O CÂNONE ROMÂNTICO E O POETA SEM LIVRO1
Wilton José Marques (UFSCar/UNESP)
Como riscar este homem de nossa história
literária, se sua produção maítresse é um dos
mais saborosos frutos da poesia nacional?
Sílvio Romero, História da literatura brasileira
O CÂNONE ROMÂNTICO
Em qualquer sociedade culturalmente letrada, a gestação da tradição literária
e, por consequência, a própria escolha das obras que devam ou não figurar nos
respectivos cânones literários são resultantes de longos e lentos processos históricos,
marcados pela natural pluralidade de juízos de valor. Tais definições, além de
passarem pela inevitável prova de fogo do necessário reconhecimento de valores
culturais em comum ajustados às especificidades da consciência coletiva local,
passam tanto pela necessidade cotidiana de fixação e/ou revisão de leituras,
estabelecidas a partir de olhares críticos dos mais diversos matizes, inclusive,
ideológicos, e relacionando-se, dessa forma, com a própria manutenção e reprodução
do poder social;2 quanto pela eventual força de ressonância pública que, porventura,
determinada obra possa, individualmente, vir a estabelecer com a sociedade em que
está inserida, seja no seu presente tempo histórico, seja num incerto tempo futuro.
Afinal de contas, não custa lembrar que as diversas literaturas ocidentais não são
formadas apenas e tão somente por obras de alta qualidade estética, a obra de menor
qualidade – como já observou Antonio Candido – também atua na consolidação de um
movimento literário,3 notadamente, acrescente-se aqui, em nações periféricas, onde a
literatura, mais sensível aos influxos externos, necessita de muito mais tempo para a
devida maturação. Aliás, nesse sentido, Machado de Assis, em famoso ensaio, já
1
O presente texto é parte integrante da pesquisa – O poeta sem livro – que procura reavaliar a
importância da “Nênia ao meu bom amigo o Dr. Francisco Bernardino Ribeiro”, de Firmino
Rodrigues Silva, na tradição romântica brasileira. Este poema, que sempre aparece ao longo
da história literária oitocentista, é considerado, por alguns críticos, um dos primeiros de feição
propriamente indianista do Romantismo brasileiro.
2
Cf. Terry Eagleton. “O que é literatura?”. In: Teoria da literatura: uma introdução. Trad.
Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1983, pp. 1-17.
3
Cf. Antonio Candido. “O direito à literatura”. In: Vários escritos, 4ª Ed., Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2004, p. 182.
havia chamado a atenção dos literatos brasileiros para o fato de que a desejada
“independência literária”, tão acalentada pelos românticos, não teria “Sete de
Setembro nem campo do Ipiranga”, já que, para o autor carioca, tal independência
“não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de
uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo”.4 De todo
modo, convém não perder de vista que cabia aos críticos românticos a tarefa de não
apenas indicar para o cânone as obras mais representativas ou de melhor fatura
estética, mas também de mostrar que outras obras, tidas eventualmente como
menores, podiam ter – e de fato muitas tiveram – uma efetiva importância no processo
de configuração da literatura local nos mais diversos países.
Como toda atividade intelectual, e nesse sentido, sujeita obviamente a
acertos e a erros, a valoração estético-social das obras literárias que deviam ou não
pertencer aos mais diversos cânones foi sendo sistematicamente construída pela
crítica literária e sua nova orientação de perspectiva historiográfica, notadamente ao
longo do século XIX. De maneira geral, para ficar no exemplo emblemático da crítica
literária francesa, que teve repercussões fundantes na crítica brasileira, houve um
deliberado abandono da velha retórica e, por tabela, do recorrente olhar verificatório
que se preocupava em aferir nas obras literárias o maior ou o menor grau de
afastamento das regras prescritas, e tidas como intemporais, da poética clássica, para,
em seu lugar, criar uma visada analítica de nítido viés histórico, dedicada a mostrar
como a literatura era, antes de tudo, “a expressão da sociedade”.5 Nessa direção,
muito contribuiu para a brusca mudança da perspectiva crítica, ao lado obviamente da
afirmação e consequente disseminação do pensamento romântico, a também
novidade do nacionalismo, o que, por sua vez, reforçava ainda mais o
comprometimento político do artista com a própria sociedade. Nas palavras de
Hobsbawm:
O elo entre os assuntos públicos e as artes é particularmente
forte nos países onde a consciência nacional e os movimentos
de libertação ou unificação nacional estavam se
desenvolvendo. [Assim], é bastante natural que [o]
nacionalismo encontrasse sua expressão mais óbvia na
literatura e na música, ambas artes públicas, que podiam, além
disso, contar com a poderosa herança criadora do povo comum
– a linguagem e as canções folclóricas. 6
4
Machado de Assis. “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”. In: Obra
completa. 9ª Ed., Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999, v.3, p. 801.
5
Cf. George de Plinval. História da literatura francesa. Trad. de Ilídia Ribeiro Pinto Portella.
Lisboa: Editorial Presença, 1982, p.189.
