O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA NO
MUNICÍPIO DE ARACAJU: a pipoca que
(ainda) não estourou
Maria Cecília TavaresΤ
Mônica Rodrigues CostaΤΤ
Eixo: Família
Mesa de Trabalho: Políticas Públicas e Família
Palavras Chaves: modelo assistencial, equipe de
Saúde, trabalho coletivo, população, serviço social
Resumo:
A política de saúde no Brasil, historicamente constituiu-se sob a hegemonia do modelo
assistencial médico-curativo. A despeito das preocupações em alterar este quadro, muito
pouco – ou quase nada – conseguiu-se reverter. Em meados da década de 1980, a proposição
do Sistema Único de Saúde – SUS contempla, desde seus princípios, um aparato preventivo,
promocional e protecionista da saúde. Contudo, ao longo da década de 1990, não conseguiu
consolidar-se majoritamente nas práticas de saúde.
Avançaram algumas propostas alternativas e localizadas inspiradas pelo SUS e outras
foram criadas. Vemos, neste sentido, a implantação do “Saudicidade”, baseado no paradigma
da Cidade Saudável, o Silos – proposta de investimento nos serviços locais, com
descentralização e articulação entre eles, a proposta “Em Defesa da Vida” no pólo LapaUnicamp que questiona a racionalidade do sistema de saúde e o coletivo em detrimento das
demandas individuais.
O governo federal, com o propósito de “alterar” o modelo tradicional médico-curativo e
utilizando-se da experiência – bem sucedida – em Cuba, com os médicos de família, cria o
Programa Saúde da Família.
Assim, o propósito do texto é compreender o debate sobre os modelos assistenciais em
saúde e o processo de construção do Programa Saúde da Família, enquanto modelo
assistencial, que propõe substituir/transformar o modelo assistencial tradicional e hegemônico;
e os elementos que compõem a prática dos Assistentes Sociais, como profissionais inseridos
no processo coletivo de trabalho em equipes de saúde, no PSF-Programa de Saúde da Fam ília
em Aracaju, capital do Estado de Sergipe, Brasil.
Τ
Professora do Departamento de Serviço Social na Universidade Federal de Sergipe-UFS, Especialista
em Saúde Pública pela UNAERP, Assistente Social da Secretaria de Saúde e mestranda em Educação
na UFS.
ΤΤ
Professora do Departamento de Serviço Social na Universidade Federal de Sergipe-UFS, Especialista
em Saúde, mestre em Ciência Política e Doutoranda em Serviço Social na UFPE.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Introdução
Estas primeiras reflexões sobre o Programa Saúde da Família, são fruto de
pesquisa de mestrado, em andamento, e da experiência de supervisão de ensino em
estágio e orientação de Trabalho de Conclusão de Curso com as alunas do curso de
Serviço Social sobre o Programa.
No livro “O Amor que Acende a Lua”, Rubem Alves escreve um texto sobre o
Milho de Pipoca, fazendo uma analogia ao processo da transformação. Segundo o
autor, o milho de pipoca para ser o que deve ser - a flor branca e macia - precisa
passar
pelo
estouro,
transformar-se
pelo
poder
do
fogo.
Lançados,
nas
chamas/circunstâncias da vida estamos propensos ao salto, à transformação.
Aproveitando a analogia construída por Rubem Alves, iremos comparar o milho
de pipoca ao Programa Saúde da Família e o fogo às circunstâncias criadas ao seu
redor como motivadoras para a transformação do modelo assistencial de saúde.
Nesse sentido, o propósito do texto é compreender o processo de construção do
Programa
Saúde
da
Família
enquanto
modelo
assistencial
que
propõe
substituir/transformar o modelo assistencial tradicional e hegemônico e os elementos
que compõem a prática dos Assistentes Sociais no PSF em Aracaju.
A construção histórica do modelo assistencial curativo
A Conferência Internacional de Alma-Ata, realizada em 1978, mantém o conceito
de saúde enfocado no bem-estar físico, mental e social, resultando em diversas
propostas de atuação de modalidade simplificada, baseada na atenção primária à
saúde, tendo em vista os alertas sobre a importância de tais cuidados na atenção à
saúde dos povos, como forma de manter o desenvolvimento econômico e social e para
a paz mundial (Declaração de Alma-Ata).
Tal proposição resulta, no caso brasileiro, na elaboração da Medicina
Comunitária, proposta que se colocava como “alternativa” ao modelo curativo existente
até então. Modelo esse, que se caracteriza como de alto custo, com o uso de
tecnologia nem sempre compatível com o perfil epidemiológico, tornando-se pouco
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
acessível, com baixa resolutividade, vez que as demandas estavam geralmente
enquadradas no nível primário, além de não incorporar a participação popular nos seus
princípios e operacionalização.
A alternativa da Medicina Comunitária se apresenta como uma nova forma de
“fazer saúde”, mas que no dizer de diversos autores, revelou um caráter contraditório e
reformista, contribuindo para a reprodução da força de trabalho e permitindo que o
Estado poupasse recursos para o investimento em setores da economia, apesar da
importante intervenção social sobre grupos marginalizados, que também aí serviu
como reprodutora da ideologia dominante (Silva Júnior,1998).
