EXPEDIENTE
ÍNDICE
Sindifisco-RS
3
Presidente
Luiz Antônio Bins
Vice-Presidente
Celso Malhani de Souza
Diretora de Comunicação e Integração
Social
Silvia Grewe
Diretor Administrativo
Eroni Izaias Numer
Diretora Financeira
Carmen Zoraida Costa
Diretor de Relações
Parlamentares e Institucionais
Edison Zart
Diretor de Assuntos Jurídicos e Previdenciários
Fábio Weber Nowaczyk
Diretora de Aposentados e Pensionistas
Virginia Cano
Afisvec
Presidente
Abel Henrique Ferreira
Vice-Presidente
Enio Julio Pereira Nallem
Diretor de Comunicação
Christian de Azevedo
Diretor Administrativo
Edison Zart
Diretor Financeiro
Gilberto Neves
Diretor de Patrimônio
Getulio Lago
Diretor Social e de Eventos
Paulo Kronbauer
Diretor de Previdência
Inácio Maggi
Sindifisco-RS - Sindicato dos Servidores
Públicos da Administração Tributária
do Estado do RS
Rua dos Andradas, 1091 - 91/94
Fone/Fax: (51) 3226.7300
CEP: 90020-007 - Porto Alegre - RS
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Afisvec - Associação dos Fiscais de
Tributos Estaduais do Rio Grande do Sul
Rua Uruguai, 155/1010
CEP: 90010-140 - Porto Alegre - RS
Fone/Fax: (51) 3224.4922
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Jornalista Responsável
Heverton Lacerda - Reg. Prof. DRT - 9603
Estagiária de Jornalismo
Mel Quincozes
Revisão
Matheus Gazzola Tussi
Fotos
Patricia Garcia, arquivos pessoais
Capa
Arte sobre imagem Shutterstock
Projeto gráfico e editoração
Solo Editoração e Design Gráfico
Os artigos publicados são de inteira
responsabilidade dos autores.
Impressão: Ideograf
Tiragem 4.000 exemplares
Julho 2013
Editorial
4
Bento Gonçalves sediou encontro do Fisco gaúcho em
2013
8
Discurso do presidente do Sindifisco-rs – Luiz Antônio Bins
10
Discurso do presidente da Afisvec – Abel Henrique Ferreira
14
Royalties: a democrática distribuição da riqueza
nacional – Ibsen Pinheiro
18
A visão crítica de um especialista – Everardo Maciel
21
Federalismo e o papel das resoluções do Senado
Federal na História Constitucional para regular as
alíquotas do ICMS – Heleno Taveira Torres
25
Reforma Tributária e o ICMS – André Paiva
29
Entrevista – Odir Tonollier
32
A Dívida Pública em debate – Jorge Luís Tonetto
40
Em debate, a valorização da autonomia da
administração tributária
46
Dívida dos Estados – Giovane Feltes
48
FPE – Novos critérios de repartição – Marcelo Ramos de
52
Fundo de participação dos Estados – Jerônimo Goergen
54
Entrevista – Vieira da Cunha
Mello
58
60
A Lei Orgânica da Administração Tributária da
Fenafisco – Liduíno Lopes de Brito
Febrafite chega à sua maioridade com muitas lutas e
vitórias – Roberto Kupski
67
Consumo social e a tributação – reflexões
74
Entrevista – Aldacir Oliboni
Paulo Kronbauer e Jorge Ritter
EDITORIAL
Mensagem dos presidentes
M
uitas questões que dizem respeito, direta ou
indiretamente, à área de atuação da administração tributária estão em jogo no atual cenário socioeconômico brasileiro. Urge, como
forma de propor subsídios teóricos e práticos, estabelecer espaços qualificados para debater tais questões e avançar no sentido de promover o aprimoramento do
trabalho do Fisco, que tem contribuído decisoriamente para
o desenvolvimento do Estado. Resta, entretanto, a certeza de
que muito tem a ser feito.
Foi nesse sentido que o 14º Encontro do Fisco Estadual Gaúcho, realizado na cidade serrana de Bento Gonçalves
(RS) entre os dias 19 e 21 de abril e promovido pela Afisvec
e pelo Sindifisco-RS, colocou em pauta, como tema principal do evento, “A Administração Tributária e o Federalismo
Fiscal Brasileiro”. Lá, foram debatidos temas cruciais para o
deslanche intelectual acerca dos desafios ora estabelecidos
no âmbito político-social das contas públicas do RS e sua
relação com os demais Estados brasileiros e a Federação.
Com o intuito de registrar, aprofundar e ampliar o conteúdo produzido no principal evento técnico do Fisco gaúcho em 2013, apresentamos, nesta quinta edição da revista
Enfoque Fiscal, importantes artigos, discursos, matérias jornalísticas e entrevistas com palestrantes, convidados e promotores do encontro.
As pautas são as mais variadas. Mas, como não poderiam deixar de ser, aqui, concentram-se no amplo escopo da
administração tributária e interagem entre si, eventualmente, identificando importantes desafios e propondo caminhos
alternativos para o fortalecimento de um Fisco qualificado,
autônomo e socialmente responsável.
Após a leitura atenta sobre os temas aqui apresentados – ICMS, Reforma Tributária, Federalismo Fiscal, Dívida
Pública, Lei Orgânica da Administração Tributária, Fundo de
Participação dos Estados, Tributação, Royalties do Petróleo,
propostas e emendas constitucionais de interesse da categoria fiscal, entre outros – esperamos ter contribuído para
que os nossos leitores possam ampliar seus conhecimentos
e compreensões sobre as principais questões que estão em
jogo para a sociedade, para o Estado e, inclusive, para o grupo Fisco.
Suas considerações sobre as opiniões e os assuntos
aqui abordados podem ser enviadas por e-mail para: [email protected] e [email protected].
Boa Leitura!
Abel Henrique Ferreira – Afisvec
Luiz Antônio Bins – Sindifisco-RS
Notas dos editores:
FPE - Até o fechamento desta edição da Revista Enfoque Fiscal, o Fundo de Participação dos Estados (FPE), um dos temas principais do 14º Encontro Estadual
do Fisco, ainda estava sendo discutido pelo Congresso Nacional, sem encontrar solução definitiva. O texto original votado no Senado, que deveria ser aprovado até 23 de junho de 2013 na Câmara dos Deputados, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, não obteve quórum para ser apreciado, deixando de
ter validade. Depois desta etapa, os parlamentares seguiram discutindo o tema, numa última tentativa de evitar que os Estados ficassem sem o rateio do FPE.
Até esta data, o FPE permanecia como assunto a ser resolvido nas casas legislativas.
EFD - O artigo “EFD – Escrita Fiscal Digital: o fim do livro fiscal em papel” publicado na edição anterior da Revista Enfoque Fiscal (Nº 4 – Dezembro 2012) é
de autoria conjunta dos agentes fiscais do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul Paulo Renato Grewe e Giovanni Dias Ciliato.
3
14º Encontro do Fisco
Bento Gonçalves sediou encontro
do Fisco gaúcho em 2013
A 14º edição do Encontro do Fisco Estadual Gaúcho
foi realizada na cidade de Bento Gonçalves (RS) nos dias 19
e 20 de abril. A Administração Tributária e o Federalismo
Fiscal Brasileiro foram os temas centrais que nortearam os
dois dias do evento.
A conferência inicial foi proferida por Everardo Maciel,
ex-secretário da Receita Federal, que traçou um panorama
sobre a estrutura e os problemas federativos brasileiros
com a palestra “Os Estados e o Federalismo Fiscal”. Maciel
ainda enalteceu a categoria dos fiscais gaúchos afirmando
que, quando era secretário da Receita Federal, sempre dizia
que “o Fisco do RS era uma referência nacional de competência e dignidade”.
Participaram da mesa de abertura o secretário da Fazenda do RS, Odir Tonollier, representando o governador
Tarso Genro; os presidentes das entidades realizadoras do
encontro, Afisvec e Sindifisco-RS, Abel Henrique Ferreira e
Luiz Antônio Bins, respectivamente; o prefeito de Bento
Gonçalves, Guilherme Pasin; o desembargador e professor
universitário Francisco José Moesch, representando o Tri-
4
bunal de Justiça do RS; o deputado federal Carlos Eduardo
Vieira da Cunha (PDT/RS), representando a Câmara Federal;
o deputado federal Jerônimo Goergen; o subsecretário da
Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira; os deputados estaduais Aldaciar Oliboni (PT/RS) e Adilson Troca (PSDB/RS); o
presidente da Febrafite e da Fonacate, Roberto Kupsky; e o
diretor da Fenafisco Liduíno Lopes de Brito, representando
o presidente da entidade, Manoel Izidro.
Também estavam presentes as seguintes autoridades:
André Paiva, secretário-adjunto da Fazenda; Nilton Guaraná, subsecretário-adjunto da Receita Estadual; Joni Muller,
subsecretário-adjunto da Receita Estadual; Airto Ferronato,
vereador de Porto Alegre; Luiz Carlos Fonseca, delegado da
Delegacia Estadual de Caxias do Sul; Álvaro Abi Fakredin,
superintendente da Assembleia Legislativa do RS; Antônio
Kehrwald, superintendente administrativo e financeiro da
Assembleia Legislativa do RS; Paulo Fernando Castro, presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário;
Leandro de Azevedo, vice-presidente da Febrafite; e Iria
Salton, chefe de Gabinete do secretário da Fazenda do RS.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
14º Encontro do Fisco
5
14º Encontro do Fisco
6
Enfoque Fiscal - Julho 2013
14º Encontro do Fisco
7
DISCURO
Discurso do presidente do Sindifisco-RS,
Luiz Antônio Bins, na abertura do
14º Encontro do Fisco
O tema central deste 14º Encontro do Fisco Estadual
Gaúcho – A Administração Tributária e o Federalismo Fiscal
Brasileiro – além de atual, não poderia ser mais oportuno.
Num cenário de continuada crise econômica e financeira,
que afeta o crescimento e o desenvolvimento econômico-social mundial em escala geral, inclusive no Brasil; que reduz
as correntes de comércio internacional, com todas as consequências daí decorrentes; que nos traz, em âmbito nacional,
o receio do retorno do flagelo inflacionário (lembramos que
o centro da meta inflacionária foi ultrapassado recentemente), o aumento da taxa básica de juros (Selic), a drástica redução do superávit comercial e um Produto Interno Bruto que
teima em não recuperar os índices de crescimento necessários para o desenvolvimento do país; que, em nível local, ainda assola o Estado com o desequilíbrio fiscal, com a impossibilidade de cumprimento dos gastos mínimos necessários
nas áreas de saúde, educação, segurança, saneamento básico
e transporte e com a total incapacidade de investimento, torna-se imperativo rediscutir o atual pacto federativo brasileiro, que, de forma tão desigual e discriminatória, têm tratado
os diversos atores da nossa Federação, prejudicando, muitas
vezes, o desenvolvimento regional e a quitação da enorme
dívida social brasileira.
É neste contexto que, pelas reflexões de renomadas autoridades no assunto, discutiremos algumas das mais atuais
questões que assolam o federalismo fiscal brasileiro, quais
sejam, a distribuição dos royalties do petróleo, o Fundo de
Participação dos Estados, a Dívida Pública dos Estados e Municípios e a Reforma Tributária no âmbito do ICMS.
Neste sentido, cabe indagar-se, entre outras questões:
no tocante ao petróleo decorrente da produção além-mar
8
(que é riqueza da União), por que apenas dois Estados da
Federação são beneficiados com mais de 90% dos recursos
distribuídos a título de royalties? Por que apenas um município brasileiro recebe mais que o somatório das outras 5.500
comunidades, em especial quando se sabe que os custos da
exploração são bancados por toda a sociedade brasileira?
No atinente ao Fundo de Participação dos Estados, o
que justifica a manutenção de critérios de distribuição definidos há mais de 20 anos, pré-Constituição de 1988, quando
as situações econômico-sociais relativas dos diversos Estados
eram radicalmente diferentes das atualmente vigentes? No
RS, temos regiões, como a Metade Sul, menos desenvolvidas
que regiões dos Estados de MG, BA, CE, PE, entre outros. O
que justifica que o RS receba 2,35% do FPE, quando detém
cerca de 7% do PIB nacional e 6% da população brasileira?
Em relação à divida com a União, como explicar que um
débito aproximado de R$ 9 bilhões em 1998, reduzido para
cerca de R$ 8 bilhões pelo acordo celebrado, cujos pagamentos no período chegam a quase R$ 18 bilhões, apresente um
saldo devedor atual de cerca de R$ 40 bilhões? Como aceitar
que, num período em que a inflação oficial foi de 133%, a
incidência dos juros e da correção monetária tenha sido de
589%, em especial quando se sabe que o Poder Central, através do BNDES, empresta recursos subsidiados à iniciativa privada? Como aceitar que o Estado pague R$ 2,7 bilhões anuais em 2013 a tal título para a União, quando não consegue
aplicar os recursos mínimos necessários na saúde, educação,
segurança, logística, investimentos, etc.?
Em relação ao ICMS, impende que se avance no sentido da transformação do nosso principal imposto nacional
em um verdadeiro tributo sobre o consumo, com a gradativa transferência dos recursos arrecadados para o Estado de
destino. Tal providência, por si só, tende a eliminar a guerra
fiscal hoje vigente, uma das grandes mazelas do nosso sistema tributário.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
DISCURSO
Mas um bom e eficiente sistema
Ao secretário e ao governa“A grande questão é a constide federalismo fiscal não se encerra
dor, o nosso muito obrigado, não
tuição de uma administração
nas questões da espécie. Não, em
em nome do Fisco, mas de toda a
tributária
que
seja
atividade
hipótese alguma! Uma verdadeira
sociedade gaúcha.
federação requer, inexoravelmente,
Entretanto, muito ainda há
efetiva de Estado – e não de
uma partilha de rendas assente,
para avançar na consolidação da
governo –, que seja sustentá- nossa Administração Tributária,
também, na distribuição de competências impositivas a todos os entes
que se quer autônoma e cada vez
vel e que garanta a sustentafederativos, ou seja, que todos, inmais estruturada, forte e atuante,
bilidade estatal.”
distintamente, tenham competência
com vistas a poder contribuir na
para instituir, fiscalizar e arrecadar
construção de uma pátria livre, detributos que propiciem níveis adequados de receita própria.
mocrática, econômica e socialmente desenvolvida, um verÉ neste contexto que se insere a Administração Tributádadeiro Estado Democrático e Social de Direito, garantidor
ria, enquanto gestora e cobradora de tributos e responsável
dos direitos e garantias fundamentais prescritos em nossa
pelas complexas relações tanto com a sociedade, com vistas
Carta Magna.
ao cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuinAutonomias orçamentária, administrativa e financeira;
tes, como com o próprio Estado enquanto provedor das mais
vinculação de recursos de impostos às atividades de Admidiversas políticas públicas que visam ao bem-estar da coletinistração Tributária; escolha do auditor-geral tributário pelo
vidade, a real e derradeira destinatária das ações estatais e,
senhor governador com base em lista tríplice; ouvidoria;
em síntese, a verdadeira razão de existir do Estado e, em conprestação anual de contas à sociedade, através do parlamensequência, também a razão de ser da própria Administração
to; carta de princípios e obrigações para com os contribuinTributária.
tes; quadro de lotações; promoções; nomeação dos aproA grande questão é a constituição de uma administração
vados no último concurso; realização de concurso público
tributária que se consubstancie como uma atividade efetiva
para novos AFTEs; substituição; gratificação de permanência
de Estado – e não de governo –, que seja sustentável e garane funções gratificadas fora do teto remuneratório, entre outa a sustentabilidade estatal, sem a necessidade de aumento
tras, são medidas necessárias para o avanço continuado da
da carga tributária nominal e sem prejuízo da indução de
Receita Estadual gaúcha.
uma tributação justa e competitiva.
O seminário técnico realizado pela Receita Estadual
E, neste sentido, o constituinte derivado brasileiro foi
nestes dois dias, no âmbito deste 14º Encontro do Fisco
sábio, ao prescrever, pela Emenda Constitucional nº 42, de
Estadual Gaúcho, com o tema central “Modernização, ex2003, ser a administração tributária atividade essencial de
celência e transparência da Administração Tributária: presEstado, desenvolvida por servidores de carreira específica e
supostos para a plena aceitabilidade social da tributação”,
com recursos prioritários, inclusive decorrentes da afetação
bem demonstra o norte, alvissareiro, que tem direcionado o
de impostos.
Fisco gaúcho: uma administração tributária de Estado, estruÉ indiscutível a evolução institucional e operacional da
turada, forte e atuante, garantidora dos recursos necessários
Receita Estadual gaúcha no último decêndio, cujo ápice foi
para que o Estado possa implementar as suas políticas públia promulgação da Lei Orgânica da Administração Tributária
cas com vistas ao bem-estar da nossa gente.
gaúcha, em 2010. Importante, também, os sucessivos apoios
Contem com o Fisco gaúcho! Nós, os agentes fiscais,
governamentais, tais quais os proporcionados pelo secretáqueremos continuar sendo protagonistas, como agentes
rio Odir Tonollier e pelo governador Tarso Genro, que têm
transformadores para o desenvolvimento do nosso povo!
reconhecido, valorizado e distinguido o trabalho da Receita
Que Deus nos ilumine!
Estadual. Os resultados falam por si só: sucessivos recordes
Muito Obrigado.
de arrecadação do nosso principal imposto.
9
DISCURSO
Discurso do presidente da Afisvec,
Abel Henrique Ferreira, na abertura do
14º Encontro do Fisco
A Afisvec, representada por sua diretoria, grupo de
associados e servidores, sente-se orgulhosa pela realização
do 14º Encontro do Fisco Estadual Gaúcho, mais uma vez
em parceria com nosso coirmão
Sindifisco-RS.
O ano em curso é muito importante para os profissionais que
trabalham com o direito tributário,
mais precisamente os que atuam
como auditores e agentes fiscais,
pois estamos completando o décimo aniversário da EC/42, de 2003,
que introduziu o inciso XXII no
artigo 37 da Constituição Federal,
determinando que: “as administrações tributárias da união, dos
estados, do distrito federal e dos
municípios, atividades essenciais ao funcionamento do
estado, exercidas por servidores de carreiras específicas,
terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o
compartilhamento de cadastros e de informações fiscais,
na forma da lei ou convênio”.
Essa alteração constitucional foi muito importante
para as administrações tributárias das diversas esferas de
governo, pois passaram a ter reconhecimento constitucional das suas importâncias para o pleno funcionamento do
Estado, uma vez que, para existir um Estado democrático, é
essencial que se cobrem tributos dos seus cidadãos, obedecendo aos princípios constitucionais que balizam o nosso
sistema tributário nacional, tais como os da legalidade, isonomia, capacidade tributária, não confisco, não cumulatividade, seletividade e outros.
Importante frisar: nossas entidades, nossos associados e sindicalizados não se preocupam somente em
defender seus direitos e prerrogativas; preocupamo-nos com a situação do Estado e do país como um
todo, pois, como carreira de Estado
que somos, nossas responsabilidades são imensas.
Sabemos que, por um lado, temos os cidadãos exigindo cada vez
mais serviços das administrações
públicas, estando ao mesmo tempo
descontentes com a elevada carga
tributária. Por outro lado, constatamos que as diversas esferas de governo, e o nosso Estado em especial, necessitam
investir em infraestrutura, essencial ao desenvolvimento
econômico e social. Precisam, também, propiciar melhores
condições ao seu povo nas áreas da saúde, da educação e da
segurança, e se veem obstaculizadas pela falta de recursos,
considerando que Estados e municípios têm grande limitação para fazer sua arrecadação tributária aumentar.
Essas dificuldades, oriundas do excesso de centralização dos recursos financeiros e tributários na União, levaram nossas entidades a escolherem o tema principal deste
encontro: a administração tributária e o federalismo fiscal
brasileiro, trazendo para o debate temas centrais nacionais,
“A centralização de recursos e decisões em Brasília
causa sangria nos recursos
financeiros do país e, na
maioria das vezes, as decisões contrariam os interesses dos cidadãos.”
10
Enfoque Fiscal - Julho 2013
DISCURSO
com o objetivo de aperfeiçoar nossa Federação, cada vez
mais caracterizada pela centralização de poder e de recursos tributários na União, mais se parecendo um Estado unitário do que um Estado federado.
A centralização de recursos e decisões em Brasília causa sangria nos recursos financeiros do país, pois, na maioria
das vezes, as decisões e a redistribuição de recursos contrariam os interesses das unidades federadas e de seus cidadãos, através de decisões, ditas políticas, que chamamos
de politicagem, pois não atendem às reais necessidades dos
cidadãos. Isso não é bom para o nosso país, não é bom para
o nosso povo.
“A administração tributária e o
federalismo fiscal brasileiro”, tema
do 14º Encontro do Fisco Estadual
Gaúcho, será discutido e debatido
em três painéis. O primeiro painel
tratará do tema “O Estado brasileiro
e um novo pacto federativo”, onde
discutiremos a divisão dos royalties
do petróleo, com palestra do ex-deputado federal Ibsen pinheiro; o
fundo de participação dos Estados,
com palestras do agente fiscal Marcelo Ramos de Mello e do deputado
federal Jerônimo Göergen; a dívida
pública dos Estados e municípios,
com palestras do agente fiscal Jorge Tonetto e do deputado estadual
Giovani Feltes; e, por último, a reforma tributária e o ICMS (operações interestaduais, comércio eletrônico e guerra fiscal),
com palestra do agente fiscal e secretário-adjunto da Sefaz/
RS André Paiva, um técnico que discute essa matéria a longo tempo, primeiro com uma visão federal, quando esteve
na secretaria do Tesouro Nacional, e agora com uma visão
estadual, ao participar dessas discussões como secretário-adjunto.
Como conferência de abertura teremos o consultor
tributário Everardo Maciel, com larga experiência em trabalhos públicos, na área tributária e financeira, nas secretarias
da Fazenda do Estado de Pernambuco e do Distrito Federal,
além de ter exercido por oito anos o cargo de secretário da
Receita Federal do Brasil, que abordará o tema federalismo
fiscal brasileiro. Também discutiremos a necessidade de
termos uma lei orgânica da administração tributária nacional, com o presidente da Febrafite, agente fiscal Roberto
Kupski, e com o diretor da Fenafisco, auditor fiscal Liduíno
Lopes de Brito. A autonomia administrativa e financeira da
administração tributária também será objeto de discussão,
com os seguintes debatedores: Roberto Pereira, ex-procurador-geral de justiça; o desembargador Francisco Moesch,
o professor e doutor em direito Juarez Freitas; o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo
Neves Pereira, o deputado Adilson
Troca, relator do projeto da Lei
Orgânica Estadual da Administração Tributária, o presidente do
Sindifisco-RS, Luiz Antônio Bins, e
o presidente da Afisvec, Abel Henrique Ferreira.
Temos certeza de que deste
encontro sairão muitas ideias e
muitos frutos que poderão transformar ou iniciar a transformação
do atual centralismo de recursos
junto à União, de modo que os Estados e os municípios possam ter
recursos essenciais ao desenvolvimento econômico e social de suas
esferas governamentais.
O Rio Grande do Sul nos últimos cinco anos vem tendo um
crescimento significativo na arrecadação do ICMS, com
crescimento real que ultrapassa 28%, fruto da atuação forte, dedicada e competente dos agentes fiscais do tesouro
do Estado e de nossas equipes diretivas. Mas esses recursos vêm sendo corroídos pelo excesso de vinculações orçamentárias e pelas dívidas passadas do Estado para com
a União.
Muitos tentam passar à sociedade gaúcha que a culpa pela falta de recursos financeiros é das aposentadorias
pagas pelo Estado aos servidores inativos, e que estes não
recolheram contribuições para se aposentar. Isso é uma
“O Rio Grande do Sul nos últimos cinco anos vem tendo
um crescimento significativo na arrecadação do ICMS,
com crescimento real que
ultrapassa 28%, fruto da
atuação forte, dedicada e
competente dos agentes
fiscais do tesouro do Estado e de nossas equipes
diretivas.”
11
DISCURSO
grande inverdade, e até uma mentira, quando analisamos
os servidores aposentados da Secretaria da Fazenda Estadual, os quais sempre recolheram suas contribuições previdenciárias ao IPE. O que ocorria no passado é que o Estado
não fazia sua contribuição previdenciária patronal ao instituto de previdência. O alegado, anteriormente, para o não
repasse da verba patronal, era que o IPE seria responsável
apenas pelo pagamento das pensões, e o Estado ficaria responsável pelo encargo das aposentadorias.
Tanto isso é verdade que o Estado cobrava a contribuição previdenciária do servidor fazendário – que, em
1972, quando comecei a trabalhar na Sefaz/RS, eu e meus
colegas recolhíamos – além da contribuição social normal,
uma contribuição de mais 2%, para
termos o direito a uma aposentadoria integral, através da chamada lei
“Peracchi”.
O Estado, através dos seus
governantes, optou por não fazer
um fundo previdenciário, na época, para colocar a contribuição
previdenciária patronal. Utilizou os
recursos que pertenciam aos servidores públicos estaduais para garantir suas aposentadorias,
e agora os governantes e seus secretários e assessores optam por colocar a culpa nos que pagaram sobre o total dos
seus ganhos, para ter o direito a uma aposentadoria digna
e justa. A dívida não é dos servidores públicos, e sim de
toda a sociedade gaúcha, que se beneficiou com obras e
serviços feitos pelo governo estadual nos anos passados.
É lamentável ouvirmos alguns agentes públicos afirmarem
que o problema do pagamento aos aposentados é que estes
nunca contribuíram para ter o direito à aposentadoria.
Secretário Odir Tonollier, hoje representando o excelentíssimo senhor governador do Estado, Tarso Genro, nós,
agentes fiscais do tesouro do Estado, estamos sendo parceiros da administração fazendária, e os números da arrecadação de tributos demonstram e provam o que estou dizendo
aqui. Somos parceiros também das subsecretarias da Sefaz,
sendo que ontem e hoje tivemos aqui no hotel a realização do segundo seminário operacional da subsecretaria
da Receita Estadual, junto ao Encontro do Fisco Estadual
Gaúcho, onde foram discutidos temas de suma importância
para o aperfeiçoamento do grupo fisco.
Mas, secretário, a parceria, para ser boa, tem que ter
duas mãos, os dois têm que estar satisfeitos.
Em cima disso, secretário, peço, em nome de um grande grupo de colegas, que seja agilizada a decisão sobre o
pagamento da gratificação de permanência; que seja agilizado o quadro de lotação dos agentes fiscais, para que possamos implementar a gratificação por substituição; que sejam
feitas as promoções, para que possamos nomear os aprovados do último concurso para o quadro de agentes fiscais
do tesouro do Estado. Saliento a vossa excelência, estimado
secretário Odir, que o valor da remuneração para aos agentes fiscais não é gasto, e sim investimento, na busca de recursos tributários essenciais ao funcionamento
do Estado. Hoje estão participando
conosco no evento um grupo desses colegas, que espera a nomeação
para começarem a trabalhar e nos
ajudar a termos um Estado cada vez
melhor.
Precisamos, secretário, da regulamentação da Lei Orgânica da Administração Tributária,
aprovada em 2010, para que possamos continuar a evoluir.
Precisamos, secretário, de uma maior autonomia na receita
tributária para que decisões sejam tomadas de forma técnica, sem a interferência de pessoas que não conhecem nossas reais necessidades. Precisamos continuar na constante
evolução na busca de uma concorrência leal entre os contribuintes dos nossos tributos. Parabéns, secretário, ao senhor
e a sua equipe diretiva, pelo belo programa fiscal recentemente implantado pela Sefaz/RS, que é a nota fiscal gaúcha.
Encerrando meu pronunciamento, agradeço a atenção
de todos e peço a todos os agentes fiscais que permaneçam
unidos e lutando para que tenhamos uma sociedade melhor e mais justa. Parabéns aos agentes fiscais do passado,
de hoje e aos do futuro, e que se mantenham unidos na
nossa carreira de Estado, de modo a que possamos melhor
servir a nossa querida população gaúcha!
Obrigado, também, aos amigos, convidados e familiares que estão aqui prestigiando este evento.
“Precisamos continuar na
constante evolução na busca de uma concorrência leal
entre os contribuintes dos
nossos tributos.”
12
Enfoque Fiscal - Julho 2013
13
MATÉRIA
Royalties: a democrática
distribuição da riqueza
nacional
Por Luiz Augusto Kern – jornalista
O ex-deputado Ibsen Pinheiro
(PMDB-RS) é destes políticos que refletem na sua trajetória política a alma
e a força da terra onde vive. Poucos
políticos contemporâneos traduzem
em vida, como ele, que é natural de
São Borja, as tradições de luta pela
democracia, pela justiça e pelo bem
comum. Foi vereador da cidade de
Porto Alegre em 1976, 2004 e 2006,
deputado estadual, federal e presidente da Câmara de Deputados.
