Motivação: que energia renovável é essa? Autor: Arnaldo Alves da Motta Instituto Fonte http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/0feb05 2d-2a7a-49db-a58c-74cf1ff61832/Default.aspx Acessado em 31/08/2010 "Existem aqueles que lutam um dia e são bons. Encontram-se outros que lutam muitos dias e são muito bons. Há todavia, aqueles que lutam por toda a vida. Estes são imprescindíveis." Mercedes Sosa, uma cantora argentina, inicia uma de suas canções que fizeram sucesso aqui no Brasil com a citação acima. A luta a que se refere, é a luta política contra as ditaduras latino-americanas dos anos 60/70, porém a citação é atribuída a Bertold Brecht, autor alemão que viveu parte de sua existência, exilado na Suíça e nos Estados Unidos, tendo falecido em 1956. Apesar das diferenças de contexto do autor e da cantora, tal palavra mantém sua atualidade e certo poder de impacto, talvez por possuírem uma força não se restringe a um momento histórico determinado. É como se a luta ali retratada pudesse falar da luta de Brecht, de Mercedes Sosa, dos latino-americanos e de tantos outros. Mas por que se luta? E o que influencia para que essa luta tenha um dia, vários ou uma vida inteira? Para refletir sobre a pergunta acima, vale a pena abordar o fenômeno da motivação, que é um impulsionador para a ação do ser humano e que provavelmente interfere na maneira como as pessoas atuam no mundo. Pode-se pensar que a citação de Brecht, diga respeito à maneira das pessoas se ligarem a determinados objetivos. No caso, o que diferencia cada forma de vinculação pode ser atribuído a um aspecto quantitativo (um dia, muitos dias ou a vida toda) que se reflete na qualidade (bom, muito bom ou imprescindível) da ligação de alguém com determinada ação ou conjunto de ações, rumo a seu propósito ou causa. Falar em propósitos ou causas, remete a duas temporalidades que podem parecer paradoxais. Ambos podem ser o início ou o fim de um processo. Um propósito pode determinar o início de uma ação, porém o seu elemento provocador está colocado ao final da mesma. Por exemplo, alguém faz economias com a finalidade de adquirir um bem. A causa por outro lado é o desencadeante de determinado comportamento, sendo neste caso, antecedente ao mesmo. Por exemplo, uma pessoa grita por que foi machucada. Eventualmente pode-se detectar causa e propósito em uma mesma ação, dependendo do ponto de vista adotado, como por exemplo, para aquele que fez economias com o propósito de comprar o carro, por causa de seu veículo ter sido roubado; ou aquele que gritou por que foi machucado, com o propósito de chamar a atenção de quem o feriu. Pensar uma ação a partir de suas causas ou em função de seus propósitos pode ser uma questão de ponto de vista, pode ser em função da quantidade/tipo de informações disponíveis ou pode, ainda, refletir uma postura intelectual mais afinada com uma escola de pensamento causalista ou finalista. Apesar disso existe um elemento que pode ser comum às ações humanas, sejam elas vistas em uma perspectiva causal ou final. O "Aurélio" 1 define motivação, como "o ato ou efeito de despertar o interesse, o entusiasmo e/ou a curiosidade", constituindo-se em um importante componente que move alguém a agir, independente do motivo estar localizado no passado ou no futuro. Retomando a citação atribuída a Brecht, pode-se pensar que a mesma diz respeito a diferentes maneiras de estar na luta, independente desta ser determinada por uma causa ou por um propósito. Este não é o foco principal. Mais do que determinar a causa ou o propósito, interessa saber sobre o fenômeno da motivação, já que este é um fator que pode determinar que alguém lute por um dia, por muitos ou ainda por toda a sua vida. Neste sentido o que está em questão é: o que move o homem a agir? Essa não é uma pergunta de simples resposta. Não se pretende aqui, fazer um estudo acadêmico nem tampouco uma revisão bibliográfica sobre o tema. Pretende-se fazer algumas menções a situações cotidianas, que ajudem a refletir sobre eventuais questões que a citação de Mercedes Sosa pode suscitar. Visão de homem Partindo do princípio que o homem é um ser histórico e social, pode-se pensar que a motivação é um fenômeno que se dá em um campo relacional cujo meio é caracterizado por determinado tempo e lugar. Como decorrência desta perspectiva, uma outra característica da motivação é que ela reflete determinada cultura que por sua vez é pautada por valores individuais e sociais. Assim os elementos motivadores não podem ser pensados em si. Eles devem ser vistos em função do indivíduo em suas interações que são permeadas por códigos presentes em um contexto cultural específico. Fazendo jus à visão de homem apresentada, que ressalta sua condição histórica, não se deve deixar de situar o momento em que