Uma década após, em 1986, a realização, em Ottawa, da Conferência
Internacional sobre a Promoção da Saúde reafirma o conceito internacional adotado
em Alma-Ata, discutindo, no entanto, os instrumentos necessários para alcançar tal
estado, não limitados ao âmbito da ação sanitária, mas incorporando outros requisitos,
como: “a educação, a moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, justiça
social e a equidade”( Ministério da Saúde, 1999: 37).
Considerada como outro marco histórico na discussão sobre a situação de
saúde dos povos, teve como causa imediata a necessidade de discussão sobre uma
nova concepção de saúde Pública e, “embora as discussões se centrassem nas
necessidades dos países industrializados, levou-se também em conta os problemas
que atingem as demais regiões” (Ministério da Saúde, 1999:36).
Partindo de uma avaliação sobre os avanços alcançados no setor saúde a partir
da Conferência de Alma Ata e reafirmando o conceito de saúde com um bem estar
físico, mental e social, mas avançando-se no sentido da identificação das condições
fundamentais que implicam na saúde, a discussão se direcionou no sentido de refletir
sobre o que é necessário para se atingir esse estado, tendo como eixo central a
Promoção da Saúde que consistiria “em proporcionar aos povos os meios necessários
para melhorar sua saúde e exercer um maior controle sobre a mesm a” (Ministério da
Saúde, 1999:37).
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Desta forma, caberia aos diversos grupos sociais a tarefa primordial de
identificar as condições e requisitos que resultariam na saúde e que não se resumiriam
a formas de vida sadias. Portanto, tais condições iriam além de uma ação do setor
sanitário, cabendo a este a redução das diferenças do estado de saúde de uma
população e a promoção dos meios para o desenvolvimento da sua saúde potencial, o
que
só
ocorreria
se
houvesse
uma
participação
“ativa”
da
mesma
na
construção/desconstrução dos fatores externos que influenciam tal estado, devendo,
ainda, coordenar a ação de todos os implicados nesse processo.
Percebe-se, na análise do documento, que no tocante ao conceito de saúde
existiu uma preocupação em relacionar a saúde às questões que implicam na
qualidade de vida. No entanto e contraditoriamente, ainda é estabelecida uma relação
entre o nível de saúde alcançado e as potencialidades pessoais dos indivíduos e suas
aptidões físicas. O que permite concluir que o esforço no sentido de criar um ambiente
saudável, proposta esta contida no documento, e a conclamação para uma
participação da população nessa construção, não se refere a sujeitos históricos e
coletivos.
Ao se referir a uma ação conjunta e coordenada de todos os implicados na
promoção da saúde, identifica-se como resultado da mesma, entre outras questões, a
existência de um ambiente mais limpo, revelando uma preocupação com a
necessidade de articulação de todas as dimensões da vida no sentido de garantir a
saúde. Por outro lado, a partir de tal proposição, é possível estabelecer uma relação,
que por diversas vezes na história da saúde pública já se tentou articular, entre
pobreza/higiene/saúde. Agora, não somente a higiene dos corpos, mas também dos
ambientes.
A partir do ano de 1987, quando a sociedade brasileira vivia efetivamente o fim
do regime militar e, no setor saúde, ainda fervilhava as conseqüências das discussões
da VIII Conferência Nacional, que rompia com o conceito idealista de saúde ao definir
as condições concretas para se ter saúde, colocando esta como resultante das
condições de vida e articulando-a ao conjunto das políticas públicas, assistimos, no
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
nosso país, o deslanchar de um processo de implantação de Distritos Sanitários cujos
antecedentes encontram-se na proposta/estratégia formulada pela Organização Panamericana de Saúde – OPAS, que buscava ajustes ao modelo da Medicina
Comunitária e objetivava a transformação dos Sistemas Nacionais de Saúde através
dos Sistemas Locais de Saúde – SILOS, que foi considerado como uma proposta
conservadora de mudança do modelo assistencial.
Ao analisar tal processo, Mendes (1994) identifica que nele existiram quatro
momentos que transitam: a) num primeiro momento, da difusão da proposta de distritos
sanitários enquanto processo social de mudança das práticas sanitárias (1987 e 1988);
b) em seguida com a realização de seminários, a partir do segundo semestre de 88,
para desenvolvimento teórico e metodológico de uma concepção de SILOS, tendo
como referência às experiências em curso a nível nacional, como desdobramento do
Projeto financiado e associado pela OPAS que objetivava a implantação de SILOS nos
Estados; c) a partir de 1990 é deslanchado um terceiro momento caracterizado pela
implantação de distritos sanitários em áreas estratégicas no País. Para tanto, foram
escolhidos os municípios: Natal (RN), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Belo Horizonte,
Timóteo e Ipatinga (MG) e Curitiba (PR). A avaliação de tais experiências é que a visão
processual efetivou-se em Curitiba e no Vale do Aço Mineiro; e, por fim, d) o quarto
momento caracterizado pela retomada, numa qualidade diferenciada, do primeiro
momento, sistematizando e difundindo experiências de distritalização brasileiras e
internacionais, através do desenvolvimento de rede de projetos de implantação de
Distritos Sanitários, na qual os municípios que estivessem desenvolvendo experiências
semelhantes pudessem contribuir com o Centro de Documentação sobre Distritos
Sanitários.