Com a credibilidade e a com a
coragem que caracterizaram toda a
sua vida, Ibsen decidiu mexer num
vespeiro nacional e abriu uma das
maiores polêmicas das últimas décadas ao propor a Emenda 387, endossada pelos deputados Marcelo Castro
(PMDB-PI) e Humberto Souto (PPS-MG), que previa a distribuição igualitária dos royalties do petróleo entre
todos os Estados e municípios, de
acordo com critérios dos fundos de
participação. Aprovada pelo Congresso em 2010, a Emenda Ibsen, como
foi chamada, não chegou a entrar em
14
Ibsen Pinheiro
Presidente regional (PMDB-RS) e ex-deputado federal
vigor porque foi vetada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“O tema é apaixonante”, disse ele
na abertura da sua palestra durante o
14º Encontro Estadual do Fisco, para
acrescentar em seguida que o assunto
não é longo e nem complexo, mas que
se tornou apaixonante porque causou
uma grande comoção e enorme polêmica, “embora falte para a polêmica o
principal ingrediente: que é o da complexidade”, define. Em geral o que causa
polêmica, define o peemedebista, são
os temas de difícil interpretação e compreensão, que se prestam a variadas distorções. E esse tema, afirma, é de uma
simplicidade extrema, do ponto de vista
jurídico, político e moral.
“Quando suscitei esta questão em
2009 na Câmara dos Deputados, disse
que a vida pública nos oferecia a rara
oportunidade de abordar um tema e defendê-lo se ele tivesse fundamento moral, jurídico e maioria parlamentar. Com
dois desses ingredientes, qualquer causa
se destina a uma imensa repercussão e a
uma enorme chance de sucesso”, ensina
o político, reconhecido pela sua capacidade de argumentação.
“Fundamento moral, se não
tiver o suporte da realidade no jurídico, é um conceito para uma prateleira. Porque o que impulsiona o
fundamento moral para realizá-lo é
a capacidade de articular-se com o
fundamento jurídico e a capacidade
de apoiar-se no fundamento político,
que é – no sistema democrático – o
da maioria. A dificuldade está em que
o Estado privilegiado minoritário envolvido é um Estado de grande significado, com um simbolismo muito
expressivo na história do país. O Rio
de Janeiro, por seu significado histórico de capital do país, por seu papel
na formação da nacionalidade, sempre tive esta percepção, é de grande
relevância”, raciocina o ex-deputado.
Por isso, ele conta que sempre
percebeu uma casa plural como a
Câmara dos Deputados em busca da condução das coisas através
do consenso. “E esse é um dos vícios mais graves do nosso sistema
Enfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
parlamentar: a busca do consenso.
Nelson Rodrigues dizia, com muita
graça, que a unanimidade é burra.
Ele simplesmente não queria dar à
unanimidade a importância devida.
A unanimidade é esperta e maliciosa,
porque geralmente ela se destina a
não mexer, deixar como está. E deixar
como está é não contrariar nenhum
interesse. E não se avança nada se
não se afrontar o interesse do statu
quo, sejam quais forem os interesses estabelecidos: tributário, social,
mercadológico.Sejam quais forem,
com frequência são minoritários,
superados,digamos,reacionários, e
que, no entanto, por serem os detentores da circunstância, têm uma
grande capacidade, no mínimo, de
comunicação”, reflete.
Ibsen propôs que a plateia
analisasse com cuidado o tema dos
royalties. “Minha emenda contemplou, na primeira inserção lá em
2009, os royalties do petróleo explorado no mar. Essa circunstância
é importante, porque a exploração
do petróleo se faz num trinômio:
que é o produto, que está lá no
solo, que é o espaço físico onde
este produto é produzido, extraído, e a ação do agente produtor. No
caso do petróleo explorado no mar, o
produto pertence à União, que são as
riquezas do subsolo. O agente operador é a Petrobras, a empresa pública
controlada pela União para explorar
um produto que pertence à União
Federal, num espaço físico que pertence à União Federal, que é o mar
territorial, a bancada continental e as
suas projeções. Então, essa circuns-
tância tripla exclui os Estados e os municípios brasileiros de qualquer participação num processo produtivo”, pondera
o ex-deputado federal gaúcho.
Para ele, esse não é o caso da produção de soja, de laranjas ou de etanol.
Não é o caso também da produção do
petróleo em terra, que ocorre ainda hoje
em Sergipe, na Bahia e no Rio Grande
do Norte, e do gás no Amazonas. Os
Estados que têm poços de petróleo em
terra são efetivamente produtores de
petróleo.
“Uma a uma vão sendo derrubadas as argumentações
contrárias à distribuição
justa e igualitária dos
recursos dos royalties.
Só existem empresas
produtoras, e não Estados
produtores.”
“Minha luta não afeta em uma vírgula esta situação, que vem da legislação anterior. Os royalties para os Estados produtores continuam destinados
integralmente aos Estados produtores.
Mas os produzidos a 200 quilômetros da
bacia de Santos e Campos não têm nada
a ver com o Rio de Janeiro ou com São
Paulo”, diz ele.
Então, os conceitos que sustentam essa “iniquidade”, como define,
surgiram num tempo em que isso não
tinha relevância. “Os royalties no final
do século passado estavam em torno
de algumas dezenas de milhões de
reais. Hoje, em 2012, foram R$ 31,5
bilhões. Para se ter uma ideia da iniquidade como fundamento moral, o
Rio de Janeiro recebeu cerca de R$
15 bilhões.Como foram R$ 11 bilhões
para a União Federal, conclui-se que
os outros 26 Estados concorreram a
apenas R$ 5 bilhões. O município de
Campos recebe R$ 1 bilhão e 300 milhões, e os outros 5.500 municípios,
todos somados, R$ 1 bilhão e 200
milhões.
Para Ibsen, essa distorção tem
como argumento a confrontação
das águas territoriais fronteiras a
esses Estados. Ele pondera, ao sustentar essa tese como fundamento,
que os royalties viram compensatórios e indenizatórios. “Então,
quando se vê o Jornal Nacional dizer a 80 milhões de pessoas que é
uma compensação para os Estados
produtores,os não produtores, pela
lógica do Jornal Nacional,não têm
dano algum a temer e a compensar.
Por isso, o que nós todos sabemos é
que, quem controla a comunicação,
controla os conceitos, quem controla os conceitos, tem o poder de
dominação”, afirma.
Ele relembra que alguns o provocavam em Brasília querendo saber
o porquê de ele não fazer uma emenda transferindo a sede da Petrobras
para Brasília. “Não, eu prefiro transferir a Rede Globo para cá. Eu falo isso
porque o conceito é fundamental e a
comunicação é importantíssima para
a difusão do conceito”, provoca mais
uma vez o comunista, nascido em
1935.
15
MATÉRIA
O conceito dos royalties é constitucional, é receita originária dos Estados, ensina, porque está na Constituição, não precisa de lógica, embora
haja, mas é um fundamento constitucional do constituinte originário.
“Constituição originária a rigor não
tem defeitos.Veio diretamente da fonte
popular. E está lá no artigo 20: que
os Estados terão participação na produção do petróleo. Ponto final, terão
participação na forma da lei.”
O peemedebista agrega outro
conceito extremamente difundido, segundo ele: a defesa de que os contratos em vigor não podem ser afetados.
“É verdade, tanto não podem que não
são. A alteração da destinação não afeta os contratos, porque a destinação
não é contratual, ela é legal, é a lei que
define o destino e o contrato apenas
repete a alíquota que a lei estabelece.
Ora, se alterar a alíquota se altera o
contrato.”
“Mas poucos sabem como a lei
trata o produto dos royalties. Trata
como receita governamental. Há uma
definição legal para o produto dos
royalties,como essa receita é destinada, na forma da lei. Quando você
altera a lei, muda a destinação. Essa é
a regra constitucional. Vejam quando
argumento que isso afetaria direito
adquirido, só se a lei fosse eterna para
não poder ser alterada. Se a lei pretendesse a devolução dos royalties recebidos, aí sim ela estaria afetando o
direito adquirido. Meu projeto cuida,
por isso, do dia seguinte para adiante”, comenta Ibsen .
“Como sou um político, eu travo
batalhas para vencer”, teoriza, para
16
acrescentar em seguida que, se fosse
um cientista político, travaria todas as
batalhas que considerasse injustas. “Mas
as que me parecem injustas eu procuro
transformá-las como agente político que
sou, instrumento de ação política. Por
isso cuidei, então, de fazer uma transição”, diz.
“Essa batalha é uma espécie de vestibular para
uma reforma tributária. Se
passarmos neste vestibular, poderemos ganhar
esta outra guerra.”
Segundo ele, a emenda estabeleceu
– e foi vetada pelo ex-presidente Lula –
que, até que se equalizassem os níveis da
produção, os Estados beneficiários seriam compensados pela parte da União.
“Mandei pagar a conta quem criou o
problema. Foi uma lei federal proposta pela União quem criou a iniquidade.
Pague com a sua receita de royalties e
participação especial de 40%. Isso foi
alterado para dividir a transição entre todos os Estados. Também é injusto, mas
de qualquer maneira haveria uma transição, que é o que vai acontecer com a lei
atual... Ela não está em vigor ainda por
uma liminar por força do STF.”
O fundamento jurídico, prossegue
o ex-deputado, demandou a observação clara do texto constitucional, da
circunstância da posse do bem, que é
a riqueza do subsolo, da operação de
uma empresa da União e do espaço fí-
sico onde ocorre. “Foi preciso que se
dissesse ao Rio de Janeiro, com todo
o carinho, que aquela calçada em
Copacabana pertence à União, como
área de Marinha. Ora, se a calçada de
Copacabana é da União, o que dizer
do poço a 300 quilômetros”, brinca.
Então, esse fundamento moral, ejurídico, acabou enredando de tal modo
o Congresso Nacionalque o terceiro
fator – que é a maioria – os adversários da mudança passaram a definir
como maioria do resultante do simples proveito que a maioria tiraria da
nova norma. “Como se fosse injusta,
como se nós estivéssemos assaltando”, provoca.
E era preciso demonstrar que
a lei tinha fundamento moral, jurídico e maioria. Mas maioria não é o
primeiro fator, diz, é o terceiro, embora sem a maioria os dois primeiros
fiquem pelo caminho.
De acordo com o ex-parlamentar, a demonstração dessa batalha
teve grande significado concreto, que
ele prefere destacar como o caráter
emblemático da mudança, que vai
muito além do seu significado material, numérico. “Vai mais além. Porque está contida nesta forma de equanimidade da participação da riqueza,
na minha avaliação, uma espécie de
vestibular para uma reforma tributária. Se passarmos no vestibular vai
faltar o curso. Mas se não passarmos
no vestibular, não se conseguirá nem
caminhar mais”, agrega Ibsen.
“Sem a política, senhores, não
se faz administração tributária nem
nenhuma administração de outra
natureza”, disse o peemedebista aos
Enfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
presentes no encontro. Nessa área,
ele viu também um outro equívoco,
que é o de buscar mais uma vez (para
a reforma tributária) uma fórmula
consensual. “Não precisa. Porque a
reforma política fracassou novamente? Porque se queria tudo (a que se
pretendeu foi ambiciosa demais para
as suas possibilidades) , o voto em lista, o distrital, a coincidência de eleições. “Ora, quem quer a perfeição,
com grande frequência não consegue
dar nem o primeiro passo”, volta a
provocar Ibsen.
Para ele, a lei dos royalties é a
primeira caminhada para uma reforma tributária. “Aos senhores que
são do ramo fica o meu apelo: cogitemos uma reforma que seja socialmente adequada, que contemple os
interesses da maioria, mas que não
É preciso identificar o
avanço possível,
construir o apoio das
forças sociais e políticas interessadas nos
avanços, isolar os
adversários, e
derrotá-los no
processo democrático.
tente agradar a todos, porque, se tentar,
não sai do ponto de partida. É preciso
identificar o avanço possível, construir
o apoio das forças sociais e políticas
interessadas nos avanços, isolar os adversários dos avanços, e derrotá-los no
processo democrático. Maioria no Con-
gresso Nacional:esse é o caminho que
todos escolhemos. Unanimidade só
no nome de um aeroporto, de uma
praça. O avanço, só por maioria. E
o avanço tem adversários”, assegura
ele, com a experiência de quem já enfrentou os mais diversos problemas
na longa carreira política.
Ibsen observou que a proposta dos royalties é importante muito
mais pelo que discute, que excede
ao quadro desta questão: é uma visão
econômica, jurídica, política e social,
e um modelo justo e correto de distribuição da riqueza nacional. “No caso
dos royalties foi fácil identificá-los
[os adversários]. No da reforma [tributária], os adversário não são tão
simples de identificar. Cabe a vocês
traçar este caminho”, encerrou o parlamentar.
17
MATÉRIA
A visão crítica de
um especialista
Por Luiz Augusto kern – jornalista
Everardo Maciel
Ex-superintendente da Receita Federal do Brasil
Incontestavelmente uma das maiores autoridades do
país em questões tributárias, com um currículo invejável e
uma experiência que o fazem um dos maiores consultores
do tema no Brasil, Everardo Maciel, ex-titular da Receita
Federal brasileira por oito anos, apresentou aos agentes
fiscais do Rio Grande do Sul as suas visões sobre a estrutura federativa e os problemas brasileiros na área tributária.
Everardo mexeu com o orgulho gaúcho ao afirmar o
apreço pelo fisco estadual do Rio Grande do Sul. “Quando
estava na receita federal, de forma aberta, sempre disse a
todos que o Fisco do RS era um padrão, uma referência
nacional de competência e dignidade. Costumava até dizer em tom de brincadeira que deveriam engarrafar a água
daqui porque deveria este ser o diferencial”, brincou o
consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense de
Direito Público (IDP) na abertura da sua palestra. Ele explicou que a segunda razão de ser um apaixonado pelo tema
é pela aproximação que sempre teve com o fisco do Brasil,
depois de 16 anos como secretário da Receita Fazendária.
“Seria inevitável que tivéssemos uma forte relação. Sou de
uma cidade do interior de Pernambuco, chamada Pesqueira, e aprendi a ler na Coletoria Estadual. O contador era
meu padrinho e ele me ajudou muito”, disse.
Essa relação com o tema o faz, segundo ele próprio,
um apaixonado pelo assunto. E foi com essa força que ele
abordou a questão dos estados e do federalismo fiscal. Segundo ele, há uma circunstância importante que o faz ainda mais ligado ao tema no momento: o Senado criou, no
ano passado, uma comissão do qual ele fez parte ao lado de
18
autoridades como Ives Gandra, Paulo de Barros Carvalho,
Luiz Roberto Barroso, Fernando Resende, Bernardo Api e
outros, presidida por Nelson Jobim. A comissão foi criada
para revisar o chamado Pacto Federativo. Everardo foi o
relator. “Nós apresentamos 12 propostas de caráter geral.
Percebi, na comissão, o grau de desagregação conceitual
em que está o federalismo instalado na Constituição brasileira. Daí porque nós sugerimos um artigo (art. 251) para
ser colocado ao final da Carta Magna, estabelecendo uma
lei geral de federalismo fiscal. São conceitos mínimos que
estabelecem uma conexão não apenas entre os elementos
tributários, mas também de gasto público”, conta.
Esse artigo visa dar um mínimo de racionalidade, de
organicidade conceitual naquilo que, constatou a comissão, está disperso, com conceitos inclusive antagônicos na
Constituição. Ele dá um exemplo que considera curioso:
na cota-parte municipal do ICMS se diz que, no mínimo,
¾ serão distribuídos em conformidade com o valor adicionado. Diz ainda que, no máximo, ¼ será distribuído de
acordo com o que dispuser a lei estadual. “E acrescenta
que, no máximo, 20% deste ¼ serão fracionados de tal e
qual forma... Quer dizer, articular esses percentuais não
dá, não funciona. É tão mal feito, que não dá certo, não
tem como articular isso”, revela o ex-secretário da Receita
Federal, com a ironia de quem sabe do que está falando.
Everardo faz uma rápida passagem pela história do
federalismo fiscal. “A história do federalismo fiscal é a história da reforma de 1965.Tudo de bom e de ruim que existe
foi feito lá, quando criaram uma nova estrutura de compeEnfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
tências tributárias, quando foi criado o ICM, uma ousadia
extraordinária. O ICM, na verdade, é um IVA, e, sendo um
IVA, é o segundo no mundo, apenas a França tinha algo
igual, fundamentado no Valor Agregado”, relata. Ele, no
entanto, afirma que havia um vício de origem na criação
do imposto. “Um vício que foi presumir que o ICM seria o
sucedâneo do IVC. Mas não existia nenhuma experiência
de um Imposto de Valor Agregado num Estado federativo.
Só havia num Estado unitário, que era a França. Portanto, não se poderia prever que tipo de problema poderia
existir,se existisse apenas uma competência estadual sem
alguns cuidados para evitar algum tipo de conflito na via
federal. ICM como tal era uma denominação mais sofisticada do que um IVA”, diz.
Mas não houve salvaguardas, nem cuidados para evitar algum tipo de conflito. “ICM define o fato gerador. Mas
como isso foi feito por um país de terceiro mundo (já que
IVA era do primeiro e ICM do terceiro, muito melhor definido tributariamente), não se adotou internacionalmente”,
afirma.
Havia também a pretensão de eliminar a guerra fiscal. “Com a criação do ICM, e eu participei deste discurso
também, o argumento parecia abstratamente muito lógico: um Estado não permitirá que outro faça guerra fiscal.
Mas, em 1972, eu administrei como secretário de Fazenda
a passagem de um para o outro, o que foi feito com uma
dose razoável de arbítrio... Mas resultou em outra questão:
tributação nas transações interestaduais. Ora, no IVC – que
era cumulativo – cada um poderia fazer do jeito que quisesse, baixando a alíquota. Essa era a guerra fiscal. Há um
fato histórico relevante: quando se pensou no IVA para a
União Europeia, se pensava num IVA tributado somente
na origem. O Brasil tentou seguir essa regra, que admitia
apenas a desoneração para exportações.”
A mudança nessa regra, no final dos anos 1960, trouxe novos problemas. Como o Brasil já introduzira a regra
com tributação, em parte na origem, em parte no destino,
cristalizou-se a dificuldade que, na época, só existia no
Brasil. Everardo relata que, em quase todos os países do
mundo, só existe imposto federal. “Ou o Estado é unitário
ou é uma federação, com imposto federal. Então era um
problema unicamente do Brasil.”
A segunda questão imposta foi constitucionalizar as
transferências governamentais a Estados e municípios.
Alguns perguntam:
apenas o IR e o IPI
fundamentariam essas transferências?
“Porque eram os únicos impostos clássicos, não existiam
outros. O ITR ou
IOF não eram sequer administrados
pelo Fisco. Impostos
sobre o comércio
exterior, de caráter regulatório. Então, quem o fez – na
época –, o fez com uma certa regularidade”, relembra.
A degradação do federalismo fiscal, então, se tornou
quase inevitável, na visão do consultor tributário. Ele enumera como ocorreu essa degradação: primeiramente tínhamos uma situação em relação ao ICM. A Constituição, no
seu artigo 24, dizia que o tributo teria a alíquota uniforme
no território nacional. “Isso estava lá na Constituição. A primeira questão é: e as operações interestaduais? Muda-se a
Constituição?”, pergunta. “Aí a criatividade brasileira criou
a redução da base de cálculo. Não se pretendia mudar a
Constituição e se criou essa manobra. Em 1988, se admitiu
as variações de alíquota, ela já não era mais uniforme e não
se proibiu a variação da base de cálculo. Nossa criatividade
começou a falar em alíquotas efetivas. Isso é criatividade.
O que permitiu uma diversidade enorme de alíquotas, que
é uma das características que explicam a complexidade do
ICMS”, aponta.
A segunda questão é a acumulação de créditos. Na
experiência de Everardo, com 16 anos à frente de postos-chave do Fisco brasileiro, a questão é de dificílima solução. Como a acumulação de crédito se resolveria? Pela
compensação? Já que no ICMS não existe como compensar, se resolveria pela devolução. “Erário é catraca: entrar é
fácil, sair não sai”, destaca ele, indicando como a situação
ficou confusa e sem solução.
A terceira hipótese é a transferência de crédito entre
contribuintes, o que também é difícil de gerir, porque está
sujeita a fraudes, sendo de controle muito difícil, comenta,
destacando que existe muita acumulação de crédito, tanto
mais quanto existir diferenciação de alíquotas.
“A degradação do
federalismo fiscal é fato
quase inevitável, diante
dos arranjos políticos
feitos ao longo das
décadas.”
19
MATÉRIA
A guerra fiscal aberta, destaca ele, surge em 1980.
Até esse ano, a guerra fiscal é discretíssima, opina. Depois,
houve a sua expansão. A primeira razão, enumera, é que
a União desistiu de coordenar a execução do ICMS. Havia
até um órgão que coordenava as ações, sem imposição. O
Ministério do Planejamento também articulava. Na reforma
administrativa do governo Collor, no entanto, acabaram essas secretarias e terminou, assim, uma interface entre os
Estados.
“E as sanções na lei complementar para tratar da guerra fiscal morreram, não existem, e a retenção de tributos
por parte do governo federal não existe, se tornou inconstitucional... Há também a falência completa dos programas
de desenvolvimento regional. Não existem mais.Uma quarta razão tem a ver com a ineficácia da ampliação da base de
contribuintes. Os impostos federais foram incorporados
ao ICMS. Impressiona-me que a arrecadação nacional do
ICMS hoje, comparada com o PIB, é praticamente igual
ao que era antes da Constituição. Não há diferença. Bom,
mas como é que pode ser isso se foram incorporadas bases
como energia elétrica, combustíveis, minerais no país, comunicações, transportes, que hoje representam algo como
43% da arrecadação nacional do ICMS?”
A hipótese do palestrante é que, como essas eram receitas fáceis de arrecadar, se permitiu em relação ao resto
fazer qualquer coisa, abrindo mão de arrecadação, explicando-se assim, em parte, a guerra fiscal. “A combinação de
tudo isso é que os Estados perderam força desde a Constituição de 1988, especialmente porque o município foi elevado à condição de ente federativo e aí passou a haver uma
relação direta da União com os municípios,fragilizando a
competência dos Estados em relação a políticas públicas e
passandoa ser uma diversão fazer a guerra fiscal”, afirma.
Para Everardo, há também o uso abusivo da substituição tributária, “que hoje é usada para qualquer coisa,
particularmente em São Paulo”. Segundo ele, foi feita uma
pesquisa para determinar a margem de valor agregado,
“pesquisa que é uma amostra”, em que se usa uma média
do passado para dizer que o futuro será igual ao passado.
“Portanto, está errado”, dispara ele.
Por fim, Everardo cita a ampliação irracional do Fundo de Participação de Estados e Municípios. “Ora, no ímpeto de centralização, nós tínhamos 10% da arrecadação
do IPI e do IR para isso, e hoje temos 47% da arrecadação
20
do IR e 57% do IPI. Então, todas as vezes que a União faz
desoneração, isso repercute sobre Estados e municípios. É
uma situação confusa e que gera um trauma profundo em
Estados e municípios.”
Mas há no mundo também uma crise de federalização, relata o palestrante. Há na Escócia, na Bélgica, no País
Basco e até mesmo na Alemanha, onde Everardo diz ter
lido que os Estados de Baden e outros estão se queixando que são explorados por outros Estados alemães. Mas,
quanto mais a globalização avança, racionaliza, mais a necessidade de se procurar a sua própria identidade. “Assim,
há uma crise internacional com as federações.”
Bem-humorado, Everardo brinca que nada é tão ruim
que não possa piorar e cita a questão dos royalties do petróleo. “Há a ilusão do pré-sal, algo que não se tem certeza
alguma.Estimularam-se os Estados não produtores a ficar
de olho nos royalties do petróleo, e dá-lhe discussão sobre
o tema, e aí começou uma discussão monumental sobre
a distribuição. O argumento dos Estados produtores, eu
diria, é patético: a mudança dos critérios vai ofender os
contratos celebrados. Mas contratos de quem? Os contratos são celebrados pela União e particulares. Os Estados
não são partes desses contratos. Dizem também que a mudança fere o direito adquirido. De quem? O direito adquirido é natural, das pessoas. Quem são essas pessoas? Não
existem. O que tem faltado é bom senso: os critérios que
existiram eram absurdos e têm que ser mudados de forma
gradual, sem maluquices.” Para ele, os royalties têm de ser
tratados de maneira sensata. A legislação tem que ser discutida tecnicamente e deve abranger também o Fundo de
Participação dos Estados.
Sabedor de que traçou quadro bastante amplo e não
muito favorável à solução dos problemas dos Estados e
municípios, Everardo encerrou a sua palestra afirmando
que toda a situação o deixava pouco otimista.
“O ICMS está ruim, doente, muito doente, por trapalhadas que se fazem em Brasília, gerando cálculos que
não fecham. Mas vocês são fiscais, têm poder e conhecimento, e eu confio que irão ajudar a encontrar saídas
para os temas técnicos e para o país. Essa é a minha angústia, o meu pessimismo. Não consigo ser mais otimista
do que isso e friso que é preciso propor e lutar por um
mínimo de racionalidade nestas coisas todas!”, encerrou o
palestrante.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
Heleno Taveira Torres
Federalismo e o papel das
resoluções do Senado Federal
na História Constitucional para
regular as alíquotas do ICMS
Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP
Diante das dificuldades de avançar uma reforma tributária do ICMS, o Congresso Nacional tem buscado soluções
no aprimoramento dos seus regimes. Dentre outras, vê-se
a retomada das resoluções do Senado Federal como instrumentos normativos na solução dos conflitos que surgem nas
operações interestaduais. Entretanto, pelo procedimento e técnica legislativa diferenciados, em relação
às leis em geral, pois não depende
de aprovação da Câmara de Deputados ou da sanção e veto presidencial, impõe-se delimitar com clareza
seu âmbito de aplicação, para que
esta não dê ensejo a outros complicadores, com a judicialização de
tudo aquilo que se apresenta como
tentativa de solução.
Não é de hoje que se discute
o equilíbrio da tributação no federalismo e os instrumentos normativos mais adequados para regular as
relações entre Estados, e a origem
do nosso federalismo responde a
muitas dessas perplexidades sobre
as dificuldades no relacionamento interestatal.
Com a proclamação da República, em 15 de novembro
de 1889, é bom lembrar, o Brasil passou a adotar a forma
federativa por força do Decreto nº 1/1889, com uma súbita união das províncias que até então não dispunham de
autonomia. Inicia-se, então, nosso federalismo tributário,
e, desde então, muitos são os conflitos decorrentes. Se a
forma foi a melhor, as preocupações de Rui Barbosa, no seu
“Relatório do Ministro da Fazenda”, de 1891, bem como as
críticas de Victor Nunes Leal (Coronelismo, enxada e voto),
de Oliveira Vianna (O idealismo da
constituição), de Alberto Torres (A
organização nacional), ou de Raymundo Faoro (Os donos do poder),
não deixam dúvidas quanto aos desalinhos do sistema.
Esse modelo foi aprimorado
na Constituição de 1934, quando
finalmente foi assegurada a autonomia dos municípios em matéria
tributária, o que assim permaneceu
integrado ao federalismo fiscal.
Ao lado da história do federalismo brasileiro é que se deve operar o exame do evoluir da tributação
do consumo, que é a história das
seguidas tentativas de implantação
de um regime uniforme de financiamento dos Estados e municípios.
Na origem dessa tributação sobre o consumo, encontramos o chamado “Imposto do Selo” (Dec. nº 4.505, de 31
de dezembro de 1870), que tinha como fato gerador a emissão de faturas, a partir das vendas efetuadas. Era um tributo
tipicamente monofásico. Com a Constituição de 1934, foi
“Para entender a história
do federalismo brasileiro
se deve examinar a evolução da tributação do consumo, que é a história das
seguidas tentativas de
implantação de um regime
uniforme de financiamento
dos Estados e municípios.”
21
ARTIGO
atribuído aos Estados o “Imposto de Vendas Mercantis”,
que logo em seguida veio a ser substituído pelo “Imposto
sobre Vendas e Consignações – IVC”, mantido pelas Constituições de 1937 e de 1946. Este era um imposto plurifásico
e cumulativo, incidindo sobre cada venda realizada com a
mesma alíquota prevista, sem possibilidade de deduções.