6
Eric J. Hobsbawm. A era das revoluções. Trad. Maria Tereza Teixeira e Marcos Penchel. 25ª
Ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 404.
Em outras palavras, guiados de perto tanto pelo espírito romântico quanto
pelo atuante discurso nacionalista, a configuração do cânone, importada do modelo
teológico para a literatura, transformava os escritores em verdadeiros heróis nacionais.
Assim, não somente a crítica francesa, mas também a crítica literária dos demais
países ocidentais, como forma de definição da literatura em âmbito local, preocupouse em dar contornos próprios aos seus respectivos cânones. Já que, nessa mesma
perspectiva e ancorado no novo conceito interpretativo de história,7 a própria urgência
do momento também levou grande parte dos autores românticos, a exemplo dos
historiadores, a querer traçar em suas obras “a trajetória de cada povo, país ou nação
como se fosse imbuída de um telos, de uma finalidade a presidir-lhe o sentido de sua
existência”.8 No afã de singularizar o cânone nacional, a crítica literária, de um lado,
mirava as obras do passado para também reconhecer nelas indícios que
contribuíssem para a afirmação desse suposto telos, e, de outro, buscava reconhecer
no presente as eventuais obras que, acima de tudo, viessem a confirmá-lo. Dessa
forma, é importante destacar que a preocupação particularizante, e, portanto, a
recorrente soberania da chamada cor local, explica por si a grande força que o
“instinto de nacionalidade” terá ao longo do século XIX, influenciando tanto na fatura
quanto na escolha das obras que deviam compor o cânone.
No caso do Brasil oitocentista, em função de sua condição periférica e, nesse
sentido, ainda permeado pela sensação de incompletude, de que tudo estava por
fazer, e dado a quase inexistência de estudos literários, ou pelos menos realizados por
críticos brasileiros, a configuração inicial do cânone, além de assunto complexo, era
tarefa urgente, pois, a necessidade de se produzir, o quanto antes, uma factível
proposta de sistematização histórica da literatura passada também fazia parte do
amplo projeto de legitimação da independência política. O caminho da empreita, no
entanto, foi longo e tortuoso, mas, a despeito dos eventuais percalços, vários autores,
cada um a sua maneira, deram suas contribuições, publicando parnasos, bosquejos,
florilégios com o intuito primeiro de se estabelecer um corpus literário que permitisse,
posteriormente, o desenvolvimento de reflexão crítica sobre ele. No limite, o trabalho
de elaboração de uma história literária brasileira, que formalizasse o cânone e
7
No Romantismo, segundo o crítico J. Guinsburg, opera-se uma mudança do conceito de
história, há um abandono do pensamento então predominante que considerava a história
apenas como um produto das “vidas ilustres”, para em seu lugar impor-se uma concepção que
sobrevaloriza a relevância da consciência histórica. Ou seja, “o discurso histórico sofre
mudança revolucionária. Deixa de ser meramente descritivo e repetitivo, para se tornar
basicamente tanto interpretativo quanto formativo, genético. É a história que produz a
civilização. Mas não a História, e sim as histórias”.
Cf. J. Guinsburg. “Romantismo, Historicismo e História”. In: O romantismo. 2ª Ed., São Paulo:
Perspectiva, 1985, p. 14.
8
Idem, p. 18.
exprimisse a imagem da inteligência nacional na sequência do tempo, foi um projeto
de natureza coletiva e que, de modo algo satisfatório, somente seria concretizado
meio século depois do início do Romantismo brasileiro com o aparecimento da História
da literatura brasileira, de Silvio Romero, já no decênio de 1880.9 No entanto, ainda
nos primeiros tempos românticos, não bastava apenas voltar os olhos para o passado
em si, era preciso também, em contraposição à percepção geral de que a literatura de
feição clássica identificava-se aos tempos coloniais, criar no presente a própria
literatura nacional. E no que propriamente consistia uma literatura nacional?
Para alguns – responde Antonio Candido – era a celebração da
pátria, para outros o indianismo, para outros, enfim, algo
indefinível, mas que nos exprimisse. (...) a literatura foi
considerada parcela dum esforço construtivo mais amplo,
denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nação.
Manteve-se durante todo o Romantismo este senso de dever
patriótico, que levara os escritores não apenas a cantar a sua
terra, mas a considerar as suas obras como contribuição ao
progresso.10
Portanto, ao lado do resgate de obras do passado que justificassem e ao
mesmo tempo dessem vida à tradição desejada, os autores e críticos românticos, por
razões e necessidades históricas, empenharam-se, de um lado, na construção da
literatura local com a missão de corroborar a independência política também em
termos estéticos, e, de outro, na produção do ideário crítico que, em primeira instância,
viesse a legitimar a existência autônoma dessa mesma literatura. O duplo movimento,
criando no país uma estratégia de ilusão, encobridora de desigualdades sociais,
também ajudou a legitimar o passado coletivo brasileiro que, elaborado com base nas
tradições e costumes, permitiu a construção de uma história feita e refeita segundo as
necessidades do poder presente. Em outras palavras, instrumento fundante na
construção do país desejado, a nascente crítica literária, em consonância com o
particularismo temático inerente à estética romântica, elegeu programaticamente
temas ligados à cor local como imprescindíveis ao artista nacional. Ao lado da figura
também emblemática do então jovem Imperador Pedro II, a natureza edenizada e o
índio são escolhidos não apenas para expressarem a nacionalidade em si por serem
elementos diferenciadores e inerentes ao país, mas também pelo fato – sobretudo, no
caso dos dois últimos – de se localizarem num passado distante que poderia ser
“reescrito” histórica e literariamente em função da elaboração de uma realidade
9
Cf. Antonio Candido. Formação da literatura brasileira. 10 ª Ed., Rio de Janeiro: Ouro sobre
Azul, 2006, p. 663.
