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“Isto não é o fim.
Não é sequer o princípio do fim.
Mas é, talvez, o fim do princípio.”
Winston Churchill
(dia 9 de novembro de 1942 num discurso em Londres)
Texto Capitão PILAV Guilherme “Ciclope” Guerra
Fotos Aoo Eric Vorstenbosch
A Esquadra 552 Zangões foi convidada, por
ocasião do 50º aniversário de operação do
Alouette III na Força Aérea Holandesa, a lançar-se numa hercúlea viagem a fim de participar nas celebrações que ocorreram na Base Aérea de Gilze-Rijen, nos Países Baixos, no
passado mês de setembro. O Alouette III é
operado, a par com o helicóptero Cougar MKII,
pela 300 Sqn em determinado tipo de missões, nomeadamente o transporte da família
Real Holandesa. O convite, elaborado ainda
no início do ano, apanhou completamente de
surpresa a Esquadra 552. Em boa verdade
sabe-se que já são poucos os operadores militares desta mítica aeronave, mas nunca foi
expetável uma celebração de tal forma ambiciosa que nos levasse à Holanda... a Voar!
Voo de formação dos helicópteros dos três países
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Chegada à Holanda
uem conhece os Zangões sabe
bem o carinho que é nutrido por
todos os elementos, sejam eles mecânicos, pilotos ou recuperadores-salvadores, pela “Máquina”. Carinho este que se
expande pela vida de centenas, senão mesmo milhares de pessoas que ao longo dos
nossos 51 anos tiveram o gosto de a ver
voar. Desta forma, foi com grande responsabilidade e sentido de missão e, porque
não dizê-lo, com imenso orgulho, que todos os preparativos e execução da missão
foram ponderados de forma a “levar a bom
porto” e em segurança o nome da Força
Aérea e de Portugal. Facto: não há memória de um Alouette III da FAP ter ido tão
longe a voar. Logo, fomos com dois helicópteros.
Ao longo dos meses que antecederam
esta “odisseia”, foi-se preparando a frota
de forma a disponibilizar 25 horas por helicóptero para a viagem. Com uma auto-
Q
Helicóptero holandês com a réplica
Alouette III belga
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Voo de formação
nomia de duas horas e meia, todo o percurso foi bem delineado através de troços
de, no máximo, duas horas, permitindo
assim uma flexibilidade maior na escolha
de aeródromos e alternantes. A meteorologia avizinhava-se boa, mas é sempre
uma incógnita.
A epopeia iniciou-se no dia 9 de setembro. Havia que atravessar Portugal, Espanha, França e Bélgica até finalmente alcançarmos os Países Baixos. Seguimos
para Bragança com uma paragem estratégica no Aeródromo de Manobra nº 1, em
Maceda, para reabastecer. Aí, fizemos a
primeira pernoita e foram efetuadas as últimas verificações antes de deixar território
nacional. Até este ponto, as máquinas não
mostravam sinais de preocupação e efetivamente mantiveram-se irredutíveis na sua
prontidão até ao nosso destino final. Apesar dos 51 anos, a resistência do “nosso”
Alouette nunca deixa de surpreender.
Dia 10 de setembro aventuramo-nos por
Espanha, onde foi feita apenas uma paragem de reabastecimento em Burgos. Apesar
da facilidade que é operar em aeródromos
militares, nem sempre é possível encontrá-los ao longo da rota, mas, no caso específico de Burgos, não surgiu qualquer inconveniente. De seguida, partimos para França
com a tão desejada travessia dos Pirenéus.
Como um jovem piloto de helicópteros,
não posso deixar de realçar a importância
deste ponto. Para nós, “helicopteristas”, o
voo de montanha apresenta-se como um
Os dois Alouette III da Força Aérea Portuguesa MAISALTO|7
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desafio e uma paixão e atravessar uma
das cordilheiras mais elevadas da Península Ibérica é sem dúvida um marco a
recordar.
