História, imagem e narrativas
No 12, abril/2011 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
Resenha:
Cláudia de Oliveira, Monica Pimenta Velloso, Vera Lins
O moderno em revistas:
representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930.
Rio de Janeiro, Garamond, 2010
Rogério Souza Silva
Prof. - Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Doutorando - História Social - PUC-SP.
As revistas (fossem elas ilustradas ou não), em parte significativa do século XIX
e nas primeiras décadas do XX, se constituíram em verdadeiras porta-vozes dos valores
daqueles momentos históricos em que o Ocidente e o mundo sob sua influência direta
ou indireta, viviam um momento de extremo otimismo no diz respeito aos conceitos de
civilização, progresso, capital ou, em uma palavra, modernidade. O aumento do papel
da imprensa nesse mundo e o avanço das técnicas tipográficas deram a esse tipo de
publicação, em diversos lugares, um protagonismo na difusão de valores e na discussão
de ideias. Esse é o contexto do livro O moderno em revistas: representações do Rio de
Janeiro de 1890 a 1930, escrito por Cláudia de Oliveira, Monica Pimenta Velloso e
Vera Lins. As três autoras exploram o espaço-tempo do Rio de Janeiro durante a
Primeira República e mostram como as diferentes revistas do período dialogaram com
os modelos de modernidade que inspiravam os sonhos das elites de então.
No capítulo Em revistas, o simbolismo e a virada de século, Vera Lins discute a
ligação profunda entre os movimentos literários e as revistas. Era comum nessas
publicações a presença majoritária de determinadas correntes literárias na sua direção. A
autora destaca o simbolismo e a oposição desse grupo a ideia de um mundo já dominado
pela mercadoria e a sua adesão à arte como uma aventura absoluta. Títulos como,
Revista Contemporânea, Rosa-Cruz, Atheneia (esses três primeiros tendo a
predominância de textos), Mercúrio e Pierrot (optando por caricaturas) expuseram em
suas páginas questões própria do simbolismo.
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Vera destaca o papel dos cafés na vida carioca daqueles dias, mostrando que
esse espaço, tão utilizado há décadas em Paris pelos intelectuais, ganhava no Rio de
Janeiro contornos parecidos. Contudo, esse caráter de importação de modelos do mundo
ocidental tinha ali grandes críticos. Essa intelectualidade que frequentava os cafés via o
modelo de modernidade e civilização da elite republicana impor-se diante do restante da
sociedade, como a autora observa: “Queríamos nos conformar com o mundo
“civilizado”, mas esse modelo ficava caricato entre nós, como ainda hoje” (p. 27).
Dentro disso, podemos observar que os intelectuais no Brasil tiveram uma atividade
bastante significativa nos debates políticos e sociais. Vera Lins mostra a luta pela
abolição da escravatura e pela República. Com a instauração do novo regime e com o
processo de modernização do país o papel do intelectual independente tornava-se cada
vez mais difícil. Os espaços de manifestações de suas ideias diminuíam. Os jornais
tornavam-se, cada vez mais, empresas jornalísticas. Assim, as cabeças pensantes
ficavam entre aceitar a cooptação ou adotar uma postara crítica. Nessa parte do livro,
são citados intelectuais que caminharam para a oposição ao status quo colocando suas
concepções de mundo em romances ou revistas: Gonzaga Duque, em Mocidade morta,
Lima Barreto, em Recordações do escrivão Isaías Caminha e Álvaro Moreyra, em
revistas como O Malho, Fon-Fon, Selecta e Para todos.
Em As distintas retóricas do moderno, Monica Velloso traça, inicialmente, as
diferenças entre o jornal e a revista, mostrando que esta última tinha um caráter
efêmero, que se adapta a agilidade das formas de vida urbana que se impunham nas
décadas iniciais do século XX. A autora mostra dois tipos de revista: as literárias e as
ilustradas.
Estética e Revista do Brasil são duas publicações onde um conjunto de visões
sobre o país era debatido, particularmente, crítica literária e cultura. Nas duas
predominava uma discussão sobre as novas temporalidades urbanas; noção de uma
nacionalidade construída; debates literários sobre modernismo; música. A geração
desses autores vivia as tensões, desilusões e esperanças próprias daquele tempo. Uma
das características bastante marcante é a atividade boêmia que tinha como uma de suas
características um trânsito entre a “cultura livresca” e “cultura das ruas”. Nas suas
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páginas, Prudente de Morais Neto e Sérgio Buarque propõem uma revisão da forma
como a história do Brasil era vista.