10
Idem, pp. 327-328.
suspensa que, em última instância, teria a vantagem adicional de, pelo menos no
plano do simbólico, não representar qualquer ameaça à manutenção da ordem
escravista.11
De todo modo, dentro do trabalho crítico de configuração do cânone local, a
temática indianista ocupou provavelmente o lugar mais importante no interior do
ideário estético do Romantismo brasileiro, pois, com seu progressivo desenvolvimento,
o índio foi “simultaneamente guindado à posição de objeto estético, herói literário e
antepassado mítico histórico”.12 Por isso, não chega a ser surpreendente que, no
Brasil, ao invadir todas as artes além propriamente da literária, o indianismo
praticamente tenha se confundido com o próprio Romantismo. Por consequência, as
várias obras que versaram sobre a temática indianista ocuparam, desde sempre,
lugares de destaque no cânone, algumas, inclusive, tornaram-se verdadeiros topos
literários.
O POETA SEM LIVRO
Nesse sentido, e levando-se em conta para as letras brasileiras a importância
da estreita relação entre o indianismo romântico e o cânone nacional, o problema que
se apresenta aqui é o seguinte: poderia um poeta sem livro, autor de pouco mais de
meia dúzia de poemas, ter ou não alguma influência decisiva no processo de
configuração temática do indianismo romântico brasileiro?
De imediato, ainda que se possa objetar que, à primeira vista, a pergunta talvez
se revele um tanto pretensiosa pelo suposto raio de seu alcance, ela, no entanto,
justifica-se inteiramente, sobretudo quando se pensa no caso singular de um autor,
hoje praticamente esquecido, como Firmino Rodrigues Silva (1815-1879). Jornalista e
panfletário de grande destaque nos quadros do Partido Conservador e que, mais
tarde, seria juiz, deputado e, finalmente, senador do Império, Firmino Rodrigues, sem
11
Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, no que se refere à escrita da história, e ao
contrário do conceito de história nacional, a “memória”, escolhida pelos intelectuais ligados ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) para construir a história do país,
caracterizava-se pela possibilidade de ser ajustada “às necessidades da construção da
identidade nacional”. Ainda segundo o historiador, ancorando-se na famosa conferência de
Renan – “Que é uma Nação?” (1892) – “a criação de uma nação exigia o esquecimento e até
mesmo o erro histórico. A unidade nacional se constrói quase sempre, (...), mediante o uso de
muita violência”. E no caso brasileiro, referindo-se, por exemplo, ao Primeiro Reinado e ao
Período Regencial, complementa o historiador, “as violências tem que ser esquecidas ou
interpretadas de maneira a não impedir o sentimento de unidade, a permitir, (...) a produção de
uma narrativa coerente, uma escritura, da nação”.
Cf. José Murilo de Carvalho. “A memória nacional em luta contra a história”. Folha de São
Paulo. Caderno Mais, 12 de novembro de 2000, pp. 18-19.
12
Walnice Nogueira Galvão. “Indianismo revisitado”. In: Esboço de figura: homenagem a
Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 383.
nunca ter publicado um livro de poemas, sempre aparece ao longo da história literária
oitocentista, citado aqui e ali, como o autor de um poema que é considerado, por
alguns críticos, um dos primeiros de feição propriamente indianista do Romantismo
brasileiro, trata-se da “Nênia à morte do meu bom amigo o Dr. Francisco Bernardino
Ribeiro”.
O POEMA E A CRITICA
Apesar de datada em 15 de setembro de 1837, isto é, apenas três meses após
da morte do “Mestrinho”, em 15 de junho, a “Nênia a morte de meu bom amigo o Dr.
Francisco Bernardino Ribeiro”, de Firmino Rodrigues Silva, somente foi publicado, à
maneira de folhetim, nas páginas do jornal O Brasil, em 16 de março de 1841.13 No
entanto, e mesmo considerando que O Brasil era um periódico de viés eminentemente
político, as primeiras repercussões do poema logo apareceram.