Em 1965, acompanhando os reflexos das reformas ocorridas nos sistemas dos diversos países europeus, a Emenda Constitucional nº 18/65 extinguiu o referido imposto,
substituindo-o pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM (art. 12), com a característica de ser plurifásico
e não cumulativo. Somente o Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza – ISS (Emenda Constitucional nº 18,
de 1965, art. 15), de competência dos municípios, remanesceria sob a forma de tributo monofásico e cumulativo.
O ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias,
como visto, surgiu com alíquotas uniformes em todo o território nacional (15%, salvo algumas específicas). Para manter esse objetivo, o art. 12, § 1º, da Emenda Constitucional
nº 18, de 1965, dizia que resolução do Senado Federal poderia dispor sobre os limites das alíquotas interestaduais
do ICM, para garantir o princípio da uniformidade. E ali
se exigia a edição de lei complementar para estabelecer a
forma como o Senado exerceria essa competência.1
Na vigência do art. 12 da Emenda Constitucional
18/65, a exigência de ICM em alíquota única de 15% acabou
por agravar as desigualdades e diferenças regionais entre os
Estados produtores e os Estados consumidores. Em grande
parte, isso deveu-se à exigência de lei complementar para
estabelecer como o Senado poderia deliberar, mediante resoluções, sobre as alíquotas interestaduais.
Na Constituição de 1967, a manifesta importância das
resoluções, para conferir garantia de uniformidade, estabelecia expressamente sua função como integrante do próprio Sistema Tributário Nacional, in verbis:
Art. 18 – sistema tributário nacional compõe-se de
impostos, taxas e contribuições de melhoria e é regido pelo disposto neste Capítulo em leis complementares, em resoluções do Senado e, nos limites das
respectivas competências, em leis federais, estaduais e municipais.
Art. 24. (...) “§ 4º – A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme
para todas as mercadorias nas operações internas e Interestaduais, e não excederá, naquelas que se destinem a outro Estado e ao exterior, os limites fixados
em resolução do Senado, nos termos do disposto em lei complementar.”
1
22
Por isso, mais tarde, o Ato Complementar nº 40, de
19682 afastou essa subordinação das resoluções senatoriais
às leis complementares, que se viu substituída por uma
competência exclusiva do Senado quanto à garantia de
uniformidade das alíquotas do ICMS. As dificuldades que
aquela subordinação impunha para a própria deliberação
foi afastada, de modo expresso, para permitir maior agilidade nessas decisões sobre as alíquotas do ICM.
Seguiam-se, então, as competências materiais relativas
aos impostos estaduais, com modificações a partir da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que passou a especificar
sua atribuição e limites.
Foi nesse contexto que surgiu a Lei Complementar nº
24, de 1975, e, com ela, o Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz)3, órgão deliberativo colegiado formado
por um representante de cada Estado e do Distrito Federal
e por um representante da União, os quais decidiriam, sempre por unanimidade, sobre eventuais reduções de alíquotas ou outras formas de benefícios fiscais.
A competência para definir as alíquotas do ICMS nas
operações interestaduais mantinha-se reservada às resoluções do Senado, ao tempo que qualquer forma de redução
das alíquotas (isenções), com efeito uniformizador, pudesse ser adotada por convênios.
Em seguida, a Emenda Constitucional nº 23, de 1983
(conhecida por “Emenda Passos Porto”), deu nova redação
a esse dispositivo, agora no art. 23, § 5º, da CF, para reafirmar o princípio da uniformidade de alíquotas internas e
interestaduais (realizadas com consumidor final) do ICM,
além da competência do Senado para fixar apenas as alíquotas “máximas” do ICM nas operações interestaduais,
sempre por iniciativa do presidente da República.4 E a alíquota máxima, frise-se, porquanto as reduções e isenções
estariam reservadas à Lei Complementar nº 24, de 1975, na
forma acima designada.
Para conferir as distinções: Art. 24. (...) “§ 4º – A alíquota do imposto a que
se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal,
através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará
as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro.”
3
Essa denominação somente foi adotada quando celebrado o Convênio n. 133/97,
que denominou esse órgão colegiado como Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz e instituiu seu Regimento Interno.
4
Art. 23, § 5º - “A alíquota do imposto a que se refere o item II será uniforme
para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como
nas interestaduais realizadas com consumidor final; o Senado Federal, mediante
resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas
máximas para cada uma dessas operações e para as de exportação.”
2
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
Atualmente, quanto à função
das resoluções no ICMS, a Constituição de 1988, no seu art. 155, §
2º, assim prescreve:
“Resoluções do Senado Federal são instrumentos
introdutórios de normas
tributárias primárias que
inovam a ordem jurídica em
caráter vinculante para
todos os Estados, a fim de
garantir uniformidade nos
limites mínimos ou máximos
das alíquotas dos impostos
estaduais.”
IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa
do Presidente da República ou de um terço dos
Senadores, aprovada pela
maioria absoluta de seus
membros, estabelecerá as
alíquotas aplicáveis às
operações e prestações,
interestaduais e de exportação;
V – é facultado ao Senado
Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações
internas, mediante resolução de iniciativa de um
terço e aprovada pela maioria absoluta de seus
membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações
para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da
maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus
membros.
O sentido que se deve atribuir ao papel das resoluções
senatoriais na determinação atual das alíquotas do ICMS
reclama a boa compreensão de quais parâmetros de antanho não foram recepcionados pela Constituição de 1988,
a saber:
a) a subordinação a lei complementar;
b) o princípio de uniformidade das alíquotas;
c) restrição de iniciativa da resolução à proposta do
presidente da República;
d) ampla competência para definição das alíquotas
interestaduais, sem limitações a alíquotas mínimas ou máximas, assim como a certas operações (com consumidor final,
por exemplo).
No novo modelo, resolução do Senado Federal estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações
interestaduais, afastadas aquelas restrições acima, e cuja
iniciativa poderá ser do presidente da República ou de um
terço dos senadores, aprovada pela
maioria absoluta de seus membros.
Essa foi a forma mais aprimorada
para, preservada a autonomia dos
entes federativos, delimitar a competência do Senado para fixar as alíquotas interestaduais do ICMS.
Resoluções do Senado Federal
são instrumentos introdutórios de
normas tributárias primárias que
inovam a ordem jurídica em caráter
vinculante para todos os Estados, a
fim de garantir uniformidade nos
limites mínimos ou máximos das
alíquotas dos impostos estaduais.
As resoluções integram o processo legislativo, como prescreve o
art. 59, VII, da CF. O órgão competente para editá-las é o Senado Federal, e a competência
limita-se à fixação das alíquotas máximas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens
ou Direitos – ITCMD (art. 155, I, e § 1º, IV, da CF), assim
como da fixação das alíquotas mínimas do Imposto sobre
Propriedade de Veículos Automotores – IPVA (art. 155, III,
e § 3º, I, da CF). Quanto ao ICMS, conforme o art. 155, §
2º, V, da CF, o Senado Federal poderá utilizar-se das resoluções para estabelecer, nas operações internas, alíquotas
mínimas e alíquotas máximas, estas unicamente quando
necessárias para resolver conflito específico que envolva
interesse de Estados, além das alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação, segundo
o art. 155, § 2º, IV, da CF. Desse modo, vê-se atendida a
tríade dos elementos da validade das resoluções em matéria tributária, quanto ao órgão, à competência e ao procedimento.
Nesse modelo, no qual as alíquotas não se limitam
aos tetos máximos ou mínimos, é legítima a existência
de alíquotas fixas nas operações interestaduais do ICMS,
como aquelas definidas na Resolução nº 22, de 1989, de
12% e de 7%, justificada a diferença pelos valores da redução da desigualdade regional. Resta saber se seria possível
admitir uma terceira ou quarta alíquota, em nova resolução do Senado, limitadamente às importações seguidas
de operações interestaduais, bem como em outras situações.
23
ARTIGO
De fato, interessa-nos aqui o estudo sobre os limites
e possibilidades da edição das resoluções senatoriais para
criação ou modificação das alíquotas do ICMS aplicáveis às
operações ou prestações interestaduais, do inciso IV do §
2º do art. 155 da CF. Nesse dispositivo, são encontráveis
três normas jurídicas, aquela que define a iniciativa, a que
prevê o quórum do procedimento de aprovação e aquela
que indica o âmbito de aplicação material.
A primeira norma reserva a iniciativa ao presidente
da República ou a um terço dos senadores. Neste último,
sobreleva a exigência da anuência de, pelo menos, 27 senadores como condição de procedibilidade, numa afirmação
inequívoca de demonstração de relevância da matéria.
Ao mesmo tempo, ao prever a hipótese de proposta
presidencial para modificação de alíquotas interestaduais,
evidencia-se a vocação de tributo nacional do ICMS, sem
que isso o faça extensível à União, bem entendido, com escolha do constituinte pelo caráter subsidiário da atuação
da União, apenas como forma de assegurar os valores da
uniformidade de alíquotas, como decorrência da própria
limitação decorrente do art. 151, I, da CF, ao estabelecer o
princípio da uniformidade geográfica dos tributos.
Quanto ao procedimento, o § 1º do art. 48 do Regimento Interno autoriza o presidente do Senado, ouvidas
as lideranças, a conferir às comissões competência para
apreciar, terminativamente, os projetos de resolução a que
se refere o art. 155, § 2º, IV, da CF. Sobre o procedimento
de aprovação, exige-se maioria absoluta de seus membros.
Cumpre observar, conforme o art. 48, XXVIII, do Regimento Interno (Resolução nº 93, de 1970) do Senado Federal,
que compete exclusivamente ao presidente do Senado promulgar as resoluções.
E como mostra efetiva do caráter nacional da eficácia
da resolução, sem prejuízo das competências autônomas
dos Estados, prescreve o art. 396 do Regimento Interno que
o Senado Federal remeterá o texto da resolução ao “Presidente da República, aos Governadores, às Assembleias
Legislativas, à Câmara Legislativa do Distrito Federal e aos
Prefeitos e Câmaras de Vereadores dos Municípios interessados, com a indicação da sua publicação no Diário do Senado Federal e no Diário Oficial da União”.
No que concerne aos limites da competência do Senado na edição das resoluções, estas somente poderão estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis às:
a) operações interestaduais de mercadorias; ou
24
b) prestações interestaduais de serviços de transportes
e de telecomunicações.
A exportação está fora do campo material do ICMS.
Após a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, ao modificar
a alínea “a” do inciso X do § 2º do art. 155, a imunidade
sobre operações que destinem mercadorias para o exterior
e sobre serviços prestados a destinatários no exterior, de
fato, justifica sua exclusão.
Nessa norma de competência, nas duas hipóteses acima designadas, deveras, encontra-se abrangida a importação, quando o bem importado destinar-se a Estado diverso
daquele da entrada física da mercadoria. Assim, para dar
cumprimento à uniformidade das alíquotas empregadas
nas operações interestaduais com produtos importados, o
art. 155, § 2º, IV, da CF concorre para adicionar segurança
jurídica, ademais da tentativa de solução ao problema decorrente dos incentivos fiscais, à própria definição da competência para tributar essas operações, mediante resolução
do Senado Federal. Como se sabe, na importação, o inciso
IX do § 2º do art. 155 da Constituição.
Em conclusão, a edição de resolução senatorial, no
exercício da competência do art. 155, § 2º, IV, da CF, vê-se
submetida a severos limites quanto aos aspectos formais e
materiais. Não por outros motivos, mister assumir que o
atendimento desses critérios corresponde a típica limitação
constitucional ao poder de tributar. A resolução do Senado cumpre função equivalente de legalidade substantiva,
cuja competência condiciona o poder, circunscrevendo seu
campo de ação material, no caso, às alíquotas do ICMS. Isso
porque, uma vez aprovada, sua observância será vinculante
para todos os entes da Federação, numa forma de limitação ao poder de tributar de garantia da uniformidade das
alíquotas do ICMS. Essa percepção, porém, deve ser acompanhada da importância de preservar-se, o Senado, quanto
ao campo restrito da competência para dispor sobre alíquotas, sob pena de invadir competências que só podem ser
exercidas pela aprovação democrática completa, ou seja,
com atuação da Câmara dos Deputados e da Presidência da
República (veto e sanção), como é o caso das leis complementares. Ao fim e ao cabo, sente-se a urgência de reforma
tributária que possa mitigar os conflitos de interesses no
nosso federalismo e assegure aos Estados e contribuintes
uma tributação uniforme e coerente com os melhores valores constitucionais.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
Reforma Tributária
e ICMS
André Paiva
Agente Fiscal do Tesouro do Estado do RS
Secretário-adjunto da Fazenda do RS
Quanto à necessidade de se fazer uma reforma tributária no país, há consenso. Isso porque se consolidou
quase uma unanimidade quanto aos diversos problemas
do atual modelo tributário brasileiro. Estes vão desde a
complexidade das legislações até graves distorções econômicas provocadas por uma multiplicidade de incidências
de diferentes exações manejadas por três níveis de entes
federativos: União, Estados e municípios.
Já quanto ao conteúdo das necessárias alterações ao
modelo tributário, cada um tem uma reforma diferente em
sua mente e o consenso se esvai rapidamente. As opções
de reforma vão desde alterações pontuais no modelo atual, procurando
consertar seus principais defeitos, até
a quase refundação do federalismo
fiscal brasileiro, discutindo-se em conjunto temas como a distribuição das
receitas tributárias (base de partilha
das receitas da União, Fundo de Participação dos Estados e dos municípios,
participação dos municípios no ICMS,
compensações das exportações, etc.),
as competências tributárias dos distintos entes e as formas de incidência (fazer ou não um IVA nacional, reduzir a
regressividade do sistema, incremen-
tar a progressividade, etc.) e a distribuição dos royalties
do petróleo.
Uma reforma, por menor que seja, no sistema tributário brasileiro, envolvendo questões federativas, exige
coordenação, função que em nossa Federação está notadamente delegada ao governo federal. Atualmente, a clara
opção do governo federal é pelo tratamento isolado de
cada grande problema da pauta federativa, no que se convencionou chamar de reforma fatiada.
Os alvos da reforma foram definidos logo no início de
2011, consistindo em: I) ampliar os benefícios do Simples
Nacional, mediante reajustamento
das faixas e estímulos às exportações; II) reduzir os encargos sobre
a folha de pagamento, migrando
a tributação para a base do faturamento; III) reduzir a cumulatividade das contribuições sociais (PIS/
Cofins); e IV ) reformar o ICMS,
simplificando, migrando sua arrecadação para o consumo e acabando com a guerra fiscal.
Os três primeiros itens da
agenda evoluíram com certa agilidade. Ainda em 2011, as faixas do
Simples Nacional foram reajustadas
“Uma reforma, por menor que seja, no sistema
tributário brasileiro,
envolvendo questões
federativas, exige coordenação, função que em
nossa Federação está
notadamente delegada
ao governo federal.”
25
ARTIGO
“Nesse cenário, governos de nossa
Federação apresentam, recorrentemente, proposta para reformar o ICMS.
Mais recentemente, para cumprir seus
propósitos nessa temática, o governo
federal fez várias discussões com os
Estados e apresentou-lhes propostas
que exigiriam uma
coordenação de medidas normativas
para mudar o ICMS [...]”
e foi estabelecida a exclusão das receitas de exportação.
A União também iniciou uma progressiva inclusão de setores na redução dos tributos sobre a folha de pagamento com compensações parciais no aumento de alíquotas
sobre faturamento, bem como estabeleceu reduções nos
prazos de apropriação dos créditos das contribuições sociais para os bens de capital e acelerou seus processos de
devolução de créditos aos exportadores.
Entretanto, o maior desafio proposto, que exige muitas costuras políticas e a transposição de enormes dificuldades e resistências, é, certamente, a reforma do ICMS. Os
principais problemas desse imposto decorrem de sua configuração especial em nossa Federação, um imposto cujos
efeitos se verificam em caráter nacional, mas que é de
competência de um ente subnacional. Aí tem significado
marcante o engenhoso mecanismo adotado nas operações
interestaduais, as alíquotas interestaduais.
Para definir a parte do imposto que fica com cada
Estado em uma operação interestadual, foram utilizadas
duas técnicas. Uma de ordem constitucional, com a não
incidência do ICMS definida para as operações com petróleo, combustíveis e lubrificantes dele derivados, e com
energia elétrica, o que significa que todo o imposto dessas
operações é atribuído ao Estado de destino (onde ocorrerá o consumo) desses bens. Outra, de ordem infraconstitu-
26
cional, definida por Resoluções do Senado Federal, através
da fixação de alíquotas interestaduais, consagrando um
modelo de partilha misto, com parte do ICMS sendo arrecadada pelo Estado de origem das mercadorias e parte
pelo Estado de destino.
Assim, as “alíquotas interestaduais” não são “alíquotas” em seu conceito ordinário. Essas alíquotas não se
prestam a definir a carga tributária de ICMS que o consumidor deverá suportar. Elas são, em realidade, o mecanismo de partilha do imposto entre Estados de origem e de
destino de uma operação ou prestação com mercadorias
ou serviços.
Tal mecanismo, embora engenhoso, combinado com
um rompimento generalizado das sistemáticas constitucionalmente definidas para a concessão de incentivos fiscais no
ICMS, é responsável pelos principais problemas desse imposto e, talvez, do próprio sistema tributário nacional. Destaca-se como o mais reconhecido dos problemas a chamada
“guerra fiscal”, mas se acumulam outros, como, po­r exemplo, a dificuldade de desoneração de investimentos e das
exportações e a sonegação por simulações de operações.
Nesse cenário, governos de nossa Federação apresentam, recorrentemente, proposta para reformar o ICMS.
Mais recentemente, para cumprir seus propósitos nessa
temática, o governo federal fez várias discussões com os
Estados e apresentou-lhes propostas que exigiriam uma
coordenação de medidas normativas para mudar o ICMS,
e que foram entregues ao Congresso Nacional, a saber:
I – Proposta de Resolução do Senado Federal (PRS
nº 1/2013), que altera as alíquotas interestaduais do ICMS,
migrando sua arrecadação gradativamente da origem para
o destino, chegando, ao fim de um prazo de 15 anos, a
uma alíquota única de 4%, contemplando várias exceções;
II – Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº
197/2012), que altera o modelo de incidência do ICMS nas
operações interestaduais de venda direta a consumidor final (principalmente, comércio eletrônico), fazendo com
que passe a haver repartição do ICMS entre o Estado de
origem e de destino das mercadorias, em vez da arrecadação integral pertencente ao Estado da origem dos bens,
como ocorre atualmente;
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
III – Proposta de Lei Complementar (PLP nº
238/2012), que altera o quórum do Confaz para convalidação dos benefícios da guerra fiscal, passando de unanimidade para 3/5 a aprovação necessária;
IV – Medida Provisória (MP nº 599/2012), que cria
fundos, para a transição das modificações introduzidas no
ICMS, com vigência de 20 anos, sendo um fundo para recomposição das perdas de arrecadação para os Estados,
pela alteração das alíquotas interestaduais, limitado a R$
8 bilhões/ano, e um fundo para políticas de desenvolvimento regional, limitado a R$ 16 bilhões/ano, sendo R$ 12 bilhões para
financiamentos ao setor privado e R$
4 bilhões orçamentários (fundo perdido), para que os Estados substituam as políticas de atração de investimentos que faziam através da guerra
fiscal, utilizando os novos recursos,
por exemplo, para subvencionar empresas ou para fazer investimentos
que lhes interessem para promoção
do seu desenvolvimento.
Adicionalmente a essas proposições normativas, o governo federal
faz um esforço de coordenação para
aprovação, no âmbito do Confaz, de
uma Proposta de Convênio ICMS
para convalidar os benefícios ficais já
concedidos irregularmente na guerra fiscal, bem como para estabelecer uma adequada transição para a extinção dos mesmos.
Importa ainda destacar que, no Projeto de Lei Complementar nº 238/2012, a União também tratou da questão
da dívida dos Estados, incluindo autorização de renegociação dos seus encargos, com a troca da correção do IGP-DI pelo IPCA e a redução dos juros de 6%, 7,5% ou 9%,
conforme o caso, para 4%, bem como um limitador geral
desses encargos totais à taxa Selic. Trata-se de um atrativo
substancial para os Estados que têm no endividamento um
grave problema estrutural em suas finanças, como é o caso
do RS.
Essas propostas, que formam um conjunto indissociável, iniciaram suas diferentes tramitações paralelamente.
Nessa dinâmica, as propostas começaram a sofrer transformações segundo a maior ou menor força da equação
política recrutada em cada um dos temas. No Congresso
Nacional, além dos Estados, outras forças incidem sobre
os debates, especialmente as representações empresariais.
No caso dos Estados, em apertadíssima síntese, poderíamos dividi-los em dois grandes blocos, segundo seus
distintos interesses sobre os temas tratados.
O bloco dos Estados das Regiões
Norte (N), Nordeste (NE) e Centro-Oeste (CO), mais o Estado do Espírito Santo (ES), que defendem uma
transição mais longa, de cerca de 20
anos, para os benefícios ficais e para
a redução das alíquotas interestaduais. Propõem também a manutenção
de um modelo de alíquotas assimétricas, mantendo-se uma diferenciação tal como ocorre atualmente, com
alíquotas de 12% e 7%, chegando-se
a alíquotas finais de 7% e 2%. Ainda,
clamam à União por mais recursos
no fundo para políticas de desenvolvimento regional.
De outra parte, o bloco dos
Estados do Sul (S) e Sudeste (SE),
que preconizam o fim mais acelerado para a guerra fiscal, em um período de 8 a 12 anos,
com a queda mais rápida das alíquotas interestaduais, as
quais deveriam convergir para uma alíquota única de 4%.
Solicitam, ainda, que a União garanta mais recursos para
compensar as possíveis perdas de arrecadação que enfrentarão na transição.
No caso das alíquotas interestaduais, que dependem
unicamente de resolução do Senado Federal, os Estados
do N, NE, CO e o ES formam uma maioria substancial naquela Casa Legislativa, o que lhes deu condição de impor
mudanças expressivas na proposta originalmente oferecida pela União. De fato, o relatório apresentado pelo sena-
“[Os] Estados do Sul e
Sudeste [...] preconizam o fim mais acelerado
para a guerra fiscal, em
um período de 8 a 12 anos,
com a queda mais rápida
das alíquotas interestaduais, que deveriam convergir para uma alíquota
única de 4%.”
27
ARTIGO
dor Delcídio do Amaral alterou a proposição de uma alíquota final única de 4%, fazendo com que haja uma nova
alíquota de 7% para os Estados do N, NE, CO e o ES, especialmente para as vendas da produção industrial e agropecuárias destinadas aos Estados do S e SE. Na votação da
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, essa
situação ainda foi ampliada para que a alíquota de 7% seja
aplicada a todas as operações originadas dos Estados do
N, NE e CO e o ES e destinadas para os Estados do S e SE.
Essa assimetria das alíquotas interestaduais, além de
trazer fortes efeitos sobre as possíveis perdas de arrecadação, com reflexos sobre o fundo compensatório da MP
nº 599/2012, tem significativo impacto econômico, com
elevado grau de rejeição pelos Estados do Sul e Sudeste.
“Não é por menos que, dado o conjunto
de alterações que distorceram as proposições originais, em especial pelos
graves efeitos sobre a possível necessidade de recomposição de receitas e
pelos nocivos efeitos econômicos da
guerra fiscal legalizada, a União já cogita abandonar a proposta de reformar o
ICMS.”
Especialmente, porque essa situação, associada à convalidação e à manutenção dos benefícios fiscais da guerra
fiscal por um período expressivo, inclusive com a eventual legalização de incentivos meramente comerciais, pode
causar um forte impacto negativo na competitividade dos
produtos do S e SE, bem como na atratividade dos Estados
dessas regiões por novos investimentos e até possíveis perdas por relocalização de empreendimentos.
Agrava o problema o fato de já haver sinais de uma
convalidação e manutenção dos benefícios fiscais por um
28
longo prazo, de até 20 anos. É o que se pôde observar
na tramitação do PLP nº 238/2012, forte no relatório recentemente apresentado pelo deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), e da MP nº 599/2012, com relatório do senador Walter Pinheiro (PT-BA), em que prazos dessa magnitude estão cogitados. Uma transição com essas características, associando prazo longo, assimetria de alíquotas
interestaduais e legalização dos benefícios fiscais, tem potencial para produzir um estrago substancial na economia
dos Estados do S e SE.
Retomando-se a proposta do Senado aprovada na
CAE, foram agraciadas mais algumas excepcionalidades
nas alíquotas das operações interestaduais, mantendo-se
a alíquota de 12% para a Zona Franca de Manaus (ZFM),
para as Áreas de Livre Comércio (ALC) e, ainda, para o gás
natural. No caso da alíquota proposta para a ZFM, pode
haver graves consequências para a indústria de tecnologia
da informação já instalada em outras regiões do país, que
ficaria sem condições de competição com a produção daquela área especial.
Não é por menos que, dado o conjunto de alterações
que distorceram as proposições originais, em especial pelos graves efeitos sobre a possível necessidade de recomposição de receitas e pelos nocivos efeitos econômicos da
guerra fiscal legalizada, a União já cogita abandonar a proposta de reformar o ICMS.
Também contribui significativamente para essa reação da União o fato de que, na proposta de alteração de
indexadores das dívidas, foi apresentado pelo relator do
PLC nº 238/2012, deputado Eduardo Cunha, um conjunto
de medidas adicionais não acordadas com o governo federal, principalmente a previsão de descontos de até 45%
do saldo devedor das unidades da Federação com dívidas
refinanciadas junto à União.
Resta manter a expectativa e a ação política incisiva
sobre os desdobramentos desses temas tão relevantes para
as finanças do Estado do RS. O equacionamento do endividamento e da reforma do ICMS, juntamente com a solução
da questão previdenciária, que já está em curso no Estado,
poderão dar, no médio e longo prazo, contribuição decisiva para o equilíbrio fiscal do Estado do Rio Grande do Sul.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ENTREVISTA
Entrevista com Odir Tonollier
Secretário da Fazenda do RS
Dívida Pública do RS
Enfoque Fiscal – De que forma a dívida pública
do RS tem afetado os investimentos no Estado?
Tonollier – A dívida pública absorve um volume significativo de recursos arrecadados pelo Estado. Somados aos recursos da previdência,
podemos considerar que praticamente a metade do valor arrecadado pelo
Estado é destinada ao pagamento de
despesas do passado. Assim, os serviços públicos atuais e os novos investimentos têm que ser realizados com a
outra metade desses recursos, o que
exige um grande esforço para prestar
serviços públicos de qualidade e ao
mesmo tempo realizar os investimentos.
Ao longo dos anos, os investimentos estão perdendo espaço no orçamento do Estado, exatamente pela falta de recursos. Por esse motivo estamos buscando novas fontes de
financiamento para a realização de investimentos, com encargos bastante inferiores aos praticados no atual contrato
da dívida pública firmado com a União. A redução dos encargos e a mudança do indexador da dívida fundada, encaminhada pela presidente Dilma Rousseff, modificará totalmente a perspectiva futura do Estado.
Essa redução possibilitará vislumbrar
o pagamento efetivo da dívida, sem
acumular resíduos, e possibilitará a
abertura de espaços fiscais para a realização de investimentos necessários
para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
“A redução dos encargos
e a mudança do indexador da dívida fundada,
encaminhada pela presidente Dilma Rousseff,
modificará totalmente
a perspectiva futura do
Estado.”
Alíquotas estaduais de ICMS
Enfoque Fiscal – Da forma
como está posta, a reforma do
ICMS traz benefícios ou prejudica a economia do Estado gaúcho? Por
quê?
Tonollier – A guerra fiscal por si só gera deficiências
na alocação de investimentos por parte das empresas e
traz incertezas para o ambiente empresarial, pois mesmo
a beneficiária que recebe os benefícios não terá certeza de
29
ENTREVISTA
que a concorrente receberá um benefício maior ou se os
outros Estados aceitarão o crédito tributário desse benefício e até mesmo a ocorrência de decisões judiciais que alterem a relação. Nos últimos tempos,
houve agravamento da guerra fiscal,
que se tornou predatória, com alguns Estados concedendo benefícios
voltados à apropriação de parte da
receita devida a outras unidades da
Federação, favorecendo a importação
em detrimento da atividade que promova empregos aqui no Brasil, sendo
também nociva no caso da guerra do
atacado e varejo, no caso do comércio eletrônico. Assim, necessitamos
de medidas que enfrentem essas modalidades nocivas à economia e à arrecadação de impostos do Estado. As
modificações da legislação, no PRS nº
1/2013, na sua redação original, que
reduz as alíquotas interestaduais, e na PEC
nº 197/2012, que regula o comércio eletrônico e outras
modalidades de venda direta ao consumidor, vão no sentido de conter essa guerra e são positivas para o Estado.
qualquer movimento de aumento nessa participação, apesar da mobilização de nossas bancadas e do governador,
esbarra no peso da representação política dos Estados do
Nordeste, Norte e Centro-oeste.