Já os semanários ilustrados, expressariam as novas percepções de visualidade
que se impunham naquele tempo (seja na fotografia ou na caricatura). Seus títulos
mostravam um conjunto de imagens sonoras que as caracterizavam, por exemplo, o
martelo e a bigorna de O Malho, a buzina de Fon-Fon, uma boca gigantesca em uma
das capas de Tagarela. Para Monica, a existência de um número muito grande de
analfabetos no Brasil de então tinha nesses recursos um fator fundamental. Os cinco
sentidos estavam presentes em tais textos associados a diversas linguagens. A produção
e a posterior divulgação das revistas tinham, também, na oralidade um elemento crucial,
pois o papel dos vendedores gritando nas ruas do Rio e anunciando as publicações
aparecem em suas páginas.
As temáticas que surgiam em seus conteúdos revelavam bem a sua natureza
bastante variada, incluindo: culinária, astrologia, notas sobre avanços científicotecnológicos, ao lado de uma publicidade que valorizava os elementos de beleza
masculina e feminina predominantes naquela época. O dado de grande importância
discutido por Monica Velloso é a ampliação do circulo de leitores através das revistas
ilustradas. Sua característica aculturante direcionava-se às elites, porém como a autora
mostra houve uma inclusão dos não letrados:
“Mesmo não podendo dominar inteiramente os códigos da escrita, esses grupos
são por ela influenciados. Imagens publicitárias, desenhos, mapas, cartazes,
estandartes, fotos, gravuras, charadas, letras de modinhas passam a integrar a
moderna “pedagogia urbana”.” (p. 89).
Desse modo, imagens, leituras, sons, apelo ao riso fizeram parte da construção
dos processos formadores de uma sensibilidade moderna, dando contornos novos para
entendermos esse processo histórico.
Cláudia de Oliveira, em A iconografia do moderno: a representação da vida
urbana, faz uma reflexão sobre as imagens produzidas pelos fotógrafos no Rio de
Janeiro pós-melhoramentos urbanos. A Avenida Central, as imagens panorâmicas da
cidade, Casa do Machado, Palace Hotel, rua Sete de Setembro, entre outros locais,
aparecem nessas fotografias. Os espaços centrais de circulação das elites eram
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retratados quase como espaços particulares desses grupos. Normalmente os setores
populares eram excluídos de tais imagens.
A autora preocupa-se em mostrar os vários pontos de vistas dos fotógrafos para a
cidade, vendo as dimensões de classe, étnica, gênero que envolvem o espaço urbano.
Baseada nas revistas Fon-Fon, Selecta e Para Todos, ela discute os novos locais de
moradia que passaram a fazer parte dos desejos da elite. Os lugares próximos ao mar,
como Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon, fascinavam pela possibilidade de unir
arquitetura moderna com a natureza. Os moradores desses bairros passavam a cultivar
uma relação com o corpo que acentuaria o habilito das práticas esportivas, em
decorrência disso o sportsman seria o tipo moldado nesse processo. Em contrapartida,
as classes trabalhadoras e outros grupos populares, como já se observou, eram pouco
retratados em tais publicações, mas o pouco que surgia deles proporciona ao historiador
um material bastante rico. Claudia Oliveira cita as fotos das manifestações de
trabalhadores, aspectos das favelas e trabalhadores ambulantes que destoavam do
ideário
de
beleza
urbana
desejado
pelos
setores
dominantes,
mas
que,
contraditoriamente, faziam parte do processo:
“Este conjunto de imagens mostra as condições de vida daqueles que trabalhavam na
construção das belas edificações, das magníficas avenidas e dos modernos e aprazíveis
bairros burgueses. Estas imagens e textos documentavam e existência de uma outra
cidade dentro da “cidade maravilhosa”” (p. 163-4).
A obra escrita pelas três pesquisadoras citadas trás uma significativa
contribuição para história da imprensa, para se entender os primórdios da cultura de
massas no Brasil além de ser um caminho de entendimento da cultura visual em uma
realidade dos trópicos. Esses três fatores articulados levam os leitores a pensar em
diferentes ângulos da modernidade. A polifonia dessa forma de documentação é
expressa em conteúdos, onde poesia, crítica literária, reflexões sobre o país, caricaturas,
fotografia de pessoas da elite e do espaço urbano, publicidade, astrologia, entre outras,
conseguem conviver. O livro delicia pelas possibilidades desse tipo de documentação.
Contudo, existem lacunas que dão importantes questões para se discutir sobre o
livro. A primeira seria a ausência de uma reflexão mais precisa sobre as tendências
editorais de publicações ilustradas que são apresentadas na obra como O Malho, por
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exemplo, que é citado por ter uma característica de oposição ao modelo de modernidade
que a República adotaria. A frase muito comum em várias publicações do tipo: “Essa
não é a República dos meus sonhos”, esteve presente em O Malho. Seu caráter, porém,
passou por profundas mudanças dentro do marco temporal estabelecido pelas autoras.