Ainda em 1841, o poeta sem livro já seria, por assim dizer, incluído no primeiro
esboço de cânone poético do Romantismo brasileiro levado a termo pelo então jovem
crítico literário Joaquim Norberto de Souza Silva no seu Bosquejo da história da poesia
brasileira. Depois de ter publicado alguns fragmentos do estudo, ao longo do ano de
1840, no mesmo jornal O Despertador, o texto crítico de Joaquim Norberto seria
publicado na íntegra como estudo introdutório ao seu primeiro livro de poemas
Modulações poéticas. No bosquejo, cuja importância maior para a historiografia
literária reside justamente na proposta de periodização para a literatura brasileira, a
referência a Firmino aparece no último período literário – “Sexta Época: da reforma da
poesia” –, em que Joaquim Norberto trata da então poesia contemporânea e que,
também para ele, iniciou-se mesmo em 1836 com a publicação dos Suspiros poéticos
e saudades. Nesse sentido, depois de tecer louvores, sobretudo a Gonçalves de
Magalhães como “um jovem nascido sobre o pitoresco solo do Rio de Janeiro,
abrasado nas chamas da poesia” e que “ergueu o estandarte da reforma”, pondo-se a
frente da mocidade para iniciar uma nova época para a poesia brasileira,14 a Manuel
de Araújo Porto-Alegre e ainda a Odorico Mendes, o crítico continua seu texto,
afirmando que “em números são os autores que conta a nova escola”, pois “o público
aprecia as composições inéditas ou imprensas”, para, em seguida, citar, entre outros
13
Firmino Rodrigues Silva. “Nênia à morte do meu bom amigo o Dr. Francisco Bernardino
Ribeiro”. In: O Brasil. Rio de Janeiro, Nº 107, 16 de março de 1841, pp.1-2.
14
Joaquim Norberto de Sousa Silva. “Bosquejo da história da poesia brasileira”. In: Modulações
poéticas. Rio de Janeiro: Tipografia Francesa, 1841, pp. 49-50.
autores contemporâneos, Firmino Rodrigues Silva e alguns de seus poucos poemas,
incluindo-se, obviamente, a Nênia.15
Da afirmação de Joaquim Norberto, é importante destacar não somente a
valiosa informação de que “o público aprecia as composições inéditas”, o que já
sugere outro indício de ressonância social do poema, dado a proximidade temporal
entre a publicação do Bosquejo da história da poesia brasileira e o aparecimento do
próprio poema,16 como também o seu juízo crítico a respeito do poeta Firmino
Rodrigues Silva de que ele também pertence à “nova época” literária, liderada por
Gonçalves de Magalhães.17
Três anos depois da referência no Bosquejo de Joaquim Norberto, o poema de
Firmino seria republicado na revista Minerva Brasiliense (Jornal de Ciências, Letras e
Artes). Esse importante periódico tanto para a história quanto para a consolidação da
literatura românica no Brasil circulou entre 1843 e 1845 e foi inicialmente dirigido por
Francisco de Sales Torres Homem, um dos fundadores da revista Niterói (1836).18
Em 15 de julho de 1844, foi publicado um número praticamente dedicado à
memória do Dr. Francisco Bernardino Ribeiro. Assim, e além propriamente da Nênia
de Firmino, também foram publicados tanto um biografia do “Mestrinho” quanto um
ensaio do mesmo sobre economia política. Ainda que se considere aqui a
possibilidade de que a Minerva quisesse homenagear o “Mestrinho” e que, portanto, a
republicação do poema apenas complementasse tal homenagem, não é possível
deixar de considerar também a possibilidade igualmente plausível de que, ao sair num
dos mais importantes periódicos do Romantismo brasileiro, o poema poderia vir a
15
Além de se referir à Nênia, Joaquim Norberto cita os seguintes poemas de Firmino: “A
saudade”, “A inconstância”, “O desengano” e “As lágrimas”. Desses textos, o único não
encontrado foi “O desengano”.
Cf. Idem, p. 52.
16
Há em O despertador, de 2 de julho de 1841, um pequeno texto, anunciando a abertura de
subscrições para a compra do livro de Joaquim Norberto. Posteriormente, na edição de 19 de
agosto de 1841, há outro anuncio já oferecendo o livro, o que, evidentemente, indica que o livro
ficou pronto em agosto.
Cf. O Despertador comercial e político. Rio de Janeiro. Nº 1034, 2 de julho de 1841, p. 4 e Nº
1080, 19 de agosto de 1841, p.4.
17
É igualmente importante informar que admiração literária e a completa fidelidade a
Gonçalves de Magalhães é tão explícita que o poema que abre o livro de Joaquim Norberto –
“Ao meu mestre” – era dedicado ao “distinto poeta brasileiro, o Ilmo. Sr. Dr. D. J. G. de
Magalhães”.
Cf. Joaquim Norberto de Sousa Silva. Modulações poéticas. Op. cit., pp.59-60.
18
Para ilustrar a importância das revistas para o próprio desenvolvimento da literatura
brasileira, bem como destacar o papel da Minerva, basta citar a seguinte passagem pinçada
junto à História da literatura brasileira (1888), de Sílvio Romero. Referindo-se especificamente
ao movimento romântico no Brasil, o crítico sergipano afirma que “o estudo das revistas do
tempo, nomeadamente a Revista do Instituto [IHGB], a Minerva brasilense e a Guanabara
facilita-nos a reconstrução histórica do romantismo brasileiro”.
