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Rigidez Nominal dos
Salários e Equilíbrio com
Desemprego Involuntário:
Keynes e a “síntese
neoclássica”* 1
NOMINAL INFLEXIBILITY OF WAGES AND
EQUILIBRIUM WITH INVOLUNTARY
UNEMPLOYMENT: KEYNES AND THE
“NEOCLASSICAL SYNTHESIS”
Resumo Este artigo pretende discutir até que ponto a afirmação de Keynes, quanto
a situação normal do capitalismo ser de um equilíbrio com desemprego involuntário,
depende da hipótese de que os salários são rígidos. Como se pretende mostrar, a análise keynesiana do emprego não depende de tal hipótese, como afirma a síntese
neoclássica. Na verdade, o cerne da crítica de Keynes ao que ele chamava de “teoria
clássica do emprego” é que ela não leva em conta as repercussões da demanda efetiva
sobre o nível de emprego.
Palavras-chave DESEMPREGO – DEMANDA EFETIVA – TEORIA KEYNESIANA DO
EMPREGO – RIGIDEZ NOMINAL DOS SALÁRIOS – SÍNTESE NEOCLÁSSICA.
Abstract This article aims to discuss how far Keynes’s statement that the normal situation of capitalism is one of equilibrium with involuntary unemployment depends
on the hypothesis that salaries are inflexible. As this article intends to show, the Keynesian analysis of employment does not depend on the theory that salaries are inflexible, as the neoclassical synthesis asserts. As a matter of fact, the essence of Keyne’s
criticism to what he called “classical theory of employment” is that it does not take
into account the effects of effective demand on the level of employment.
Keywords UNEMPLOYMENT – EFFECTIVE DEMAND – KEYNESIAN THEORY OF EMPLOYMENT – NOMINAL INFLEXIBILITY OF SALARIES – NEOCLASSICAL SYNTHESIS.
1* Versão modificada do trabalho de conclusão da disciplina HO112/A-Macroeconomia, ministrada pelo
prof. dr. Mariano Laplane e pelo prof. dr. Otaviano Canuto, do curso de Doutorado em Economia do IEUnicamp.
impulso nº 30
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VALDIR IUSIF DAINEZ
Universidade Metodista de
Piracicaba (UNIMEP)
[email protected]
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It is astonishing what foolish things one can temporarily believe if one
thinks too long alone, particularly in economics (along with the other
moral sciences), where it is often impossible to bring one’s ideas to a
conclusive test either formal or experimental.2
JOHN MAYNARD KEYNES
INTRODUÇÃO
D
esde meados dos anos 70, quando se esgota o padrão de desenvolvimento3 que possibilitou a Era de Ouro do desenvolvimento capitalista do imediato pós-guerra, o cenário internacional é marcado por crises, alternadas a períodos curtos de expansão com taxas de crescimento bastante modestas. Paralelamente a esse cenário de amortecimento da
acumulação capitalista, houve um crescimento das taxas de
desemprego na maioria dos países capitalistas.
O recrudescimento das taxas de desemprego tem suscitado análises
que recomendam a flexibilização dos salários como forma de se restabelecer
o pleno emprego nas economias capitalistas. Muitos economistas têm afirmado que tais propostas de flexibilização do mercado de trabalho ignoram a
revolução na teoria econômica operada por Keynes, de tal forma que o debate atual é muito parecido com aquele dos anos 30 entre Keynes e Pigou.
Essa afirmação só em parte, porém, é verdadeira.
Muito da pertinência do argumento de que a flexibilização dos salários
poderia restabelecer o pleno emprego se apóia numa determinada leitura da
teoria de Keynes, conhecida como síntese neoclássica. Segundo tal leitura, a
análise de Keynes nada mais seria do que um caso particular da teoria clássica
em que existe rigidez no mercado de trabalho. Em outras palavras, a
argumentação de Keynes de que o desemprego é um fenômeno normal do
funcionamento do capitalismo está sustentada na existência de salários nominais rígidos. Dessa forma, se fosse possível flexibilizar os salários, poderia
se restabelecer o “mundo clássico”, no qual a situação normal do capitalismo
é de um estado de permanente pleno emprego.4
Este artigo pretende discutir até que ponto a afirmação de Keynes, de
que a situação normal do capitalismo é a de equilíbrio com desemprego involuntário, depende da hipótese de que os salários são rígidos.