este trabalho está sendo escrito (agosto de 2004). O mundo está de olho nos acontecimentos no Iraque. A guerra tem sido assunto constante das manchetes, particularmente neste instante, por seus reflexos nos EUA, que vive período de campanha para as eleições presidenciais. Outro tema de repercussão mundial que está em pauta, é a Olimpíada, um evento esportivo mundial dos mais significativos, particularmente nesta edição que acontece em Atenas, berço dos jogos olímpicos. A guerra e o esporte A guerra e o esporte são atividades que estão em particular evidência no momento atual. Dado o caráter de extremo presente, tanto na guerra, como em uma competição esportiva, pode-se adentrar nestes territórios para levantar material que ajude nesta reflexão. O que motiva alguém que tem família e uma situação razoavelmente estável, a arriscar a própria vida ou se dispor a tirar a vida de outras pessoas? Nas Cruzadas propagava-se o ideal do Cristianismo, os "kamikazes" lançaram ataques suicidas pela honra ao imperador, os americanos invadiram o Iraque para "libertar" o país da ditadura e opressão. Esses são exemplos de motivos religiosos ou ideológicos que refletem aspectos amplos de motivação com características de valores culturais. Pode-se pensar que tais motivos poderiam não ser válidos para todos que participaram daqueles eventos. Alguns, talvez, tenham ido em função de terem 2 sido instigados por pessoas próximas de sua cidade, ou por familiares. Neste caso entrariam em jogo fatores grupais, como elemento motivacional. Existem ainda, aqueles que estiveram presentes em algum dos momentos exemplificados, unicamente por sentirem prazer na atividade guerreira, ou por que tiveram algum ente querido, entre as vitimas do inimigo. Neste caso, a questão pessoal é o determinante da ação. A distinção acima tem apenas o propósito de se fazer alguma diferenciação entre diversos elementos ligados ao fenômeno da motivação. Sabe-se que as categorias propostas - cultural, grupal e individual -, dificilmente aparecem de forma pura e exclusiva. É comum que estes vários níveis se complementem ou se misturem, já que todo mantém entre si uma relação intrínseca. Outro campo em que se observa a presença da motivação é o dos esportes. Existem pessoas que dedicam grande parte de tempo e recursos, para aprimorar o seu desempenho em uma modalidade esportiva, buscando a superação de limites, ganhar do time adversário, ou ainda para colocar seu país no lugar mais alto do pódio, apenas para citar algumas possíveis motivações em sintonia com as categorias que está sendo utilizada neste texto. É interessante notar como existem algumas semelhanças nestes dois campos mencionados, o da guerra e o do esporte. Pode-se até pensar que as competições esportivas seriam um derivado do combate em uma situação controlada. Como se o esporte fosse uma maneira de "brincar" a guerra, onde muitos dos fatores da última estão presentes, porém sem as suas conseqüências destruidoras. O que está em jogo nas duas situações é a vitória, em função do que se depreende uma das suas características marcantes é a competição. E na competição é preciso dar o melhor de si, quando não, mais do que isso, afinal muitas vezes o que está em jogo é a própria sobrevivência. Nestes dois campos da atividade humana que foram brevemente considerados, poderia se concluir que a competição - sendo um fator comum aos mesmos - é o elemento central quando se fala em motivação. Não há como negar a relação entre ambos, ou mesmo minimizar a importância da vontade de vencer como um fator motivador de peso, porém, a motivação não se restringe à competição. Como pensar, então, o tema em questão neste trabalho, ao se abordar situações onde a competição não tem papel tão evidente? Outros motivos O homem guerreia e compete nos esportes, mas sua vida não se resume apenas a isso. O ser humano vive em movimento, interna ou externamente, realizando as mais diversas atividades, sempre impulsionado por algum motivo que pode estar tanto em alguma causa como em determinada finalidade, conforme já foi visto anteriormente. Tentou-se delinear a competição como fator determinante, mas este aspecto pode justificar apenas algumas atividades do ser humano, fazendo com que se dê prosseguimento a estas reflexões. Parece existir uma necessidade em se desvendar as motivações das ações das pessoas. Não apenas para aprimorar seu rendimento nas atividades competitivas, mas também como uma forma de entendimento e/ou compreensão de determinado acontecimento. Por que se fez aquilo? Qual é propósito de tal atitude? São perguntas que expressam uma necessidade de entendimento, como se só fosse 3 possível obtê-lo, ao se desvendar seus motivos. Ao fazê-lo, parece existir a possibilidade de situar determinado fato no encadeamento da