A primeira paragem em França foi em
Mont-de-Marsan, na Base Aérea 118 da
“Armée de l’Air”. Numa base aérea primariamente devota a aeronaves de combate, uma aeronave como o Alouette III
não passa despercebida. De seguida partimos em direção à cidade de Limoges,
onde reabastecemos no Aeroporto de Limoges-Bellegarde. Um pouco por todo o
país gaulês se entende o porquê de se
apelidar a França como o "Mercado da Europa", uma vez que a agricultura intensiva
prevalece mesmo nos mais pequenos terrenos. Esta paisagem, aliada aos inúmeros châteaux, formam um cenário caricato
e muito interessante. Já no último troço do
dia aterramos na Base Aérea 702, de Avord,
para pernoitar.
E eis que o dia 11 de setembro, o dia da
chegada, começou por se anunciar da pior
forma. Os Pod’s de fumos não respondiam
quando testados. De facto, de todos os
equipamentos que poderiam avariar, os
fumos eram aqueles menos importantes.
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Debriefing do voo de formação
Apesar de quando testados em Portugal
não apresentarem qualquer problema, não
estavam agora de acordo com o “clima”
francês. Na pior das hipóteses iríamos sem
fumos. Descolados de Avord, para não
atrasar o plano, aterramos no Aeródromo
de Reims-Prunay em plena terra de Champanhe. Aqui, com algum tempo extra come çou a trabalhar-se nas bombas dos
fumos. De notar que esta seria a última paragem antes da chegada a Gilze-Rijen na
Holanda. Poder-se-à dizer que foi mesmo
a última.
Sucesso!! Temos fumo! E a 10 minutos da
hora de descolagem. Descolamos, saímos
de França e, atravessada a Bélgica, chegamos à Holanda! Em aproximação à pista
de Gilze-Rijen… Fumos… Siga!
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Não contávamos com, mas não poderíamos esperar melhor receção. Toda a comitiva organizadora do evento, nomeadamente membros da 300 Sqd, esperavam-nos,
brindando a nossa chegada com acenos e
palmas. Assim que aterrados, e já com os
motores cortados, fomos presenteados com
a tradição holandesa: arenque cru com cebola e pão e uma aguardente gelada. Apenas os mais corajosos tomaram parte no
peixe, mas todos brindamos ao sucesso da
viagem, à camaradagem e à máquina!
O resto do dia foi passado na admiração dos helis, no confronto de situações
passadas em voo e nas diferenças de operação e manutenção. A Força Aérea Holandesa havia convidado para este evento
operadores militares do Alouette de diferentes países: Portugal, Bélgica, França, Suíça, Áustria, Grécia e Malta, comparecendo
apenas a FAP e a Marinha Belga, sendo
no entanto suficiente para constatar diferenças no que toca a equipamentos e procedimentos de operação com o Alouette.
Uma das poucas coisas que se revelou
inalterável foi a atitude das tripulações e
mecânicos perante a máquina, sendo que
este era um dos pontos que a mim, pessoalmente, me suscitava curiosidade. A forma como o helicóptero é encarado, o carinho que acima mencionei, é o mesmo
seja em Portugal, nos Países Baixos ou na
Bélgica. E especialmente notório quando
se fala no inevitável. Sim, o elefante cor-de-
-rosa não podia ficar de fora... a eminência
do fim de uma frota que marcou tantos.
Para a Força Aérea Holandesa a data já
existe, anunciando o fim do Alouette III a
1 de janeiro de 2016. Os Belgas esperam
conseguir manter até 2021. Mas para todos, a nostalgia é já uma realidade.
