MOBILIDADE URBANA E MERCADO DE TRABALHO: DESLOCAMENTOS
PENDULARES E EMPREGABILIDADE NO RIO DE JANEIRO METROPOLITANO
Vitor Mihessen
Daniele Carusi
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Economia - UFF
Orientadora, Professora do PPGE – Universidade Federal Fluminense
RESUMO
O relatório apresenta o escopo da pesquisa cujo objetivo é estabelecer a relação entre a (i)mobilidade urbana e o
desemprego por desalento. Defende-se que os problemas com a qualidade da oferta e o alto custo do serviço
público de transporte urbano possam ajudar a explicar a baixa taxa de participação na economia verificada na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Embasada pela teoria dos custos de busca e por dados do CENSO 2010,
a presente proposta busca, através da abordagem econométrica sugerida, definir que características
socioeconômicas fazem com que os trabalhadores deixem de procurar e/ou ofertar trabalho no mercado, em
função do tempo perdido com o deslocamento. Ao que se indica, os jovens das camadas mais carentes, em
especial os que já têm filhos representam o grupo mais vulnerável, sendo afetados de forma mais premente pela
falta de acessibilidade ao mercado de trabalho urbano, muitas vezes optando pela informalidade.
1. PROPOSTA DE PESQUISA
A problemática da mobilidade urbana fluminense é uma questão metropolitana, tendo em
vista que dos quase 16 milhões de habitantes do Estado, 74% residem na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e quase 55% destes trabalham no município do Rio,
segundo o IBGE. Por ser a unidade da federação mais metropolitana do país, o forte fluxo de
pessoas entre as áreas periféricas e o centro da capital, torna a questão da mobilidade urbana
crucial para se discutir o mercado de trabalho e o desenvolvimento da região.
O objetivo da presente proposta de pesquisa é verificar de que modo as privações em termos
de locomoção interferem na participação do cidadão no mercado de trabalho da RMRJ. A
hipótese que está por trás desta análise é a de que os custos de mobilidade dos trabalhadores
mais jovens e de classes mais baixas podem estar sendo proibitivos, em termos de tempo e
dinheiro, dificultando a alocação destes perfis dentro do mercado de trabalho.
O tempo gasto no trânsito, portanto, pode ser um fator importante para explicar a baixa taxa
de participação dos jovens na economia e o alto índice de desemprego por desalento
encontrado em pesquisas realizadas recentemente no país. O dispêndio com transporte pode se
tornar proibitivo tanto em termos monetários quanto quando relativo ao uso do tempo livre
por parte das famílias. Tal fato torna a tanto a busca por um emprego, como a manutenção de
um vínculo já existente, onerosas e, diante de determinadas circunstâncias, impraticáveis.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Para estudar a relação da economia regional e urbana com mercado de trabalho, a literatura
parte desde fundamentos da teoria dos mercados assimetria informacional, até as teorias de
desemprego, (Mortensen, 1984; Pissarides,1990), as quais defendem que tais falhas de
mercados conduzem ao desencontro entre candidatos e empregadores, ou mismatch. Assim, a
teoria da busca por emprego, job search, objetiva explicar o desemprego em uma economia
onde candidatos e contratantes têm informações incompletas sobre o mercado de trabalho.
Segundo a mesma, o trabalhador não está informado sobre as possibilidades reais de emprego
(e salário), o que gera dispêndio e tempo para alcançar a melhor oferta. O que ocorre de fato é
que quando o trabalhador fica desempregado, ele decide qual distância – ou quanto tempo de
deslocamento – ele estará disposto a encarar tanto na busca quanto no cotidiano futuro, caso
venha a ser admitido. E nesse sentido, a teoria tornou-se uma valiosa ferramenta para a
pesquisa teórica e empírica em economia do trabalho urbana por introduzir ‘fricções
espaciais’ como os custos pendulares e as escolhas de locais de moradia e trabalho dentro de
um cenário de assimetrias (search costs and matching), no processo de busca por emprego.
Os autores entendem que a partir de tal análise é possível explicar os determinantes da
estrutura espacial urbana, a escolha dos meios de transporte e a segregação geográfica que
envolvem o mercado de trabalho formal e informal. Dessa forma, os estudos sobre o
commuting, o deslocamento para o trabalho principal, estão relacionados à expansão das
aglomerações urbanas, dado o descompasso entre o processo de redistribuição da população e
a disposição das atividades econômicas na geografia urbana, evidenciando as interações
espaciais que ali existem e o distanciamento entre as áreas residenciais e a centralidade das
ofertas de emprego nas cidades.
