenham maior interesse em brincar ou ficar no meio das meninas.” (RIBEIRO, 2006. P.153) 8 RIBEIRO, 2006. P.153 24 Já na adolescência, “(...) é nesse momento que aprenderão definitivamente as técnicas corporais que conservarão por toda idade adulta.” (MAUSS in FRAGA, 1995. P.36) E nesta fase onde receios e anseios se mesclam encontramos o seguinte cenário: É significativo, por exemplo, o fato de que as adolescentes, apesar de se queixarem da carga de responsabilidades domésticas e do maior controle exercido sobre elas, em relação aos irmãos, dão menos sinais de confrontos com os pais e/ou responsáveis. Convertidas historicamente em responsáveis pelo cuidado e educação dos filhos, as próprias mulheres reproduzem esses padrões sexistas de socialização, contribuindo para a 9 reprodução das relações de gênero vigentes. Segundo Célia Chaves Gurgel do Amaral (1997. P.295), as diferenças são além das biológicas e neste caso foram traçadas pelos próprios adolescentes e relatadas no seguinte quadro: 9 YÉPEZ e PINHEIRO, 2005. P.159 25 A autora nos conta que o ser homem, em sua pesquisa, significou permissão e o ser mulher, proibição. Outro conceito marcante da pesquisa foi sobre o “machismo”. Neste caso, meninas e meninos concordaram que tem uma conotação negativa, e revela exploração e dominação do outro. Outros fatores que mesmo não divulgados como deveriam mostram a desigualdade e fixam as relações de poder em todo o mundo são dados como estes da ONU: existem no mundo atualmente cerca de 1,2 bilhões de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia. Em torno de 70% desse total são mulheres; de cada três analfabetos existentes, duas são mulheres; mulheres e crianças representam cerca de 80% dos refugiados de guerras e conflitos armados. Os códigos simbólicos que embasam qualquer cultura permanecem no tempo como valores inerentes e estão no nosso cotidiano, identificando-nos enquanto seres humanos. A dominação masculina, exerce uma "dominação simbólica" sobre todo o tecido social, corpos e mentes, discursos e práticas sociais e institucionais; (des)historiciza diferenças e naturaliza desigualdades entre homens e mulheres. (...) a dominação masculina estrutura a percepção e a 10 organização concreta e simbólica de toda a vida social. Porém, para que se possa atingir a equidade de gêneros é necessário entender o contexto histórico em que essas discriminações foram praticadas: “a categorização masculino e feminino é feita com violência e não de forma natural, pois, colocando a masculinidade como dominante e a feminilidade como submissa, reforçamos a continuação da desigualdade patriarcal” (RIEGER in SILVA, 2006. P.74), para que hoje, nessa nova era de valorização social seja discutida com mais frequência, políticas baseadas nesse novo momento. A dominação masculina está presente em todas as sociedades pois elas se constituíram sob uma perspectiva androcêntrica que pressupõe a dominação do princípio masculino (ativo) sobre o princípio feminino (passivo). Essa dominação simbólica descrita por BOURDIEU (1999) exerce sobre os corpos um forte poder sem a necessidade da força física. É um a dominação imposta e quase sempre invisível. Entende-se a noção de gênero em BOURDIEU (2003) como um elemento da construção histórica, na qual a desigualdade entre os sexos é resultante de uma construção que gera e mantém sistemas, formas e significados aos quais são atribuídos valores distintos que servem para propósitos 10 BOURDIEU in ARAÚJO, 2008 26 determinados. Assim, podemos entender que as instituições família, escola, igreja, Estado reproduzem as relações de poder, opressão e desigualdade entre os sexos. A família é a instituição determinante na reprodução não só biológica, mas também na estrutura do espaço social e das relações sociais. A escola, responsável pela transmissão do saber capacita para o mundo do trabalho e define em suas práticas tanto o conhecimento necessário, como o trabalho apropriado conforme o gênero, já que existe um inter-relacionamento entre conhecimento e poder é necessária uma divisão de saberes entre o sexo dominante e o sexo dominado. Entende-se assim que cabe ao masculino o exercício de atividades mais qualificadas e ao feminino as atividades menos qualificadas, ou com remuneração menores. Na sociedade capitalista, que valoriza primeiro a qualificação ao trabalho, a mulher tem cabido sempre a incapacidade, a incompetência e a fragilidade. Ao Estado cabe a responsabilidade de inscrever nas normas sociais os princípios fundamentais da visão andocêntrica construída pela sociedade. BORDIEU aponta para a urgente revisão e questionamento sobre as condições históricas das relações entre os sexos. Para tanto, é fundamental à descoberta de contradições e de espaços que não reproduzam as relações de dominação. Essas novas balizas devem ser estabelecidas dentro das instituições responsáveis pela reprodução da desigualdade entre os gêneros. A mulher, seu corpo, sua sexualidade e os papéis sociais que lhe foram atribuídos ao longo da história tem a possibilidade de inverter, modificar essa condição através da distribuição do poder nas instituições sociais e da apropriação do saber. 