“O resultado da arrecadação de ICMS com
ganhos reais nestes
últimos anos reflete o
bom trabalho realizado
pela Receita Estadual,
mesmo em um ambiente
adverso como foi o ano
passado [...]”
FPE
Enfoque Fiscal – O Fundo de Participação dos
Estados ainda não tem uma definição exata de como
deverá funcionar após 2017. Qual a sua expectativa
para que as novas regras, que devem valer a partir de
2018, possam contribuir para o equilíbrio fiscal e das
contas públicas do Estado?
Tonollier – A regra atual do FPE destina 85% dos
tributos recolhidos pela União para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os outros 15% são destinados ao Sul
e ao Sudeste – os principais geradores de tributos. Desse
bolo, o Rio Grande do Sul recebe somente 2,35%. A fatia
que cabe ao Estado já é pequena na participação atual, e
30
Fundo Previdenciário
Enfoque Fiscal – A instituição
do Fundo Previdenciário (Fundoprev) pela Lei Complementar
13.758/2011 resolve de vez a questão previdenciária no RS e garante
a aposentadoria das gerações futuras? De que forma?
Tonollier – O Fundo de Previdência Pública do Estado representa
a solução definitiva do maior problema estrutural do Rio Grande do
Sul. Não há mágica que solucione no
curto prazo. A previdência é assunto de
longo prazo, e é necessário começar logo, pois o déficit
ultrapassou R$ 6,2 bilhões em 2012. Essa é a primeira vez
que o Estado constitui um fundo equilibrado para enfrentar o tema. Até então, não tinha sido feito. O Fundo de
Previdência e a redução dos juros da dívida significam uma
completa mudança de rumo no futuro do Estado.
Receita Estadual
Enfoque Fiscal – Desde 2010 com uma nova estrutura, a subsecretaria da Receita Estadual tem acumulado uma série de recordes de arrecadações de
ICMS, tendo se firmado como um importante sustentáculo para os projetos do governo estadual. Como o
senhor avalia a atuação da Receita nestes três anos?
Tonollier – O resultado da arrecadação de ICMS com
ganhos reais nestes últimos anos reflete o bom trabalho realizado pela Receita Estadual, mesmo em um ambiente ad-
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ENTREVISTA
verso como foi o ano passado, em que o Estado enfrentou
uma severa estiagem, com forte impacto na economia do
Estado, com redução do PIB. O ICMS apresentou crescimento real, fruto da eficiência da ação fiscal. Credito esses
resultados aos nossos investimentos em tecnologia, substituição de métodos superados de fiscalização, um ambiente
de trabalho pautado pelo diálogo e o apoio por parte do
governador à Secretaria da Fazenda.
Tesouro do Estado
Cage
Enfoque Fiscal – A partir de 2012, a Controladoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) passou a disponibilizar publicamente o relatório de atividades do órgão. Essa iniciativa vai ao encontro da missão da Cage,
que é “zelar pela boa e regular gestão dos recursos
públicos”, e dos preceitos da lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que preconizam maior controle social sobre
o setor público. A partir dessas
premissas, considerando-se o amplo escopo de atuação desta subsecretaria, como o senhor avalia
o acesso do órgão às informações
dos poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário, Ministério Público e
Defensoria Pública?
Como isso pode beneficiar a
sociedade?
Tonollier – A Controladoria
e Auditoria-Geral do Estado realiza
uma das mais importantes tarefas
para a gestão pública e para a sociedade. A informação prestada à população e a orientação e vigilância
do controle interno para os variados
níveis de gestão são fundamentais
nesse momento de ênfase no controle interno e controle social. O zelo
pela correta aplicação dos recursos
públicos, pelo cumprimento da lei e
pela transparência são as referências
da Cage. Atualmente, são apresentados novos desafios à gestão pública, na implantação das
Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor
Público e a efetividade da Lei de Acesso à Informação. O
papel da Cage nesse processo é essencial.
“A Controladoria e Auditoria-Geral do Estado
realiza uma das mais
importantes tarefas
para a gestão pública
e para a sociedade. A
informação prestada
à população e a orientação e vigilância do
controle interno para os
variados níveis de gestão são fundamentais
nesse momento de ênfase no controle interno
e controle social.”
Enfoque Fiscal – Diretamente ligada às iniciativas de investimentos e políticas públicas do
RS, a Subsecretaria do Tesouro do
Estado, subordinada à Sefaz RS,
realiza a administração financeira
estadual. Como tem sido o desafio
de administrar um caixa que, mesmo contando com consecutivas
arrecadações recordes de ICMS,
enfrenta dificuldades em função
do grande endividamento público
do Estado?
Tonollier – O Tesouro do Estado realiza essa tarefa com a competência que se espera de um quadro
qualificado e conhecedor das dificuldades apresentadas cotidianamente
na administração financeira do Estado. Os problemas estruturais do Estado exigem um esforço permanente
na gestão. Não somente na gestão
financeira, o Tesouro atua nas questões estruturais do Estado, como, por exemplo, contribuindo decisivamente em
questões como na obtenção de operações de crédito para
investimentos, entre outras. E, além disso, tem um papel
importante na administração dos gastos, sempre alicerçado na austeridade e eficácia na aplicação dos recursos
públicos.
31
ARTIGO
A Dívida Pública
em debate
Jorge Luís Tonetto
Agente Fiscal do Tesouro do Estado do RS
Subsecretário-adjunto do Tesouro do RS
Coordenador Executivo do Gefin/Confaz
O endividamento tem sido nestes dois últimos anos
uma pauta muito forte na agenda política de nosso Estado,
envolvendo a Assembleia Legislativa, também associações e
sindicatos, por fim mobilizando a sociedade gaúcha. No âmbito do Gefin (Grupo dos Gestores das Finanças Estaduais e
do Distrito Federal), órgão vinculado ao Confaz (Conselho
Nacional de Política Fazendária), a
preocupação com o endividamento
dos Estados e do DF tem sido objeto
de muitos estudos, discussões e propostas desde seu início, em 2004.
Conjuntamente com a renegociação das dívidas em 1997, fez parte
do equilíbrio das contas brasileiras o
Programa de Ajuste Fiscal (PAF), que
visa manter em uma trajetória de
sustentabilidade a política fiscal dos
Estados. O PAF estabelece metas para
três anos e é revisado anualmente
por solicitação. Nele são definidos o
nível de endividamento em relação à
RLR e o resultado primário que deve
ser alcançado, entre outras metas.
Essas duas metas principais, em caso de descumprimento,
levam a penalidades severas em relação à dívida pública.
A renegociação de 1997 fez parte de um plano de estabilização econômica nacional, no qual o Estado teve que
reduzir a sua presença no mercado financeiro, energético
e de telecomunicações, principalmente. Reduzir a possibilidade de déficits inadministráveis no âmbito federal não
seria suficiente, sendo então necessária a extensão ao nível
subnacional para recompor a confiança na economia brasileira. Naquele momento o país convivia com
inflação galopante, o que corroía
tanto o poder aquisitivo do trabalhador como a confiança dos mercados.
Os títulos do governo pagavam um
custo altíssimo pela falta de confiança que era decorrente de políticas
fiscais deficientes.
Embora o gerenciamento de
dívida tenha objetivos definidos,
tais como determinar a estrutura da
dívida, minimizando os custos de
longo prazo e com níveis toleráveis
de risco, é certa a sua relação com a
política fiscal, que é como o governo
administra as suas receitas e despesas. Em tese, o endividamento deve ser utilizado para compartilhar os custos de
“A renegociação de 1997
fez parte de um plano de
estabilização econômica
nacional, no qual o Estado
teve que reduzir a sua
presença no mercado financeiro, energético e de
telecomunicações, principalmente.”
32
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
investimentos entre gerações, ou seja, sem onerar demais a
geração atual e sem comprometer demais a geração futura,
em empreendimentos em que ambas serão beneficiadas.
Utilizar o endividamento para cobrir um politica fiscal deficiente é o caminho certo para a bancarrota. No entanto,
uma boa estrutura de dívida deve prever que o seu portfólio não gere riscos adicionais à política fiscal corrente. Por
exemplo, em caso de uma crise cambial, esta não deve ter
efeito suficiente para sustar o serviço da dívida. Sendo assim, o percentual do portfólio exposto ao câmbio tem que
ser limitado a um nível administrável, mesmo em crises.
Em 1997, os Estados brasileiros em geral estavam
expostos a altas taxas de juros flutuantes, e com elevado
spread de crédito, assim como a Rússia em 1998 tinha uma
dívida de curto prazo muito alta, e o México em 1994/95
possuía também uma dívida de curto prazo indexada ao
dólar americano. Tradicionalmente, o governo federal brasileiro possui uma grande parte de sua dívida vencendo em
até um ano. A tabela abaixo mostra que nos últimos anos
o percentual vincendo em 12 meses não baixou de 21,9%.
Em compensação, a exposição ao câmbio é bastante baixa.
O Brasil conseguiu criar um mercado interno para seus títulos, que funciona como um anteparo a crises internacionais mais fortes, porém com um custo um tanto elevado. O
apetite do investidor para os títulos nacionais é por títulos
indexados a índices de preços ou à Selic, evitando correr
riscos demasiados. Por outro lado, o governo brasileiro vem
buscando aumentar a participação dos títulos prefixados
com custos e prazos mais razoáveis.
O estoque da Dívida Pública Federal (DPF) aumentou
7,6% no último ano, tendo como um dos principais fatores
a emissão em favor de bancos públicos (BNDES, BB, CEF).
A DPF reduziu de 50,1% do PIB em 2007 para 45,5%
em 2012. As reservas brasileiras atingiram US$ 378 bilhões,
sendo superior à totalidade do endividamento externo do
país (privado e público). A tabela abaixo permite vislumbrar os objetivos estratégicos da gestão da Dívida Pública
Federal, tais como: elevar o prazo médio da dívida brasileira, reduzir o seu vencimento em 12 meses e reduzir sua
exposição a juros flutuantes. Todas essas ações requerem
muita cautela, pois elas só podem ser seguidas em condições muito favoráveis de mercado e de política fiscal, pois
tem efeitos no custo. Uma dívida mais longa e com juro fixo
impõe mais risco a quem a está financiando, que pode exigir um prêmio maior. Pela tabela nota-se que, nos dois indicadores em que não se atingiu o planejado, aconteceu na
realidade um não cumprimento, porém na direção da estratégia, ou seja, por existir condições propícias, buscaram-se
indicadores mais favoráveis que os inicialmente planejados.
É claro que, se avançar continuadamente, ano após ano,
sem respeitar a proposta inicial publicada, pode levar ao
descrédito junto ao mercado.
Como retrospectiva cabe aqui enfatizar que em alguns
momentos de crise fica muito difícil não ter que adotar uma
tática alternativa. O gráfico na próxima página demonstra
que nos anos de 1997 e 1998, diante das instabilidades dos
mercados, a composição da Dívida Pública Brasileira foi
ajustada acrescentando a participação de títulos atrelados
ao câmbio e à Selic, vindo a crescer mais tarde a participação dos índices de preços e prefixados novamente em de-
Tabela de Indicadores DPF
Indicadores
Estoque da DPF em mercado (R$bi)
Composição do Estoque
Prefixado (%)
Índice de Preços (%)
Taxa Flutuante (%)
Cambio (%)
Estrutura de Vencimentos
Prazo Médio
% vincendo em 12 meses
PAF-2012
mínimo
máximo
1.950
2.050
dez/09
1.497
dez/10
1.694
dez/11
1.866
dez/12
2.008
32,2
26,7
34,5
6,6
36,6
26,6
31,6
5,1
37,2
28,3
30,1
4,4
40
33,9
21,7
4,4
37
30
22
3
41
34
26
5
atingiu
atingiu
não atingiu
atingiu
3,5
23,6
3,5
23,9
3,6
21,9
4
24,4
3,6
22
3,8
26
não atingiu
atingiu
atingiu
Fonte: Relatório anual da Dívida Federal 2012
33
ARTIGO
trimento dos atrelados ao câmbio. Em 1997, os prefixados
que vinham crescendo sua participação foram imensamente reduzidos, voltando a crescer em 2004.
Gráfico – Composição da DPF por indicador
da conta resíduo, pois o percentual de crescimento de sua
Receita Líquida Real é o mais baixo dos Estados brasileiros
na última década. O contrato previa ainda que, em caso de
eventual resíduo ao final do período, este poderia ser refinanciado nas mesmas condições em dez anos.
Tabela – Taxa de Crescimento da Receita Líquida Real
UF
AL
MG
RJ
RS
SP
Total BR
Fonte: Dívida Pública: a experiência Brasileira. http://www3.tesouro.fazenda.gov.
br/divida_publica/livro_divida.asp
Dívidas dos Estados
Em abril de 1998, o Estado do Rio Grande do Sul e a
União firmaram o Contrato de Confissão, Promessa de Assunção, Consolidação e Refinanciamento de Dívidas (Contrato nº 014/98/STN/COAFI), ao amparo da Lei 9.496, de 11
de setembro de 1997, e da Resolução nº 104/96, do Senado
Federal. Nesse contrato, a União assumiu a totalidade da
dívida mobiliária estadual e os contratos do Estado junto
à Caixa Econômica Federal, no valor total de R$ 9,427 bilhões. Na assinatura do contrato, a União assumiu o valor
de R$ 1,644 bilhão como subsídio inicial, restando ao Estado como parcela refinanciável o valor total de R$ 7,782
bilhões. O valor do subsídio no momento do início do refinanciamento foi de 2,650 bilhões de reais, equivalendo a
25% do total da dívida. O refinanciamento foi a partir de
novembro de 1998, e foi estruturado em 360 prestações
mensais e consecutivas, calculadas com base na Tabela Price. A renegociação previu um teto como serviço mensal
de 1/12 de 13% da Receita Líquida Real do Estado. Caso
o valor da prestação excedesse o limite de dispêndio de
13% da RLR, essa parcela excedente deveria ser acumulada
para pagamento nos meses subsequentes, em que o serviço
da dívida refinanciada fosse inferior ao referido limite. O
Rio Grande do Sul, ao longo do tempo, tem tido acúmulo
34
Nominal
2012
13,6%
11,4%
10,4%
5,4%
10,3%
11,8%
Taxa Crescimento
Real
2012
5,1%
3,0%
2,1%
-2,5%
2,0%
3,4%
Real Média
01-11
4,9%
4,2%
4,3%
2,5%
2,7%
4,7%
Estudos realizados pelos Agentes Fiscais da Divisão da
Dívida Pública do Tesouro do Estado apontam para a insustentabilidade das condições contratuais frente à realidade
do comportamento de nossas receitas1, sendo que não só o
baixo crescimento da RLR como a alta dispersão em torno
da média de variação causam prejuízos à amortização da
dívida estadual do RS, gerando acúmulo de resíduo. O Rio
Grande do Sul, ao longo do tempo, tem verificado efetivamente o acúmulo da conta resíduo, a ponto de que o
seu estoque tenha ultrapassado a conta principal em 2012,
basicamente devido à aceleração do IGPDI. A tabela ao lado
demonstra que o governo federal é nosso maior credor,
com mais de 90% de nossa dívida.
- Nelson Roncarati. Sustainability and risk analyses of brazilian state's debt
refinancing law on the state of Rio Grande do Sul.
- Luciano Lauri Flores. A proposal of change in the interest rate and in the price
index variation applied on the contractual debt between the state of Rio Grande
do Sul and the federal government in Brazil.
- Daniel Voigt Godoy. Análise de Sustentabilidade das Dívidas Estaduais: uma
abordagem estocástica. Prêmio Tesouro Nacional – 1º lugar.
1
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
Tabela – Principais dívidas fundadas da
Administração Direta do Estado – 2009-2012
Discriminação
Lei 9496/97 e PROES
Lei 9496/97 Principal
Lei 9496/97 Resíduo
PROES Intralimite
PROES Extralimite
Lei 8727/83
DMLP
Caixa Econômica Federal
BNDES
Banco do Brasil
INSS
TOTAL DÍVIDA COM UNIÃO
Outras Dívidas Internas
TOTAL DÍVIDA INTERNA
Banco Mundial-BIRD
Banco Interamericano-BID
Japan Bank Intl Coop-JBIC
TOTAL DÍVIDA EXTERNA
TOTAL GERAL DA DÍVIDA
2009
33.759.526.401
15.824.320.580
12.359.312.810
4.076.322.522
1.499.570.489
1.295.520.816
104.897.183
26.973.196
704.851
97.567.815
35.285.190.261
17.176.534
35.302.366.795
1.269.464.965
%
91,3
42,8
33,4
11,0
4,1
3,5
0,3
0,1
0,0
0,0
0,3
95,5
0,1
95,5
3,4
2010
37.040.476.306
16.985.782.018
14.884.369.202
4.375.513,340
794.811.745
1.081.117.353
92.576.155
22.919.838
5.121.451
92.488.029
38.334.699.132
17.892.932
38.352.592.064
1.917.411.579
%
91,2
41,8
36,6
10,8
2,0
2,7
0,2
0,1
0,0
0,0
0,2
94,3
0,0
94,4
4,7
2011
39.423.429.207
17.326.555.136
16.822.820.596
4.463.296.012
810.757.463
838.719.754
95.437.535
21.799.736
240.870.600
94.690.565
40.714.947.398
18.928.862
40.733.876.260
2.125.004.944
%
91,2
40,1
38,9
10,3
1,9
1,9
0,2
0,1
0,6
0,0
0,2
94,2
0,0
94,2
4,9
2012
42.618.582.748
17.888.323.296
19.285.208.609
4.608.006.693
837.044.149
580.909.254
96.928.124
19.590.213
562.735.860
300.000.000
74.981.158
44.253.727.356
20.170.674
44.273.898.030
2.307.352.276
R$ 1,00
%
90,3
37,9
40,9
9,8
1,8
1,2
0,2
0,0
1,2
0,6
0,2
93,8
0,0
93,8
4,9
293.670.218
0,8
272.186.378
0,7
269.058.329
0,6
521.394.642
1,1
97.680.175
1.660.815.358
36.963.182.153
0,3
4,5
100,0
93.153.391
2.282.751.347
40.635.343.410
0,2
76.987.240
5,8 2.905.734.159
100,0 47.179.632.189
0,2
6,2
100,0
0,2
94.684.236
5,6 2.488.747.509
100,0 43.222.623.769
FONTE: Balanço Geral do Estado e Relatório anual da divida publica 2012 https://www.sefaz.rs.gov.br/Site/MontaMenu.aspx?MenuAlias=m_div_pub_dow
Quanto aos indicadores do nosso Estado, a tabela ao
lado aponta para um prazo médio de quase 16 anos. Se
comparado com a dívida federal, em que o prazo é menor
do que quatro anos, vemos que as condições de refinanciamento foram inicialmente bem vantajosas, pois junto com
o prazo foi estipulado o teto de serviço de 13%, que trouxe
previsibilidade à gestão desse grande passivo.
A tabela ao lado mostra também que, mesmo no conceito de duration, em que se levam em conta as curvas-cupons, temos um prazo bastante confortável. As dívidas
em dólar, tr e tjlp apresentam um valor presente bem mais
baixo que o valor de face, significando que são dívidas baratas; o contrário se pode dizer da dívida em IGP-DI, pois o
valor presente é superior em 41% o valor de face.
Tabela – Valor presente, ATM e duration da dívida fundada Estadual, por indexador
R$ milhões
INDEXADOR
VALOR
VALOR DE
PRESENTE
FACE (a)
(b)
ATM DURATION
b/a
IGP-DI
42.618
59.985
IGP-M
107
108
101%
1,2
1,2
TJLP
946
796
84%
7,7
5,7
TR
470
394
84%
3,5
3,0
2.940
2.525
86% 12,5
10,5
77
76
99%
3,0
2,9
-
-
-
-
-
47.158
63.884
135% 15,7
12,4
dólar (USD)
iene ( JPY )
Outros
Total
141% 16,1
12,6
Fonte: Relatório Anual da Divida Pública do RS
35
ARTIGO
A tabela abaixo demonstra que 79% da dívida dos Estados se concentram em apenas quatro deles: SP, MG, RJ e RS.
Esse é um agravante quando se pensa no refinanciamento,
pois claramente está a beneficiar Estados com alto grau de
desenvolvimento econômico e social. A dívida dos Estados
está na casa de 440 bilhões de reais, e esse montante constitui haveres da União quando se analisa sua situação fiscal. Isso praticamente inviabiliza qualquer efeito retroativo,
pois indicará perdas da ordem de centena de bilhões de
reais nas contas nacionais, o que não é muito auspicioso do
ponto de vista da credibilidade da política fiscal.
Tabela – Relação Dívida Consolidada Líquida (DCL)
e Receita Corrente Líquida (RCL)
dos Estados Brasileiros – 2011-2012
R$ mil
ESTADOS
São Paulo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Goiás
Paraná
Bahia
Alagoas
Pernambuco
Mato Grosso do Sul
Santa Catarina
Ceará
Maranhão
Piauí
Sergipe
Mato Grosso
Rondônia
Acre
Paraíba
Espírito Santo
Amazonas
Distrito Federal
Pará
Tocantins
Amapá
Rio Grande do Norte
Roraima
total geral
POSIÇÃO 31/12/2012
DCL
RCL
177.517.847
115.369.738
70.461.771
40.371.093
67.063.121
40.613.415
51.718.917
23.710.654
14.379.116
14.102.432
13.067.786
21.849.073
10.617.350
21.624.181
7.592.657
5.051.891
7.084.416
15.611.377
6.955.693
6.599.714
5.898.678
14.535.174
3.695.367
12.027.382
3.482.376
8.893.651
2.815.560
5.575.468
2.755.403
5.221.654
2.177.450
8.901.438
2.155.481
4.789.361
1.917.189
3.281.195
1.651.102
6.286.656
1.633.945
10.915.833
1.504.625
9.655.316
1.432.931
14.312.436
1.372.729
12.722.720
1.028.809
4.991.475
595.232
3.344.164
578.931
6.761.305
466.622
2.380.344
461.621.104
439.499.139
DCL/RCL
1,54
1,75
1,65
2,18
1,02
0,60
0,49
1,5
0,45
1,05
0,41
0,31
0,39
0,50
0,53
0,24
0,45
0,58
0,26
0,15
0,16
0,10
0,11
0,21
0,18
0,09
0,20
1,05
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional e dados coletados pelo Tesouro do Estado.
36
Outro fator importante foi a publicação da Resolução
29/2009, que postergou a possibilidade de emissão de títulos pelos Estados e municípios para 31/12/2020. Anteriormente, era para ser aberta essa opção em 2011, contanto
que a relação dívida-receita fosse inferior a 1. A tabela ao
lado demonstra que 20 Estados estariam já neste momento
em condições de emissão de títulos caso vigorasse o texto
anterior da Resolução 43/2001.
De 1999 até 2008, a grande maioria dos Estados apresentou ano a ano resultados primários positivos, o que não
era comum em períodos anteriores. Com a crise econômica internacional, medidas anticíclicas tomaram o lugar dos
superávits primários. Isso significa que a partir de 2009 a
economia para pagar o serviço da dívida vem se reduzindo
no âmbito dos Estados.
O gráfico na página ao lado aponta para uma redução drástica no endividamento dos Estados do ano 2000
até 2012. A exceção nos últimos anos foi MG, que por ter
condições de refinanciamento piores (juros de 7,5% ao
ano) apresenta naturalmente maior dificuldade. Em termos
globais, podemos avaliar que a política foi exitosa no seu
propósito inicial. No entanto, devido à queda da taxa de juros no mercado externo e interno e as novas condições de
estabilidade macroeconômica do país, podemos crer que
é necessário avançar para reestabelecer a autonomia dos
entes federativos.
“A dívida dos Estados está na casa de 440
bilhões de reais, e esse montante constitui haveres da União quando se analisa
sua situação fiscal. Isso praticamente
inviabiliza qualquer efeito retroativo, pois
indicará perdas da ordem de centena de
bilhões de reais nas contas nacionais, o
que não é muito auspicioso do ponto de
vista da credibilidade da política fiscal.”
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
Gráfico – Dívida Consolidada Líquida dos Estados em
relação à sua Receita Corrente Líquida
Fonte: STN
O Estado do Rio Grande do Sul é o único que se encontra ainda acima do limite de endividamento superior à
relação de 2 para 1, porém já está abaixo do limite definido pelo Senado como trajetória de ajustamento. No último
ano, o RS consegui captar em cinco operações de crédito
quase 1 bilhão de reais, tendo ficado ainda abaixo do limite.
Trajetória de ajustamento da
DCL 2002-2012 – Resolução do Senado
Situação internacional
Atualmente, os Estados Unidos da América apresenta
uma dívida superior a 16,8 trilhões de dólares. Com uma
população de 315 milhões, temos que cada americano nasce devendo 53 mil dólares. O déficit anual do governo federal ultrapassa 1 trilhão de dólares e representa cerca de
6,7% do PIB. Aprofundando um pouco a análise e tratando-se de dívida líquida, tendo em vista os haveres do tesouro
americano, poderíamos estimar uma dívida líquida ao redor de 70% do PIB, o que acarreta que, para ter uma dívida
estável em relação ao PIB, os Estados Unidos precisariam
crescer anualmente 9% ao ano, o que é bastante diferente
da realidade atual. Mesmo possuindo moeda com reserva
de valor internacional, a situação é delicada na política
fiscal. Uma consequência desse cenário é uma dívida com
perfil de curto prazo para puxar os juros para baixo, o que
diminui a pressão fiscal.
Em outros países desenvolvidos a situação não é muito diferente. Segundo dados do FMI (2011), a área do euro
está com endividamento bruto a valor de mercado de 93%
do PIB, tendo países como Irlanda com 104%, Itália com
121%, Espanha com 76% (em 2008 era de 48%) e mesmo a
Alemanha com 86%. Por outro lado, o Japão conta com uma
dívida astronômica de 211% do PIB.
Segundo o Banco Mundial, existem duas novas situações econômicas coligadas se apresentando. Refere-se a
grupos girando a duas velocidades: uma de endividamento
e outra de crescimento. Tudo indica que as economias desenvolvidas passam a enfrentar dificuldades crescentes com
seus passivos e baixo crescimento e as economias emergentes realizam uma desacoplagem com crescimentos autossustentáveis expressivos e baixo endividamento, sendo isso
uma realidade cada vez mais evidente.
O gráfico a seguir nos demonstra que os países de alta
renda (high income) vêm elevando seu nível de endividamento desde 2008, com o início da crise internacional. Já
os países de média renda e baixa renda encontram-se numa
situação de dívida/PIB mais confortável, embora essas dívidas tenham perfil não tão favorável em termos de prazo e
encargos.
37
ARTIGO
Gráfico – Dívida Pública Bruta em % do PIB
Fonte: Banco Mundial
O crescimento econômico mais dinâmico nos países
em desenvolvimento poderá levar a um novo equilíbrio de
forças no cenário internacional, onde os Brics deverão ter
papel cada vez mais predominante.
PROPOSTAS DE REFINANCIAMENTO
Recentemente, tivemos a proposta da chamada Comissão de Notáveis (Nelson Jobim, Everardo Maciel, Ives
Gandra da Silva Martins e outros dessa mesma envergadura intelectual), que delineou uma situação muito similar
às propostas circuladas no âmbito do Gefin e do Confaz.
Nossos experts propuseram uma série de temas: um deles
versa sobre a vedação à instituição de normas de âmbito
nacional que repercutam sobre a remuneração dos servidores estaduais e municipais, com ressalva da fixação do
salário-mínimo. Outro, que nos interessa diretamente neste
artigo, versa sobre a excepcionalização do artigo 35 da Lei
Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, relativo aos
contratos da Lei n° 9496/1997 (Estados e DF) e da Medida Provisória n° 2185/2001 (municípios). Nessa proposta
é apresentada a atualização monetária pelo IPCA, sendo os
juros de 4% ao ano. No entanto, essa proposta modifica
também o limite máximo de comprometimento, definido
esse limite como 11% da Receita Líquida Real, sendo que a
disponibilidade gerada pela diferença em relação ao limite
atual deveria ser carreada exclusivamente para investimentos. Nessa proposta não há retroação de efeitos.