Se na sua fundação, em 1902, a proposta de crítica política com elementos de oposição
era bastante clara entre 1929 e 1930, durante os momentos críticos do governo de
Washington Luís, a revista acentua uma postura claramente situacionista e
conservadora, a ponto de ser empastelada durante os tumultos ocorridos na então
Capital Federal em outubro daquele ano. Portanto, a natureza do riso em tal publicação
mudou significativamente ao longo do período.
A segunda seria uma discussão sobre a natureza social, histórica ou mesmo
psíquica do humor no contexto brasileiro da Primeira República. Velloso faz, como já
foi mostrado, uma análise do uso dos cinco sentidos nos semanários ilustrados. No
entanto, a natureza do humor, da anedota, da caricatura tem, quase sempre, elementos
de agressividade embutida em tais ações. Peter Gay fala do humor como uma forma de
agressão, assim deve-se pensar: do que se ri? Como se ri? Do que é permitido rir? Quem
agredir com o humor? Bergson e Freud (no contexto em que essas publicações
existiram) pensaram nos elementos sociais e psíquicos do riso e do chiste. Infelizmente,
na discussão do livro, O Malho, Fon-Fon e Tagarela têm apenas os aspectos sensoriais
analisados.
Por último, as análises das imagens fotográficas pensam pouco a subjetividade
presente nas suas construções (com exceção do subtítulo A Vênus Moderna, onde é
discutida a noção do corpo feminino nas publicações ilustradas), particularmente, as que
tratam sobre a ocupação do espaço urbano pela elite e pelo povo. Nas fotografias ali
colocadas há um nível de violência simbólica que mereceria mais a atenção da autora. A
ocupação das áreas próximas ao mar, a exclusão de amplos setores da população, a
omissão das autoridades republicanas, o favelamento, são fatores fundamentais para se
entender as novas formas de violência que foram sendo gestadas na sociedade brasileira.
Pesquisadores que já tiveram a oportunidade de ler ou mesmo folhear
publicações desse tipo (não apenas as que são citadas por Claudia Oliveira) notam em
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várias edições imagens de violência explicita como acidentes, cadáveres, pessoas
feriadas; nos momentos críticos do período estudado na obra fotos dos mortos da
Revolta da Chibata ou os empastelamentos durante a Revolução de 1930 são
apresentados com todos os detalhes mais precisos dentro das possibilidades
tecnológicas da produção de imagens fotográficas de então. Tais imagens, ausentes no
livro, mas presentes em publicações emelhantes, explicam muito a sensibilidade dessa
sociedade, seu nível de tolerável e intolerável e, para lembrar de Peter Gay, a presença
de “instintos agressivos” próprios de sociedades que absorviam valores burgueses do
Ocidente.
Apesar das lacunas citadas, O moderno em revistas se constitui em uma grande
contribuição para quem trabalha com esse tipo de fonte. Seu foco é o Rio de Janeiro
porém, futuras pesquisas que explorem publicações semelhantes em outros lugares do
Brasil, trariam retratos muito interessantes da inserção dessas revistas na cultura letrada
e imagética do Brasil no início da República. É certo que no país, naquele período,
surgiram inúmeros grupos de intelectuais e publicações parecidas com as citadas. Lima
Barreto observa, com a argúcia, os surgimentos de inúmeras academias de letras, clubes de
intelectuais e revistas em um país de analfabetos, eram tantas que ele escreveu ironicamente:
“Nesse andar, em breve teremos academias de bebês, cujos os únicos títulos literários
consistirão em usar bem a chupeta e chorar com grande estrondo. Esse Brasil é
espantoso! E tem cada invenção ...” 1
Pesquisas desse tipo mostram a importância da ideia do moderno, do ser
moderno, de estar dentro da modernidade. Os caminhos que levaram a ela foram
tamanhos, foram muitas as leituras e possibilidades teóricas. De um ponto de vista de
um início de século XXI, onde a modernidade se desfaz ou não existe mais (sendo
apenas pós) pode-se perguntar: o que foi a modernidade? Olhando para as revistas
trabalhadas pelas autoras e para as tantas outras que ficaram fora da obra poder-se-ia,
singelamente, responder que a modernidade foi “estado de espírito”.
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Careta, 29 de outubro de 1921. Apud: BARRETO, 1956, p. 136. 6 História, imagem e narrativas
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Bibliografia:
BARRETO, Lima. Marginália: artigos e crônicas. 2ª ed. São Paulo, Editora Brasiliense,
1956.
BERSON, Henri. O riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FREUD, Sigmund. Os chistes e a sua relação com o inconsciente. Rio de Janeiro.
Iamgo, 1996. V. VIII.
GAY, Peter. A experiência burguesa da rainha vitória a Freud: o cultivo do ódio. Vol.
3. São Paulo: Companhia das Letras, 1995
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