27 5. MULHER E PODER O estudo do poder possibilita a tentativa de compreensão de suas inúmeras cadeias, que se formam na sociedade e se refletem principalmente nas diferentes instituições pelos mais variados interesses. Pode-se analisar o poder por diferentes vertentes: poder econômico, poder político, poder da mídia, entre muitos. Frente a essas inúmeras possibilidades de estudo do poder encontramos em FOUCAULT (1984) considerações teóricas que são capazes de dar suporte à reflexão sobre o papel do poder nas relações de gênero. Para FOUCAULT, o poder é uma prática social e como tal construída historicamente, ou seja, não é natural na sociedade. Além de percebê-lo como uma prática constituída na formação histórica das sociedades, o poder tem o propósito de ativar micropoderes que estavam sob a dominação de saberes dominantes e nas suas especificidades, darem conta de microfacetas da realidade. O poder social constitui-se de relações desiguais que partem das relações de força presente na sociedade. O poder para FOUCAULT teria: (..)uma essência e seria um atributo, que qualificaria os que o possuem (dominantes) distinguindo-os daqueles sobre os quais se exerce (dominado). Mas, o poder não tem essência, ele é operatório. Não é atributo, mas relação: a relação de poder é o conjunto das relações de forças, que passa tanto pelas forças dominadas quanto pelas dominantes, 11 ambas constituindo singularidades. A análise do poder na perspectiva de FOUCAULT é fundamental para compreender as relações de desigualdades das mulheres em relação aos homens, uma vez que concebe “o poder como uma rede de relações sempre tensas. Não admite polaridade fixa, mas considera que homens e mulheres, através das mais diferentes práticas sociais, constituem relações em que há constantemente negociações, avanços, recuos, consentimentos, revoltas e alianças” (FOUCAULT in LOURO, 1998, p. 39-40). FOUCAULT revela o poder como algo vivo no próprio tecido do corpo social, podendo-se denominar de poder o conjunto de relações presentes em toda parte, na 11 FOUCAULT in DELEUZE, 1991, p. 37 28 estrutura do corpo social. O poder disciplinar é algo implícito nas organizações, a repressão se realiza através dos saberes constituídos e das relações desiguais, constituídas de acordo com os campos de força existentes na sociedade. Assim podemos entender a relação mulher e poder sobre três perspectivas: a primeira diz respeito à posição da mulher na estrutura de dominação e a contraposição feminino x masculino; a segunda refere-se à pretensão de poder da mulher na sociedade moderna e o porquê a mulher tem participação tão pequena no cenário político; a terceira perspectiva remete a representação que as mulheres empoderadas tem construído com as mulheres em geral. Neste cenário, vamos nos concentrar na presença feminina nos espaços de decisão e poder e a baixa participação de mulheres nesses espaços, que a muito tempo vem sendo apontada como um obstáculo à consolidação da democracia no Brasil e no Mundo. Analisando as estatísticas de diferentes institutos e organizações no Brasil e no mundo, vamos nos deparar com um número de mulheres ocupado posições de decisão infinitamente menor que o número de homens. A ausência de um percentual mais representativo da parcela feminina mundial nesses espaços chama a atenção por uma falsa dificuldade de enfrentamento do problema e pela resistência nas tentativas de desconstrução dos obstáculos que impedem uma maior participação das mulheres nos mais variados espaços de poder e decisão. Um espaço que tem recebido maior atenção de pesquisadores é o espaço da política, principalmente pela identificação maior do poder institucional. Segundo RANGEL: A sub-representação das mulheres na política institucional é reconhecida como um grave problema em regimes eletivos, e vem sendo apontada como sintoma do déficit democrático que atinge diversos governos representativos. Em 1995, a Conferência Mundial sobre Mulher das Nações Unidas (a Conferência de