O governo federal, a partir da PLC 238, de 2012, vem
ao encontro de inúmeras manifestações dos setores público e privado (associações de classe, sindicatos, etc.). Essa
proposta visa basicamente trocar o indexador da dívida de
38
IGP-DI por IPCA, bem como reduzir os juros dos contratos
de 6% para 4%, e tendo como teto limite a Selic.
Por exemplo, se ocorrer uma inflação anual do IPCA
em 5%, acrescentando os juros de 4% teremos como resultado total de encargos 9%, porém se a Selic estiver em 8%
é aplicado esse limitador. Para fins de contabilização, seria
adotada a premissa de que a correção a ser lançada seria a
diferença entre a Selic de 8% menos os juros dos contratos
de 4%, ficando assim em 4% a atualização monetária.
O gráfico abaixo, sobre a evolução dos índices, demonstra que a Selic historicamente está acima do IGP-DI,
com exceção de dois períodos, e bem acima do IPCA. No
entanto, essa relação tem se aproximado nos últimos anos.
O total da dívida do RS a ser renegociado com o PLC
238 será de 42,6 bilhões de reais, devendo trazer um novo
ponto de equilíbrio. Em 2012, a dívida do RS com a União
variou 13,5%, sendo que, mesmo pagando 2,15 bilhões de
reais, teve seu saldo acrescido em 3,2 bilhões.
Tabela de dívidas do RS abrangidas pela renegociação
Dívida
Cod. Estoque dez./2012
ddip
Contrato 12 17.888.323.296,16
principal
Proes
13
4.608.006.692,90
intra
Resíduo
119 19.285.208.609,34
Proes
85
837.044.149,34
extra
Total
42.618.582.747,74
Estoque dez./2011
D nominal
17.326.555.136,15
561.768.160,01
4.463.296.012,16
144.710.680,74
16.822.820.595,93
810.757.462,55
2.462.388.013,41
26.286.686,79
39.423.429.206,79 3.195.153.540,95
Fonte: Divisão da Dívida Pública RS/Tesouro do Estado
Estudos da Divisão da Dívida Pública apontam para a
sua insustentabilidade nas condições atuais para SP, MG e
RS, sendo que as projeções apontam para um refinanciamento de resíduo de 16%, 17% e 21% da RLR em dez anos,
ou seja, percentuais bem acima dos atuais, que já comproEnfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
metem os investimentos necessários ao desenvolvimento
econômico e social desses Estados e do país. Uma simulação estocástica com 10 mil cenários usando uma RLR de 3%
apontou para um resíduo de 34 bilhões de reais em 2028,
no caso do RS. A alteração do índice de atualização monetária para o IPCA e a redução da taxa de juros para 4,0% a.a.,
sendo o total dos encargos dado pela soma de ambos pela
aprovação do PLC 238, projeta um resíduo de 16,4 bilhões
de reais, com a consequente queda do serviço para 6,9% no
início do período residual e a relação dívida-receita caindo para 0,56. A aprovação do PLC 238 é fundamental para
que RS, SP, MG, RJ e Al possam sair de uma situação de
vulnerabilidade para um ponto de fortalecimento fiscal e
sustentabilidade de suas dívidas públicas, abrindo espaço
fiscal para um ciclo de novos investimentos públicos e privados no país.
O gráfico abaixo mostra a projeção da trajetória de
convergência da dívida dos Estados com maiores problemas atualmente.
EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO TESOURO DO ESTADO NA GESTÃO DA DÍVIDA PÚBLICA
Depois de uma operação de reestruturação de dívida
pública promovida com o Banco Mundial em 2007, o Tesouro do Estado deu início a um processo de capacitação
intensivo junto a esse organismo internacional. Foi ancorada uma metodologia de análise de sustentabilidade fiscal
e de dívida pública, bem como uma série de ferramentas
de projeção e análise de cenários. O RS foi o primeiro sub-
nacional a nível mundial a utilizar a metodologia Dempa,
que gera uma série de indicadores para buscar as melhores
práticas do mercado em gestão de dívida. O apoio do Banco
Mundial possibilitou ainda uma capacitação em desenho e
implementação de políticas de gerenciamento de dívida pública que acabou por nortear uma estruturação de uma área
específica de middle office (planejamento da dívida pública) no Tesouro. A evolução disso produziu o Relatório Anual da Dívida Pública, que está na sua 4º edição, o Comitê
de Gerenciamento Estratégico da Dívida Pública (Decreto
49.767), o novo sistema de gestão dos contratos da dívida
pública, podendo ainda ser o Estado do RS um benchmarking em evolução institucional para o país.
Os servidores da dívida pública participam continuamente dos principais fóruns e capacitações nacionais e internacionais no seu tema, junto ao Banco Mundial e FMI,
como o “Sovereign debt management forum”, em Washington, Estados Unidos, ou o “Course on design, sequencing
and implementation of public financial management reforms”, em Brasília. Muitos dos seus servidores têm sólida
formação em economia pela George Washington University,
EUA. A Divisão da Dívida Pública conta ainda com serviço
da Broadcast, com informações em tempo real sobre os
principais indicadores financeiros nos mercados mundiais.
Recentemente, o servidor Daniel Voigt Godoy foi agraciado
com o 1º lugar no concurso de monografias da Secretaria
do Tesouro Nacional, nunca antes recebido pelo RS.
Em 2012, a Divisão da Dívida Pública concretizou a
abertura cambial para o pagamento do serviço da dívida externa, com o objetivo de auferir ganhos financeiros a partir
do aumento do número de bancos consultados para cotação e contratação de câmbio, para o pagamento do serviço
da dívida externa. A escolha dos novos bancos baseou-se
em requisitos como: a) figurar nos “ratings” do Bacen de
patrimônio líquido e de volume de transações com sólida
posição financeira para transacionar acentuado volume de
câmbio com segurança; b) possuir mesa de câmbio em Porto Alegre a fim de que seja solucionado com agilidade qualquer eventual problema; c) possuir sistema de gravação das
cotações.
39
DEBATE
Em debate, a valorização da autonomia
da administração tributária
Durante o 14º Encontro do Fisco Estadual
Gaúcho, a Afisvec e o Sindifisco-RS reuniram, na
tarde do dia 30 de abril, o ex-procurador-geral de
Justiça Roberto Bandeira Pereira, o desembargador e professor universitário Francisco José Moesch, o professor e doutor em direito Juarez Freitas,
o subsecretário da Receita Estadual Ricardo Neves
Pereira, o deputado estadual Adilson Troca e os
presidentes da Afisvec Abel Ferreira, e do Sindifisco-RS, Luiz Antônio Bins, para uma troca de expe-
40
riências e de conhecimentos em torno da autonomia da administração tributária.
Para agilizar a troca de informações, cada um
dos debatedores abriu o debate com uma apresentação de três minutos, revelando a sua opinião sobre a importância da autonomia da administração
tributária.
A revista Enfoque Fiscal registrou esse momento e apresenta aos leitores as falas iniciais dos
participantes.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
DEBATE
“Nossa intenção não é ser
contra benefícios fiscais,
mas eles precisam ser
decididos tecnicamente,
e não politicamente. Tem
que atender à realidade
técnica, não pode ser
algo que prejudique a sociedade.”
Abel Ferreira
Estamos trabalhando sobre a
autonomia da administração tributária dentro das associações desde
2004, após a Emenda Constitucional 42, que colocou o inciso XXII no
Artigo 37 e alterou o Inciso IV do
Artigo 167 da Constituição Federal.
Trabalhamos para que as decisões
ocorram de forma mais rápida. Naquela época, imaginávamos que as
coisas andariam mais rápidas. Mas
tanto não andam que se passaram
dez anos e há ainda coisas para se resolver em torno da
autonomia. Lá pelos anos de 2005 e 2006, fui conversar
com Roberto Bandeira Pereira, procurador-geral de Justiça, para convidá-lo para participar do 10º encontro. O
Roberto me disse na época que a administração tributária não é do Executivo, é de todos os poderes. Está
a serviço de todos os poderes.
Quero abordar também o tema
dos incentivos fiscais. Digo que
a nossa intenção não é ser contra benefícios fiscais, mas eles
precisam ser decididos tecnicamente, e não politicamente. Tem
que atender à realidade técnica,
não pode ser algo que prejudique a sociedade. Se não agirmos
assim, estaremos prejudicando o
Estado como um todo. Com essa
autonomia, em 2009 se criaram as
subsecretarias. É um projeto que
iniciou em 2004/2006. Em um
segundo momento se criaram os
cargos para essas subsecretarias.
Precisamos, agora, dar novos passos. Queremos agora uma autonomia administrativa e financeira
independente, para que se possa
prestar um melhor serviço técnico-tributário à sociedade gaúcha.
Luiz Antônio Bins
O tema é de grande relevância para nós, operadores do fisco,
mas ainda mais importante para a
sociedade, para o Estado. Na nossa
concepção de Estado, é importante que se tenha presente que este
ente político não existe por si só,
como um fim em si mesmo, mas
em função da sociedade, para a qual deve envidar seus
esforços com vistas à concretização do bem comum
e do maior nível de bem-estar de sua gente. Da mesma
forma ocorre com a administração tributária, que tem a
função essencial, definida constitucionalmente (EC nº
42/2003), de prover o Estado dos recursos necessários
(tributos) para que cada governo
possa, a seu tempo, implementar as melhores políticas públicas para o desenvolvimento de
seu povo, em especial nas áreas
de saúde, educação, segurança,
transporte, saneamento básico, assistência social, logística e
investimentos. Para isso, entretanto, é inexorável que exista
uma administração tributária
estruturada, de Estado, e não de
governo, que seja forte e atuante. E isso só é possível se, para
além das prerrogativas, garantias,
direitos e deveres do órgão e da
carreira responsável pela respectiva gestão da administração tributária, pensarmos em um órgão
estatal detentor das necessárias
autonomias funcional, adminis-
“É inexorável que exista uma
administração
tributária estruturada, de
Estado, e não de governo. E
isso só é possível se, para
além das prerrogativas e da
carreira responsável pela
respectiva gestão da
administração tributária,
pensarmos em um órgão
estatal detentor das
necessárias autonomias
funcional, administrativa,
orçamentária e financeira.”
41
ARTIGO
“Hoje, a concepção de
Estado dividido em três
poderes é absolutamente ineficaz frente às
demandas, às grandes
demandas, cada vez
maiores, por conta da
internet, da informação.
Dentro desse contexto,
digo que a política institucional deve valorizar
aqueles que pensam em
um Estado que atenda
aos anseios da sociedade.”
trativa, orçamentária e financeira. No
Rio Grande do Sul,
já de longa data o
Fisco detém a necessária autonomia
funcional para os
seus Agentes Fiscais
– que veio a ser ratificada na nova Lei
Orgânica da Administração Tributária
(LC nº 13.452/10),
sendo necessário,
entretanto, avançar
para a conquista das
demais autonomias,
quais sejam, administrativa, financeira
e orçamentária.
Ricardo Neves Pereira
Este tema nos é muito caro. Na Fazenda, hoje,
temos posição muito clara de garantir esta autonomia
funcional. Não é só um desejo, é um valor, um princípio
que norteia todas as nossas ações. É interessante isso,
o que leva alguns Estados a nos olharem de forma diferente. Realmente, aqui nós temos essa concepção, onde
há duas condicionantes apenas. Uma é a liberdade de
ação, de não sofrer influência na execução da sua atividade, pois criamos uma redoma em torno dessa ação.
Segundo ponto, que seja dentro das leis, das normas. O
nosso colega pode agir, a partir da sua intenção, dentro
dos limites das normas infraconstitucionais, indo até as
normas internas de gestão e administração. É importante fazer essa conexão. Não existe autonomia absoluta;
ela é relativa dentro deste contexto em que se trabalha.
A outra parte da autonomia é a orçamentária, financeira e administrativa. Temos bastante independência. O
42
governador diz para nós o seguinte: a tua meta é a arrecadação. A partir daí é que temos total autonomia para
definir nosso plano de trabalho, organizar nossos recursos internos para atingir os objetivos planejados. Isso
está muito claro, e temos consciência de que avançamos
muito de abril de 2010 para cá, quando consolidamos
uma estrutura orgânica. A autonomia para nós é uma
joia, mas sabemos que ela tem que ser bem usada, pois
ao mesmo tempo é muito frágil.
Roberto Bandeira
Eu assino o que foi dito aqui. Como membro do
MP e presidente do conselho nacional dos procuradores-gerais dos MPs dos Estados e da União, sempre
defendi que as carreiras de Estado que buscam a arrecadação têm que trabalhar com autonomia. Vejo essa luta
como o início de um processo de crescimento que converge para os interesses da sociedade, que precisa de
uma fiscalização de Estado, não de governo. Temos que
trabalhar num Estado cada vez mais horizontalizado,
com instituições ao lado dos poderes. O Montesquieu,
claro, pensou numa concepção de Estado em um outro
momento. Hoje, a
concepção de Estado dividido em três
poderes é absolutamente ineficaz frente às demandas, às
grandes demandas,
cada vez maiores,
por conta da internet, da informação.
Dentro desse contexto, digo que a
política institucional deve valorizar
aqueles que pensam
em um Estado que
atenda aos anseios
da sociedade, e só
“A autonomia, para mim, é
a capacidade de vetar o
impulsivismo. Há estudos
científicos que mostram
que o nosso cérebro, ao
tomar uma decisão, toma
a decisão em milésimos,
300 milésimos de segundos depois tem a autonomia de vetar a decisão
que ele já tomou sem ter
consciência.”
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
pode apoiar aqueles que defendem
carreiras de Estado com servidores
com independência, com concursos públicos. E isso traz responsabilidades, que pedem carreiras constitucionalmente reconhecidas ao
lado do MP, como Tribunal de Contas e Defensoria, que caminham no
mesmo sentido, e que cada vez se
aja para diminuir o espaço de decisão política, para que tenhamos
uma decisão técnica, para que seja
valorizada a decisão técnica.
“Não é possível saúde
sem recursos. Uma pesquisa do governo Tarso
indica que a saúde é necessidade detectada com
o dobro da segurança.
Precisamos também de
saneamento básico, cujo
investimento é mínimo.
Este desafio passa também por uma mudança de
mentalidade.”
Juarez Freitas
Quanto à autonomia funcional
do Fisco do RS, tenho usado essa situação como um exemplo nacional: a nossa lei orgânica
é um extraordinário progresso, em que pese a necessidade de regulamentação de vários itens importantes.
Vejo um momento de afirmação desta carreira como carreira de Estado, mas por outro lado vejo também como
uma hora de preocupação nacional, como um risco às
carreiras de Estado, notadamente ao MP. Deixo registrado o meu protesto contra a PEC 37, que tenta esvaziar
o MP: é um atentado à República, à Constituição, e a
cada um de nós que defende probidade e instituições
de Estado que durem enquanto os governos passam. É
o registro. Mas não devemos nos ufanar demais. Temos
que nos preocupar com o Artigo 167, que é o tema das
vinculações das receitas: tratar da regulamentação, autonomia dos proventos, da paridade. Há ainda o tema
do PLC 238 e a autonomia como defesa dos direitos
fundamentais do contribuinte. A autonomia, para mim,
é a capacidade de vetar o impulsivismo. Há estudos
científicos que mostram que o nosso cérebro, ao tomar
uma decisão, toma a decisão em milésimos, 300 milésimos de segundos depois tem a autonomia de vetar
a decisão que ele já tomou sem ter consciência. Penso
que, quando se fala em autonomia
de carreiras de Estado, é para que
ela tenha poder de veto sobre os
impulsivismos governamentais de
todas as esferas. Como exemplo, o
art. 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal: há uma série de regras para
que os incentivos fiscais ocorram,
mas no Brasil assistimos hoje, cotidianamente, que os incentivos
são dados de forma fratricida sem
critérios, com justificativas pouco
republicanas. Penso que uma das
funções que deveríamos desenvolver mais no Fisco é a capacidade de
fiscalizar internamente a concessão
desses benefícios. Esses incentivos
são capazes de derrubar, ao longo
prazo, as finanças públicas, e, pior, não obedecem a
nenhum critério de planejamento estratégico. Não são
tomadas medidas de compensações, e isso contra a soberania dos Estados.
Francisco José Moesch
Eu me convenci de que há autonomia na Fazenda
estadual. Convenci-me
também de que há um
caminho a ser seguido
ainda. Mas há que se
mudar ideias para se
ter a autonomia orçamentária. Nós temos
recebido no tribunal,
surpreendentemente, mais processos de
saúde do que tributários e previdenciários.
Não é possível isso.
Um grande advogado
“Não existe autonomia
absoluta; ela é relativa
dentro deste contexto
em que se trabalha.
A outra parte da
autonomia é a orçamentária, financeira e
administrativa. Temos
bastante independência.”
43
ARTIGO
alemão e também diretor de banco me perguntou certa
vez o que eram aqueles processos sobre a minha mesa:
eram processos de saúde, medicamentos. Mas como,
tem problema de fórmula? Não, é
o fornecimento de remédios. Esses
dados são alarmantes e está aí um
grande desafio para a arrecadação,
e essa arrecadação será atendida
quando houver uma autonomia
em planejamento estratégico e uma
administração tributária de Estado.
Não é possível saúde sem recursos.
Uma pesquisa do governo Tarso indica que a saúde é necessidade detectada com o dobro da segurança .
Precisamos também de saneamento
básico, cujo investimento é mínimo. Este desafio passa também por
uma mudança de mentalidade. Nós
temos que enfrentar isso aqui no
Estado. Elogio o trabalho de vocês
em relação ao que vem à frente e do
secretário da Fazenda, uma mensagem positiva. Porque
nós não podemos ser fonte de lamentações. A mensagem forte tem que ser positiva e passa por vocês. Então,
Abel e Bins, o tribunal está aberto para conversarmos
sobre questões sobre as quais precisamos ter um ângulo
mais completo. O tribunal está numa administração plural, democrática, aberta e com sensibilidade para estas
questões de Estado.
a categoria lutava para conquistar essa autonomia. A
categoria se uniu e eu destaco todos aqueles que desde aquela época lutaram para convencer o governo
e os colegas deputados daquela
época. O Renato Salimem, Edson
Zart, Simonete, Celso Malhani,
o Abel, que eu acredito na época
que era voluntário da categoria, o
João Antônio Marins, o Grazziontin, o Bins, todos que estavam lá na
Assembleia. De plantão, era assim
que eles atuavam na época. Não foi
fácil aprovar esta matéria. Ela entrou com rejeição na Casa, que ela
era corporativa, que não era boa.
E havia categorias contrárias. A Assembleia é uma casa política, funciona sob pressão, e eu, escolhido
como relator da lei de administração tributária, e mais tarde líder
do governo, tive a incumbência de
trabalhar internamente o projeto e
convencer os colegas de que ele era bom para a sociedade. Foi um projeto muito difícil de ser aprovado.
Enfrentei como líder e não foi fácil. Mas eu como líder do governo, e a categoria trabalhando muito no
convencimento, alavancamos uma mobilização que
chegou a aprovar a lei. Agora, estou mais contente e
convencido de que a lei deu certo, trouxe resultados,
conquistas, melhorou o desempenho da Fazenda. A
lei foi importante. Atingiu o seu objetivo e eu, como
pessoa pública, como político, me sinto recompensado por ter ajudado a dar modernidade a uma equipe
que para qualquer governo é extremamente necessária, importante. A Fazenda é essencial para qualquer
administração, ao arrecadar os recursos para o desenvolvimento, para o custeio.
“A Assembleia é uma casa
política, funciona sob
pressão, e eu, escolhido
como relator da lei de
administração tributária,
e mais tarde líder do governo, tive a incumbência
de trabalhar internamente o projeto e convencer
os colegas de que ele era
bom para a sociedade.”
Adilson Troca
Quero relembrar a atuação da Assembleia na
aprovação desta lei que completou agora em abril três
anos de vigência. Acreditamos que foi uma conquista
realmente. Uma posição política da época. Desde 2004
44
Enfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
Dívida dos Estados
Em defesa de um novo acordo com a União
Por Luiz Augusto Kern – jornalista
Giovani Feltes
Deputado estadual (PMDB-RS)
Membro das comissões permanentes de Assuntos Municipais e de
Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, o deputado estadual Giovani Feltes (PMDB) pode se considerar
um veterano. Feltes está no seu terceiro mandato e, como poucos, sabe
reconhecer os prejuízos causados
pela dívida do Estado paga mensalmente à União. Na sua palestra, o peemedebista apresentou os reflexos
desse pagamento, considerado por
ele demasiado e grande demais para
se manter no mesmo patamar nos
próximos anos. “Quero apresentar
a vocês os reflexos que essa dívida
trouxe aos cidadãos gaúchos. É óbvio
que nós, por longas décadas, fomos
tomando iniciativas governamentais,
acumulando dívidas, que tornaram
insustentáveis as coisas e foi neces-
46
“É óbvio que nós, por
longas décadas, fomos
tomando iniciativas
governamentais,
acumulando dívidas,
que tornaram insustentáveis as coisas
e foi necessário federalizar as dívidas. Não
havia nem como
contabilizá-las.”
sário federalizar as dívidas. Não havia
nem como contabilizá-las”, argumenta
o parlamentar, defendendo o acordo com a União, feito à época pelo
seu partido, o PMDB. Mas, segundo ele, quando o Estado perdeu a
receita inflacionária, que mascarava
os números, começaram a aparecer
os problemas. “E aí, a cada período,
fomos (o Estado) perdendo a nossa capacidade de investir e estamos
hoje nessa realidade”, raciocina ele.
Feltes apresentou números sobre a dívida na sua palestra. “Temos
a evolução da dívida, hoje, que é de
R$ 36 bilhões e 800 milhões, já tendo
pago bem mais de R$ 31 bilhões desde 1998 e devemos ao redor de R$
40 bilhões. Isso é escorchante. E ninguém pode e deve praticar esse tipo
de negociação. Se lá atrás era assim,
hoje – e já há muito essa realidade
passou – permanece a injustiça que
Enfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
leva à insuficiência por parte do Estado no atendimento de demandas
sociais.”
Segundo seus cálculos, o total
da dívida soma agora R$ 47 bilhões
(R$ 40 bilhões somados a outras dívidas agregadas). “Só neste governo
temos R$ 5 bilhões e 200 milhões
de empréstimos e financiamentos
autorizados pelo Poder Legislativo.
Até com o voto da oposição, mesmo
sabendo o que isso pode significar.
E isso é difícil explicar para a cidadania, que pergunta por que não aprovamos um asfaltamento, uma verba
para um pequeno município”, agrega o parlamentar.
Por outro lado, diz o peemedebista, a cada ano há um desencaixe
de R$ 2 bilhões e 700 milhões, em
um cenário no qual o investimento
do RS é pouco maior do que R$ 1
bilhão. “Pagamos muito mais do
que o dobro do que temos capacidade de investir. Portanto, temos
aí graves dificuldades: como é que
o Estado vai contemplar as demandas se ele deve cada vez mais, se
paga mais por conta da rolagem da
dívida? Essa equação não fecha”,
assegura, ao lembrar que tivemos
alguns hiatos nesse processo. “Foi
em 2010, quando a Assembleia
permitiu que o governo pegasse
os fundos da Previdência (R$ 1 bilhão). Isso é preocupante, porque
sabemos o que isso significa em um
momento em que a população espera de nós que atendamos as suas
mínimas reclamações”, pondera.
Ele projeta o que vem a seguir no
Congresso, numa remissão a 2028 e
aos projetos que tramitam no Senado.
Uma das propostas é do senador
Francisco Dornelles, que está propondo em 2028 um arrefecimento do percentual da dívida em relação à nossa
receita corrente líquida. Outra proposta
é do Linderberg Farias, que tenta contemplar os municípios e Estados endi-
“Onde está o nosso
protagonismo? Onde
está o nosso famoso poder, que seria
a proximidade com o
governo federal? Isso
me preocupa. Mas vamos ser francos, há
exemplos nos governos
anteriores.”
vidados, retroagindo a 1998, quando
do início da pactuação da dívida. Não
precisa ter sido governador para saber
que os recursos que os Estados aportam
aos municípios são necessários também
e não alcançam as necessidades”, dispara o parlamentar.
O peemedebista só vê uma luz no
fim do túnel, se nada for feito agora,
lá por 2038. Nesse ano, já numa outra
realidade, o comprometimento da nossa receita líquida real será de 4,3%. Ele
informa que a União Nacional dos
Legisladores e Legislativos Estaduais
(Unale) vem trabalhando em propostas nesse sentido, o mesmo sendo
feito na Câmara Federal, onde se fala
em reconstrução das dívidas. “Não
sei no que vai dar, mas o mais justo
seria que – em paralelo – a discussão
andasse por uma solução coletiva,
para todos os Estados.”
Ele criticou também a falta de
protagonismo do Rio Grande do Sul
em relação ao tema “dívida dos Estados”. De acordo com ele, a principal
liderança política, que tem inserção
no governo federal, não está agindo, numa referência ao governador
Tarso Genro. “Fiquei triste quando
o prefeito Fernando Haddad (PT),
de São Paulo, levantou a discussão
da dívida e poucas semanas depois
a presidente Dilma Rousseff (PT) remeteu projeto atendendo a essa necessidade. Onde está o nosso protagonismo? Onde está o nosso famoso
poder, que seria a proximidade com
o governo federal? Isso me preocupa.
Mas vamos ser francos, há exemplos
nos governos anteriores.” Ele cita o
projeto 238/2013, que limitou a taxa
Selic em 4%. “Caímos [o Estado do
RS] de 6% para 4% nesta taxa. Será
que São Paulo, que tem juro IGPDI
mais 9%, teve o mesmo ‘benefício’?
Não. O Rio Grande do Sul do Brasil
e do mundo cai de 6% para 4%, mas
São Paulo teve a vantagem de cair de
9% para 4%. Esse é um exemplo do
que não está acontecendo. Falta ousadia, e aquela representação que se
propalava não existe”, finalizou.
47
ARTIGO
FPE - Novos critérios de
repartição
Marcelo Ramos de Mello
Agente Fiscal do Tesouro do Estado do RS
Chefe da Seção de Estudo Econômico-Fiscais – DEE/Receita Estadual
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar o Fundo de Participação
dos Estados (FPE) de um ponto de vista mais prático, tendo
em vista que o tema já foi abordado de forma mais teórica e
conceitual em edição anterior da revista, além de o assunto já
estar em fase adiantada de tramitação
no Congresso Nacional.
O FPE é um fundo constitucional
formado por 21,5% das receitas do
Imposto de Renda (IR) e do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI)1,
repassado pela União aos Estados e ao
Distrito Federal (DF), de acordo com o
que dispõe a Lei Complementar (LC).
O objetivo do FPE é promover o equilíbrio socioeconômico entre as unidades
federadas (UFs), de acordo com o artigo 161, II, da Constituição. Pela distribuição atual, fixada há
mais de 20 anos, conforme anexo único da LC 62/89, o Rio
Grande do Sul (RS) recebe 2,3548% dos recursos do fundo,
o que pode representar um total de R$ 1,7 bilhão em valores
estimados para 2013. Ou seja, o FPE tem tamanho semelhante ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA).
Em 1993, dois anos após expirar a validade “provisória”
dos coeficientes fixados no anexo único da LC 62/89, o então
governador do Estado do Rio Grande do Sul, Alceu Collares,
interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)2 juntamente com os governadores de Santa Catarina, Vilson Kleinubing, e do Paraná, Rubens Requião. Além desta, outras ADIs
foram interpostas por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e
Goiás, por exemplo. A expectativa era
de que, com o “descongelamento” dos
coeficientes, o RS fosse beneficiado por
um repasse maior do fundo.
Em fevereiro de 2010, o Supremo
Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da atual distribuição estipulada pela LC 62/89, tornando
necessária a elaboração de nova Lei
Complementar. A decisão do STF, que
teve como relator o ministro Gilmar
Mendes, julgou inconstitucional o artigo 2º, incisos I e II, além dos §§ 1º, 2º e 3º e o Anexo Único
da LC 62/89.
A inconstitucionalidade foi declarada pela existência de
reservas regionais fixas (de 85% para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de 15% para as regiões Sul e Sudeste)
e porque os próprios coeficientes estão fixos desde 1989, não
atendendo ao comando constitucional de promover o equilíbrio socioeconômico entre as unidades federadas3.
“A expectativa era de
que, com o ‘descongelamento’ dos coeficientes,
o RS fosse beneficiado
por um repasse maior do
fundo.”
2
1
48
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 159, I, “a”.
3
ADI 875/DF, acórdão de 24/02/2010.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, arts. 159, I, “a” e 161, II.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
“Um ponto positivo foi a
retirada da obrigatoriedade do critério de equalização de receitas para
a próxima Lei Complementar que determinaria
a repartição a partir de
2018.”
