AUTORRETRATOS NA EJA: O TEXTO E A VIDA Luciara Belmira Teixeira Araujo Este artigo visa tratar do projeto pedagógico autorretratos escritos e desenhados desenvolvido na educação de jovens e adultos. O perfil da turma em que o trabalho foi realizado é de adultos da terceira idade, com faixa etária regulando entre sessenta e oitenta anos, oriundos da classe popular, e que se encontram em processo de consolidação da leitura e da escrita, a classe é heterogênea, estando divididos entre silábicos e alfabéticos, de acordo com Emília Ferreiro . O objetivo do projeto era fazer uma ponte entre popular e erudito começando pela cultura que os alunos trazem consigo e que circula em seu grupo social. Dessa forma, promovendo uma aprendizagem significativa para os alunos e facilitando a apropriação da língua escrita, por meio da música popular brasileira, tendo como foco principal o cantor e compositor Noel Rosa e fazendo uso da literatura para a aproximação desses sujeitos da cultura hegemônica. Palavras-frase: autorretrato, identidade, eja na terceira idade 1. O PROALFA E SUA METODOLOGIA DE ENSINO O PROALFA é um programa de alfabetização e letramento que funciona no âmbito da Universidade Estado do Rio de Janeiro (UERJ), orientado pela professora Anna Helena Moussatché O objetivo do programa é oportunizar a apreensão das práticas de leitura e escrita á pessoas que não tiveram a chance no momento considerado como próprio. Criado em 1995, com aulas apenas duas vezes na semana, teve ampliada a quantidade de dias aula, pois percebeu- se a necessidade de uma maior inserção social e de maior autonomia destes sujeitos, então foram criadas as oficinas de leitura, de produção de texto e de matemática. 2 O objetivo da criação destas oficinas era a formação integral dos discentes; ou seja, formar pessoas críticas e autônomas que sejam capazes, não só de ler, mas de compreender o que lêem concomitantemente; além de prepará-los para vida prática. Os professores que atuam nas salas de aula são graduandos de pedagogia, de letras e de matemática; tanto os regentes quanto os professores das oficinas são alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. As orientações das atividades pedagógicas são dadas uma vez por semana pelas supervisoras do programa que dando oportunidade de uma melhor formação e capacitação destes graduandos trocam experiências coletivamente, tirando dúvidas e aprimorando suas práticas, em busca de melhores resultados para aprendizagem dos educandos. Neste mesmo dia as aulas da semana são planejadas de forma transdisciplinar. Na grade horária do programa existe o dia do estudo de alfabetização e letramento cuja fundamentação teórica está centrada na psicogênese da língua de Emília Ferreiro e de letramento, cujo aporte teórico se encontra em Magda Soares. 1.1 A metodologia do PROALFA A metodologia é construtivista tendo como aporte teórico: Emília Ferreiro, para alfabetização, Magda Soares para o letramento e Paulo Freire, que afirma que cultura e educação são inseparáveis. É a partir destas concepções é que as aulas são elaboradas respeitando os conhecimentos prévios dos alunos e se utilizando deles para a alfabetização, pois, o alfabetizando escolhe a palavra que deseja aprender, sem que lhe seja interditado o conhecimento. A apropriação da escrita e da leitura acontece de forma natural, por meio de palavras que fazem parte do cotidiano do alfabetizando pois existe um trabalho pedagógico que se baseia na cultura do aluno, associando cultura e educação para produção de significado e conhecimento, com frases e palavras que tenham sentido para o aprendiz. 3 A prática pedagógica adotada pelo programa entende que o educando constrói seu conhecimento na relação que faz com o objeto de conhecimento e com o universo sóciocultural, além de compreender os conflitos cognitivos porque passam os sujeitos na construção do conhecimento, avaliando a aprendizagem como processo, respeitando o aprendiz enquanto indivíduo. Baseando-se na afirmação de Paulo Freire (1996), “é importante transformar o conhecimento ingênuo em conhecimento epistemológico. Estimular o uso do pensamento para além da sala de aula”. 