Beijing) estabeleceu um mínimo de 30% como meta mundial da participação feminina em casas legislativas. Entretanto, dados da União Interparlamentar (IPU, sigla em inglês), órgão vinculado à Organização da Nações Unidas (ONU), mostraram que, 13 anos depois, essa meta foi alcançada em somente 20 Câmeras de Deputados no 12 mundo. A problemática da baixa participação de mulheres em espaços de poder tem relação estreita com o limitado acesso à esfera pública, mas não se explica unicamente por esse fato: 12 RANGEL, Patrícia. “Existe democracia sem as mulheres? uma reflexão sobre a função e o apoio às ações afirmativas na política”. In: Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Ano I, número 1. Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009. 29 Ao longo do século XX e, mais especialmente, a partir da década de 1960, as sociedades ocidentais presenciaram uma verdadeira “invasão” das mulheres ao espaço público. Tradicionalmente relegadas à esfera doméstica, sob a resistente dicotomia do público/masculino X privado/feminino, mulheres das mais diferentes origens enfrentam a divisão sexual de trabalhos e as imposições dela decorrentes, lutando pela alcançarem outros espaços e experimentarem outras possibilidades de 13 inserção social. A participação feminina no mundo do trabalho não é uma condição nova para uma parcela significativa de mulheres no país e no mundo, mas ainda é grande a distância entre homens e mulheres na ocupação do espaço público e, mais especificamente, nos espaços de poder da política institucional. Com representatividade de 50% da população e do eleitorado e com maior nível de escolaridade as mulheres dividem igualmente com os homens a responsabilidade pela economia do nosso país, ou seja, as mulheres representam 50% da população economicamente ativa. Mas apesar desse cenário, a mulheres não atingem 20% dos espaços de poder e decisão nas instituições do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse quadro se reflete no setor privado, onde apenas 20% das mulheres ocupam cargos de chefia.14. Podemos entender que fatores culturais então entre as principais causas da disparidade na participação de homens e mulheres na esfera pública. A cultura da divisão sexual do trabalho e o preconceito de gênero ainda dificultam a plena participação feminina nas instâncias decisórias da vida social. As relações de poder que estruturam e organizam a sociedade que se manifestam nos valores sociais e nas convenções de gênero que se inter-relacionam criando uma rede complexa e dando corpo a problemática da baixa participação das divisão sexual e racial do trabalho, que se origina basicamente em uma esfera masculina de tomada de decisões e reproduz preconceito no qual as mulheres não são consideradas para ocupar cargos de poder e decisão. No Brasil, a Lei de Cotas se mostra ineficaz para garantir o acesso maior da presença feminina nas instituições políticas. Além disso, cotidianamente, nos espaços públicos e privados, se reproduz o pensamento de que os cargos de decisão não foram feitos para serem ocupados por mulheres. 13 PINHEIRO, Luana & BRANCO, Alexandre. “Mulheres nos espaços de poder e decisão: o Brasil no cenário internacional”. In: : Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Ano I, número 1. Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009. 14 .Dados: “Mais Mulheres no Poder: eu assumo esse compromisso”. http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br 30 Mesmo com a presença cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho, as mulheres continuam recebendo salários menores que dos homens e exercendo atividades inferiores e de longe dos espaços de decisão. Talvez podemos explicar esse fato por historicamente as mulheres estarem relacionadas as atividades que rementem ao cuidado do outro, seja no seu papel de mãe ou no de responsável pelos membros da família. O entendimento corrente sobre o lugar ocupado, a importância e o valor do trabalho reprodutivo e das responsabilidades familiares nas sociedades e, como parte disso, a definição das mulheres como responsáveis exclusivas por eles, tem uma série de desdobramentos. Primeiramente, é importante lembrar que esses aspectos derivam de uma divisão sexual do trabalho, dicotômica e rígida, que atua como poderoso princípio norteador nas bases da organização social e econômica das sociedades. Manifesta-se em uma forma específica de relação entre trabalho produtivo remunerado e trabalho produtivo não-remunerado, no qual as noções homem-provedor e mulhercuidadora e das mulheres como força de trabalho