Cf. Silvio Romero. Romero, Sílvio. História da literatura brasileira. 6ª Ed., Rio de Janeiro: José
Olympio, 1960, p. 787.
ganhar – e de fato veio – não somente maior visibilidade no cenário literário brasileiro
como também maior raio de influência sobre outros eventuais autores. Aliás, o desejo
de oferecer maior visibilidade ao poema vem expresso na própria revista, tanto que, ao
término da referida biografia, o articulista da Minerva prontamente observa:
Oh! Se nos fosse dado erguer-lhe um padrão mais durável do
que o bronze! (...) Já, pois, que a boa vontade sobra-nos para
fazê-lo, mas a deficiência de talento o não permite, seja-nos
lícito transcrever a terna e saudosa nênia, que o Sr. Dr. Firmino
Rodrigues Silva consagrou à memória do amigo. Impressa
numa folha quase exclusivamente consagrada aos debates
políticos, não terá chegado à notícia de muitos dos pacíficos
amadores das belas-letras, entre os quais não poucos, ou por
melhor dizer, quase todos, são nossos subscritores.19
De fato, ao sair publicado na Minerva, o poema de Firmino parece mesmo ter
chegado “à notícia de muitos dos pacíficos amadores das belas-letras”, mesmo
porque, apenas quatro anos depois, reapareceria no segundo tomo do Parnaso
Brasileiro (1848), organizado por João Manuel Pereira da Silva. De Firmino, então
classificado por Pereira da Silva na significativa categoria de “jovens esperançosos”,
além propriamente da Nênia, que, aliás, diferente do título que havia saído em O
Brasil, aparece apenas como “Nênia a Francisco Bernardino Ribeiro”, foram também
publicados os seguintes poemas: “Conselho”; Ode às lágrimas”; “Ode à saudade”;
“Ode ao Sr. José Maria do Amaral” e “Coroação”.20
Já no ano seguinte, o poeta Álvares de Azevedo adiciona um novo ingrediente
crítico à discussão sobre a importância da Nênia, isto é, estabelece uma possível
relação entre ela e os poemas americanos de Gonçalves Dias. No discurso, proferido
em 14 de agosto de 1849 por ocasião das comemorações do aniversário de
implantação dos cursos jurídicos no Brasil, Azevedo compara a missão política das
Academias, suas influências no progresso e na civilização dos povos, como, por
exemplo, o desenvolvimento da literatura, tecendo várias considerações sobre o papel
histórico desempenhado pelas “falanges acadêmicas (...) na vanguarda do progresso
literário”.21 Depois de historiar a importância de alguns autores da literatura ocidental,
o poeta pede desculpas aos ouvintes por até então ter se mantido em silêncio em
relação “às emoções que me desperta o dia das grandes reminiscências, a verdadeira
19
“Biografia do Dr. Francisco Bernardino Ribeiro” In: Minerva brasiliense (Jornal de Ciências,
Letras e Artes). Rio de Janeiro: Tipografia Austral, Nº 18, 15 de julho de 1844, p. 558.
20
Cf. Idem, pp. 193-213.
21
Álvares de Azevedo. “Discurso recitado no dia 11 de agosto de 1849”. In: Obra completa. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 2000, p. 752.
era da nossa Nacionalidade”,22 para, logo em seguida, ao fecho de seu discurso,
complementar:
Bem haja àqueles de vós que tão bem compreendem [a missão
civilizadora], a esses que aí por nossa terra vão acordando o
amor libertário, a essa mocidade que seguindo o impulso de
um livro fadado a fazer época em nossa literatura, porque foi
um livro criador – os Primeiros cantos, do Sr. Gonçalves Dias –
que veio regenerar-nos a rica poesia nacional de Basílio da
Gama e Durão, assinalada por essa melancólica Nênia de um
gênio brasileiro que há dez anos sentou-se aqui nos bancos
acadêmicos!... bem haja essa mocidade que nos tem dado as
suas inspirações de poeta.23
Evidentemente, das afirmações de Álvares de Azevedo, deve-se ressaltar tanto
a sua consciência em relação à importância histórica do primeiro livro de Gonçalves
Dias, “fadado a fazer época em nossa literatura”, sobretudo pela ênfase ao seu
aspecto criador no que se refere à poesia nacional e que, no próprio contexto do
discurso, pode se reconhecida como sinônimo de poesia indianista; quanto à menção
da contribuição à poesia nacional da “melancólica Nênia” de Firmino Rodrigues Silva.
Aliás, em relação a este, Péricles Eugenio da Silva Ramos aventa, inclusive, a
possibilidade de a Nênia ter influído diretamente na fatura de alguns poemas de
Álvares de Azevedo, seja pelo uso recorrente em sua poesia do verbo “arroiar” e de
expressões como “seios d’alma” ou “turma de donzelas”, seja pelo fato, é certo que de
natureza um tanto quanto imponderável, mas que sugere uma aproximação entre
ambos, de Firmino Rodrigues e Ignácio Manuel, pai do poeta, frequentarem-se com
alguma assiduidade.24 De todo modo, e mesmo diante de possíveis conjecturas
subjetivas, e agora relacionado com a poesia americana de Gonçalves Dias, é
importante destacar não apenas o viés nacionalista atribuído ao poema de Firmino
como também constatar mais um indício da ressonância pública que parece rondá-lo.