I
Até a Grande Depressão de 1929/1933, a teoria econômica dominante,
tanto em sua versão clássica como na neoclássica, sustentava que, numa eco2 “É espantoso em que coisas tolas se pode acreditar temporariamente quando se pensa sozinho por muito
tempo, particularmente em economia (bem como nas outras ciências morais), em que muitas vezes é impossível submeter as idéias que se tem a um teste conclusivo formal ou experimental” (KEYNES, 1991, prefácio,
pp. VII e VIII).
3 Sobre o conceito padrão de desenvolvimento ou modo de regulação, cf. AGLIETTA, 1979.
4 Cf. MINSKY, 1975.
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nomia de laissez faire, desde que os salários fossem
flexíveis, não haveria possibilidade de desemprego,
senão como um fenômeno friccional e, portanto,
passageiro. Keynes, ao escrever “A Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda”, em 1936,5 procurava mostrar que a economia capitalista estava sujeita não só a ocorrência de desemprego involuntário
como a permanecer nessa situação por um período
considerável.
Segundo Keynes, a teoria clássica do emprego
– na verdade, Keynes se refere aos neoclássicos – estava alicerçada sobre a idéia de que o volume de emprego é fixado pelo ponto de intersecção entre as
curvas de oferta e demanda por emprego.6 A oferta
de trabalho é determinada pela relação entre a “utilidade marginal do trabalho” e a “desutilidade marginal do trabalho”. Em outras palavras, o trabalhador aceita trabalhar mais até o ponto em que a desutilidade resultante de um aumento de horas de
trabalho (ou seja, o incômodo ou a insatisfação resultante do aumento do trabalho) não ultrapasse ou
mesmo iguale a utilidade marginal do salário (ou seja, a satisfação resultante do acréscimo de salário).
Dessa forma, a oferta de trabalho é função de
seu preço de tal forma que ela aumenta ao se elevar
os salários e diminui ao se baixar os salários. A demanda por trabalho, ao seu turno, é determinada
pela “produtividade marginal do trabalho”, isto é, as
empresas contratam trabalhadores até o ponto em
que o produto gerado por um montante adicional
de trabalho não se torne inferior ou igual ao custo
desse trabalho para a empresa. Dessa forma, a demanda por trabalho é função inversa de seu preço
de tal modo que ela cresce ao se baixar os salários e
diminui ao se elevar os salários.
O estado tendencial de pleno emprego e com
plena utilização de capacidade produtiva pode ser
explicado como se segue. Se ocorrer uma insuficiência na oferta de trabalho em relação ao estoque de
capital, os salários se elevam, o que estimula a substituição de trabalho por capital e impede o aparecimento de capacidade produtiva ociosa. Se ocorrer
um excesso de força de trabalho em relação ao es-
toque de capital, os salários baixarão, estimulando a
substituição de capital por trabalho. O equilíbrio é
assim estabelecido quando as modificações dos preços equalizarem as utilidades marginais aos preços.
Visto isso, se o volume de emprego efetivamente vigente – aquele determinado pelo ponto em
que a utilidade do produto marginal se iguala à desutilidade do emprego marginal – não for o volume
de pleno emprego, isso poderá ser explicado por
dois fatores: pela ocorrência de fricções ou pela recusa dos trabalhadores em aceitar trabalhar pelo salário vigente.7
Para Keynes, porém, essa não é uma explicação satisfatória. Aceitando o primeiro postulado da
teoria clássica, de que o salário é igual ao produto
marginal do trabalho, ele se esforça por negar a validade do segundo postulado. Para tanto, sua
argumentação se desenvolve no sentido de mostrar
que a oferta de trabalho na teoria clássica é postulada como uma função dos salários reais, e não dos
nominais. No entanto, o que se observa é que os
trabalhadores normalmente fixam suas exigências
em torno de um mínimo de salário nominal, e não
de salário real. Dessa forma, embora os trabalhadores resistam obstinadamente diante de uma pequena
redução dos salários nominais, eles não costumam
pedir demissão ante a um aumento dos preços dos
bens de consumo.8
Adicionalmente, os salários reais, que são o
que importa na determinação da oferta de trabalho,
não são determinados pelos trabalhadores. Os trabalhadores, isoladamente, ou por meio dos sindicatos, fazem suas exigências em termos de salários nominais. O que vai determinar os salários reais, assim,
é o nível de preços. Como a teoria clássica do emprego é uma teoria do equilíbrio parcial,9 ela não
pode determinar os salários reais, que dependem do
nível de preços determinado exogenamente ao mercado de trabalho. Por fim, porém não menos importante, como a hipótese do comportamento da
firma está moldada pelo método do equilíbrio parcial, apenas os impactos microeconômicos das
7
Ibid.