12 de setembro, dia oficial da celebração, começou com o briefing matinal, com
especial enfâse ao voo de formação a ser
efetuado entre os três países. Dois Alouette III holandeses, dois portugueses e um
belga. O voo de formação é algo que na
Esquadra 552 cedo assume relevância,
tanto pela doutrina vindoura do passado,
como pela especificidade de algumas missões que são realizadas. Contudo, apesar
da experiência superior que tanto os pilotos belgas como os holandeses possuem,
acima das 3.500 horas de voo todos eles,
este tipo de voo é de longe o menos comum. Acertam-se os detalhes e segue-se
a missão. Porventura, sendo a última oportunidade para um voo do género com tantos intervenientes dispares, era mandatório uma verdadeira reportagem fotográfica
do acontecimento. O voo sobre os Países
Baixos corre na perfeição e com uma paisagem absolutamente fabulosa, uma formação exímia e o ocasional uso de fumos
da nossa parte, permitiu que as objetivas
captassem fotos memoráveis.
Segue-se a festa propriamente dita, num
hangar enorme, completamente decorado
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com toda a História do Alouette III na Força Aérea Holandesa, com destaque especial para as missões SAR, operações militares na Tunísia (1970), Turquia e Iraque
(1991), Croácia (1991), Camboja (1992/
1993) e Bósnia (1996), os voos com a Família Real e também os relacionados com
a Patrulha Acrobática The Grasshoppers.
Estiveram presentes cerca de 600 pessoas
que, de uma forma ou outra, estão ligadas
a esta máquina. Os dois helicópteros da
FAP são um autêntico sucesso, em especial o 19376 com a pintura comemorativa
do nosso 50º aniversário de operação. A festa continua e é preparada uma surpresa,
uma demonstração da Patrulha Acrobática Grasshoppers, com Alouettes telecomandados em tudo fiéis aos originais.
Também à escala e em tudo fidedigno à
pintura holandesa, um pequeno helicóptero voa em formação com o seu par de tamanho real. O convívio continuou noite
dentro ao som da Banda de Música da Força Aérea Holandesa.
Como tudo o que é bom tem de acabar,
e volvido o fim de semana, é tempo de regressar a casa.
Assim, segunda-feira 15 de setembro,
iniciamos a viagem de retorno. Na despe-
dida, as tradicionais trocas de lembranças,
bem como a promessa de antes da frota
holandesa terminar, uma viagem a Portugal estará eventualmente em ordem.
A rota de regresso mantém-se mais ou
menos a mesma até ao último destino do
dia. Após a travessia da Bélgica e França,
pernoitamos na Base dos Pirenéus, na cidade de Pau.
Foi o último dia da viagem inteira, aquele
que mais preocupação acabou por dar. Finalmente, o mau tempo acabou por
nos apanhar e fez sentir-se na travessia dos Pirenéus sob a forma
de forte turbulência. De Pau seguimos para Burgos e daí para Salamanca. Após o almoço e reabastecimento,
prosseguimos para a última paragem antes
da chegada a Beja, na Base Aérea de Talavera. Este troço foi sem dúvida o pior. Chuva torrencial, ventos fortes e uma trovoada,
que parecia não acabar, escoltaram-nos
mesmo até Badajoz.
Já no último troço de todos, a meteorologia acalmou. Entramos em terras Lusas
com o sentimento de que sabe sempre bem
voltar a casa e prosseguimos para a Base
Aérea nº 11, onde toda a nossa “Família”
de Zangões nos esperava. O sucesso da
Vista aérea do evento
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missão foi determinado e ditado por todos.
Os dois Helicópteros Alouette III, 19368
e 19376, foram a voar aos Países Baixos e
regressaram, sem uma única avaria ou
falha. Numa frota com 51 anos isto pode
parecer surpreendente. Só não o é, pelo
inigualável esforço e dedicação da Manutenção da Esquadra 552. Seja qual for o
futuro deste Helicóptero, ficará com toda
a certeza nos Anais da História. Seja pelo
seu inegável contributo à Força Aérea e a
Portugal, seja pela marca que deixa em
cada um de nós.
Os Zangões deixam os Parabéns à Real
Força Aérea Holandesa pelo seu 51º aniversário de operação do Alouette III, bem
como o agradecimento pelo convite.
… "À Máquina!”
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“Isto não é o fim. Não é sequer o princípio do fim. Mas é, talvez, o fim