1.2 Pedagogia de Projetos O tema anual do projeto em 2010 foi: Os povos e a construção de suas histórias através de suas manifestações artístico-culturais. Desta forma, na aula inaugural, foi-lhes apresentados os nove tipos de arte: cinema, literatura, música, quadrinhos, pintura, dança,escultura, fotografia,etc A aula inaugural, é realizada todo início de período, em que se reúnem os alunos das quatro turmas do programa, para que se faça uma introdução ao tema do projeto. Neste dia, os professores novos se apresentam, e os antigos preparam alguma atividade feita para os alunos. Estas, podem variar entre teatro, dança,etc, sempre apontando para o assunto que será abordado. Ainda neste mesmo dia são trazidos palestrantes que dominem o assunto, para dar mais clareza ao tema do projeto. Na primeira aula após a aula inaugural. Começando a trabalhar com o projeto em sala de aula, retomou-se o título do mesmo, com a finalidade de que os aprendizes esclarecessem o significado do tema, e das palavras que lhes eram desconhecidas, a partir daí, escolheram qual a música como a arte que gostariam de estudar e o gênero Música Popular Brasileira. 4 2. COMO CHEGAMOS AO LIVRO DE AUTOBIOGRAFIA E AO AUTORRETRATO Para fazer sondagem sobre o que realmente os discentes desejavam, foi feita a pergunta: Se eu fosse um escritor, eu escreveria... Alguns gostariam de escrever revista em quadrinhos, outros, livro de críticas aos políticos e 70% dos alunos disseram que gostariam de escrever um livro autobiográfico. No dia seguinte, ao que tinham falado, foi feita a tabulação do resultado evidenciando a escolha da maioria dos aprendizes. A idéia da confecção de autorretratos escritos e desenhados surgiu da necessidade de trabalhar com os alunos a autoestima, visto que se trata de alunos da EJA, que têm carência de auto confiança e segurança para o desempenho nas atividades pedagógicas e para o desenvolvimento do aprendizado. 2.1 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO Nestas perspectivas trabalhou-se com os alunos as questões: Como eu me vejo? Quem sou eu? Estas perguntas tinham por objetivo leva-los à reflexão identitária, e a partir deste referencial, dar início as atividades de produção textual e iconográfica. No primeiro momento do projeto as dinâmicas utilizadas para a questão da identidade, foram feitas em sala de aula, propondo que os alunos ficassem dispostos em círculo, onde cada um recebeu um papel com a frase, em que tinham que procurar o outro para o complemento da sua, e desta forma, ficar com a frase completa. No segundo momento a dinâmica realizada, foi inspirada em um programa de TV. O objetivo era a valorização da pessoa e o autoconhecimento das características físicas e de personalidade. Sendo assim, foi explicados aos alunos que lhes seria dado o chapéu com foto de uma personalidade que estaria colocada no interior do mesmo. A proposta era: Você tira o chapéu para esta pessoa? Sim? Não? Por quê? Ao responderem, os alunos não poderiam revelar aos demais a identidade de quem estavam vendo. Na verdade, deparavam-se com a própria imagem refletida no espelho. 5 As reações foram as mais diversas: Risos, surpresa, susto, decepção; pois esperavam falar de outra pessoa, não de si mesmo. Ao final desta experiência, notou-se um maior e melhor autoconhecimento e aumento da auto estima em que perderam o temor de falar de si mesmos. 2.2.Objetivo do filme documentário A escolha do documentário teve como alvo facilitar e esclarecer aos educandos para escolha do tema do projeto desenvolvido pela turma e desenvolver a habilidade de fazer relações entre tempo, espaço e história. 2.3. Objetivo da música Sensibilizar os alunos mnemonicamente provocando sentimentos e emoções, para a partir disto, desenvolver as atividades pedagógicas, promover a formação de sujeitos integrais, capazes de se relacionar com sigo e com os outros facilitando as interações e ampliando o conhecimento de mundo. 2.4 Objetivo da escolha do filme Conhecer a biografia de Noel Rosa para estimular as habilidades de leitura e escrita. 