Ibid.
A teoria clássica do emprego é uma teoria de equilíbrio parcial na medida
em que aborda o mercado de trabalho isoladamente.
8
5
6
KEYNES, 1991.
Ibid.
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9
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variações dos salários são levados em conta, vale dizer, os salários são vistos aqui apenas como componentes do custo das empresas. Os impactos
macroeconômicos das variações dos salários sobre a
demanda agregada são desprezados pela análise clássica.10
A partir dessa constatação, Keynes poderia
propor uma análise do equilíbrio geral para a
determinação do nível de emprego. No entanto: “O
‘equilíbrio’, diz o próprio Keynes, ‘é bobagem’. Referia-se ele ao equilíbrio de Ricardo e de Marshall, da
tradição clássica, estável, auto-regulador, automático, ótimo e garantidor do pleno emprego”.11 Keynes prefere, assim, substituir a equação faltante na
análise clássica do emprego por uma teoria da demanda agregada. Ao determinar os próprios preços
(inflação keynesiana) e o nível de produção, a demanda agregada determinaria por extensão os salários reais e o nível de emprego.
A partir da crítica à teoria clássica do emprego, desenvolvida no capítulo II, de A Teoria Geral,
Keynes passará a expor a sua própria teoria. Segundo Keynes, dadas certas condições técnicas e de custos de fatores por unidade de emprego, o volume de
emprego agregado depende do volume de produção, o qual depende do montante de receitas que os
empresários esperam receber da correspondente
produção. Os empresários esforçam-se para fixar
um volume de emprego no nível que torne máxima
a diferença entre receita e custos de fatores. O volume de emprego, assim, vai depender das expectativas do empresário.
O nível de produção e emprego em que as expectativas de lucros dos empresários serão maximizadas é o ponto que corresponde à intersecção entre
as funções de oferta e demanda agregada. A esse
ponto Keynes dá o nome de demanda efetiva. Essas
duas funções, calculadas em termos de valor adicionado, são positivamente inclinadas e podem ser assim explicadas: a função de oferta agregada é o retorno desejado ou esperado do emprego de N ho-
mens; ao passo que a função de demanda agregada
corresponde às estimativas de demanda agregada
das empresas. Dessa forma, como ambas as funções
são avaliações subjetivas, cabe concluir que o volume de emprego efetivamente oferecido depende das
expectativas dos empresários.12
É importante compreender que o volume de
produção e emprego decidido pelos empresários
pode não corresponder ao pleno emprego, e, segundo Keynes, na maioria das vezes, ele não assegura o
pleno emprego. Uma das razões que explicam o
fato de o volume de produção decidido não corresponder ao de pleno emprego está em que parte da
renda gerada pela produção não é efetivamente gasta em consumo e em investimento. O consumo
nunca é igual à renda, porque a propensão média e
marginal a consumir nunca são iguais à unidade.
Quanto ao investimento, veremos por que ele não
necessariamente se eleva no montante necessário
para cobrir o hiato entre renda agregada e consumo.
A existência de desemprego involuntário, no
entanto, pode corresponder a uma posição de equilíbrio. Na visão de Keynes, se os empresários, por
mero acaso, anteciparam corretamente as funções de
oferta e demanda agregada, eles estarão em equilíbrio. Nada, porém, permite afirmar que se trata de
um equilíbrio de pleno emprego. O conceito de
equilíbrio em A Teoria Geral corresponde a expectativas satisfeitas; mas trata-se de um equilíbrio instável, que, para utilizar a imagem sugerida por Shackle, “pode se alterar tão rapidamente, tão completamente e por uma tão leve provocação como o instável e efêmero mosaico do caleidoscópio”.13
Uma diferença essencial entre a teoria de
Keynes e a teoria clássica do emprego é que ele afirma que o volume de emprego depende das decisões
dos empresários, ou, em outros termos, que as expectativas formadas sobre incerteza são o elemento
determinante do produto e do emprego. Essas decisões, por sua vez, são de dois tipos: aquelas concernentes à decisão de utilizar ou não o equipamento de capital já existente e aquela relativa às decisões
10
12
II
11
AMADEO, 1988.
SHACKLE, 1969, p. 59.
96
13
KEYNES, 1991; e CHICK, 1993.
SHACKLE, 1969, p. 60.