vida, pois, sabe-se que algo que fica sem as devidas explicações, corre o risco de permanecer incompreendido. O/os motivos parecem ser um elemento crucial para estabelecer relações entre os fatos, a vida e as pessoas. Revelando-se os motivos, até as situações mais "esdrúxulas" adquirem sentido e podem se tornar mais humanas. Tanto que, entre as questões cruciais da humanidade, as que buscam o sentido/razão/motivo da vida estão em primeira ordem. Perguntas cruciais Saber quem sou, de onde vim e para onde vou, passa por saber quais as razões/motivos para estar neste mundo. Estas questões perturbam, há muito, os pensamentos do homem e tem-se tentado respondê-las de diversas formas. As religiões satisfazem muitos, a ciência oferece alternativas, outra considerável parcela de pessoas, apesar disso, a falta de respostas definitivas, continua levando o homem a se questionar sobre o assunto. Por que se perguntar sobre algo que vem sendo objeto de reflexão desde os primórdios da humanidade e que não está definitivamente respondido? A falta de respostas não deveria ser suficiente para que os homens se conformassem com sua ignorância, ou talvez com a possibilidade de que tais respostas de fato não existam? No entanto o questionamento permanece e parece ser movido justamente pela falta de resposta. Mas não só. Parece existir uma força que impulsiona e mantém tal tipo de questionamento vivo. É como se ao lado da falta de resposta, existisse a ideia de que ela está em algum lugar. Mais do que uma ideia, parece existir uma certeza de que tais respostas podem ser encontradas. Ou seja, existe a constatação da falta de resposta ao mesmo tempo em que se tem a certeza de que ela existe e que é possível encontrá-la, a despeito da constatação de que se trata de algo que vem sendo procurado por muitos, desde os tempos mais remotos. É como se alguém tivesse em mãos algo que foi partido em dois, cuja parte que está presente fala de sua existência real - pois está ali presente - ao mesmo tempo em que sugere que algo lhe falta para a sua completude. Essa imagem remete para o significado da palavra símbolo. Símbolo Etimologicamente, símbolo vem do grego symbolon ou symbállo e que se refere entre outras coisas, a uma prática da Grécia antiga onde era comum se partir uma moeda ou algum objeto e dar a metade a algum amigo, como forma de permitir, em um futuro encontro em tempos distantes, o mútuo reconhecimento ou o estabelecimento de laços entre os respectivos descendentes através da recomposição do objeto que fora partido. Poderia se utilizar desta imagem para se pensar a questão da motivação, além do seu aspecto competitivo. A motivação estaria, assim, relacionada a uma tensão entre duas partes. Uma delas está presente. Sua existência, no entanto, remete a outra parte que lhe completa, mas não está disponível. É como se a existência de algo, explicitasse não só a sua presença, mas também a ausência daquilo que a complementa e que necessita ser buscada, para reunir todo. Essa busca da totalidade seria impulsionada por essa tensão criada entre o que existe e o que falta para lhe completar. Esta tensão que provoca o movimento de busca, e que impulsiona alguém para suas ações que encadeadas ao longo de uma vida, formarão o caminho de sua existência, é que podemos chamar de motivação. 4 A semente Tome-se uma outra imagem: a semente. Uma semente tem a sua própria existência como algo que é: uma semente. Porém, é quase imediato remeter ao que ela contém de potencial, mas ainda não foi realizado: A árvore. Semente e árvore estão intimamente relacionadas: uma é origem da outra e uma não existe sem a outra. A árvore provém da semente, ao mesmo tempo em que a semente se origina da árvore. Ambas, porém, possuem existência própria e particularidade específica, a ponto de existirem situações onde a relação entre elas pode ser quebrada e a semente não se transformar em árvore, ou da árvore não gerar semente. Ou seja, existe uma união intrínseca entre as duas, mas a sua completude precisa ser construída. Essa construção se dá em função da potencialidade que cada uma delas contém para que esse ciclo se complete. A semente traz em si a árvore, mas esse futuro está por ser feito. A energia que move esse processo está justamente no potencial criado no campo existente entre o que é, e o que será. Um campo de tensão de onde se depreende o impulso para que a semente brote, ou para que a árvore semeie. Fazendo um paralelo entre a imagem da semente, a etimologia da palavra símbolo e o tema desta reflexão, a motivação seria um impulso gerado no campo de tensão criado entre o que existe e ao seu correspondente ausente. Assim, se para o ser humano, a motivação é uma força, podemos pensar que o que aciona essa energia é a presença de algo que remete á sua