Em 1856, o nem sempre pacato ambiente cultural do Romantismo brasileiro foi
sacudido por aquela que, desde então, é considerada a mais vigorosa polêmica
literária de todo o século XIX, isto é, a polêmica em torno de A Confederação dos
Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Impresso as expensas do Imperador Pedro II,
o livro do poeta carioca, que se queria como o “definitivo” poema nacional, foi
duramente criticado pelo futuro romancista José de Alencar, o que, obviamente, gerou
um intenso debate pelos jornais, incluindo, além de amigos do poeta, o próprio
22
Idem, p. 759.
Idem, p. 759. (grifos meus)
24
Cf. Péricles Eugênio da Silva Ramos. “Uma nênia famosa”. In: Do barroco ao modernismo. 2ª
Ed., Rio de Janeiro: LTC, 1979, p. 90.
23
Imperador D. Pedro II. Ainda no início da polêmica, já que as respostas dos
defensores de Magalhães e o consequente acirramento do debate só viriam depois da
quinta carta, José de Alencar, em sua terceira carta, ao também aproximar a poesia de
Gonçalves Dias do poema de Firmino repetindo o mesmo raciocínio de Álvares de
Azevedo, sugere nas entrelinhas o possível caráter antecipador da Nênia:
Bem sei que o Sr. Magalhães não teve pretensões de fazer
uma Ilíada ou Odisseia americana; mas quem não é Homero
deve ao menos imitar os mestres; quem não é capaz de criar
um poema, deve ao menos criar no poema alguma coisa.
O Sr. Gonçalves Dias, nos seus cantos nacionais, mostrou
quanta poesia havia nesses costumes índios, que nós ainda
não apreciamos bem, porque os vemos de muito perto. A
poesia é como pintura, cujos quadros devem ser olhados a
uma certa distância para produzirem efeito.
Há também uma pequena nênia americana, uma flor que a
pena de escritor político fez desabrochar nos seus primeiros
ensaios, e que para mim ficou como o verdadeiro tipo da
poesia nacional; há aí o encanto da originalidade e como um
eco das vozes misteriosas de nossas florestas e dos nossos
bosques.25
Pode-se dizer que, nessa passagem do texto, a coisa muda um pouco de
figura, pois, ao criticar Gonçalves de Magalhães, instando-o a imitar os mestres, para
em seguida referir-se a Gonçalves Dias e a Firmino Rodrigues Silva, abrindo
obviamente a possibilidade de o leitor inferir a referência aos dois autores como
modelos para a poesia nacional, José de Alencar acaba por conferir outro status de
importância ao poema de Firmino. Em outras palavras, se, para o escritor cearense,
Gonçalves Dias “mostrou quanta poesia havia nesses costumes índios”; no caso de
Firmino, há de se concordar que o julgamento crítico alencariano, reconhecendo a
“pequena nênia americana” como o “verdadeiro tipo da poesia nacional”, é um elogio e
tanto para o autor de um poema só. Além do mais, a opinião é ainda reforçada pelo
reconhecimento do escritor cearense de que, nela, há “o encanto da originalidade”, o
que, no limite, pode ser entendido como o ápice do desejo de todo e qualquer poeta
romântico, isto é, ser considerado original.
Ainda que seja possível pensar que as opiniões de Álvares de Azevedo e de
José de Alencar sobre a Nênia de Firmino possam trazer em si um suposto espírito de
solidariedade acadêmica, já que ambos também cursaram a mesma Faculdade de
Direito de São Paulo, é inegável que a opinião de ambos revela um aspecto novo e
25
José de Alencar. “Terceira carta”. Op. cit., p. XXXII. (grifos meus)
que não pode ser subestimado, isto é, o de que o poema de Firmino Rodrigues Silva
teve, de fato, uma efetiva importância literária na definição do temário indianista.
Ao longo do século XIX, segundo o levantamento feito pelo crítico Hélio Lopes,
o poema de Firmino, mesmo mutilado em vários de seus versos, ainda seria
republicado pelo menos mais quatro vezes. Em 1870, na primeira edição do Curso de
literatura brasileira, de Alexandre José de Melo Morais Filho. Em 1881, no Parnaso
Acadêmico paulistano, de Paulo Antonio do Vale. Em 1885, no Parnaso brasileiro,
organizado pelo mesmo Melo Morais Filho e, finalmente, em 1888, por Silvio Romero
em sua História da literatura brasileira e que, ao contrário do descuido dos autores
anteriores com o poema, retoma a versão da Nênia publicada na revista Minerva.26
Aliás, em relação a Sílvio Romero, é preciso ainda destacar que coube a ele fazer a
primeira análise crítica do poema de Firmino, dedicando-lhe, inclusive, uma atenção
especial seu livro.