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dos empresários quanto à forma objetiva de valorização da riqueza existente.14
As decisões sobre produzir ou não e sobre o
volume de produção (a taxa de utilização da capacidade produtiva instalada) dependem das expectativas de curto prazo dos empresários quanto ao comportamento da demanda efetiva. Tais expectativas
de curto prazo, embora envolvam um grau acentuado de incerteza sobre o futuro, são, em geral, formadas em bases convencionais. Normalmente, os
empresários formam suas expectativas levando em
conta a experiência passada (nível de vendas, taxa de
lucro, custos) e admitindo que tal estado dos negócios permanecerá indefinidamente, até que eles tenham razões mais ou menos objetivas para esperar
que mude.15 Esse tipo de procedimento convencional é possível, na medida em que as decisões de curto prazo podem ser revistas ou adaptadas à nova realidade cada vez que se torne necessário.
As expectativas de longo prazo, relativas à
forma de valorização da riqueza, possuem também
um componente convencional, como o acima discutido. Porém, a possibilidade desse tipo de convenção requer pelo menos uma condição: a relativa estabilidade do contexto em que as expectativas se
formam. Se o ambiente em que as expectativas se
formam for instável, a convenção será quebrada e os
empresários terão de formar suas expectativas de
outras maneiras. Nesse caso, normalmente os capitalistas adotarão uma postura defensiva, até que o
critério convencional anterior, ou um novo critério
convencional, se imponha.16
O critério convencional, entretanto, não esgota os critérios que governam as expectativas de
longo prazo. Estas contêm um componente subjetivo, o qual justifica sua maior volatilidade em face
das expectativas de curto prazo e é fundamental
para explicar as flutuações bruscas e violentas do investimento. A esse componente não convencional
das expectativas de longo prazo Keynes denominou
estado de confiança.17 É por meio do estado de confiança que a incerteza, enquanto incalculável, afeta
14
15
16
17
KEYNES, 1991.
Ibid.
POSSAS, 1993.
KEYNES, 1991.
impulso nº 30
as expectativas de longo prazo. Na medida em que
o futuro é incerto e incalculável, qualquer modificação no estado de confiança pode conduzir a violentas flutuações do investimento e, em conseqüência,
do emprego.
Uma vez que as decisões de investimento são
determinadas pela relação entre a eficiência marginal
do capital (taxa de lucro prevista) e a taxa de juros
(entendida aqui como o retorno esperado dos vários tipos de ativos, e não somente dinheiro), o estado das expectativas de longo prazo afeta o investimento tanto por sua influência sobre a eficiência
marginal do capital como também por sua ascendência sobre as taxas de juros (motivo especulação).
Como frisou Minsky, num mundo acostumado aos
hábitos financeiros capitalistas, a incerteza é o principal determinante da evolução do emprego e da
renda.18
III
Em reação à crítica de Keynes à “teoria clássica” do emprego, Hicks publicou, em 1937, um artigo19 em que, com inteira razão, afirma que a teoria
chamada por Keynes de teoria clássica do emprego
é na verdade a teoria do emprego de Pigou, relativamente recente (pois publicada nos anos 30). Partindo dessa constatação, ele propõe “construir”
uma verdadeira teoria clássica do emprego, a fim de
compará-la com a de Keynes. Mais que isso, Hicks
propõe uma síntese entre a teoria clássica e a de
Keynes, afirmando que essa última nada mais é que
um caso particular da teoria “clássica” – muito mais
geral do que a de Keynes –, em que a demanda por
moeda depende da taxa de juros, mais especificamente, advém do motivo especulação.
Na verdade, porém, ao procurar formalizar a
teoria de Keynes num modelo de equilíbrio parcial,
Hicks comete um reducionismo inaceitável e um
abastardamento dessa teoria. Reducionismo, uma
vez que a síntese da teoria geral nada mais é que uma
formalização do capítulo 18 de A Teoria Geral, em
que, por simplificação, Keynes supõe que os salários
nominais são rígidos e que oferta de moeda é dada.
18
19
MINSKY, 1982.
HICKS, 1937.