2.5. O Diálogo entre Literatura e músicas A principal obra utilizada para que os discentes entendessem o gênero autorretratos, foi o texto autorretratos de Graciliano Ramos que foi lido e analisado coletivamente, percebendo as características físicas e de personalidade do autor e sempre que necessitavam recorriam ao suporte do texto para tirar dúvidas. È importante destacar que a construção do texto foi elaborada no cotidiano do trabalho pedagógico e que além deste, outros textos do mesmo gênero foram utilizados. Para dar início a produção textual, foi feito o retrato de um ator de novelas conhecido e sugerido por todos os alunos, que lhe descreveram o perfil físico, e de personalidade coletivamente, levando em conta as informações obtidas em jornais e entrevistas, que estavam no suporte textual e também assistidas em televisão. A 6 problematização do texto utilizado foi feita em busca de que identificassem as diferenças entre características físicas e características pessoais, enumerando não só as do ator ,mas como as próprias e as dos colegas. O trabalho com o foco na leitura e escrita foi embasado a partir dos textos musicais e de autorretratos, promovendo uma aprendizagem significativa considerando e valorizando a cultura e os saberes que os alunos trazem de seu grupo social. Para escolha das músicas, foi levados para sala de aula, músicas com diferentes ritmos para que os aprendizes lessem, ouvissem e se identificassem,o objetivo era que escolhessem o ritmo que mais agradava, além de ouvirem as músicas de Noel Rosa, pois a universidade está localizada no bairro de Vila Izabel e por ser o centenário de Noel, estavam ouvindo comentários do assunto não somente em sala de aula mas em outros lugares e até mesmo, através da mídia . Contribuiu para o desenvolvimento do projeto, para um melhor aprendizado dos alunos e definição do tema da turma, a exibição de um filme, ”Século XVIII A Colônia Dourada” documentário que versava sobre a evolução da arte no Brasil, fazendo paralelo entre arte e história. As músicas selecionadas foram as de Noel Rosa e outros autores da Música Popular Brasileira, dentre estes a primeira música trabalhada foi Ela é Bamba, de Ana Carolina, por se tratar de uma música que tem como tema as mulheres e ainda citar os nomes femininos, visto que a turma, em sua maioria é de mulheres, mas o projeto tinha como cerne de estudo o cantor e compositor Noel Rosa, que tem uma visão romântica da mulher, tendo como foco as que tratavam do assunto autorretratos. Após assistirem ao filme sobre a biografia de Noel Rosa, intitulado Noel O Poeta da Vila, os alunos foram estimulados a escreverem um texto coletivo sobre o retrato do cantor e compositor, que ficou assim: Retrato de Noel Rosa: Branco, cabelos negros, nariz grande, magrinho.Não tinha queixo; braços cumpridos; era alto e usava chapéu; nasceu em 11 de Novembro de 1910, no Rio de Janeiro em Vila Isabel; Teve parto difícil. Gostava de usar terno branco, de tocar 7 bandolim que aprendeu a tocar com a mãe, de ouvido. Também tocava piano. Gostava de violão e de cerveja. Casado, não foi bom marido. Era malandro e boêmio. Noel Rosa era boêmio: fumava muito, bebia muito, brigava e apanhava muito. Amava muito... amoroso, inteligente, depravado, compunha para os outros cantarem; tudo que ganhava gastava. Não teve um fim bonito. Morre o homem, fica a fama! 2.6. A construção dos autorretratos desenhados Para a construção dos autorretratos foi levada para sala de aula algumas pinturas de famosos pintores brasileira como: o autorretratos da artista plástica modernista Tarsila do Amaral, e o retrato de Leonardo da Vincci: Moraliza. Além de ser discutido, contextualizou-se historicamente a produção das obras e de outras pinturas em autorretratos. Os autorretratos dos alunos desenhados por eles foram inseridos em um livro de autobiografias intitulado Relembrando a Nossa infância, Vivendo o Presente e de olho no Futuro. Conclusão: Ao final do projeto, concluiu- se que os alunos tiveram as habilidades de leitura e escrita desenvolvidas, alcançaram maior compreensão da função social da leitura e da escrita. Observou- se estímulo pela leitura, manifesto pelo interesse de ler livros de autores como: Graciliano Ramos, Machado de Assis e livro da biografia de Noel Rosa dentre outros. Além de propiciar um maior desenvolvimento da oralidade. Referências bibliográficas Weisz, Telma com Sanchez, Ana Diálogo entre o ensino e a aprendizagem São Paulo: Ática, 2009. 8 Freire, Paulo Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática pedagógica- São Paulo: Paz e Terra, 1996. Kaufman, Ana Maria; Rodriguez, Maria Elena. Escola, leitura e Produção De Textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 Jolibert, Josette, colaboradores. Porto Alegre: Artes Médica, 1994 Ferreiro, Emília; Teberosky, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre:Artmed, 1999. Soares, Magda. As muitas facetas da alfabetização. Cadernos de Pesquisa, n. 52, de fevereiro de 1985 Internet Site oficiial do Gracilino Ramos: www.graciliano.com.br, em 27/04/2010, às 20 horas.