secundária são 15 reforçadas. Somente o incremento de políticas públicas que valorizem a equidade de gênero na sociedade pode superar esperiótipos arraigados em nossa sociedade, transformando a organização das instituições e dos valores ali produzidos e reproduzidos. O Brasil frente às outras nações do mundo ainda tem um longo caminho a trilhar no que diz respeito à promoção da equidade de gênero. A Instituição Não-Governamental União Parlamentar, que mede a presença feminina nos Parlamento Mundiais, em pesquisa realizada em 2009, revela que apenas 18,6% de mulheres acupavam nequele ano cadeiras no Poder Legislativo em 187 países pesquisados. Ruanda foi o único país a ter mais de 50% de mulheres no Legislativo. Nesse ano o Brasil tinha apenas 9% de representação feminina na Câmara dos Deputados e 12,3% no Senado Federal, ocupando o 109º na colocação mundial revelada pelo IPU. 15 VASCONCELOS, Márcia. “Responsabilidades familiares”. : Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Ano I, número 1. Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2009. 31 32 33 Pesquisa semelhando foi realizada no Brasil pela ONG Mais Mulheres no Poder, também no ano de 2009 revelando que a presença feminina nos Estados é de 13% e nas Prefeituras de 8%, sendo que nas capitais esse porcentual aumenta para 20% considerando que 70% ocupam cargos ligados diretamente a esfera do cuidado, nesse caso, as Secretarias de Assistência Social. Esse números reforça o pensamento arraigado na sociedade brasileira sobre o papel que “pode”/”deve” ser desempenhado pelas mulheres. Os dados obtidos nas eleições municipais de 2008 mostram que as mulheres representavam, então, apenas 19,85% do primeiro escalão dos Executivos Municipais nas 26 capitais analisadas. Eram 79 secretárias (19,85%) e 319 secretários (80,15%) nas 398 secretarias analisadas. 34 As eleições de 2010 demonstraram que o quadro da representatividade feminina pouco se alterou, apesar de elegermos a primeira mulher presidente do Brasil. A presidente se deparou com uma tarefa complexa e difícil: garantir a presença de mulheres no primeiro escalão do governo federal. A meta inicial era de pelo menos um terço de mulheres na equipe ministerial, mas essa meta acabou não sendo cumprida em função de dois aspectos: em sua maioria, os partidos da base aliada não apresentaram candidatas entre os nomes indicados e segundo, a invisibilidade das mulheres como cidadãs e sujeitos da vida pública. 35 Pode-se afirmar que a presença de mulheres nos cargos eletivos e executivos, principalmente as mais identificadas com uma agenda de compromisso com a equidade de gênero e garantia dos direitos das mulheres, promove a inclusão política de forma mais democrática e ampliada. A questão da invisibilidade das mulheres como atores da vida públicas reflete-se na ausência da presença feminina nos partidos e demais instituições. Um estudo realizado pelo DIEESE e apresentado no Anuário da Mulher Brasileira se constitui em um subsídio necessário e oportuno neste momento da conjuntura política e social do país, quando a efetivação das políticas públicas para as mulheres é uma das condicionantes para a erradicação da pobreza, compromisso do governo da Presidenta Dilma Rousseff. O estudo recolhe e sintetiza as principais estatísticas e informações disponíveis sobre as mulheres e aborda questões relacionadas às condições das mulheres na família, no mundo do trabalho, no poder, na educação, na saúde e em outros espaços importantes da cidadania. Apresentamos aqui os resultados referentes às mulheres e o poder. Os dados refletem as dificuldades enfrentadas para uma maior presença de mulheres nos espaços de decisão. O cenário nacional, reflete-se nos cenários estudais e municipais. 36 37 38 39 Os números oscilaram positivamente com o Governo Dilma Rousseft, mas ainda está longe de atingirmos os índices que efetivamente garantam o equilíbrio entre homens e mulheres nas esferas de poder e decisão. O destaque se dá principalmente na presença de mulheres nos espaços de decisão e poder nas áreas ligadas a questão e segurança e defesa como veremos a no próximo capítulo. 