Nesta literatura mais específica, existem duas principais vertentes que constituem o chamado
‘Paradoxo do Deslocamento’ (the Commuting Paradox), que trava o debate sobre a existência
de equilíbrio entre os dispêndios com habitação e com o transporte por parte das famílias. Na
visão clássica, que defende a equalização dos gastos (Van den Berg, 1996; Rouwendal, 1998;
Van Ommeren, 2010), os valores pagos em aluguéis residenciais e o custo do tempo de
deslocamento incorrido pelos trabalhadores são compensados simultaneamente em termos de
salário-hora, de modo que a utilidade dos indivíduos se mantém constante. A principal
hipótese feita é a de que não há custos para a realocação de nenhum dos dois fatores, a
decisões de mudar de emprego ou mudar de residência estão intimamente relacionadas e
podem ser tomadas a qualquer instante. Os agentes seriam, portanto, homogêneos.
A outra vertente defende a ótica de que a mobilidade urbana implica em custos proibitivos
para alguns perfis de contingentes e que devem ser levados em consideração (Cervero, 2002;
Crane, 2007; Frey, 2008). Nesta linha, ao contrário da anterior, entende-se que o mercado
imobiliário não está acessível a todos e não somente a restrição orçamentária como também o
custo de oportunidade de ofertar mão-de-obra são decisivos em termos de margem extensiva e
intensiva no mercado de trabalho. São levantadas questões relativas ao bem-estar dos
trabalhadores como, por exemplo, sobre o uso do tempo por parte das famílias e sobre as
características socioeconômicas dos indivíduos enquanto determinantes para a participação na
força de trabalho e na disposição para perder horas no trânsito até o local de trabalho.
No Rio de Janeiro a visão alternativa ganha fundamento, haja vista a especulação imobiliária
e o déficit habitacional presentes na região metropolitana (IPPUR, 2001; IPEA, 2010, 2013) e
seu sistema de transporte urbano (Balassiano, 2011; Mihessen e Pero, 2012), que oferecem
tanto barreiras à entrada no mercado imobiliário como também à livre mobilidade dos
cidadãos. A segregação dita socioespacial é simbolizada pela favelização de áreas estratégicas
em termos de locomoção e pela expulsão de contingentes populacionais de baixa renda para
bairros e municípios distantes das zonas de atração de emprego, que concentram a renda no
Estado (Abreu, 2006; ITRANS, 2004; Gomide, 2006).
3. METODOLOGIA
Depois da resenha teórica e empírica, serão levantados e apresentados os dados sobre o tempo
de deslocamento da residência até o local de trabalho e sua relação com a oferta de trabalho
nas metrópoles, através de medidas como a taxa de participação, com recortes de renda
domiciliar per capita, salário, escolaridade, posição na ocupação e informalidade, entre outros.
Também será analisada a situação específica dos jovens, uma vez que a Região Metropolitana
do Rio de Janeiro apresenta um dos maiores percentuais de jovens que não trabalham nem
estudam, os popularmente conhecidos como “nem-nem”.
Diante disso, a escolha do modelo se faz em função da apresentação das variáveis na amostra
do CENSO de 2010, do IBGE. Única pesquisa oficial em que se permite alcançar o recorte
geográfico dos bairros da capital e dos municípios do entorno, através das áreas de
ponderação, ela apresenta pela primeira vez em sua história, dados referentes ao tempo de
deslocamento casa-trabalho, que se configura como a variável dependente, a ser explicada.
A variável é captada através de cinco faixas de tempo: Faixa 1 - Até 05 minutos; 2 - De 06
minutos até meia hora; 3 - Mais de meia hora até uma hora; 4 - Mais de uma hora até duas
horas; 5 - Mais de duas horas. Para a proposta, será utilizado o ponto médio das categorias,
medido em minutos. A começar por quem trabalha em casa, que ganha o valor 0, e em
seguida, pessoas com 15, 45, 90 e 135 minutos gastos na ida ao trabalho, será obtido o tempo
médio de deslocamento. Assim, a sugestão é utilizar o modelo Multinomial Logístico, que irá
determinar a razão de chance de um individuo cair numa ou noutra média de tempo.
Outra forma de análise será a criação de uma variável binária, dummy, que possui valor igual
a 1 se o indivíduo gasta mais de uma hora para chegar ao trabalho e, igual a 0, caso contrário.
A partir daí, serão feitas algumas análises de quais fatores explicam a probabilidade do tempo
de deslocamento ao trabalho superar os 60 minutos. Nesta parte, a estimação será feita através
do modelo Probit. Em suma, mede-se a chance de o trabalhador passar mais de uma hora no
trânsito, em função de suas características pessoais.
