esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 5 “Isto não é o fim. Não é sequer o princípio do fim. Mas é, talvez, o fim do princípio.” Winston Churchill (dia 9 de novembro de 1942 num discurso em Londres) Texto Capitão PILAV Guilherme “Ciclope” Guerra Fotos Aoo Eric Vorstenbosch A Esquadra 552 Zangões foi convidada, por ocasião do 50º aniversário de operação do Alouette III na Força Aérea Holandesa, a lançar-se numa hercúlea viagem a fim de participar nas celebrações que ocorreram na Base Aérea de Gilze-Rijen, nos Países Baixos, no passado mês de setembro. O Alouette III é operado, a par com o helicóptero Cougar MKII, pela 300 Sqn em determinado tipo de missões, nomeadamente o transporte da família Real Holandesa. O convite, elaborado ainda no início do ano, apanhou completamente de surpresa a Esquadra 552. Em boa verdade sabe-se que já são poucos os operadores militares desta mítica aeronave, mas nunca foi expetável uma celebração de tal forma ambiciosa que nos levasse à Holanda... a Voar! Voo de formação dos helicópteros dos três países esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 6 Chegada à Holanda uem conhece os Zangões sabe bem o carinho que é nutrido por todos os elementos, sejam eles mecânicos, pilotos ou recuperadores-salvadores, pela “Máquina”. Carinho este que se expande pela vida de centenas, senão mesmo milhares de pessoas que ao longo dos nossos 51 anos tiveram o gosto de a ver voar. Desta forma, foi com grande responsabilidade e sentido de missão e, porque não dizê-lo, com imenso orgulho, que todos os preparativos e execução da missão foram ponderados de forma a “levar a bom porto” e em segurança o nome da Força Aérea e de Portugal. Facto: não há memória de um Alouette III da FAP ter ido tão longe a voar. Logo, fomos com dois helicópteros. Ao longo dos meses que antecederam esta “odisseia”, foi-se preparando a frota de forma a disponibilizar 25 horas por helicóptero para a viagem. Com uma auto- Q Helicóptero holandês com a réplica Alouette III belga 6|MAISALTO esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 7 Voo de formação nomia de duas horas e meia, todo o percurso foi bem delineado através de troços de, no máximo, duas horas, permitindo assim uma flexibilidade maior na escolha de aeródromos e alternantes. A meteorologia avizinhava-se boa, mas é sempre uma incógnita. A epopeia iniciou-se no dia 9 de setembro. Havia que atravessar Portugal, Espanha, França e Bélgica até finalmente alcançarmos os Países Baixos. Seguimos para Bragança com uma paragem estratégica no Aeródromo de Manobra nº 1, em Maceda, para reabastecer. Aí, fizemos a primeira pernoita e foram efetuadas as últimas verificações antes de deixar território nacional. Até este ponto, as máquinas não mostravam sinais de preocupação e efetivamente mantiveram-se irredutíveis na sua prontidão até ao nosso destino final. Apesar dos 51 anos, a resistência do “nosso” Alouette nunca deixa de surpreender. Dia 10 de setembro aventuramo-nos por Espanha, onde foi feita apenas uma paragem de reabastecimento em Burgos. Apesar da facilidade que é operar em aeródromos militares, nem sempre é possível encontrá-los ao longo da rota, mas, no caso específico de Burgos, não surgiu qualquer inconveniente. De seguida, partimos para França com a tão desejada travessia dos Pirenéus. Como um jovem piloto de helicópteros, não posso deixar de realçar a importância deste ponto. Para nós, “helicopteristas”, o voo de montanha apresenta-se como um Os dois Alouette III da Força Aérea Portuguesa MAISALTO|7 esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 8 desafio e uma paixão e atravessar uma das cordilheiras mais elevadas da Península Ibérica é sem dúvida um marco a recordar. A primeira paragem em França foi em Mont-de-Marsan, na Base Aérea 118 da “Armée de l’Air”. Numa base aérea primariamente devota a aeronaves de combate, uma aeronave como o Alouette III não passa despercebida. De seguida partimos em direção à cidade de Limoges, onde reabastecemos no Aeroporto de Limoges-Bellegarde. Um pouco por todo o país gaulês se entende o porquê de se apelidar a França como o "Mercado da Europa", uma vez que a agricultura intensiva prevalece mesmo nos mais pequenos terrenos. Esta paisagem, aliada aos inúmeros châteaux, formam um cenário caricato e muito interessante. Já no último troço do dia aterramos na Base Aérea 702, de Avord, para pernoitar. E eis que o dia 11 de setembro, o dia da chegada, começou por se anunciar da pior forma. Os Pod’s de fumos não respondiam quando testados. De facto, de todos os equipamentos que poderiam avariar, os fumos eram aqueles menos importantes. 8|MAISALTO Debriefing do voo de formação Apesar de quando testados em Portugal não apresentarem qualquer problema, não estavam agora de acordo com o “clima” francês. Na pior das hipóteses iríamos sem fumos. Descolados de Avord, para não atrasar o plano, aterramos no Aeródromo de Reims-Prunay em plena terra de Champanhe. Aqui, com algum tempo extra come çou a trabalhar-se nas bombas dos fumos. De notar que esta seria a última paragem antes da chegada a Gilze-Rijen na Holanda. Poder-se-à dizer que foi mesmo a última. Sucesso!! Temos fumo! E a 10 minutos da hora de descolagem. Descolamos, saímos de França e, atravessada a Bélgica, chegamos à Holanda! Em aproximação à pista de Gilze-Rijen… Fumos… Siga! esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 9 Não contávamos com, mas não poderíamos esperar melhor receção. Toda a comitiva organizadora do evento, nomeadamente membros da 300 Sqd, esperavam-nos, brindando