40 6. MULHERES E A SEGURANÇA E DEFESA O mundo vivenciou a partir da década de 60 mudanças estruturais no que se refere a divisão sexual do trabalho. As mulheres, historicamente reféns do espaço doméstico, começam a ganhar o espaço para além do quintal de suas casas reivindicando, das mais diferentes formas, uma maior inserção na vida social, principalmente no mercado de trabalho. O que vivemos hoje é reflexo desse movimento de décadas, constatamos a maior atividade econômica das mulheres e consequentemente maior autonomia em função do acesso a recursos financeiros, ou leia-se, salário. Além disso, as mulheres tem dedicado tempo a sua formação, resultado disso que hoje o nível de escolaridade feminino no Brasil é maior que o masculino. A busca por uma maior inserção social ocupando espaços, principalmente no mundo do trabalho, que tradicionalmente eram concebidos como masculinos, pode ser facilmente verificados no nosso cotidiano: são mulheres pedreiras, garis, pilotas, motoristas, engenheiras, policiais entre tantas outras profissões. No rol das novas atividades que as mulheres conquistam, alguns espaços de decisão e poder ligados diretamente as áreas de segurança e defesa merecem destaque. E o destaque se dá principalmente por serem essas áreas ainda identificadas como sendo pertencente ao universo masculino. Ainda que se tenham diversos trabalhos elaborados acerca da presença feminina nas Forças Armadas Brasileira, ainda é quase nulo a pesquisa referente ao verdadeiro papel da mulher nos espaços de decisão de poder na área de segurança e defesa. Esses estudos quase sempre se reportam as atividades desempenhadas pelas mulheres nos quarteis e um estranho paradoxo: a entrada de mulheres nas Forças Armadas analisada sob dois aspectos, o da conquista democrática e como um problema institucional. Essa problemática, importante, porém não o foco desse trabalho, ainda carece de maiores estudos, analises e reorganização da estrutura militar brasileira, até porque, no Brasil atualmente temos uma mulher como Comandante-Chefe das Forças Armadas, e portanto a idéia de que as funções de defesa e segurança nacional são incompatíveis com o gênero feminino se desfazem como fumaça. 41 Entendendo que a paz está estreitamente ligada à igualdade entre mulheres e homens, e ao desenvolvimento, pode-se afirmar da importância do papel das mulheres na prevenção e resolução de conflitos e na consolidação da paz. A participação das mulheres nos processos de tomada de decisão pressupõe o pleno envolvimento delas em todos os esforços de manutenção e promoção da paz e segurança 6.1. A RESOLUÇÃO DO CSNU Em 31 de Outubro de 200, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou por unanimidade a Resolução 1325, reafirmando a importância da promoção da igualdade de gênero em todas as fases dos processos de construção da paz e da promoção da segurança. Trata-se do reconhecimento dos impactos específicos que as guerras contemporâneas e as situações de insegurança tem sobre a vida das mulheres em todos o mundo e os esforços desenvolvidos para combatê-los e minimizá-los. A Resolução reforça a importância de igual participação e do total envolvimento das mulheres nos esforços de manutenção e promoção da paz e da segurança, e o mais importante, da real necessidade de aumentar o papel das mulheres nas tomadas de decisão no que diz respeito à prevenção e a resolução de conflitos e à sua participação nas operações de paz. O documento cria uma base política internacional que sustenta a promoção e a defesa da transversalidade da dimensão da igualdade de gênero na prevenção, gestão e resolução de conflitos armados e em todas as fases dos processos de construção da paz, entendendo a construção da paz de forma mais estrutural, ou seja, com a aplicação tanto em países em processos de conflito armado e de manutenção da paz conquistada, como também da aplicação em países em paz, como é o caso do Brasil, mas que apesar disso, apresenta quadros de insegurança social quando no debruçamos sobre os números da violência urbana. Pode-se afirmar que o documento representa o coroamento do processo desenvolvido pela sociedade civil, principalmente por organizações de defesa e igualdade de gênero e dos direitos das mulheres, a nível internacional e ao longo de décadas. O principal desafio era trazer para o centro do debate internacional mecanismos de proteção da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres, seja na esfera da violência sexual e discriminação em momentos de paz formal, ou seja 42 na vulnerabilidade e violações sentidas pelas mulheres em contextos de conflito armado e de violência. A Resolução 1325 busca inspiração nos principais documentos e compromissos internacionais assumidos no âmbito das Nações Unidas e destinado à promoção dos direitos de mulheres e crianças como a Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e seu Protocolo Opcional, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças e protocolos referencia sobre o tema, em especial o Protocolo sobre Crianças