Através das variáveis socioeconômicas selecionadas será traçado o perfil de quem se dispõe a
encarar longas horas de espera para dar início à sua jornada de trabalho diária. Salienta-se o
fato de que esses grandes deslocamentos podem servir de referência também para aqueles que
possuem características pessoais semelhantes, incentivando os desempregados e os
economicamente inativos a permanecerem fora do mercado de trabalho.
Neste sentido, na segunda parte da análise empírica, será analisado o efeito do tempo de
deslocamento, ou melhor, da distância e do custo de deslocamento, sobre a oferta de trabalho.
A modelagem econométrica ainda está sendo estruturada tendo em vista que há um problema
relativo à variável ‘tempo de deslocamento’, pois ela só encontra-se no banco de dados para
pessoas que trabalham. Para estimar o efeito deste custo sobre a participação no mercado de
trabalho, a ideia é imputar valores para aquelas pessoas que estão desempregadas e inativas.
Uma primeira alternativa a ser testada é imputar o valor da média de tempo de deslocamento,
com base na região de moradia ou sobre o vetor de características individuais e uma segunda
alternativa, ainda a ser analisada, é estimar simultaneamente, a probabilidade do tempo de
deslocamento e a participação no mercado de trabalho, tendo em vista que uma afeta a outra
simultaneamente.
4. RESULTADOS
Os resultados preliminares corroboram a literatura e indicam a significância estatística para as
variáveis de gênero e para a maternidade, indicando que as mulheres se deslocam menos que
os homens e aquelas que são mães, menos ainda. Quanto à cor e raça, têm-se negros gastando
mais tempo no transporte quando comparados a brancos, e ocupando faixas de média mais
altas, medidas em minutos. Mesma tendência têm os jovens, mas o quadrado da idade indica
que há uma faixa etária em que a disposição para encarar longas jornadas diminui. A
escolaridade ainda apresenta resultados ruins nos testes de significância.
As variáveis explicativas relacionadas ao mercado de trabalho indicam que os donos dos
maiores salários levam de fato menor tempo no trânsito e aquelas categorias ocupacionais que
têm mais margem para decidir pela localização de seu trabalho, como os empregadores, os
conta-própria e os sem carteira, têm médias mais baixas, assim como é menor a probabilidade
destes gastarem mais de uma hora em seu deslocamento diário, frente aos empregados com
carteira assinada, funcionários públicos e militares.
Com estes resultados, pode-se perceber que o tempo de deslocamento é encarado como um
fardo, o que pode gerar desalento para aqueles que pensam em oferecer sua força de trabalho
no mercado ou ainda, um incentivo à informalidade, tão presente na juventude fluminense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abreu, M. (2006). Evolução urbana do Rio de Janeiro. IPP – Rio de Janeiro.
Balassiano, R (2011). Estudo 22: Mobilidade Urbana Metropolitana – PIS - Perspectivas dos Investimentos
Sociais no Brasil – Cedeplar/UFMG. Belo Horizonte.
Gomide, A. (2006). Mobilidade urbana, iniquidade e políticas sociais. Boletim de políticas sociais:
acompanhamento e análise. Fevereiro de 2006 – IPEA. Brasília.
IPEA (2010) – Evolução das despesas com habitação e transporte público nas Pesquisas de Orçamentos
Familiares (POF): análise preliminar - 2002-2009. Com 69. IPEA – Brasília.
______.(2013) – Estimativas do déficit habitacional brasileiro (2007-2011) por municípios (2010). Brasília-DF.
ITRANS (2004) - Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte. Mobilidade e Pobreza: Relatório
Final. Brasília.
Mihessen, V. e Pero, V. (2012) – Mobilidade Urbana e pobreza no Rio de Janeiro. BNDES e ANPEC: Working
Paper 46. Rio de Janeiro.
Mortensen, D. (1984) – job search and labor market analysis. Discussion paper, nº 594.
Ommeren, J. (2010) - Labour supply and commuting. – Faculty of Economics – Free University of Amsterdam,
Netherlands.
Pissarides, C. (1990). Equilibrium unemployment theory. Mit-press, Cambridge. Massachusetts.
Rouwendal, J. (1998) - Search theory, spatial labor markets, and commuting. - Department of Spatial
Economics, Free University of Amsterdam. Netherlands.
Van den berg, G. (1996) - Job search and commuting time. – Serie research memoranda – Universiteit
Amsterdam, Netherlands.
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