97
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Abastardamento, na medida em que ele introduz
certas modificações e simplificações inaceitáveis na
teoria de Keynes. Uma delas, como já referida, é supor que a demanda por moeda depende somente do
motivo especulação; a segunda é introduzir a taxa de
juros ao lado da renda na função poupança (na verdade, na função consumo, de Keynes), alegando
“elegância matemática” e para tornar a teoria de
Keynes “realmente geral”; por fim, implicitamente,
ao eliminar do cálculo capitalista o estado de confiança, supondo que as expectativas se formam apenas
de maneira convencional.20
A sugestão de Hicks para o que ficou conhecido como síntese neoclássica (ou modelo IS-LM)
foi levada a cabo por Modigliani.21 Partindo do caminho sugerido por Hicks, Modigliani coloca a teoria de Keynes num modelo de equilíbrio econômico geral simplificado com quatro mercados: o de
bens de consumo, o de bens de investimento, o
mercado monetário e o mercado de trabalho.
O resultado do modelo proposto por Modigliani é que a existência de desemprego involuntário
não é o produto da operação econômica normal do
sistema, mas uma anomalia surgida em função de
pelo menos uma imperfeição no funcionamento de
algum dos mercados. Mais explicitamente, só há desemprego involuntário quando existe um mal funcionamento no mercado de trabalho, de tal sorte
que a conseqüência desse mal funcionamento resulte em rigidez dos salários nominais – e/ou do mercado monetário –, ou seja, quando a economia atinge a chamada “armadilha de liquidez”.22
Desse modo, a possibilidade de equilíbrio
abaixo do pleno emprego, ou equilíbrio com desemprego involuntário, fica restrita à existência de
dois tipos de rigidez: dos salários nominais a baixa
ou da taxa de juros a baixa.
A conclusão de Modigliani é de que a teoria
de Keynes seria um caso específico da teoria clássica, em que pelo menos um dos mercados não está
funcionando perfeitamente. No entanto, como na
realidade econômica o caso estudado por Keynes é
o mais freqüente, ele se torna do ponto de vista da
prática de política econômica mais importante. A
Teoria Geral, desse ponto de vista, se tornaria uma
espécie de manual de política econômica. Da óptica
teórica, no entanto, o modelo clássico (na verdade,
neoclássico) de equilíbrio econômico geral é mais
importante, porque mais geral, inclusive comportando o “caso Keynes” como particular.23
O próprio Hicks, contudo, num artigo publicado em 1980-1981, no Journal of Post-Keynesian
Economics, reconheceria as limitações do modelo
IS-LM. A sua conclusão neste artigo é a seguinte:
“Em conseqüência, concluo que a análise IS-LM somente sobreviverá como algo útil – como algo mais
que um truque de sala de aula, que será substituído
depois por algo melhor – se aplicado a uma classe
particular de análise causal, onde o uso de métodos
de equilíbrio, até mesmo um uso drástico de métodos de equilíbrio, não é inadequado”.24
Não deixa de ser tentador aceitar a conclusão
de Possas: “Em suma, converteu-se – sem qualquer
exagero – a demanda efetiva a um ‘caso particular’
de uma concepção ‘mais geral’ que também comporta a lei de Say!”.25
IV
Como afirmamos há pouco, a síntese
neoclássica é uma formalização do capítulo 18 de A
Teoria Geral, de Keynes, em que, entre outras coisas, ele supõe que os salários nominais são rígidos. É
nos capítulos 19 a 21, porém, que Keynes generaliza
o modelo proposto no capítulo 18, inclusive incluindo salários nominais e preços flexíveis. Seria interessante agora examinar, à luz desses capítulos, especialmente do capítulo 19, quais as conseqüências do
abandono da hipótese de que os salários nominais
são um parâmetro dado.
Nesse sentido, Keynes argumenta que a
suposição da teoria clássica de que uma redução dos
salários nominais aumenta o emprego depende da
hipótese de que essa redução dos salários não tem
reflexos sobre a demanda efetiva agregada. Segundo
ele, ninguém negaria que uma redução dos salários
23
20
21
22
Ibid.
MODIGLIANI, 1944.
Ibid.
98
Ibid.
HICKS, 1984, p. 228.
POSSAS, 1987, p. 68. Sobre a “lei de Say”, segundo a qual “a produção
cria sua própria demanda”, cf. MIGLIOLI, 1991.