falta. Daí a ideia do símbolo, pois a metade existente sugere a forma do que deve ser buscada, afinal a motivação como força, não existe em si, ela sempre é dirigida ou aplicada para algum objetivo específico, mesmo que muitas vezes o objeto de busca não esteja bem delineado e claro desde o início do processo. Destino e escolha Um olhar desatento poderia levar as considerações acima parecerem deterministas. Falando de outra forma, poderia se concluir que o ser humano nasce tendo o seu futuro determinado e que a ele não resta alternativa, a não ser deixar o destino cumprir o seu trajeto. Se assim fosse, ficaria descartada qualquer possibilidade do homem fazer escolhas e interferir no mundo a partir de decisões responsáveis. A ideia determinista de destino elimina a condição de sujeito ativo e consciente. No entanto, esta não é a perspectiva que está explicitada sobre a noção de homem em que se baseia este trabalho. Esta pressupõe o homem como sujeito de suas ações e por isso responsável por sua existência. Suas escolhas sofrem, porém, a interferência do mundo que o rodeia, justamente por sua condição histórica e social. Entretanto, estes aspectos não são os únicos que influenciam a sua jornada. Tal como a semente traz em si o seu potencial de futuro, o homem traz em si suas potencialidades que lhe são inerentes. Da mesma forma que sementes de um mesmo tipo que brotam próximas, se tornarão árvores diferentes, assim também, cada ser humano é um ser único e peculiar. O seu desenvolvimento terá o impulso do potencial daquilo que lhe falta, porém a sua construção será, também, reflexo de sua capacidade de interagir com todas as condições dadas pela realidade à sua volta. Neste caminho, os aspectos potenciais nem sempre são favorecidos, podendo implicar em opções onde prevalece o caráter adaptativo, ou mesmo impeditivo da manifestação de algumas propriedades. Sem dúvida o caminho que contempla a própria natureza, pode ser mais retilíneo e suave. Não 5 será, por isso, necessariamente mais rico já que muitas vezes os obstáculos tem a capacidade de exigir aprimoramento para sua superação. Interferências A capacidade de vencer obstáculo implica levar em consideração: a natureza do obstáculo; o caminho de que propósito ele (o obstáculo) se encontra; e quais são as condições do momento que favorecem ou não que o mesmo seja ultrapassado. Dependendo dos fatores, pode-se falar em superação, adaptação, ou em retrocesso. Adaptação e retrocesso podem se tornar superação desde que o símbolo permaneça dotado de sua energia potencial, já que a força do símbolo determina o grau de persistência do indivíduo rumo ao seu objetivo. Tal perspectiva coloca um caráter provisório a qualquer um destes estados e permite ponderar sobre a possibilidade de se intervir neste processo. Intervir no fenômeno da motivação não quer dizer que é possível fabricá-lo, simplesmente, pelo desejo ou vontade de alguém. Significa, apenas, que é possível favorecer ou mesmo prejudicar o seu curso. Concluindo Retomando a citação de Mercedes Sosa, que apresenta três distinções de alguém se vincular com a luta, pode-se sugerir que existe uma relação entre estas e as três categorias de elementos da motivação acima, a saber: cultural, grupal e individual. Sabe-se que esses elementos não se excluem necessariamente, e que podem estar sobrepostos um ao outro. Pode-se inclusive ponderar que a maneira como se combinam tais categorias, têm reflexo na intensidade e qualidade de expressão da motivação. Assim quando existe uma convergência entre os fatores cultural, grupal e individual, tem-se uma tendência para uma motivação mais consistente na busca de suas metas. Por conseqüência, quanto maior o conflito entre os fatores da motivação, maior seria a tendência à dispersão no rumo a determinados objetivos. Assim, pensar na motivação implica saber, antes de qualquer coisa, que este é um fenômeno extremamente complexo, que combina uma série de fatores que são dinâmicos e de difícil apreensão em sua totalidade, já que é um fenômeno que se dá no campo das relações dos indivíduos consigo próprios, com seus grupos e com o universo cultural de seu tempo. Desta forma pode-se pensar que alguém bom, muito bom, ou imprescindível só poderá receber tal qualificação se o for em relação a determinado objetivo. Não se deve, por isso, acreditar que alguém pode ser bom, melhor ou até indispensável como sendo algo em si. Afinal as lutas são muitas e diversas, e se alguém pode achar que uma é melhor que outra, corre o risco de estar incorrendo no equívoco de pretender delimitar a vastidão e a imensa diversidade da vida que permanece inalcançável para o ser humano. Afinal, por que depois de tantos e tantos milênios de existência ele continua a se perguntar sobre os motivos de sua existência? 6