Na divisão de sua história literária, sobretudo na divisão que propôs ao estudo
do Romantismo brasileiro, o crítico sergipano insere Firmino Rodrigues da Silva num
capítulo chamado “Poetas de transição entre clássicos e românticos”. Figurando, entre
outros, ao lado de Odorico Mendes e do próprio Francisco Bernardino Ribeiro, Firmino
é colocado pelo crítico numa categoria de autores que é marcada pelo fato de terem
escassa produção literária. “Entre nós – observa Sílvio – há tal poeta, cujo título de
benemerência é uma só poesia. Odorico Mendes é o poeta do Hino à tarde; Rodrigues
Silva é o poeta da nênia Niterói”.27 A despeito de isso representar um suposto
problema, o crítico vai além, perguntando-se com todas as letras: “Como riscar este
homem de nossa história literária, se sua produção maítresse é um dos mais
saborosos frutos da poesia nacional?”.28 Obviamente, além de tocar na questão do
nacionalismo literário, a pergunta de Sílvio Romero traz de novo à tona o problema de
inseri-lo ou não no cânone nacional, e a sua consequente resposta dependia de uma
“prova dos nove” da leitura. Foi o que o crítico fez. Depois de reproduzir integralmente
o poema, Silvio Romero escreveu:
Esta poesia é uma das mais autênticas manifestações do gênio
brasileiro. Há aí uma tão profunda aliança entre as crenças
cristãs e as tradições indígenas, e essa aliança se traduz tão
espontaneamente diante da natureza americana, que aí influi
como também atora, que é impossível desconhecer que se
está diante de um produto sui generis, que a musa européia
seria incapaz de produzir.
26
Cf. Hélio Lopes. “Histórico de um texto”. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB).
São Paulo: Nº 16, 1975, pp. 131-132.
27
Silvio Romero. Op. cit., p. 763.
28
Idem, p. 763.
Aquela personalização da natureza tropical sob as formas de
uma selvagem que chora um filho civilizado; aquele prantear
fetichista por um cristão; aquele Deus e aquelas súplicas a
Tupá, tão naturais, tão intimamente ligadas, mostram bem
nitidamente que no espírito de Rodrigues Silva tinham-se
fundido as duas almas de que em grande parte descendem os
brasileiros.
O poeta era um desses mestiços morais de que falei a
propósito de Gregório de Matos. O nosso romantismo
nacionalista foi estimulado, entre outras coisas, por esses
majestosos versos.
Gonçalves Dias já encontrou em seu tempo o caminho aberto.
Como força diferenciadora em nossa evolução literária Firmino
Silva pesa mais com aqueles poucos versos, do que algumas
dúzias de certos paspalhões com seus indigestos
cartapácios.29
Sem meias palavras, o julgamento crítico de Sílvio Romero confere, por sua
“força diferenciadora”, um papel fundante à Nênia na literatura brasileira, seja pela
percepção de que, como manifestação sui generis do “gênio brasileiro”, ela tematiza
algo que “a musa européia seria incapaz de produzir”; seja pela opinião de que “o
nosso romantismo nacionalista foi estimulado, entre outras coisas, por esses
majestosos versos”; seja, enfim, pela última afirmação de que Gonçalves Dias “já
encontrou em seu tempo o caminho aberto”.
A PERGUNTA
Diante dos indícios aqui levantados, a pergunta que naturalmente se apresenta
ao crítico de hoje é a de saber por que então a “Nênia a morte de meu bom amigo o
Dr. Francisco Bernardino Ribeiro”, de Firmino Rodrigues Silva praticamente
desapareceu da historiografia literária brasileira? Quando muito, ela se transformou
em simples menção, ou melhor, em simples nota de pé de página do próprio
Romantismo brasileiro. Como se pode perceber, a resposta é um tanto difícil de ser
encontrada. Antonio Candido, por exemplo, sugere que:
Firmino (...) abandonou logo a poesia e atirou-se com êxito à
política e ao jornalismo. A sua limitada importância provém
desse lampejo, graças ao qual deu ao tema do índio um tom
moderno, diretamente ligado à melancolia e ao patriotismo,
preparando-o, deste modo, para ser manipulado não apenas
como assunto (à maneira de Durão e Basílio), mas como
correlativo da sensibilidade romântica e nacionalista.30
29
Idem, pp.766-767.
Antonio Candido. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 10ª Ed., Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006, p. 322.