24
25
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nominais, seguida de uma demanda efetiva agregada
idêntica ao patamar anterior, aumentaria o nível de
emprego. No entanto, a questão fundamental reside
exatamente em analisar se a redução dos salários nominais será ou não acompanhada de uma demanda
efetiva igual à anterior, ou que pelo menos não tenha sofrido uma redução proporcional.26
Segundo Keynes, o nível de emprego depende da demanda efetiva medida em unidade de salários. Se, com uma demanda efetiva dada, os empresários oferecessem um volume maior de emprego,
seus rendimentos seriam inferiores ao preço de
oferta. Como a demanda efetiva é igual à soma do
consumo esperado mais o investimento provável, as
modificações na demanda efetiva dependerão das
modificações na eficiência marginal do capital, na
taxa de juros e na propensão a consumir.27 Assim,
para avaliar corretamente se uma redução dos salários nominais pode ou não afetar o volume de emprego é necessário analisar o seu impacto sobre esses três componentes da demanda efetiva.
Com relação ao impacto de uma redução dos
salários sobre a propensão a consumir, Keynes nos
diz que ela provavelmente será negativa para o nível
de emprego. Aqui cabe distinguir duas situações.
Na primeira, se uma redução dos salários gerar alguma pequena queda dos preços, haverá uma redistribuição da renda dos assalariados para os outros
fatores de produção e dos empresários para os rentistas (aqueles que possuem algum tipo de rendimento fixo em termos monetários). Embora os
efeitos sobre a propensão a consumir da redistribuição de renda dos empresários aos rentistas sejam de
difícil previsão, a dos trabalhadores a outros fatores
de produção terá o efeito de reduzir a propensão a
consumir, já que Keynes supõe que eles possuem
uma propensão marginal a consumir menor que a
dos trabalhadores. Na segunda situação, se uma redução dos salários não alterar os níveis de preços,
haverá uma redistribuição da renda em favor dos
empresários, que terá por conseqüência também
uma queda da propensão a consumir, uma vez que
os empresários possuem uma propensão marginal a
consumir menor que os trabalhadores.28
O impacto da redução dos salários nominais
sobre a eficiência marginal do capital e, portanto, sobre o investimento é incerto, pois depende das expectativas dos empresários. Se eles esperam que, ceteris paribus, a redução dos salários nominais hoje
em dia seja uma redução relativamente aos salários
nominais no futuro, o efeito será favorável sobre o
investimento, pois aumentará a eficiência marginal
do capital. Se os empresários, no entanto, esperam
que a redução no presente seja seguida por uma redução posterior dos salários nominais, o efeito será
baixar a eficiência marginal do capital, o que terá
efeitos negativos sobre o investimento.29
Por fim, se a redução da folha de salário for
acompanhada por uma redução nos preços, isso poderá reduzir a necessidade de moeda para o pagamento dos rendimentos e para as transações em geral. Tal redução da demanda por liquidez, ceteris paribus, fará baixar as taxas de juros, estimulando o investimento. Contudo, cabe aqui observar que essa
influência favorável sobre o investimento e, conseqüentemente, sobre o nível de emprego poderá ser
anulada por uma deterioração do ambiente político
em razão do descontentamento popular.30
A conclusão a que se pode chegar com base
na exposição de Keynes é que a queda dos salários
nominais dificilmente poderá levar a um aumento
do emprego e, por extensão, a flexibilidade dos salários por si só não garante o pleno emprego. Entretanto, Keynes vai além, argumentando que todos
os efeitos positivos que uma redução dos salários
nominais poderia ter sobre o nível de emprego podem ser conseguidos muito mais facilmente, e mais
eficazmente, por outros tipos de políticas econômicas. Como exemplo de uma política dessas, poderíamos citar uma política monetária expansionista ou
um aumento dos gastos públicos. Além dessas políticas públicas serem mais eficazes que a redução
dos salários nominais, elas são menos injustas e não
trazem embutidos os riscos que a redução dos salá28
26
27
KEYNES, 1991.
Ibid.
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29
30
Ibid.
Ibid.
Ibid.
99
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rios nominais possui, entre eles, a possibilidade de
uma instabilização dos níveis de preços.
CONCLUSÃO
Procurou-se mostrar que, independentemente do fato de os salários nominais na prática serem
ou não rígidos, a teoria de Keynes do emprego não
se sujeita à hipótese de que os salários nominais são
rígidos. Na verdade, o cerne da crítica de Keynes ao
que ele chamava “teoria clássica do emprego” é que
ela não leva em conta as repercussões da demanda
efetiva sobre o nível de emprego.
Tentou-se ainda mostrar que a flexibilização
dos salários não é garantia do restabelecimento do
pleno emprego; tampouco é medida eficaz para se
combater o desemprego.
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Recebido: 19/jul./01
Aceito: 6/ago./01
Revisado: 19/set./01
Aprovado: 22/nov./01
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