A mesma decisão do STF também determinou a ultratividade da LC
62/89 até 31 de dezembro de 2012,
sem declarar a nulidade, evitando o
“caos financeiro” entre as UFs, que
acabariam tendo que ajustar as diferenças de repasse entre si. O prazo
de quase dois anos foi considerado
suficiente pelo Supremo para a elaboração de nova Lei Complementar
pelo Congresso Nacional. Passados os
dois anos, sem a edição de nova Lei
Complementar, alguns Estados instaram o
Supremo para novamente estender a validade dos critérios
atuais de repartição. No início de 2013, por decisão singular
do ministro Lewandowsky, a ultratividade da LC 62/89 foi estendida por mais 150 dias, prazo que está por vencer.
O artigo foi dividido em três itens, tratando primeiro da
proposta da Comissão de Notáveis do Senado, que serviu de
base para o relator no Senado, em seguida, da tramitação da
matéria no Senado Federal e da tramitação na Câmara dos
Deputados. Finalmente, são apresentadas as considerações
finais.
1. PROPOSTA DA COMISSÃO DE NOTÁVEIS DO SENADO
A pedido do Senado Federal, formou-se uma Comissão,
dita de Notáveis, a qual elaborou propostas em diversas questões federativas, entre elas o FPE. A Comissão entregou seu
parecer ainda em 2012, e a proposta para o FPE acabou servindo de base para o relator da matéria no Senado.
Essa proposta utilizou um modelo redistributivo baseado em duas variáveis: população e inverso do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, cada qual com 50% (cinquenta por
cento) de peso. Para o fator populacional, ficou estipulado
um limite superior de 7% (sete por cento) a ser aplicado no
cálculo. Também foi utilizado um redutor no coeficiente das
UFs com PIB per capita acima de 75% (setenta e cinco por
cento) do PIB per capita nacional, sendo que nenhum coeficiente poderia ser inferior a 0,5% (meio por cento).
A proposta, que seria aplicada a partir de 2013, garante
os valores nominais recebidos por cada UF em 2012, reajus-
tados pelo IPCA. O excedente migraria
para os novos coeficientes, fazendo uma
transição suave. Além disso, a proposta
teria validade até 2017, após o que deveria entrar em vigor nova Lei Complementar a ser elaborada com base na metodologia de equalização de receitas4.
Por fim, a proposta prevê, através
de seu artigo 2º, que, no caso de outras
transferências da União, em que a norma determine a repartição de acordo
com as regras do FPE, não incidiriam o
limite populacional de 7% (sete por cento),
nem o redutor em função do PIB per capita, pois não seriam
recursos destinados à promoção do equilíbrio socioeconômico.
2. TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL
Em função do exíguo espaço de tempo, o Congresso
Nacional decidiu acelerar a tramitação da matéria. As várias proposições em tramitação foram aglutinadas no PLS
192/2011, de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/
AM), sendo designado como relator o senador Walter Pinheiro (PT/BA).
O senador Walter, desde seu primeiro parecer, adotou
como base a proposta da Comissão de Notáveis, a qual foi
descrita no item anterior. A partir dessa proposta inicial, foram feitas alterações positivas por um lado e negativas por
outro, especialmente do ponto de vista do resultado para o
Estado gaúcho.
Um ponto positivo foi a retirada da obrigatoriedade do
critério de equalização de receitas para a próxima Lei Complementar que determinaria a repartição a partir de 2018.
Assim, fica em aberto, para discussão posterior, o critério ou
modelo a ser utilizado. Além disso, o relator incluiu a possibilidade de a Lei Complementar aprovada agora continuar
em vigor, caso o Congresso Nacional não edite nova LC até
o final de 2017.
O modelo de equalização de receitas tem como objetivo principal alcançar níveis
mais semelhantes de receita per capita entre as UFs. Cada UF, com um melhor
nível de receita per capita, colocaria em prática as suas políticas públicas visando
melhorar o desenvolvimento socioeconômico.
4
49
ARTIGO
Outro ponto que pode ser considerado positivo foi a
introdução de um limite mínimo de 1% (um por cento) no
fator populacional, melhorando um pouco a situação de Estados menos populosos, embora reduzindo um pouco o coeficiente do RS. Entretanto, a alteração não foi suficiente para
resolver a situação dos ex-territórios, muito dependentes do
repasse do FPE.
Quanto à variável PIB, o relator a substituiu pela renda
domiciliar, o que, de certa forma, beneficia os Estados do Sul
e Sudeste em geral, que possuem PIB mais elevado. Embora o PIB seja uma variável mais “robusta” e mais conhecida,
por possuir histórico, a renda domiciliar faz uma distribuição
mais homogênea, reduzindo algumas
diferenças maiores entre as UFs.
Como ponto negativo, quanto
ao redutor, agora em função da renda
domiciliar per capita (RDPC), o relator
recuou dos 75% (setenta e cinco por
cento) para 70% (setenta por cento),
o que causaria uma perda de mais de
26% (vinte e seis por cento) no coeficiente do RS, o qual ficaria em 1,73%.
Com a participação efetiva dos senadores gaúchos, do secretário da Fazenda
e também do governador, conseguiu-se que o relator elevasse o redutor
para 71% (setenta e um por cento),
passando o coeficiente do RS para
1,81%, reduzindo um pouco a perda
em relação ao índice atual (2,35%), embora ainda não tenha
sido suficiente.
Outro ponto negativo que destacamos foi a retirada do
artigo 2º da proposta dos Notáveis, que se refere a outros repasses em que a norma diga que a distribuição seja de acordo
com o FPE. É o caso dos royalties, em que a lei aprovada remete a distribuição para as mesmas regras do FPE. Assim, no
lugar de ficar com coeficiente de 3,84% para outros repasses,
o RS ficaria com os mesmos 1,81% do FPE.
Finalmente, o senador Walter Pinheiro incluiu o “congelamento” dos coeficientes atuais, declarados inconstitucionais, por mais três anos (até 2015), sendo que, nos dois anos
seguintes (2016 e 2017), seriam garantidos os valores nomi-
nais de 2015 corrigidos pelo IPCA e mais 50% (cinquenta por
cento) da variação do PIB.
Os Estados do Sul, Sudeste, Centro-Oeste (exceto DF)
e do Norte (exceto AM e PA) se mobilizaram e construíram
uma proposta apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues
(PSOL/AP), em que o limite mínimo no fator populacional
ficaria em 1,5% e o redutor subiria para 75% da RDPC nacional. Nesse caso, o RS ficaria com 2,18% de coeficiente, neutralizando a perda. Entretanto, a proposta obteve 38 votos favoráveis, enquanto eram necessários 41 votos (maioria absoluta do Senado), sendo que os três votos que faltaram foram
exatamente os dos senadores de Minas Gerais, que mudaram
seu voto no último momento.
“Como ponto negativo,
quanto ao redutor, agora
em função da renda domiciliar per capita, o relator
recuou dos 75% para 70%,
o que causaria uma perda
de mais de 26% (vinte e
seis por cento) no coeficiente do RS, o qual ficaria
em 1,73%.”
50
3. TRAMITAÇÃO NA CÂMARA
FEDERAL
A proposta aprovada no Senado
foi remetida à Câmara dos Deputados, passando a denominar-se PLP
266/2013, sendo designado como
relator o deputado Julio Cesar (PSD/
PI). Como o prazo de 150 dias concedido pelo ministro Lewandowski está
quase se esgotando, o relator fez requerimento de urgência, o qual deve
ser apreciado e aprovado no dia 12
de junho. Por esse requerimento, o
PLP não passará pelas comissões da
Câmara e irá diretamente a plenário.
A expectativa é de que o deputado Julio Cesar apresente
seu relatório ainda no dia 12 de junho, e de que a matéria vá
a discussão e votação em plenário no mesmo dia, ou ficará
para a semana seguinte.
Como o parecer do relator ainda não foi apresentado,
também não está aberto o prazo para apresentação de emendas, as quais serão apresentadas diretamente no plenário da
Câmara dos Deputados. Existem duas possibilidades: ou o
relator decide não fazer alteração alguma no projeto que veio
do Senado, para evitar que retorne àquela casa e o prazo de
150 dias corra o risco de se esgotar, ou fará alterações pontuais. Pelo que se pode inferir, uma das alterações possíveis que
o deputado Julio Cesar pode fazer é a substituição da renda
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
domiciliar pelo PIB, o que aumenta ainda mais o coeficiente
do Piauí e de outros Estados com PIB reduzido, entretanto,
prejudica a maioria dos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Outra alteração possível é a retirada do congelamento
por três anos dos coeficientes atuais (até 2015), iniciando a
transição para os novos índices imediatamente. Além disso, o
relator pode retirar a garantia do valor corrigido pelo IPCA e
mais 50% da variação do PIB na transição, garantindo apenas
o valor nominal de 2012 ou, se corrigido, apenas pelo IPCA.
Os Estados mais prejudicados, com a participação ativa
do RS, construíram duas emendas ao projeto que veio aprovado do Senado. A primeira emenda eleva o limite mínimo
no fator populacional para 2% (dois por cento), resolvendo o
problema dos Estados menos populosos, especialmente os ex-territórios. Ao
mesmo tempo, a emenda altera o fator
redutor para 80% da RDPC nacional,
melhorando a situação dos Estados do
Sul, Sudeste e Centro-Oeste (exceto
DF).
A segunda emenda reintroduz
o artigo 2º da proposta dos Notáveis,
para outros repasses, deixando de incidir o redutor nesse caso, ficando apenas os limites populacionais mínimo e
máximo.
São 16 Estados beneficiados com
as emendas, sendo que foi convocada
uma reunião dos coordenadores de
bancada e de secretários ou representantes do executivo desses Estados para o próximo dia 11 de junho, antes de o projeto ir a plenário. A reunião aconteceu, com a participação de
vários Estados, sendo marcada nova reunião para o dia seguinte. Iniciou-se a coleta de 103 assinaturas (1/5 dos 513 deputados) necessárias à apresentação das emendas em plenário.
Por ocasião da próxima reunião, será consolidado o
apoio à aprovação das duas emendas, bem como os parlamentares que irão apresentá-las em plenário.
A expectativa é de que se consiga aprovar as emendas na
Câmara, especialmente a primeira emenda, e que se consiga
mantê-las no Senado, tendo em vista que as propostas pos-
suem maioria em ambas as casas. Assim, os coeficientes do RS
seriam os seguintes:
COEFICIENTE
ATUAL
PROPOSTA
APROVADA NO
SENADO
PRIMEIRA
EMENDA
SEGUNDA
EMENDA (OUTROS
REPASSES)
2,3548%
1,8119%
2,4864%
4,2434%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta aprovada no Senado impõe perdas expressivas para o RS, que ficaria com coeficiente de 1,8119%, e para
outros Estados, especialmente o do Tocantins, que ficaria
com a maior perda, de 27,6%. As perdas globais em relação
aos coeficientes atuais (somatório das perdas individuais) alcançam 171 pontos percentuais. Além disso, são apenas dez
Estados que ganham com a proposta.
Por esse motivo, os Estados do
Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte
construíram a proposta de emenda
substitutiva global apresentada pelo
senador Randolfe Rodrigues (PSol/AP),
a qual acabou não sendo aprovada.
Agora na casa revisora, foram construídas duas propostas de emenda com
ampla maioria de votos, por isso espera-se que sejam aprovadas. A primeira
emenda reduz a maior perda individual
para 21,1% (Bahia). Entretanto, além do
Estado da Bahia, outros quatro Estados
que mais perdem são justamente os que
possuem os maiores coeficientes e concentram hoje 37% dos recursos do FPE. Por
outro lado, a proposta de emenda reduz a somatória das perdas (ou perdas globais) para 140 pontos percentuais.
Caso se consiga êxito, a proposta retorna ao Senado
para aprovar ou rejeitar especificamente a alteração que venha da Câmara. A expectativa é que o processo se encerre na
semana subsequente.
Para o RS, em valores estimados para 2013, a proposta
aprovada no Senado representaria uma perda de mais de 400
milhões, ao passo que a proposta de emenda a ser apresentada na Câmara significa um aumento de quase 100 milhões
anuais no repasse.
“A proposta aprovada no
Senado impõe perdas expressivas para o RS, que
ficaria com coeficiente
de 1,8119%, e para outros
Estados, especialmente o
do Tocantins, que ficaria
com a maior perda, de
27,6%.”
51
MATÉRIA
Fundo de participação
dos Estados
A dívida que amarra o RS
Por Luiz Augusto Kern – jornalista
Jerônimo Goergen
Deputado federal (PP-RS)
O ex-presidente da Juventude Progressista Gaúcha, Jerônimo Goergen, hoje deputado federal, tendo sido deputado estadual por dois mandatos, revelou, no início da palestra sobre a dívida dos Estados com a União, ter vivido uma
certa ansiedade ao discutir o tema diante de quem, segundo
ele, domina o assunto com profundidade. Justamente por
isso, explica ele, decidiu abordar o tema de forma política
e não técnica. O ponto de partida do
parlamentar foi admitir que a Câmara
dos Deputados tem procurado abordar o assunto de forma a conseguir
um consenso em torno do tema.
“Mas este não é o nosso papel”, afirma ele. “Quero explicar por que as
coisas, às vezes, não acontecem no
Congresso: simplesmente porque
vivemos em um país onde há uma
falsa democracia em termos legislativos. É como disse o Ibsen Pinheiro
(ex-deputado, um dos palestrantes
do evento) hoje: a Câmara tem tido
uma posição de buscar consensos, o que não é o nosso papel, e por isso o Código Florestal, os royalties, enfrentaram
problemas nas suas apreciações entre os parlamentares.”
De acordo com ele, às vezes a Câmara acorda e resolve atuar
junto com a sociedade. “Nós vivemos em um país onde há
falta de democracia em termos legislativos. Nada interessa
aos parlamentares, muito menos debater os temas, se aprofundar. O que interessa aos políticos, normalmente, é se dá
voto ou não e, a partir daí, definem se vão perder tempo
com o assunto.”
Para ele, o prefeito, o político, só quer saber de emenda parlamentar. E é por isso, declarou, que as coisas não
acontecem, que o Brasil gasta muito para chegar a um
objetivo e “não chega”, por falta de
objetividade, de planejamento. “Há
riscos de, sempre, errar tudo. Como
no caso do Fundo de Participação
dos Estados. Podemos errar tudo de
novo. Daqui a pouco vamos unificar
as alíquotas no ICMS e seguir evitando debater o pacto federativo. Esse é
o erro: evitamos os grandes debates,
o planejamento. O que acontece, então, é o país não ter dinheiro para infraestrutura, para o desenvolvimento
da nação.” Ele lembra que o que faz o
desenvolvimento é a infraestrutura, a
educação, mas salienta que sem recursos não há como tocar
nada no país.
No Brasil, afirma, não temos planejamento. “Os senhores são pressionados, a todo o momento, a aumentar
a arrecadação. Isso recai sobre vocês, e os investimentos na
área diminuem a todo o momento. Acredito e digo a vocês
“Quero explicar por que
as coisas, às vezes, não
acontecem no Congresso:
simplesmente porque vivemos em um país onde
há uma falsa democracia
em termos legislativos.
52
Enfoque Fiscal - Julho 2013
MATÉRIA
que precisamos fortalecer a Fazenda, dar condições de vocês
trabalharem e assim se chegar à justiça tributária no país”,
defendeu o parlamentar, que já presidiu o Partido Progressista gaúcho.
Para ele, o governador do Estado deveria liderar esse
processo. A reforma do ICMS, o FPE, têm que ser discutidos e tocados pelo governador, na sua opinião. Se quisermos que esses temas sejam votados na Câmara, tem que
ter pressão do governador, argumenta. “Defendo também
que o país debata os grandes temas. Nós não debatemos
realmente o que precisamos. No segundo turno da eleição
presidencial, em 2010, só debatemos aborto e religião. O
país não discutiu os problemas de pacto federativo, de infraestrutura, de aeroportos, de saídas para o país. Precisamos
superar essa paralisia”, destacou.
Ele agregou um outro tema à sua palestra: a denúncia
de que a bancada gaúcha é a que menos se reúne no Congresso. “Se a ideia for de outro, não for a sua, então ela é
ruim. Se for minha, então ela é a melhor que existe. Assim
não se irá para a frente”, salientou o parlamentar, para quem
esse é o maior problema da bancada gaúcha e que leva à
perda de espaço diante de outros Estados.
53
ENTREVISTA
Entrevista com
Vieira da Cunha
Deputado Federal (PDT-RS)
Enfoque Fiscal – Conforme o art. 37, XXII, da Carta Magna brasileira, as administrações tributárias dos
entes federativos são atividades essenciais ao Estado,
devendo ser exercidas por servidores de carreiras específicas.
Essa definição visa a assegurar
mais segurança, probidade, eficácia e celeridade a essas atividades. Nesse sentido, a categoria
dos agentes fiscais do Tesouro do
Estado do Rio Grande do Sul, fortemente apoiada por suas entidades representativas, o Sindifisco-RS e a Afisvec, tem trabalhado
para qualificar e valorizar a administração tributária no Estado.
De que forma o senhor percebe
a importância da autonomia gerencial nessas atividades?
Vieira da Cunha — O constituinte derivado foi sábio ao declarar, pela Emenda Constitucional nº
42/2003, ser a administração tribu-
tária uma atividade essencial ao Estado, desenvolvida por
carreiras específicas e com a vinculação de recursos decorrentes da arrecadação de impostos. Tais postulados constitucionais têm viabilizado uma série de
avanços na administração tributária
gaúcha nos últimos dez anos. A atual
organização estrutural e funcional da
Receita Estadual, os seus processos e
procedimentos e os resultados por ela
alcançados no período falam por si só.
A Lei Orgânica da Administração Tributária gaúcha (Lei nº
13.452/2010), primeira norma nacional da espécie, foi um marco nesse
sentido, ao prescrever a conformação
tanto da organização (Receita Estadual), como de sua carreira específica
(Agente Fiscal), com a prescrição das
respectivas competências, prerrogativas, garantias, direitos, deveres e
obrigações, inclusive a reafirmação da
autonomia funcional do Agente Fiscal.
Indiscutivelmente, muito ainda
“Indiscutivelmente, muito
ainda há a avançar nesse
processo, desde a busca
da necessária autonomia
administrativa, orçamentária e financeira do Órgão.
Entretanto, já é visível o
mais almejado de todos os
resultados dessas mudanças: a construção de uma
administração Tributária
de Estado, e não de governo [...]”
54
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ENTREVISTA
há a avançar nesse processo, desde a busca da necessária
autonomia administrativa, orçamentária e financeira do órgão.
Entretanto, já é visível o mais almejado de todos os
resultados dessas mudanças: a construção de uma administração tributária de Estado, e não de governo, republicana,
que propugna a justiça fiscal e que compreende a sua missão como instrumento da construção e reafirmação de um
Estado Social e Democrático de Direito.
Enfoque Fiscal – Os últimos resultados alcançados no RS em relação ao ICMS têm demonstrado a eficiência dos processos de inteligência fiscal que estão
sendo implementados pela Subsecretaria da Receita Estadual. De
que forma o senhor vê esse novo
formato utilizado pela Receita
Estadual para abastecer os cofres
públicos aliando justiça fiscal e
combate à sonegação?
Vieira da Cunha — A ação da
Receita Estadual com vistas ao cumprimento das obrigações tributárias
pelos contribuintes, mormente na
mais relevante das obrigações, qual
seja, de pagamento dos tributos devidos, tem sido extremamente meritória. Penso que isso é resultado
de um processo extremamente profissional de gestão, que alia um trabalho preventivo, forte no aumento
da percepção de risco por parte dos
contribuintes, na educação fiscal e
na simplificação das obrigações acessórias, a um trabalho coercitivo, que
tem o condão de exigir o pagamento
dos contribuintes resistentes e que
tem um forte apoio em modernos
sistemas de tecnologia da informação e no uso intensivo de
inteligência fiscal.
E, neste sentido, a efetividade de resultados da Receita
Estadual no combate à sonegação é importante não apenas
como instrumento de obtenção de receitas públicas para
o Estado. Para além disso, é fundamental forma de realização de justiça fiscal e de competitividade e concorrência empresarial. Naquela, procurando fazer com que todos
exerçam sua cidadania contribuindo para que o Estado
possa cumprir com suas finalidades constitucionalmente
prescritas, cada qual pagando tributos de acordo com a sua
capacidade contributiva. Nestas, servindo de instrumento
de regulação de mercado, através de uma tributação que
alcance a todos os contribuintes, que seja neutra e não afete
os preços relativos.
Enfoque Fiscal – Ainda que
a carga tributária brasileira seja
considerada muito alta por alguns, como o senhor identifica
a relação entre o atual nível de
sonegação e evasão fiscal e a falta de recursos para o governo do
RS investir em áreas críticas como
Saúde, Educação e Segurança Pública?
Vieira da Cunha — Inicialmente, a avaliação da carga tributária requer uma análise muito mais ampla
e complexa, que considere o seu
valor nominal e o compare com o
retorno dos serviços e utilidades que
o Estado propicia à sociedade como
contrapartida dos tributos por ela recolhidos.
A sonegação e a evasão fiscal,
cujos níveis são de difícil quantificação, mas que são certamente altos
no Brasil, são extremamente nocivas
ao crescimento e ao desenvolvimento socioeconômico do Estado e da sociedade. Além de se
consubstanciarem como instrumentos de injustiça fiscal e
“A ação da Receita Estadual com vistas ao cumprimento das obrigações
tributárias pelos contribuintes tem sido extremamente meritória. Penso
que isso é resultado de um
processo extremamente
profissional de gestão,
que alia um trabalho preventivo, forte no aumento
da percepção de risco por
parte dos contribuintes,
na educação fiscal e na
simplificação das obrigações acessórias.”
55
ENTREVISTA
de falta de competitividade econômica, ainda provocam
a redução das receitas do Estado e, em consequência, reduzem a sua capacidade financeira para a implementação
das respectivas políticas públicas em todas as áreas, em
especial na saúde, educação, segurança, assistência social,
saneamento, infraestrutura, etc., atingindo toda a população, mas, principalmente, os mais necessitados, que tanto
precisam de intervenção afirmativa do Estado. Vale dizer,
a sonegação e a evasão fiscal se constituem, também, em
nefastos instrumentos de injustiça social.
Enfoque Fiscal – A reforma tributária tem condições de ser aprovada no Congresso Nacional ainda
nesta gestão do governo Dilma e nos termos que está
sendo proposta? O que pode ser feito para melhorar?
Vieira da Cunha — Como é notório, fazer reforma tributária não é tarefa fácil. São inúmeros os conflitos existentes entre os diversos atores envolvidos. Por isso que, apesar
de se falar em reforma tributária desde os primeiros anos
após a promulgação da nossa Constituição, até hoje não foi
possível se fazer uma reforma ampla. O sistema tributário
pátrio tem sido reformado gradativamente, através de reformas pontuais e infraconstitucionais. Mudar a Constituição exige 3/5 dos votos favoráveis em cada uma das Casas
Legislativas em dois turnos de votação, daí a dificuldade de
se fazer uma reforma tributária mais profunda.
Enfoque Fiscal – A Câmara dos Deputados congrega representantes políticos de todos os Estados brasileiros. Nesse cenário de disputas políticas e definições
legislativas, quais as possibilidades de avançarem, nessa casa, as prioridades gaúchas em relação às alíquotas
do ICMS? Vieira da Cunha — O ICMS, nosso importante e produtivo imposto, responsável por cerca de 22% da receita
tributária brasileira, é um imposto de caráter nacional e de
competência impositiva estadual – que deve ser mantido
até mesmo em respeito ao princípio federativo, cláusula
pétrea da CF/88.
56
Até por isso, sempre são maiores as dificuldades para
qualquer mudança em sua conformação legal, eis que existe a necessidade da construção de maiorias ou consensos.
Com o recente Projeto de Resolução do Senado nº
01/2013, que busca alterar as alíquotas interestaduais do
ICMS, não é diferente. E, em face da desigual representação
popular dos diversos Estados da Federação no Congresso
Nacional, onde os Estados das regiões Sul e Sudeste encontram-se prejudicados em relação aos Estados das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, considero extremamente
difícil a aprovação de um sistema de alíquotas interestaduais de ICMS que proteja os interesses dos contribuintes e
da sociedade gaúcha.
Enfoque Fiscal – Como a proposta aprovada pela
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal
(CAE) para o novo sistema de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias estabelece a relação dos
Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste com os do
Sul e Sudeste?
Vieira da Cunha — Lamentavelmente, o Projeto de
Resolução que foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal em 7 de maio do corrente ano,
forte no relatório do senador Delcídio do Amaral, não atende aos interesses do Estado do Rio Grande do Sul, nem dos
demais Estados das regiões Sul e Sudeste.
Ao definir as alíquotas diferenciadas nas operações
interestaduais dependendo dos Estados de origem e destino, privilegiando os Estados das regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste e o Espírito Santo, em detrimento dos Estados das regiões Sul e Sudeste (exceto Espírito Santo), o
Projeto de Resolução mantém a desarmonia do sistema do
ICMS, não o simplifica, não avança no rumo de transformar
o ICMS em um verdadeiro imposto de consumo (com as receitas para os Estados de destino) e, o que é pior, mantém
a famigerada guerra fiscal.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
A Lei Orgânica da Administração
Tributária da Fenafisco
Liduíno Lopes de Brito
Diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais da Federação
Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e coordenador da
Comissão de Lei Orgânica da Fenafisco
Em 19 de dezembro de 2003, com a publicação da Emenda Constitucional nº 42, alguns dispositivos fizeram nascer
uma nova Administração Tributária no Brasil.
Eis os dispositivos:
minado, respectivamente, pelos arts. 198, 2°, 212 e
37, XXII, e a prestação de garantias às operações de
crédito por antecipação de receita, previstas no art.
165, § 8°, bem como o disposto no § 4° deste artigo;
Art. 37.
...
XXII – as administrações tributárias da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado,
exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas
atividades e atuarão de forma integrada, inclusive
com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
...
XV – avaliar periodicamente a funcionalidade do
Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e
seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
A Fenafisco, preocupada com a correta interpretação
e abrangência desses dispositivos, constituiu, em março de
2004, a comissão de trabalho integrada por representantes
dos sindicatos filiados dos Estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Mato
Grosso do Sul. O objetivo era a regulamentação desses dispositivos constitucionais citados acima, o que se daria através
da formatação de um Anteprojeto de Lei Orgânica Nacional
da Administração Tributária que resultasse no fortalecimento
das administrações tributárias do Estado e de suas instituições.
Mais tarde ingressaram na comissão representantes das seguintes entidades: Sindifisco/AM, Sindifisco/AP, Sindsefaz/BA,
Sintaf/CE, Sinafite/DF, Sindifiscal/ES, Sindifisco/GO, Sindate/
MS, Sindifisco/MS, Sinfate/MT, Siprotaf/MT, Sindifisco/PA, Sindifisco/PB, Sindifisco/PE, Sindafep/PR, Sinfrerj/RJ, Sindifern/
RN, Sindifisco/RS, Sindifisco/SC e Sinafresp/SP. Já foram realizadas aproximadamente 60 reuniões de trabalho da comissão
Loat (Lei Orgânica da Administração Tributária) da Fenafisco.
No início dos trabalhos procurou-se estabelecer alguns
princípios que deveriam nortear a elaboração do anteprojeto
de Lei Orgânica da Administração Tributária – Loat. Entre eles
destaca-se a criação de uma identidade nacional do fisco, nos
moldes do que hoje existe para delegados, juízes e promotores; e a definição de quem seria o servidor público que estaria abrangido pelas definições do inciso XXII do artigo 37 da
Constituição Federal.
Assim, após intensos debates dentro da comissão Loat,
chegou-se ao consenso de que o servidor público deveria ter
Art.167. São vedados:
...
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão,
fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem
os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as
ações e serviços públicos de saúde, para manutenção
e desenvolvimento do ensino e para realização de
atividades da administração tributária, como deter-
58
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
entre as competências legais do cargo
as atribuições de constituição do crédito tributário mediante o lançamento
nos termos do artigo 142 do Código
Tributário Nacional e a realização da
fiscalização. Também o nome do cargo
deveria ser um só para facilitar a sua
identificação, principalmente perante
a sociedade, tendo em vista serem vários os nomes existentes nos Estados e
municípios.
Essas deliberações da comissão
foram apresentadas e aprovadas em
reuniões do Conselho Deliberativo da
Fenafisco, havendo uma primeira aprovação do texto do anteprojeto de Loat
em setembro de 2005.