a nossa chegada com acenos e palmas. Assim que aterrados, e já com os motores cortados, fomos presenteados com a tradição holandesa: arenque cru com cebola e pão e uma aguardente gelada. Apenas os mais corajosos tomaram parte no peixe, mas todos brindamos ao sucesso da viagem, à camaradagem e à máquina! O resto do dia foi passado na admiração dos helis, no confronto de situações passadas em voo e nas diferenças de operação e manutenção. A Força Aérea Holandesa havia convidado para este evento operadores militares do Alouette de diferentes países: Portugal, Bélgica, França, Suíça, Áustria, Grécia e Malta, comparecendo apenas a FAP e a Marinha Belga, sendo no entanto suficiente para constatar diferenças no que toca a equipamentos e procedimentos de operação com o Alouette. Uma das poucas coisas que se revelou inalterável foi a atitude das tripulações e mecânicos perante a máquina, sendo que este era um dos pontos que a mim, pessoalmente, me suscitava curiosidade. A forma como o helicóptero é encarado, o carinho que acima mencionei, é o mesmo seja em Portugal, nos Países Baixos ou na Bélgica. E especialmente notório quando se fala no inevitável. Sim, o elefante cor-de- -rosa não podia ficar de fora... a eminência do fim de uma frota que marcou tantos. Para a Força Aérea Holandesa a data já existe, anunciando o fim do Alouette III a 1 de janeiro de 2016. Os Belgas esperam conseguir manter até 2021. Mas para todos, a nostalgia é já uma realidade. 12 de setembro, dia oficial da celebração, começou com o briefing matinal, com especial enfâse ao voo de formação a ser efetuado entre os três países. Dois Alouette III holandeses, dois portugueses e um belga. O voo de formação é algo que na Esquadra 552 cedo assume relevância, tanto pela doutrina vindoura do passado, como pela especificidade de algumas missões que são realizadas. Contudo, apesar da experiência superior que tanto os pilotos belgas como os holandeses possuem, acima das 3.500 horas de voo todos eles, este tipo de voo é de longe o menos comum. Acertam-se os detalhes e segue-se a missão. Porventura, sendo a última oportunidade para um voo do género com tantos intervenientes dispares, era mandatório uma verdadeira reportagem fotográfica do acontecimento. O voo sobre os Países Baixos corre na perfeição e com uma paisagem absolutamente fabulosa, uma formação exímia e o ocasional uso de fumos da nossa parte, permitiu que as objetivas captassem fotos memoráveis. Segue-se a festa propriamente dita, num hangar enorme, completamente decorado MAISALTO|9 esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 10 com toda a História do Alouette III na Força Aérea Holandesa, com destaque especial para as missões SAR, operações militares na Tunísia (1970), Turquia e Iraque (1991), Croácia (1991), Camboja (1992/ 1993) e Bósnia (1996), os voos com a Família Real e também os relacionados com a Patrulha Acrobática The Grasshoppers. Estiveram presentes cerca de 600 pessoas que, de uma forma ou outra, estão ligadas a esta máquina. Os dois helicópteros da FAP são um autêntico sucesso, em especial o 19376 com a pintura comemorativa do nosso 50º aniversário de operação. A festa continua e é preparada uma surpresa, uma demonstração da Patrulha Acrobática Grasshoppers, com Alouettes telecomandados em tudo fiéis aos originais. Também à escala e em tudo fidedigno à pintura holandesa, um pequeno helicóptero voa em formação com o seu par de tamanho real. O convívio continuou noite dentro ao som da Banda de Música da Força Aérea Holandesa. Como tudo o que é bom tem de acabar, e volvido o fim de semana, é tempo de regressar a casa. Assim, segunda-feira 15 de setembro, iniciamos a viagem de retorno. Na despe- dida, as tradicionais trocas de lembranças, bem como a promessa de antes da frota holandesa terminar, uma viagem a Portugal estará eventualmente em ordem. A rota de regresso mantém-se mais ou menos a mesma até ao último destino do dia. Após a travessia da Bélgica e França, pernoitamos na Base dos Pirenéus, na cidade de Pau. Foi o último dia da viagem inteira, aquele que mais preocupação acabou por dar. Finalmente, o mau tempo acabou por nos apanhar e fez sentir-se na travessia dos Pirenéus sob a forma de forte turbulência. De Pau seguimos para Burgos e daí para Salamanca. Após o almoço e reabastecimento, prosseguimos para a última paragem antes da chegada a Beja, na Base Aérea de Talavera. Este troço foi sem dúvida o pior. Chuva torrencial, ventos fortes e uma trovoada, que parecia não acabar, escoltaram-nos mesmo até Badajoz. Já no último troço de todos, a meteorologia acalmou. Entramos em terras Lusas com o sentimento de que sabe sempre bem voltar a casa e prosseguimos para a Base Aérea nº 11, onde toda a nossa “Família” de Zangões nos esperava. O sucesso da Vista aérea do evento 10|MAISALTO esq 552 na holanda_Layout 1 05-12-2014 10:57 Page 11 missão foi determinado e ditado por todos. Os dois Helicópteros Alouette III, 19368 e 19376, foram a voar aos Países Baixos e regressaram, sem uma única avaria ou falha. Numa frota com 51 anos isto pode parecer surpreendente. Só não o é, pelo inigualável esforço e dedicação da Manutenção da Esquadra 552. Seja qual for o futuro deste Helicóptero, ficará com toda a certeza nos Anais da História. Seja pelo seu inegável contributo à Força Aérea e a Portugal, seja pela marca que deixa em cada um de nós. Os Zangões deixam os Parabéns à Real Força Aérea Holandesa pelo seu 51º aniversário de operação do Alouette III, bem como o agradecimento pelo convite. … "À Máquina!” MAISALTO|11