30
De certa maneira, apesar de considerar limitada a importância do “lampejo” de
Firmino, a resposta de Antonio Candido corrobora com a de Sílvio Romero ao menos
num aspecto, isto é, no seu caráter antecipatório, “como correlativo da sensibilidade
romântica e nacionalista”. Em outras palavras, ao que tudo indica, a Nênia ajudou
mesmo a preparar o “assunto” para os românticos. Em outro ensaio, Antonio Candido
ainda bate na mesma tecla, com o traço adicional de também estabelecer um vínculo
direto entre o poema de Firmino e a obra de Gonçalves Dias:
(...) nela [Nênia], o sentimento de amizade se exprimia de um
modo já próximo às tonalidades românticas. Ao lamento se
incorpora uma figura simbólica da índia – alegoria do Rio de
Janeiro – que formula, pela primeira vez no Brasil, certos
torneios indianistas, como seriam desenvolvidos na obra de
Gonçalves Dias: (...) Quando a obra do maranhense dominou o
meio literário, dando a impressão de que, afinal, havia poesia
brasileira, o terreno já estava preparado em São Paulo, graças
a Firmino.31
Talvez, esse último fragmento de Candido, contenha uma melhor resposta que
ajude a explicar o “sumiço” da Nênia das histórias literárias brasileiras. Ao que tudo
indica, e apesar de ter preparado o terreno, a sua importância talvez tenha sido
mesmo abafada pela ressonância social da obra de Gonçalves Dias. Ainda que o
indianismo literário seja apenas uma de suas muitas preocupações temáticas, a
poesia americana do autor maranhense, seja pela qualidade estética, seja pela
legitimação tanto da crítica quanto de autores posteriores, literalmente “dominou o
meio literário” romântico. Aliás, essa suposta “dominação literária” foi percebida pelo
próprio Firmino Rodrigues Silva. Num artigo sobre o aparecimento dos Primeiros
cantos, publicado no dia 10 de maio de 1847, no Jornal do Comércio, Firmino, além de
afirmar que “o amor do país Brasil nos chamou ao estudo consencioso de nossa
grandeza, e à observação de nós mesmos”,32 tece uma série de comentários
elogiosos ao livro de estreia de Gonçalves Dias, louvando-lhe, sobretudo:
Os sentimentos mais nobres do coração humano [que] se
abrigam nessa alma de poeta, que se manifesta sempre tão
impressionável quer na contemplação das harmonias da
natureza, quer no jogo das paixões, quer na elevação do
31
Antonio Candido. “A literatura na evolução da comunidade”. In: Literatura e Sociedade. 8ª
Ed., São Paulo: T. A. Queiroz/ Publifolha, 2000, pp. 134-135.
32
Firmino Rodrigues Silva. “Primeiros cantos do Sr. Gonçalves Dias”. In: Jornal do Comércio.
Rio de Janeiro, 10 de maio de 1847, p.1.
pensamento quando admira os atributos da onipotência
divina.33
Ao fecho de seu artigo, talvez até reconhecendo o decisivo passo adiante que
o poeta maranhense dera em relação ao seu poema, Firmino não apenas saúda o
“novo vate do amor e da melancolia”, mas, sobretudo, conclama-o “a ocupar entre
seus colegas o lugar que tão merecidamente lhe compete. Nós o saudamos como um
astro luminoso que desponta no horizonte literário da pátria”.34
Em suma, se, por um lado, esse artigo sugere que o aparecimento dos
Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, causou um forte impacto renovador na literatura
romântica brasileira; e por outro, Firmino Rodrigues Silva de fato abandonou a poesia
pela política, tanto que exatamente um mês depois do artigo no Jornal do Comércio,
ele lançaria contra os liberais o panfleto político A dissolução do Gabinete de 5 de
maio ou a Facção Áulica,35 o problema em relação à efetiva importância da Nênia na
literatura brasileira ainda permanece.36 Nesse sentido, quando críticos do porte de um
Sílvio Romero ou de um Antonio Candido se permitem reconhecer algum mérito
literário na pequena nênia americana, é o caso de voltar ao texto, afinal tanto em
literatura quanto no exercício da crítica, a leitura é tudo.
33
Idem, p.1.
Idem, p.1.
35
Segundo Wilson Martins, “O folheto de Firmino Rodrigues Silva, A dissolução do gabinete de
5 de maio ou a Facção Áulica, circulou a 10 de junho de 1847. Era o libelo acusatório dos
conservadores, então temporariamente alijados do governo, contra os liberais, chamados
depreciativamente de ‘facção áulica’ por estarem mancomunados com os validos do Imperador
(então com 22 anos) para denegar ao parlamento o exercício normal de seus direitos
constitucionais”. Ainda segundo Martins, “o panfleto teve extraordinária e merecida
repercussão (...)”.
Cf. Wilson Martins. História da inteligência brasileira. São Paulo; Cultrix, V. II, 1977, p. 263.
36
Segundo levantamento feito por Hélio Lopes, ao longo do século XX a Nênia de Firmino
Rodrigues Silva ainda foi reproduzida mais sete vezes: Antologia brasileira (1900), de Eugênio
Werneck; A Academia de São Paulo: Tradições e Reminiscências (1910), de José Luiz Almeida
Nogueira; História do romantismo brasileiro (1937), de Haroldo Maranhão; Panorama da poesia
brasileira (1959), organizado por Edgard Cavalheiro; Um jornalista do Império (1961), de
Nelson Lage Mascarenhas; Antologia da poesia romântica (1965), organizada por Péricles
Eugênio da Silva Ramos e finalmente através de uma tradução espanhola de Ángel Crespo
publicada na Revista de cultura brasileña (1970).
Cf. Hélio Lopes. Op. cit. p.132.
34
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