Durante os trabalhos da comissão, dúvidas foram surgindo, e para
auxiliar os seus integrantes foram contratados inicialmente
cinco pareceres jurídicos pelos sindicatos filiados à Fenafisco,
que acabaram resultando na elaboração do livro “Análise dos
dispositivos constitucionais da nova administração tributária:
pareceres”, lançado em 2008.
Também foram contratados três consultores jurídicos
para subsidiar a comissão, sendo que um deles, a dra. Adriana
Schier, continua prestando serviços para a Federação.
Como consequência das conclusões dos trabalhos da comissão, surgiu a necessidade de elaboração de uma PEC, que
depois recebeu o número 186, de autoria do deputado federal
Décio Lima (SC):
“O que se deseja com essa
normatização é a criação
de regras mínimas para
todas as administrações
tributárias, que acarretarão no surgimento de uma
identidade nacional e de uma
instituição forte que seja
capaz de blindar a sociedade
de decisões equivocadas ou
mal-intencionadas.”
Art. 1º É acrescentado (sic) os §13 e §14 ao art. 37 da
Constituição Federal, com a seguinte redação:
“§ 13 – Lei complementar estabelecerá as normas
gerais aplicáveis à Administração Tributária da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo inclusive sobre direitos, deveres,
garantias e prerrogativas dos cargos de sua carreira
específica, mencionada no inciso XXII deste artigo.
§ 14 – Às Administrações Tributárias da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são
asseguradas autonomia administrativa, financeira
e funcional, e as iniciativas de suas propostas or-
çamentárias dentro dos limites estabelecidos na Lei de diretrizes orçamentárias.”
Art. 2º A Lei Complementar referida no
artigo 1° desta Emenda deverá ser apresentada no prazo de cento e oitenta dias,
contados da promulgação da mesma.
Art. 3º Esta Emenda entra em vigor na
data de sua publicação.
Como se pode perceber pelo texto da PEC 186, a mesma criará a obrigatoriedade legal de elaboração de
uma Lei Complementar que disponha
sobre as normas gerais a respeito das
administrações tributárias e a elas será
garantida autonomia administrativa, financeira e funcional.
O que se deseja com essa normatização é a criação de regras mínimas para todas as administrações tributárias, que acarretarão no surgimento de uma identidade nacional e de uma instituição forte que seja capaz de blindar a sociedade de decisões equivocadas ou mal-intencionadas.
Quer-se o surgimento de um órgão estritamente técnico
no seu gerenciamento e na tomada de decisões, que seja capaz
de se impor e fazer valer suas deliberações, sempre tendo por
fim o bem da sociedade como um todo.
Sabe-se que o caminho não é fácil, mas também não é
impossível. Afinal, já são quase dez anos de trabalho dentro da
Fenafisco, que já renderam importantes frutos, dentre eles: o
convencimento de todos os sindicatos filiados à Federação de
que aqueles princípios definidos lá no início pela comissão
Loat estavam corretos; a elaboração de uma minuta básica de
anteprojeto de Loat que serve de base para os Estados; construção da PEC 186; e a aceleração da discussão do tema em
várias unidades da Federação, tendo inclusive algumas delas já
aprovado as suas Leis Orgânicas Estaduais.
O trabalho deve continuar e agora mais intensamente
dentro do Congresso Nacional para que se consiga aprovar a
PEC 186 e aí possibilitar que surja no país essa nova instituição
chamada “Administração Tributária”, que com uma atuação independente e responsável permitirá uma maior chance para
que o Estado cumpra com suas funções sociais, beneficiando
diretamente a sociedade de um modo geral.
59
ARTIGO
Febrafite chega à sua
maioridade com muitas
lutas e vitórias
Roberto Kupski
Presidente da Febrafite e do Fórum Nacional Permanente
de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate)
Em março deste ano, a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais – Febrafite chegou
à sua “maioridade”, reconhecida por
aliar a defesa dos interesses da categoria fiscal a temas de interesse da
sociedade.
Ao longo dos seus 21 anos, a
jovem e comprometida entidade
tem levado o reconhecimento de
órgãos públicos, de representantes
dos governos estaduais, da União e
de entidades nacionais e internacionais por levantar importantes discussões e, inclusive, propor soluções
para temas relevantes para o Fisco
brasileiro, servidores das carreiras
típicas de Estado e contribuintes,
tais como: reforma tributária; dívida
dos Estados com a União; educação
fiscal; valorização das carreiras fisco e das administrações tributárias;
aprovação da lei orgânica do Fisco;
defesa dos direitos previdenciários
dos servidores e, ainda, elaboração
de estudos econômicos sobre os te-
mas econômicos e políticos em pauta na agenda pública
do país.
Criada em março de 1992, o
ano de 2003 foi muito importante
para a Febrafite, pois conquistou
uma importante vitória como entidade nacional representativa de classe.
Após um intenso trabalho junto aos
parlamentares, representantes dos
governos, em parceria com outras
entidades nacionais representativas
dos servidores públicos, houve a
inclusão do artigo XXII na Emenda
Constitucional nº 42, promulgada
em 19 de dezembro de 2003, que
tornou as administrações tributárias
da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos municípios atividades
essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de
carreiras específicas, com garantias
de recursos prioritários para a realização de suas atividades e ainda a
atuação de forma integrada, inclusive
com o compartilhamento de cadas-
“Em 2005, outra importante vitória para o
funcionalismo público: a
aprovação da “PEC Paralela
da Previdência”, que contou
com um acompannhamento
histórico da diretoria da
Febrafite. Transformada em
Emenda Constitucional nº
47, a matéria garantiu a
paridade para os servidores aposentados segundo
os critérios da Emenda
Constitucional 41/03 [...]”
60
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
tros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
Em 2005, outra importante vitória para o funcionalismo público: a aprovação da “PEC Paralela da Previdência”,
promulgada pelo Congresso Nacional em 05 de julho do
referido ano, que contou com o acompanhamento histórico da diretoria da Febrafite. Transformada em Emenda
Constitucional nº 47, a matéria garantiu a paridade para
os servidores aposentados segundo os critérios da Emenda
Constitucional 41/03, com idade mínima de 60 e 55 anos e
tempo de contribuição de 35 e 30 anos, respectivamente
para homens e mulheres, além de 20 anos de serviço público, dez anos de carreira e cinco anos no cargo, e ainda
a transição para os servidores da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos municípios admitidos até 16 de dezembro de 1998, com direito a se aposentarem com proventos integrais em idade mínima resultante da redução de
um ano para cada ano que exceder os 35 anos normalmente exigidos de contribuição, para homens, ou 30, para as
mulheres. Para isso, comprovando 25 anos de exercício no
serviço público, 15 anos de carreira e cinco anos no cargo
em que se der a aposentadoria.
A PEC Paralela corrigiu, embora parcialmente, perdas
de direitos previdenciários dos servidores públicos com a
aprovação da EC 41/03, que alterou o artigo 40 da Constituição Federal de 1988, criando o que se convencionou
chamar de Regra Geral do Regime de Previdência, dando o
mesmo tratamento para todos os servidores, não levando
em consideração a data de início no serviço público, ou
seja, antes ou depois da promulgação da Emenda 41, também conhecida como “Emenda da Reforma Previdenciária”.
A luta em defesa dos direitos previdenciários trouxe
à Febrafite importantes aliados e parceiros, como o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Aymoré Roque Pottes de Mello, provocando a união de entidades nacionais para a instituição do Fórum Nacional de
Carreiras Típicas de Estado – Fonacate, que este ano completará seis anos de existência.
Aymoré, primeiro presidente do Fórum e à época também vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), foi um grande patrono do Fórum das Carreiras
de Estado – juntamente com outras entidades, entre elas
a Febrafite, que se reuniam esporadicamente desde 2006
– e semeou com as 25 entidades fundadoras do FNPCTE
(primeira sigla do Fonacate) a esperança de que era sim
possível trabalhar em conjunto e unir forças na defesa de
um serviço público de qualidade em atendimento aos interesses da sociedade.
Em dezembro do ano passado, a Febrafite assumiu a
presidência do Fonacate (no qual exercia o cargo de secretário-geral desde a criação do Fórum) para o triênio 20132015. O Fórum hoje é formado por 26 entidades nacionais
representativas das carreiras da Advocacia e Defensoria Públicas Federais; Auditorias Fiscais da Receita Federal e do
Trabalho; Delegados e Peritos da Polícia Federal; do Ciclo
de Gestão e do Núcleo Financeiro; das Agências Reguladoras; de Relações Exteriores e da Inteligência e o Ministério
Público, e tem entre os seus principais desafios a qualificação e a valorização dos servidores públicos. Desde que foi
criado com personalidade jurídica, em 2007, temos muitos
desafios para as carreiras que representam o núcleo estratégico do Estado.
Trabalhamos muito em 2010 e 2011, quando o assunto entrou em discussão no Congresso Nacional. E fomos
“atropelados” pelo governo, que aprovou a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público
Federal (Funpresp) sem debater amplamente o tema com
os servidores públicos.
Se é possível dizer que perdemos lutas importantes
em prol das garantias dos servidores públicos, em especial
para as carreiras de Estado, a criação do Funpresp foi uma
delas. Mas é hora de olhar para frente, acompanhar esse
fundo e até, se possível, resgatar novamente a previdência
pública plena, em especial para os servidores das carreiras
de estado.
Começamos agora uma nova batalha. Já como primeiro passo dado por nossa diretoria, protocolamos no Senado Federal, em dezembro no ano passado, uma sugestão
do Fonacate para o Projeto de Lei de Greve dos Servidores
Públicos. A intenção do Fórum das Carreiras de Estado, ao
elaborar uma proposta para apresentar ao governo, primeiramente é mostrar que as entidades querem participar de
audiências públicas e debates junto ao Legislativo e ao Executivo para construírem juntos esse projeto de lei; e, principalmente, que ele garanta não só nosso direito de greve,
61
ARTIGO
“Enquanto não aprovado o
teto único nacional, trabalhamos pela vinculação
do teto dos servidores do
Fisco ao subsídio dos desembargadores do Tribunal
de Justiça.”
como trate também
da negociação coletiva e da política salarial dos servidores.
Reforma Tributária – Especialização das bases tributárias e valorização
dos servidores
O Brasil é classificado entre os países
com as maiores cargas tributárias do mundo. Por essa razão,
desde 1999 a aprovação da reforma no sistema tributário é
uma das principais bandeiras da entidade.
Pela proposta de reforma da Federação, apresentada
nas Assembleias Legislativas de quase todas as unidades federadas, no Congresso Federal e aos representantes do Poder Executivo, defendemos sumariamente a especialização
das bases tributárias clássicas entre as esferas de governo,
de forma que a União concentre a competência dos tributos
incidentes sobre a renda; os Estados e Distrito Federal, em
relação aos impostos instituídos sobre o consumo; e os municípios, os cobrados sobre o patrimônio. Dessa maneira,
impostos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ISS (Imposto sobre Serviços) seriam extintos.
Efetivar uma reforma tributária não é tarefa fácil, até
mesmo pelos mais diversos atores envolvidos, cujos interesses, muitas vezes, são também distintos. No entanto,
entendemos que é urgente e necessária a aprovação de mudanças no sistema tributário que preservem o Pacto Federativo e valorizem as Administrações Tributárias e as carreiras
que as compõem, para eliminar as distorções econômicas e
harmonizar a tributação de consumo sob a responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal.
Teto salarial do Fisco justo e digno para os servidores
Em 2008, demos início à campanha “Teto Justo e Digno para o Fisco Estadual”. A desvinculação do teto salarial
dos servidores ao subsídio dos governadores de Estado é
também uma grande frente da Federação.
62
De acordo com nosso levantamento, em 13 Estados o
teto salarial dos servidores ainda está vinculado ao subsídio
dos governadores, um cargo de natureza política. É preciso
mudar essa realidade, pois representa uma ameaça à autonomia da carreira fiscal e um tratamento desigual entre
carreiras de Estado!
Nesse sentido, defendemos a aprovação da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) nº 05/2011, de autoria
do deputado Nelson Marquezelli – PTB/SP, que estabelece
como teto salarial único dos funcionários públicos federais,
estaduais e municipais o salário dos ministros do Supremo
Tribunal Federal – STF, acabando com os subtetos previstos na Constituição criados a partir de 2003, na Emenda
Constitucional nº 41, proposta originada na PEC 89/2007,
de autoria do deputado federal e colega fiscal de Rendas de
São Paulo João Eduardo Dado de Carvalho (PDF-SP), que
prevê o mesmo teto remuneratório para qualquer que seja
a esfera de governo e que está pronta para votação no Plenário da Câmara.
Enquanto não aprovado o teto único nacional, trabalhamos pela vinculação do teto dos servidores do Fisco ao
subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça. Os
auditores fiscais das Receitas Estaduais são responsáveis
por atividades essenciais e exclusivas de Estado, quais sejam arrecadar, fiscalizar e instrumentalizar toda a estrutura
estatal tributária, especialmente quanto à sua administração, dando suporte à própria existência e operacionalidade
do Estado. Carreiras como essas devem ter garantias para o
seu exercício, entre elas, a fixação de seu teto salarial não
vinculado a um cargo de natureza política, como é o do
governador de Estado.
Leis Orgânicas do Fisco – A importância da autonomia
O Seminário “Lei Orgânica do Fisco: boa para a sociedade, essencial para o Brasil”, realizado no auditório Nereu
Ramos da Câmara dos Deputados, no dia 03 de março de
2010, levantou a discussão para aprovação da Lei Orgânica
nacional do Fisco.
Promovido pelas entidades representativas do Fisco
nos três âmbitos federativos, o evento apresentou aos diversos parlamentares presentes, servidores e para a sociedade
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
os motivos que justificam a aprovação da Lei Orgânica do
Fisco – LOF, que permitirá a autonomia técnica e a independência à Administração Tributária. De acordo com as
entidades, com autonomia, transparência e independência estabelecidas pela LOF, haverá sem dúvida nenhuma
maior justiça social, resguardando a defesa dos interesses
dos cidadãos e garantindo à sociedade uma Administração
Tributária e Trabalhista mais justa e transparente.
A PEC186/2007, de autoria do deputado Décio Lima
(PT-SC), é uma das propostas também defendidas junto
aos parlamentares no Congresso Nacional. A matéria determina que lei
complementar definirá as normas
aplicáveis à Administração Tributária
da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos municípios. Altera a
Constituição Federal de 1988 e também prevê a autonomia funcional,
financeira e administrativa do órgão.
No âmbito estadual, já temos
aprovadas as Leis Orgânicas em
Pernambuco (Lei Complementar nº
107, de 14 de abril de 2008), no Rio
Grande do Sul (LC nº 13.452, de 26
de abril de 2010), no Paraná (LC nº
406, de dezembro de 2010) e no Pará
(LC nº 78, de 28 de dezembro de
2011), que representam uma grande
conquista da categoria nesses Estados e que também contaram com o
acompanhamento da Febrafite até
sua aprovação.
da Presença do Estado na Atividade Bancária – PROES, os
Estados pagaram mais de R$ 22 bilhões.
Segundo nosso estudo, em 1999, a dívida de Estados e
municípios com a União era de R$ 93 bilhões. Desde então,
já foram pagos R$ 158 bilhões e, mesmo assim, em fevereiro de 2013, o saldo devedor chegou a R$ 396 bilhões. O
montante das dívidas é tido como um sério entrave à execução de políticas públicas previstas na Constituição Federal,
que deveriam ter como destinatário o cidadão.
A primeira edição do estudo sobre a dívida estadual,
publicado pela Febrafite e elaborado
pelo auditor fiscal gaúcho João Pedro
Casarotto, foi apresentado em fevereiro de 2010 na CPI da Dívida Pública
da Câmara Federal com o título “Refazimento do Contrato da Dívida dos
Estados com a União: Uma Imposição
Técnica e Política”. Já a 2ª edição foi
apresentada no VIII Congresso Nacional e III Internacional da Febrafite, realizado em junho de 2011, no Parque
Anhembi, na capital paulista.
O refazimento dos contratos
das dívidas dos Estados tem mobilizado governos, parlamentares e entidades em prol das receitas dos entes
federados prejudicados com os pagamentos dos contratos.
Recentemente, no dia 15 de
maio deste ano, demos mais um passo
histórico na Federação participando
juntamente com cerca de 120 entidades nacionais e regionais pelo “Ato
Público pela Revisão da Dívida dos Estados e Municípios com
a União”, realizado na sede da OAB nacional, em Brasília.
O movimento defendeu o pagamento da dívida resumidamente em três pilares: revisão dos contratos desde
a data da assinatura, com aplicação do IPCA, mas sem cobrança de juros; saldo remanescente corrigido pelo IPCA
também sem cobrança de juros; e os Estados devedores
passariam a comprometer somente até 6% das suas receitas
líquidas para pagamento das prestações.
“O movimento defendeu o
pagamento da dívida resumidamente em três pilares:
revisão dos contratos desde
a data da assinatura, com
aplicação do IPCA, mas sem
cobrança de juros; saldo
remanescente corrigido pelo
IPCA também sem cobrança
de juros; e os Estados devedores passariam a comprometer somente até 6% das
suas receitas líquidas para
pagamento das prestações.”
Dívida dos Estados – Em defesa das receitas públicas e do desenvolvimento do Estado
Em março deste ano, editamos a terceira versão do estudo “A Dívida dos Estados com a União – Refazimento do
Programa e Aspectos Inconstitucionais da Lei nº 9.496/97”.
Nessa versão, destacamos no capítulo IV, por exemplo, que
no ano de 2011, enquanto a União gastou (líquido do IRF
de 15%) R$ 74.341.074,48 com dívida interna decorrente
da Lei nº 9.496/97 e do Programa de Incentivo à Redução
63
ARTIGO
O ato foi conduzido pelo presidente nacional da OAB,
Marcus Vinicius Furtado, e a leitura do “Manifesto pela
Revisão da Dívida dos Estados e Municípios com a União”
foi procedida pelo vice-presidente nacional da entidade,
Claudio Lamachia. O manifesto das entidades reivindicou
a imediata revisão dessa dívida, que hoje atinge cerca de R$
400 bilhões, por ela ter “alcançado nível insustentável para
os entes federados, impondo grave sacrifício social à população, que se vê subtraída em seus direitos fundamentais”.
No manifesto, as 120 entidades questionam os termos
exorbitantes do financiamento, apontam os exagerados encargos financeiros aplicados aos contratos e alertam para
necessidade de transparência no processo de endividamento dos Estados e municípios. O documento conclui reivindicando o saneamento da situação que tem levado
Estados e municípios absurdamente
a contraírem empréstimos externos
para pagar encargos à União e, ainda, a troca do indexador que corrige
a dívida, hoje IGP-DI mais juros de
6% ao ano, pelo IPCA e sem cobrança
de juros.
2008, com o objetivo de desenvolver atividades em parceria com suas associações filiadas, e dessa forma promover
a educação fiscal em todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal.
A primeira edição do Prêmio, realizada em 2012, recebeu 218 projetos inscritos, de 21 unidades da federação. O
troféu de primeiro lugar, assim como o prêmio em dinheiro
(R$ 15 mil), foi entregue ao Programa Municipal de Educação Fiscal de Santa Maria (RS).
O grande vencedor de 2012 realiza um projeto que mobiliza direção de escolas, professores, estudantes e comunidade, sensibilizando e informando com cursos, palestras
e oficinas. O projeto congrega estudantes desde o ensino
infantil até universitários, envolvendo anualmente mais de 1,2 mil professores e 16 mil alunos. As atividades
pedagógicas são desenvolvidas em 51
das 54 escolas municipais, em que os
estudantes são os principais agentes
formadores e disseminadores. Além
disso, o projeto ainda atua em 35 municípios vizinhos e existe há dez anos.
O Projeto Sociedade Eticamente Responsável (SER), desenvolvido
pelo Observatório Social de Maringá/
PR, ficou com o segundo lugar. A
iniciativa paranaense atua como fomentadora da mudança de cultura,
levando a mensagem da importância
social e econômica dos tributos e da
necessidade da sua correta aplicação,
como meio de financiamento das políticas públicas. Dessa
forma, desenvolve atividades como: concursos de redação,
peças teatrais, música e poesia.
O terceiro lugar ficou com o projeto “Educação Fiscal:
Exercício da Cidadania”, desenvolvido pela Escola Estadual
de Ensino Fundamental Yara Ferraz Gaia, de Montenegro
(RS). A iniciativa trabalha o tema “Educação Fiscal” transversalmente em sala de aula por meio de atividades que
desenvolvem a consciência cidadã de forma lúdica e prazerosa, envolvendo toda a comunidade escolar, com desfiles
cívicos, caminhadas, blitz educativas, teatro, dramatizações,
“No manifesto, as 120 entidades questionam os termos
exorbitantes do financiamento, apontam os exagerados encargos financeiros
aplicados aos contratos e
alertam para necessidade de
transparência no processo
de endividamento dos Estados e municípios.”
Prêmio Nacional de Educação
Fiscal – Exercício de cidadania
Promover ações que envolvam
matérias específicas de educação
fiscal nas escolas e organizações,
oportunizando a discussão sobre
a importância social do tributo e
o acompanhamento da qualidade dos gastos públicos no
Brasil, são alguns dos objetivos do Prêmio Nacional de Educação Fiscal, realizado pela Febrafite em parceria com a Escola de Administração Fazendária (Esaf ) e com o Programa
Nacional de Educação Fiscal (PNEF).
Acreditamos que a grande maioria dos brasileiros desconhece a função socioeconômica do tributo e pagam seus
impostos sem saber o que estão pagando. Sabendo da importância do tema, a Federação assinou convênio com o
Programa Nacional de Educação Fiscal, desenvolvido pela
Esaf, vinculada ao Ministério da Fazenda, em agosto de
64
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
palestras, entrevistas, pesquisas e gincanas, entre outras.
Além dos primeiros colocados, a diretoria da Febrafite também homenageou com Certificado de Menção Honrosa os
municípios de Pará de Minas (MG) e Manaus (AM).
O lançamento da edição 2013 ocorreu no dia 16 de
abril no auditório da Escola de Administração Fazendária
(Esaf ), em Brasília, como parte da programação do Encontro Internacional de Intercâmbio Técnico em Educação Fiscal, realizado nos dias 16 a 19 de abril. Com apresentação
artística do grupo Abaecatu, da Universidade Estadual de
Maringá, com o espetáculo “Música, Poesia e Cidadania”, a
solenidade contou com a presença de diversas autoridades,
apoiadores, patrocinadores e representantes do Programa
Nacional de Educação Fiscal (PNEF) de todo o país.
A segunda edição do Prêmio Nacional de Educação
Fiscal tem como principal novidade a criação de duas categorias: “Escolas” (ensino básico, ensino fundamental e
ensino médio) e a categoria “Instituições” (universidades,
ONGs, secretarias municipais de educação). Além disso, o
coordenador de cada projeto vencedor receberá, a título
de reconhecimento e incentivo, o prêmio em dinheiro no
valor de R$ 1.000,00.
Com a criação de uma nova categoria teremos cinco
prêmios vencedores que receberão o Troféu “Prêmio Nacional de Educação Fiscal” e os prêmios em dinheiro: R$
15 mil, R$ 10 mil e R$ 5 mil, para o primeiro, segundo e
terceiro colocados na categoria “Escolas”, respectivamente.
Na categoria “Instituições”, R$ 15 mil e R$ 10 mil, para o
primeiro e segundo lugar, respectivamente.
Este ano, o Prêmio tem novamente o apoio institucional do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), das Organizações Globo, do Encontro de Administradores Tributários (Encat), do Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat), do Ministério da
Educação e patrocínio do Banco de Brasília (BRB).
Publicações, convênios, desafios e sonhos...
O ano de 2013 teve início com muitas mudanças no
cenário político nacional, com eleições para ocupar as presidências da Câmara e do Senado Federal. Com isso, um
novo ciclo de trabalho em defesa dos interesses da categoria fiscal se reinicia no Congresso.
Além da aprovação das matérias de interesse da categoria fiscal, esperamos até o final desta gestão estar presente em todo o território nacional, por meio das associações
filiadas, faltando apenas a filiação no Estado de Roraima, e
dar continuidade ao trabalho de acompanhamento parlamentar nos Estados, tão importante para o êxito das lutas
das nossas entidades.
Nestas três últimas gestões consolidamos a Revista Febrafite, sempre com temas atuais no cenário político e econômico do país, com 21 edições trimestrais publicadas até
agora com qualidade sempre crescente. Sem dúvida, isso só
é possível graças à colaboração das entidades filiadas e de
nossas assessorias de comunicação, econômica e de criação
e design.
Também vale destacar o trabalho da Federação na coordenação do Convênio de Reciprocidade dos 14 planos
de saúde do Fisco estadual, que beneficia milhares de associados com atendimento fora dos seus Estados de origem.
É necessário também destacar a atuação da entidade na diretoria da Unidas, na qual exerço a presidência do Conselho Deliberativo, que conta também com a participação de
vários diretores nos nossos planos de saúde na modalidade
de autogestão.
Além dos convênios da área de saúde, também é possível para os colegas associados das filiadas descontos de
hospedagens nos clubes sociais das entidades: Affemg/MG
(Cabo Frio, Porto Seguro e Guarujá); Affego/GO (Caldas
Novas); Aafit/DF (Prado e Santa Catarina); e Affemat/MT
(Cuiabá, Cáceres, Alto do Araguaia, Alto Barra do Garças e
Alto de Rondonópolis).
Destaca-se a parceria com o Centro Interamericano de
Administração Tributária (Ciat), organismo internacional
com 39 países membros, presente em quatro continentes,
e ainda com o Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Estaduais (Encat), permitindo a participação
da Febrafite nos eventos internacionais e nacionais, além da
troca de experiências nos congressos da Federação.
Por fim, destaco a importância do comprometimento
de uma entidade de classe para além da representatividade de uma carreira, uma vez voltada às questões sociais na
busca pela justiça fiscal e pelo desenvolvimento da nação.
Essa é a Febrafite!
65
66
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
O consumo social e a tributação - reflexões
Paulo Kronbauer
Agente Fiscal do Tesouro do Estado do RS
Diretor Social e de Eventos da Afisvec
Mestre em Ciências Sociais, PUC-RS
Jorge Ritter
Agente Fiscal do Tesouro do Estado do RS
Chefe da Divisão de Arrecadação da Receita Estadual
Mestre em Ciências Políticas, PUC-RS
Uma das particularidades que caracteriza o quotidiano da sociedade moderna baseia-se no consumo, mesmo
aquele consumo banal, rotineiro, tanto de bens essenciais
à sobrevivência quanto de bens de luxo, os que excedem
as necessidades. Em sua obra “Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria” (2008), o sociólogo polonês
Zygmunt Bauman alcunhou esse
fenômeno de “fenômeno líquido-moderno do consumismo”. Essa
realidade vem se intensificando a
partir da segunda metade do século XX, segundo pesquisas feitas por
antropólogos, sociólogos e até por
filósofos, estudiosos do assunto.
Gilles Lipovetsky (2006), um desses
pesquisadores, denomina esse cenário social como a “civilização do de-
sejo”, referindo-se ao hiperconsumo, à mercantilização dos
modos de vida, acentuando-se a “exacerbação do gosto por
novidades”, no ambiente da “sociedade da abundância”. O
consumo em suas diversas formas é definido pelos especialistas como “modo ativo de relação”, de forma coletiva
ou mesmo com os objetos. A relação
pessoas-objetos mereceu, de Jean
Baudrillard (2005, p. 15), a afirmação de que “os homens da opulência
não se encontram rodeados, como
sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objetos”. O autor refere-se à abundância de bens
existentes no mercado atual, já que
em tempos passados os objetos duravam gerações e gerações. Certo ou
errado, não é a questão. Observa-se
que possuir poder econômico e por
“Essa realidade vem se
intensificando a partir da
segunda metade do século
XX, segundo pesquisas feitas por antropólogos,
sociólogos e até por filósofos, estudiosos do assunto.”
67
ARTIGO
aí ostentar “posição social”, representada pela exibição de
bens como moradias luxuosas, carros, ou ser visto em restaurantes chiques, é um perfil marcante dos indivíduos da
sociedade pós-moderna.
Reuniões entre pessoas são marcadas com o intuito
de “comer ou beber algo”, embora esse comer ou beber
sempre tenha sido função biológica, de nutrição e de sobrevivência, e passou a ser uma categoria de lazer e entretenimento, como interação social e indicador de status e classe
social, com as distinções de gostos culinários.
