ROMULO FRÓES
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"A nova música brasileira e seus novos caminhos"
Caminhando para o fim da primeira década do século XXI, já é possível identificar um traço
comum entre os artistas surgidos na música brasileira a partir dos anos 2000? Será esta uma
geração de artistas à altura de nossa tradição? Perguntas como estas já circulam por aí e
demonstram que ainda figura um desejo de organização de um tempo, em que se consiga
reunir argumentos para qualificar para o bem e para o mal, determinada época. Neste caso,
além de compreender a unidade década, há ainda o agravante de ser esta a primeira de um
século que se inicia, o que a faria ser comparada também ao conjunto de todas as outras do
século anterior, numa espécie de partida injusta de dez contra um.
A geração atual de artistas da música brasileira surgiu ainda no século passado, em meio a
uma profunda transformação, atrelada a uma iminente falência da indústria musical. Mais do
que por novos modelos de difusão ou comercialização, ela foi moldada por um novo modo de
produção musical. Até o começo dos anos 1990, o caminho para um artista chegar ao disco
era muito difícil, pra não dizer quase impossível, se pensarmos que o filtro criado pelas
grandes gravadoras para a produção de um disco era, antes de tudo, econômico. Com
raríssimas excessões, eram elas que detinham os meios de gravação. Uma vez que esses
meios se democratizaram, passou a ser possível a qualquer artista gravar seu próprio
trabalho, elevando a produção de discos, ao menos no que se refere ao seu registro
fonográfico, a patamares nunca antes imaginados. Todo artista agora, podia ter seu disco e
surgiu uma nova figura, a do artista-produtor. É claro que existiam anteriormente artistasprodutores, mas a noção de produção passava muito mais pelo âmbito estético do que
técnico, pertencia mais ao campo abstrato das idéias do que na matéria real da obtenção da
melhor captação, ou na escolha certa dos microfones e amplificadores. Isso era para os
técnicos, que afinal estavam a serviço do artista.
O artista de hoje produz seu disco, porque afinal conquistou essa liberdade e também porque
em última instância, é a única maneira de fazê-lo. Por isso seu conhecimento de todas as
etapas de uma gravação, da captação à edição e chegando mesmo até sua fabricação.
Verdade que à príncipio, tal processo se deu de forma muito precária, uma vez que ainda não
se dispunha de grandes recursos técnicos, na época pouco acessíveis, e tão pouco havia-se
adquirido a experiência do novo ofício.
Com o avanço da tecnologia, a experiência e o acesso a novos recursos de gravação, abriuse aos artistas um novo vocabulário de produção artística, a meu ver inédito na música
brasileira. É muito comum hoje, um jovem artista falar de seu trabalho mais do ponto de vista
técnico, do que das questões artísticas de sua obra, isso se encararmos como coisas
desligadas uma da outra. Não raro, um leigo se depara no depoimento de um novo artista,
com termos que parecem pertencer a uma nomenclatura de ficcão científica. E isto não é
pouca coisa, se pensarmos que grandes artistas de nossa música nunca pensaram no som
que teriam seus discos, acreditando única e exclusivamente no poder de sua música. Ou
ainda, se pensarmos em artistas como Tim Maia e Caetano Veloso, que no início de suas
carreiras, mesmo sabendo exatamente o “som” que queriam em seus discos, sempre se
disseram frustrados por não consegui-lo, simplesmente por não saberem até então se
comunicar com os técnicos. É um fato relevante, pra não dizer histórico, que aconteça de
novos artistas se envolverem profundamente com o processo de gravação, tendo mesmo um
interesse verdadeiro por seus aspectos técnicos, ainda que ironicamente, muitas vezes se
valham de experiências acontecidas no passado, em discos gravados por exemplo, na
década de 1960 e 1970. Vintage é uma palavra adorada por estes jovens artistas. Seus
instrumentos, microfones, captadores, pré-amplificadores, pedais e tudo o mais têm de ser
vintage, porém seu comportamento, suas cabeças, suas crenças, estas estão no presente.
Pois depois de aprendido “as manhas” da produção, ainda era preciso aplicar esse
aprendizado à criação. Sim, porque antes uma grande canção mal gravada do que uma
bobagem de altíssima qualidade sonora. E seguindo a máxima de que a quantidade gera
qualidade, acho que a contribuição destes novos artistas para a música brasileira começa a
ganhar forma. Há muito tempo não se via tantos artistas com trabalhos tão diversos e com
tamanha qualidade, quanto agora. Talvez a palavra novo, tão desgastada por seu uso, não
seja aplicável ao que vêm fazendo, mas sim ao modo “como” vêm fazendo. Já não é mais
possível abarcar o Brasil, como fizeram por exemplo os Tropicalistas. Não só todo o
vocabulário incluído por estes em sua música como a baixa e a alta cultura, a guitarra elétrica,
o regionalismo, a mídia, a publicidade, a sexualidade, a tecnologia e tudo o mais ainda está
em voga, como ainda outros tantos verbetes surgiram e continuam a surgir todos os dias. Daí
o conceito de novidade já nascer datado. É com a Internet, esta ferramenta que mudou nossa
percepção de mundo, onde se deparam a toda hora com tudo, quero dizer “tudo”, que já foi
dito, pensado e vivido por todos, no passado, no presente e às vezes parece que até no
futuro, que os artistas de hoje produzem. E se eles se fartam dessa nova ordem, a carga de
influência que sofrem é tamanha e tão diversa, que talvez seja impossível a formação de um
“novo” pensamento sobre música popular brasileira hoje e talvez não seja mesmo mais tão
necessário. O que é necessário ainda e sempre, é que se produza arte boa, mesmo que esta
tão somente revele as influências de quem a criou.
Matisse dizia ver Cézanne como um bom Deus da pintura e por mais perigosa que fosse sua
influência, dizia não temê-la, pois consideraria isso uma covardia consigo mesmo. Acreditava
que a personalidade do artista se afirma pelas lutas que enfrenta e que seria uma tolice não
olhar em que direção os outros trabalham. “Aconteceu-me aceitar influências. Mas creio que
sempre soube dominá-las”.
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