e Conflitos Armados. As Conferências Mundiais sobre Mulheres das Nações Unidas em Nairobi, em 1985, e de Pequim, em 1995, foram as precursoras da Resolução 1325. Recentemente, a adoção pelo Conselho de Segurança das Nações Unidades da Resolução 1820 de Junho de 2008, traduz o reconhecimento da violência sexual como um problema especifico de segurança, condenando e denunciando a violência sexual praticada em situações de conflito como arma de guerra numa clara tentativa de reforçar as respostas urgentes à falta de prevenção e proteção destinada a mulheres, crianças e meninas, de forma a impedir que sofram violações dos seus direitos humanos, incluindo a violência sexual. A Resolução possibilita, de uma forma abrangente e incluiu para além da abordagem dos conflitos armados e ajuda humanitária, a promoção interna da coerência e articulação da política nacional de segurança pública e de combate a violência. A análise da realidade internacional comprovs que a existência e implementação de Planos Nacionais de Segurança e Defesa que abranjam esse tema contribui decisivamente para a real integração da dimensão da igualdade de gênero nas políticas de defesa, de segurança interna e de cooperação para o desenvolvimento dos Estados, revelando-se instrumentos chave na implementação dessas políticas e na disseminação das preocupações relacionadas com Mulheres, Segurança e Paz. 43 7. CONCLUSÃO Com base nas leituras e estudos realizados foi possível verificar que relações de poder se apresentam e reproduzem as formas tradicionais da divisão social do trabalho, dificultando a inserção de mais mulheres nos espaços de decisão e poder. Verificamos que a desigualdade de entre os gêneros é histórica e se pode ser verificada em todas as sociedades mundiais. Analisou-se que essa desigualdade, fixada pelas relações de poder, está presente na história e no cotidiano. Ou seja, nas esferas de poder, no poder público, no mundo do trabalho, no terceiro setor, no espaço doméstico, na educação e chega desta forma, a ser uma crença que, apesar de muita luta ainda precisa ser mudada na mente e no coração de cada ser humano, homens e mulheres. Como solução ao problema apresentado da falta de mulheres em cargos de poder e decisão no atual espaço da política institucional. A dissociação histórica estabelecida entre mulheres e poder é algo a ser vencido no país. A eleição de uma mulher para a presidência do Brasil e a consequente indicação de mulheres para postos chaves de decisão na estrutura do Poder Federal pode, sem dúvida, contribuir para a alteração do status de invisibilidade das mulheres, porém ainda temos um longo caminho a percorrer. Eliminar aos motivos, sejam eles culturais ou econômicos, que mantém o cenário de exclusão, construir novos valores de equidade de gênero, novos paradigmas de convivência social é um desafio a ser enfrentado para que mais mulheres possam definitivamente viver em uma sociedade igual para homens e mulheres. O objetivo dessa monografia, de discutir o papel das mulheres nos espaços de decisão e poder nas instituições de segurança e defesa deve ser analisado como um ponto de partida para esse tema: novo, importante e inexplorado, considerando o pouquíssimo material disponível para pesquisa sobre esse tema específico. A Resolução 1325 do CSNU, que já completou 10 anos, pode e deve ser utilizada como um instrumento pelas mulheres para se apropriarem do tema Defesa e Segurança e conquistarem espaço em todas as estruturas do poder público onde o 44 tema esteja em discussão, como por exemplo, na elaboração do Livro Branco de Defesa. Somente com a participação democrática, que garanta condições iguais, que valorize a capacidade e a experiência e não o gênero pode assegurar a real transformação para uma sociedade igualitária. 45 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AZEVEDO, Luiz Carlos de. Estudo Histórico sobre a Condição Jurídica da Mulher no Direito Luso-Brasileiro, desde os Anos Mil até o Terceiro Milênio. São Paulo: Revista do Tribunais, 2001 AYMARD, André & AUBOYER, Jeannine.O oriente e a Grécia antiga. História geral das civilizações. Europeia : São Paulo,.1962 BARROS, Alice Monteiro de. A Mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. BERGER, P; LUCKMANN. T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1976. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro : Beltrane Brasil, 2003. _______. As novas reflexões sobre a dominação masculina. In: LOPES, BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as mulheres. 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