O ato de comer fora vem se arraigando como hábito das pessoas e
das famílias. Dados revelados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) indicam que a população brasileira gasta 24% das despesas alimentares em consumo fora
do domicílio, nas grandes cidades,
“nos mais de 1,4 milhão de estabelecimentos”, segundo dados da Abia
– Associação Brasileira da Indústria
da Alimentação. São gastos cerca de
R$ 100 bilhões ao ano em alimentação fora de casa. Cerca de 70% dos
brasileiros saem para fazer alguma
refeição. Maior número de mulheres
trabalhando fora de casa, aumento
da distância entre o local de trabalho
e a residência, ascensão de classes
de menor poder econômico, falta de
tempo para cozinhar, estabilidade no emprego, bem como
o incremento em número e qualidade de produtos comestíveis industrializados no mercado são fatores decisivos
para essa mudança nos hábitos alimentares. Para Gabaccia
(1998), além de ser uma necessidade da sociedade atual, é
a implantação de um novo estilo de vida. O fenômeno do
eating out ( WARDE; MARTINS, 2000) vai além de “economizar tempo”, pois nos fins de semana também os locais
públicos de restaurantes e fast foods são muito concorridos. Dados citados por Burnen (1989), na publicação de
uma pesquisa recente sobre atividades de lazer, mostram
que sair de casa para comer fora ou receber amigos para
uma refeição em casa estão entre as atividades de lazer
mais populares, depois de assistir à televisão. Segundo o
sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1983a apud
FEATHERSTONE, 1995), o consumo não se restringe a valores de uso, de utilidades materiais, mas principalmente
como semiologia, a teoria de signos. É o significado social
quando os indivíduos, no âmbito da cultura de consumo,
se valem de suas roupas, casa, carros e outras atividades
para se comunicar. Bourdieu (1984) classificava essa forma
de preferência por bens culturais como um “marcador de
classe”. Finkelstein (1989) definiu o
restaurante como o cenário apropriado para uma análise sociológica
dos hábitos contemporâneos da vida
cotidiana, denominando-o como
“um arquiteto do desejo”. No rastro
dessa tendência há o crescente surgimento de confrarias relacionadas ao
“bem comer e beber”, constituídos
por homens e mulheres – e, o mais
inusitado, inúmeras delas compostas apenas por mulheres, caso das
confrarias das degustadoras de espumantes.
O capitalismo é sem dúvida o
grande motivador para a corrida
desenfreada em busca de bens, no
âmago da “sociedade de consumo de
massa”. O sistema imprime um ciclo
rotativo, pois, à medida que mais se
consome, mais o segmento industrial terá que produzir. Por
essa lógica são criados mais empregos, salários são melhorados, e os trabalhadores, beneficiados e melhor remunerados, transformar-se-ão em novos consumidores, repetindo-se o ciclo (BUENO, 2008). Com isso, há repercussão no
incremento da arrecadação de tributos.
Credite-se ao capitalismo keinesiano e à regulação fordista da economia, que introduziu a lógica da efemeridade
das mercadorias com a “obsolescência dirigida” e o “complô da moda”, a ascensão que grande parte da humanidade teve nas condições de vida, com a produção de recursos, serviços mais modernos e outras facilidades postas ao
“O capitalismo é sem dúvida o grande motivador
para a corrida desenfreada
em busca de bens, no âmago da ‘sociedade de consumo de massa’. O sistema
imprime um ciclo rotativo,
pois, à medida que mais se
consome, mais o segmento
industrial terá que produzir.”
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Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
usufruto da sociedade da era moderna. Na medida em que
as sociedades enriquecem, mais é estimulado o apetite de
consumir. O poder para isso tem endereços: os suntuosos
super e hipermercados e as grandes lojas de departamentos (templos de consumo), instalados com muito conforto,
mais segurança e facilidades de estacionamento, para deixar o indivíduo ocupado apenas nos produtos expostos em
quantidades e variedades, com a sedução do “compre hoje
e pague depois”. Muitos desses consumidores dirigem SUVs, utilitários
ou 4x4, movidos a diesel, veículos
que são financiados ou subsidiados
para o uso na produção rural. Toda
essa forma de produção e consumo
está associada às emissões crescentes
de dióxido de carbono (CO2) e, por
consequência, à mudança no clima
mundial. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas (IPCC) vem mapeando
as mudanças climáticas no mundo e
demonstrando que as consequências
potenciais podem ser desastrosas.
O desejo do consumo dos indivíduos da sociedade, que Lipovetsky
(2006) denomina “civilização do desejo”, leva muitos deles a empregar
boa parte de sua renda pensando na sensação hedônica
do consumir antes que poupar. Nesse caso, poupar seria
postergar o prazer que o consumo imediato pode proporcionar. O uso desenfreado de cartões de crédito e dos financiamentos favorece a realização imediata, comprando, consumindo, mesmo que à custa desse frenesi se venha criando
uma “sociedade de endividados”. A arraigada “cultura agorista” ou “cultura apressada” faz com que transitem pelos
intermináveis espaços comerciais ricos e pobres, numa
legítima “democratização do desejo”. As modas das vestimentas, tanto de um executivo quanto de um emergente da
periferia da cidade, se confundem, a ponto de, por vezes,
assistirmos a um desfile de grifes e marcas famosas fake.
O desejo de possuir é seguido de frustrações quando
não realizado. Autores associam a busca da felicidade pela
possibilidade de comprar, de atingir o status social, pois
a propensão ao consumo é comparada ao ópio do povo,
valendo-se do cogito cartesiano, apenas mudando a verbalização: “sofro, logo compro”. Mas os indivíduos não se
dão conta de que na sociedade de consumidores “ninguém
pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria”
(BAUMAN, 2008, p. 20). E, igual à mercadoria ultrapassada, esse indivíduo pode ser descartado também se não
puder atingir a capacidade de compra. São os ditames do pragmatismo
capitalista, para quem os indivíduos
têm que contribuir gastando. A força
propulsora e bem-urdida provém do
marketing publicitário e “máquinas
para a demanda do consumidor-criação”. No ramo industrial são
constantes as mudanças desenvolvidas pela aplicação da tecnologia na
produção e lançamento de novos
produtos. E o mercado consumidor
é constantemente atiçado em direção
da avidez por novidades. A estratégia
que funciona muito bem é induzir as
pessoas, que já usufruem de bens, a
sentirem-se permanentemente desatualizadas e canalizá-las a comprar
sempre. Nesse aspecto, o capitalismo, e sua lógica e meios instigadores (publicidade, lançamentos e novas feições de velhos produtos), cria modismos
que deixam as pessoas com cara de “perdedor”, ou brega,
em utilizar equipamentos “fora de moda”. Tudo é questão
de moda e status social. Os sociólogos interpretam o consumo inserido num contexto de “diferenciação social”. O
mito criado pelo capitalismo é o de consumir para alcançar
a felicidade, a realização, e essa felicidade, uma vez não alcançada, estimula constantemente o consumo hedonista.
À saturação de uma necessidade sobrevém o desejo
de novas buscas aquisitivas e vivenciais, o que Lipovetsky
(2006) alcunhou de “felicidade paradoxal”, uma vez que
somos movidos a “querer tudo”, principalmente quando
ficamos frente a frente com produtos e marcas que elegemos como nossas favoritas. Não conseguindo, surgem as
“Nesse aspecto, o capitalismo, e sua lógica e meios
instigadores (publicidade,
lançamentos e novas feições de velhos produtos),
cria modismos que deixam
as pessoas como cara de
‘perdedor’ ou brega, em
utilizar equipamentos ‘fora
de moda’. Tudo é questão
de moda e status social.”
69
ARTIGO
frustrações, as depressões, e se volta ao ciclo do consumo
e da busca de bens e mercadorias que por um tempo podem transmitir sensação de realização. Isso está associado
à teoria marxista da “outorga de um objeto ao sujeito, mas
também de um sujeito ao objeto”. O shopping passa a ser
o apoio para permitir o preenchimento do vazio interior,
às vezes até advindo da carência de amor, segundo o autor.
Mas não só de compras de mercadorias vivem os indivíduos da sociedade pós-moderna. A busca do hedonismo
vem elegendo outros segmentos como meios de satisfação.
As viagens aéreas, responsáveis por parte do efeito estufa, o
lazer e a cultura têm se tornado um nicho de consumo de
serviços, que cresce vertiginosamente. O setor de turismo
já engloba mais de 11% do PIB mundial, tornando-se uma
gigantesca indústria global. Estima-se
que, em 2020, aproximadamente 1,6
bilhão de pessoas estarão fazendo
ao menos uma viagem ao estrangeiro (LIPOVETSKY, 2006, p. 62). E os
novos pontos turísticos vão seguindo modas e tendências, mercê do
forte marketing realizado. Tome-se
como exemplo atual a enxurrada de
turistas se dirigindo à Turquia ou a
regiões vitivinícolas francesas, espanholas, e também os pacotes de viagens oferecendo turismo a parques
temáticos.
do processo produtivo, surge a questão ambiental, ecológica, das dificuldades de se implantarem políticas públicas
para se tratar adequadamente, em todos os países, desenvolvidos ou não, das questões ligadas à sustentabilidade, ao
aquecimento global e à segurança energética.
Anthony Giddens (2010), no livro “A política da mudança climática”, nos fala sobre um paradoxo: para ele,
mesmo que as pessoas saibam dos perigos da mudança
climática, essas ameaças não são consideradas seriamente,
por darem a impressão de ser meio distantes e irreais, ao
passo que existem as pressões da vida presente e os prazeres concretos que podem ser imediatamente usufruídos.
Portanto, há todo um esforço a ser feito para promover o
tema e mantê-lo em discussão, com a seriedade que ele
merece, dentro do debate público e
da agenda política. A possibilidade
de solução futura depende de um
debate político que supere a polaridade direita-esquerda tradicional
em direção a convergências políticas,
sociais e econômicas, dentro de um
imperativo de desenvolvimento, em
especial dos países mais pobres. Ou
seja, não pode haver uma regressão
conservadora, mas terá que ser feita
uma correção de rumos, mantida a
necessidade de desenvolvimento
global, desta vez com foco na baixa
emissão de carbono. Para enfrentar
essas questões, o papel assegurador
do Estado será fundamental, bem
como um retorno ao planejamento
com a assunção de metas.
Um dos aspectos relevantes será a adequação de todo
o sistema tributário, como indutor da modificação do estilo
de vida das pessoas, rumo à produção de tecnologias limpas. Não adianta apenas a redução do lixo e do desperdício,
pois será preciso aumentar em muito a eficiência energética, incluindo a edificação de construções e casas ecológicas com altos índices de isolamento térmico. Os meios
de transportes de cargas ou pessoas também seguirão essa
tendência. A transição para uma economia de baixo carbo-
“A possibilidade de solução
futura depende de um debate político que supere
as polaridades direita-esquerda tradicionais em
direção a convergências
políticas, sociais e econômicas, dentro de um imperativo de desenvolvimento,
em especial dos países
mais pobres.”
SUSTENTABILIDADE
DO
CONSUMISMO
Em meio a tanta demanda, e
com os indivíduos inseridos no contexto consumista e na ânsia de ter, possuir e viajar, deixa-se
de levar em conta uma danosa consequência: o efeito estufa e o descarte constante das embalagens e dos bens que
são tidos como obsoletos em curto espaço de tempo. A um
elevado custo econômico, ensejado pelas externalidades1
A externalidade, no caso, é um dano causado à natureza e que não integra o
preço final da mercadoria. Por exemplo, um produto agrícola cujo sistema de
cultivo causa erosão de solo imputa um custo ambiental que será repassado para
as futuras gerações.
1
70
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ARTIGO
no ensejará novos caminhos de gosto, valores e expressão
pessoal, tendo como suporte a inovação tecnológica.
E como fica então a tributação, dado o estilo de vida
das pessoas e seguindo essa forma de desenvolvimento limpo? Um sistema tributário ideal, segundo Lagemann (2003),
é concebido de acordo com os efeitos econômicos de cada
um dos impostos, considerando o bem-estar social, a eficiência e a justiça. Como um tributo único, per capita, neutro, aplicado segundo a capacidade de contribuição de cada
contribuinte não é viável, pois não existem as informações
concernentes à capacidade de cada indivíduo, a segunda
melhor opção é chegar o mais próximo possível por via indireta, ou seja, a tributação da renda
e do consumo. Como o imposto de
renda tem uma série de limitações
que atingem sua produtividade, principalmente em países em desenvolvimento, a alternativa da tributação do
consumo se tornou a melhor forma
de coletar. Atualmente, verifica-se
um meio termo entre a justiça na
distribuição da carga e a eficiência
arrecadatória. Seria mais produtiva
a tributação mais gravosa dos bens
com menor elasticidade-preço, mas
esses bens são identificados como
bens de primeira necessidade. Por
outro lado, seria apropriado que a
alíquota sobre determinado bem fosse maior quanto maior seu consumo
pelas classes detentoras de maior
renda. Chegar-se-ia, então, a um sistema de alíquotas diferenciadas, uma
para cada bem. Mas isso também
não seria possível, devido aos custos
elevados de administração. A escolha então recai sobre a
aplicação de alíquotas maiores para supérfluos e bens de
luxo (a exemplo do fumo, do álcool, dos cosméticos, entre outros), ou bens com maior potencial de coleta, como
combustíveis, serviços de telefonia e energia elétrica, uma
alíquota menor para bens de primeira necessidade e uma
alíquota intermediária para a regra geral.
Assim, dado que o consumo humano é um item preponderante na tributação, o sistema tributário deverá estar alinhado às mudanças no estilo de vida, de consumo e
produção causadas pela pressão ambiental. Além da criação de impostos sobre o carbono, que seguem o princípio
do “poluidor-pagador”, e que visam incorporar as externalidades da poluição, a evolução do sistema tributário,
principalmente, será cada vez mais compelida na direção
de incentivar o consumo consciente, a inovação e a produção de tecnologias limpas. Para Giddens (2010), em um
dos vértices os governos devem rever todos os incentivos e
subsídios antiambientais. Por outro lado, mais importante é
induzir resultados que sejam valiosos para mitigar a mudança climática, modificando comportamentos, a
exemplo da utilização de carros mais
eficientes e menos poluidores. Essa
forma de incidência tributária tem
que ser transparente, tem que aparecer como tal para a sociedade e, de
preferência, ter os recursos coletados aplicados em objetivos ligados à
mudança climática. Tais incidências
se alinham com a promoção da eficiência no uso da energia, na redução
das emissões e com a promoção de
inovações no ciclo produtivo, de sor te a limitar a necessidade de reparos,
reciclagens e descartes.
“O hiperconsumo, e o modo
de produção a que está ligado, intensificado a partir
da segunda metade do século XX, segundo pesquisas
feitas por antropólogos,
sociólogos e filósofos, e
que se intensifica cada vez
mais até o momento presente, não é sustentável.
Não é de se estranhar a
crise em que o mundo está
mergulhado.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O hiperconsumo, e o modo de
produção a que está ligado, intensificado a partir da segunda metade do
século XX, segundo pesquisas feitas
por antropólogos, sociólogos e filósofos, e que se intensifica cada vez mais até o momento presente, não é sustentável. Não é de se estranhar a crise em que o mundo
está mergulhado. Pelos danos ambientais que estão sendo
causados e seus efeitos na atmosfera, a sociedade atual está
fazendo um saque a descoberto contra o futuro. Os eventos
climáticos extremos são cada vez mais comuns, conforme
71
ARTIGO
dados do IPCC. O estilo de vida, engendrado pelo capitalismo, é, sem dúvida, o grande motor da perda de valores,
da corrida desenfreada em busca de bens e serviços e dos
investimentos frenéticos nas bolsas de valores. O sistema
imprime um ciclo rotativo que se retroalimenta.
O consumo consciente é a chave para a implementação de um novo estilo de vida. Ele será desenvolvido por
meio de políticas que tenham o foco na mudança climática,
e que ensejem uma evolução gradual da sociedade pós-moderna em direção a novos valores. Porém, essa evolução
não pode ser lenta, em vista dos danos potenciais que já se
fazem sentir no clima e nas condições socioeconômicas do
planeta. Para enfrentar essas questões, o papel assegurador do Estado será fundamental. Ele terá de coordenar e
harmonizar, em seus diversos níveis, a sociedade, empresas, consumidores, ONGs e grupos de pressão, seja internamente, seja no concerto internacional, compartilhando a
instituição de um planejamento comum e de metas.
Entre outros, um dos instrumentos importantes na indução de um modo de vida responsável é o sistema tributário. Ele terá de se adaptar e de produzir adaptações. Terá de
inibir práticas antiambientais e incentivar novas formas nas
tecnologias de produção, para que sejam renováveis e sustentáveis. De forma transparente, dentro de um conjunto
de políticas públicas estabelecidas democraticamente, considera-se como um imperativo paradigmático a necessidade
de desenvolvimento, em especial dos países mais pobres, e
a segurança energética global.
REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa,
Portugal: Edições 70, 2005.
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BOURDIEU, P. A distinção, crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2006.
72
BUENO, M. L.; CAMARGO, L. O. L. (Org.). Cultura e
consumo. Estilos de vida na contemporaneidade. São
Paulo: Senac, 2008.
FEATHERSTONE, M. Estilos de vida e cultura do
consumo. Teoria, cultura e sociedade. São Paulo: Nobel,
1987.
FERNANDES, C. O capitalismo e o advento de uma sociedade de consumo. Revista Eletrônica – Colégio Mãe
de Deus, Porto Alegre, v. 1, n. 1, set. 2010. Disponível em:
http://www.colegiomaededeus.com.br/revistacmd/revistacmd_v12010/artigos/a9_remc_cmdset2010.pdf. Acesso
em:______
FINKELSTEIN, J. Dining out. London: Polity, 1989.
GABACCIA, D. We are what we eat. Boston: Harvard,
1998.
GALBRAITH, J. K. A sociedade da abundância. Lisboa, Portugal: Sá da Costa, 1976.
GIDDENS, A. A política da mudança climática. Rio
de Janeiro: Zahar, 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). POF 2008/09 mostra desigualdades e
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Disponível em: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?
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IPCC. Internacional Panel ou Climate Change. Disponível em: http://www.ipcc.ch, acesso em 21.02.2013.
LAGEMANN, Eugênio. Tributação ótima. Estudos econômico-fiscais, Secretaria de Estado da Fazenda do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, ano 9, n. 34, p.___, 2003.
LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
TRAZ UMA seleção Wine, por favor.. p. 9. Disponível
em: <Revista Wine.com.br>. Acesso em: dez. 2011.
WARDE, A.; MARTENS, L. Eating out: social differentiation, consumption and pleasure. United Kingdom: Cambridge University Press, 2000.
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ENTREVISTA
Entrevista com Aldacir Oliboni
Deputado Estadual (PT-RS)
Enfoque Fiscal – Quais são as suas principais prioridades para o atual mandato como deputado estadual?
Oliboni – Em primeiro lugar é prestar um bom serviço à sociedade gaúcha, no sentido de que estamos na Assembleia pelo povo e para o povo. Dessa forma, estamos
sempre atentos e com total dedicação em cumprir as atividades institucionais e participar de forma relevante no
legislativo.
Com base em um trabalho bem
feito, temos eixos temáticos prioritários: os direitos humanos, a transparência pública, a saúde e a educação.
Estes são temas aos quais já nos dedicávamos na vereança de Porto Alegre
e que estamos ampliando e aprofundando neste mandato estadual.
A partir deles, conseguimos criar
possibilidades de mudanças que venham a melhorar a vida de gaúchos
e gaúchas.
Na área dos direitos humanos, temos diversos projetos de lei e ações legislativas e políticas. Um destes é focado
na questão das mulheres. Com o Projeto 45/2012 queremos destinar 5% das vagas de trabalho na construção de
obras públicas estaduais para as mulheres. Esse projeto foi
citado, inclusive, pela ONU quando da certificação do Rio
Grande do Sul com o Selo Pró-Equidade de Gênero. Assim,
complementamos as políticas públicas de formação e qualificação profissional de mulheres.
Também entendemos a questão da democratização
da comunicação como algo imprescindível para a difusão
e garantia plena dos direitos humanos. Nosso Projeto de
Lei 159/2012 institui a Política Estadual de Incentivo às Mídias Locais, Regionais e Comunitárias. Propomos que seja
estabelecido um índice mínimo de destinação das verbas
publicitárias oficiais dos poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário. Assim, com a descentralização das verbas, as informações do Estado chegarão a um
número maior de veículos de comunicação, atingindo uma diversidade
maior de cidadãos e também auxiliando na subsistência das mídias de
pequeno e médio porte.
Propomos modificações no Cadastro de Fornecedores Impedidos
de Licitar e Contratar com a Administração Pública Estadual. Nosso objetivo é impedir que empresas ou pessoas jurídicas condenadas por crimes
contra os direitos humanos, contra o patrimônio privado,
o sistema financeiro, contra o meio ambiente e a saúde pública, por crimes eleitorais, crime de redução à condição
análoga à escravidão, contra a vida e a dignidade sexual,
dentre outros, sejam contratadas.
A reforma de escolas, a ampliação do acesso aos diferentes níveis de ensino também são ações que coadunamos no cotidiano de nosso mandato com especial atenção.
Intermediamos o diálogo pela manutenção da Unidade III
“Entendemos a questão da
democratização da comunicação como algo imprescindível para a difusão e
garantia plena dos direitos
humanos.”
74
Enfoque Fiscal - Julho 2013
ENTREVISTA
da Uergs, em Sananduva, bem como apoiamos o projeto
da Universidade em todo o Estado. Em Porto Alegre, trabalhamos junto com a comunidade e a Secretaria Estadual
de Educação para garantir a oferta do ensino técnico na
Zona Leste. A Escola Estadual Gema Belia será transformada
na primeira escola de ensino médio técnico e politécnico
no modelo-padrão do Ministério da Educação, com investimentos totais de R$ 20 milhões.
Perpassando todos esses temas, a atenção às demandas dos municípios, tanto da região metropolitana como
do interior do Estado, também é prioridade para nosso
mandato. Sabemos que, para dar certo, as políticas públicas
devem chegar lá na ponta, devem estar capilarizadas. Os
municípios são o lugar onde as coisas precisam e devem
acontecer, e recebemos centenas de demandas nesse sentido. Fazemos o maior esforço para
articular processos, aprofundar a relação dos gestores municipais com o
governo estadual e também auxiliar
na construção de projetos importantes para as cidades.
Um trabalho que expressa todas essas prioridades é a Frente
Parlamentar em Defesa das Pessoas
Desaparecidas, a qual propus e sou
o coordenador. Para além da ação
puramente legislativa, estamos trabalhando com vistas à prevenção, melhoria dos processos de localização e
fortalecimento da rede de proteção
e assistência às vítimas. Por trás do
desaparecimento de pessoas, há uma
diversidade de crimes e violações
dos direitos básicos dessas pessoas,
sejam elas crianças, adolescentes,
mulheres, idosos ou qualquer outro.
Atuamos, com um conjunto de 37
deputados, colocando essa temática
acima das questões partidárias e estabelecendo com a sociedade e o poder
público um canal de diálogo e debate para melhorar a situação.
Enfoque Fiscal – Enquanto vereador de Porto Alegre, o senhor teve aprovada a lei que instituiu o Portal
da Transparência na capital. Como o senhor avalia a
repercussão e o andamento dessa iniciativa?
Oliboni – Além da lei que instituiu o Portal, também
fui autor das leis que dispunham sobre o nepotismo e a Ficha Limpa em Porto Alegre. Transparência, controle social
e participação cidadã continuam sendo nossas prioridades.
A implantação do Portal de Transparência da Prefeitura de Porto Alegre era necessária, antes mesmo da Lei
de Acesso à Informação. O cidadão passou a poder acessar dados como a remuneração dos servidores, e detalhes
do quadro funcional, quantos e quais são os cargos em
comissão, quais os valores gastos com despesas de diárias
ou passagens, detalhes da execução
orçamentária e financeira, da contratação de servidores e o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal,
dentre outros.
Foi um passo importante e, por
isso mesmo, tem proposição para
que seja ampliado, com informações
também das empresas públicas municipais e autarquias, o que apoio.
Na mesa diretora da Assembleia
Legislativa também defendi a divulgação nominal dos salários de servidores.
Recentemente, participei do
lançamento do “De Olho nas Obras”,
a interface do Gabinete Digital do
governo do RS que oportuniza à população fiscalizar obras e projetos de
grande vulto a partir de smartphones
e internet.
Avalio que há um despertar
da sociedade para esse tema e que
ações como essas que citei contribuem de forma positiva e inovadora,
atendendo a essa demanda e provando
que os poderes públicos e a população podem e devem ser
parceiros nessa construção.
“A implantação do Portal de
Transparência da Prefeitura
de Porto Alegre era necessária, antes mesmo da Lei
de Acesso à Informação.
O cidadão passou a poder
acessar dados como a remuneração dos servidores,
e detalhes do quadro funcional, quantos e quais são
os cargos em comissão,
quais os valores gastos
com despesas de diárias
ou passagens.”
75
ENTREVISTA
Enfoque Fiscal – Pensando na Copa do Mundo
de 2014, qual a sua opinião sobre a forma como esse
evento impactará o Rio Grande do Sul? Como pretende
participar desse processo?
Oliboni – É importante dizer que o impacto de um
evento desse porte em nosso país será determinado pela
forma como vamos recebê-lo. E, neste sentido, acredito que
os impactos serão predominantemente positivos. A imagem
do Brasil no exterior será ainda melhor, poderemos provar
e demonstrar os grandes avanços que nosso país tem tido
em diversas áreas, principalmente
nestes últimos dez anos. Além disso, o povo brasileiro como um todo
ganha com a questão das obras públicas, estruturais, como na área de
transporte público, por exemplo.
Creio que a qualificação profissional,
especialmente na área de serviços,
também é um aspecto que qualificaremos.
Enfim, há todas as possibilidades para que avancemos ainda mais a
partir da Copa, das Olimpíadas e de
outros megaeventos. Mas é importante frisar que isso se dá por conta do olhar do governo
que mostra ao povo essas ocasiões como oportunidades de
crescimento e está oportunizando esse crescimento através
de diversos programas e projetos, como o Pronatec e os
investimentos massivos em obras.
No entanto, sabemos que os megaeventos também são
situações que propiciam, infelizmente, a intercorrência de
delitos e crimes, especialmente relacionados à violação dos
direitos humanos. Neste sentido, nosso mandato pretende
atuar na prevenção. Já há um importante debate colocado
no Parlamento gaúcho, especialmente a partir da Comissão dos Direitos Humanos – temos conversado com autoridades, movimentos sociais para construir proposições de
combate e prevenção a crimes como o abuso e a exploração
sexual de crianças e adolescentes, o trabalho infantil e até
mesmo o tráfico de pessoas.
Enfoque Fiscal – De que forma o senhor avalia a
atual situação econômica do RS? O que é preciso ser
feito, a médio e longo prazos, para melhorar a situação
orçamentária do Estado?
Oliboni – Antes de mais nada, essa avaliação é feita
levando-se em consideração o contexto em que a atual
administração assumiu o Estado, com as finanças públicas
comprometidas a partir de uma política de enxugamento
dos investimentos na área social e uma crise financeira na
área estrutural.
A partir disso, avalio o esforço
da atual gestão estadual como positiva, principalmente por estar em
ascensão. A expectativa, plenamente
possível, é de que em 2013 tenhamos sedimentado um crescimento
econômico e social. São diversos
indicativos nesse sentido, como o
resultado da atividade industrial gaúcha de 4,2% em abril e o PIB positivo
de 2,5% no primeiro trimestre deste
ano.
Temos uma forte política de
atração de investimentos da iniciativa privada e a implantação de políticas públicas com o foco
na reestruturação das bases produtivas locais. A valorização
das potencialidades das regiões e a rearticulação de importantes cadeias produtivas nos indicam que o crescimento
está se dando em bases sólidas.
Na Assembleia, a nossa posição é de análise clara e
objetiva dos projetos do Executivo que versam sobre esse
tema. Até agora temos dado prioridade aos projetos que
colaboram para destravar a economia gaúcha. O próprio
Orçamento Estadual de 2013, aprovado por ampla maioria,
é uma demonstração do fortalecimento do cenário econômico do Rio Grande do Sul, que pode voltar a investir em
áreas importantíssimas. Esse é o caso da saúde, que receberá os 12% previstos em lei, e da infraestrutura rodoviária,
que será ampliada e significativamente melhorada, como
no caso das ligações asfálticas dos municípios, que serão
completadas até 2014.
“Temos uma forte política
de atração de investimentos da iniciativa privada e
a implantação de políticas
públicas com o foco na
reestruturação das bases
produtivas locais.”
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Enfoque Fiscal - Julho 2013
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Edição 5 – Julho de 2013 - sindifisco-rs