O mesmo autor, ao fazer a análise das Políticas de Saúde no Brasil nos anos 80,
considera que nesse período estavam sendo construídos os Projetos da Reforma
Sanitária, contemplando duas propostas que caminhavam em sentidos opostos: uma
refletindo um ideário democrático da saúde e, outra, o projeto neoliberal articulado na
base da “universalização excludente”, que se hegemoniza, entre outros aspectos, pelo
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
uso de mecanismos de racionamento, tendo como conseqüência principal a queda de
qualidade do subsistema público de saúde.
Desta forma, colocando-se como uma proposta que reafirmava o ideário
democrático, a experiência, ora analisada, partia do pressuposto que a efetivação da
Reforma Sanitária requeria, necessariamente, uma mudança de qualidade do
subsistema público, considerado o foco principal da estratégia da Reforma Sanitária,
possibilitando a eficácia política necessária ao projeto democrático da saúde.
Constitui -se, assim, a fundamentação da proposta de criação dos Distritos
Sanitários que correspondeu, ao que foi denominado de SILOS pela OPAS, na 10ª
Reunião plenária dos ministros de Saúde das Américas, em 1988. O Distrito Sanitário
foi reconhecido como uma:
“... unidade operacional e administrativa mínima do sistema de saúde, definida com critérios
geográficos, populacionais, epidemiológicos, administrativos e políticos, onde se localizam
recursos de saúde, públicos e privados, organizados através de um conjunto de mecanismos
políticos institucionais com a participação da sociedade organizada para desenvolver ações
integrais de saúde capazes de resolver a maior quantidade possível de problemas de saúde”
(Paim,1993 a: 482).
A definição de distrito sanitário propunha um conjunto articulado de dimensões
que implicava, segundo os defensores da proposta, na redefinição das práticas de
saúde, dimensões estas que deveriam referenciar a ação. No entanto, ao tempo em
que se implementava a proposta, o que se percebia era a tendência de se privilegiar o
caráter administrativo da mesma, implementando-se, tão somente, no dizer de Mendes
(1994), um rearranjo físico funcional das Unidades de Saúde referenciadas aos
Distritos Sanitários, sem que ainda fossem observados os aspectos da realidade local.
Acreditamos que tal tendência decorria, tendo em vista a forma histórica que a
organização dos serviços de saúde assumiu na sociedade brasileira, da criação de
redes federal, estadual e municipal colocadas de forma superpostas, sem nenhuma
articulação e definição dos papéis de cada uma na prestação da assistência.
Diante de tais problemas e tendo em vista que a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº
8080/90), no seu artigo 10º regulamentou o Distrito Sanitário ao dispor sobre a
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
promoção, proteção e recuperação da saúde e as condições em que as mesmas se
processam. Ao falar sobre as condições de funcionamento dos serviços, o que
constituirá um dispositivo legal para a sua criação, mas que não expressava a dinâmica
de sua implementação, tornou-se necessário um pensar sobre o mesmo, que foi
definido “... como processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único
de Saúde, o que implica considerá -lo nas suas dimensões política, ideológica e técnica”
(Mendes, 1994: 94).
Ao considerar às dimensões política, ideológica e técnica, pretendia-se revelar a
adoção de um “novo ” paradigma assistencial cuja operacionalização deveria expressar
a fala e o movimento de diversos atores que apresentavam projetos diferenciados, na
busca pela transformação do sistema nacional de saúde. A definição de distritos
sanitários, acima estabelecida, revelava também uma concepção ampliada do
processo saúde-doença, no qual estavam inseridos diversos aspectos culturais e
ideológicos.
A adoção desse “novo” paradigma pressupunha, ainda, o entendimento do
Distrito Sanitário como elemento tático-operacional, o que significaria o entendimento
sobre suas possibilidades e limites no enfrentamento dos problemas locais de saúde,
uma vez que nesse processo seriam estabelecidas as funções específicas do setor
saúde e a necessidade de ações de natureza transetoriais, evitando uma reprodução
mecânica do sistema político global e que fosse privilegiada a atenção à rede de
serviços em detrimento das ações de saúde. Para tanto, tornava-se fundamental que
ocorresse o rompimento com a prática médica hegemônica, baseada no modelo clínico
ou biomédico, que fosse entendido o processo de trabalho em saúde articulado a um
conjunto de práticas sociais e, conseqüentemente, que os problemas de saúde fossem
apreendidos a partir do seu caráter coletivo (Paim, 1994).
O Distrito Sanitário seria, então, um elemento no movimento de recomposição
das práticas de saúde que privilegiava a regionalização e um recorte menor de um
território, propondo que se ultrapassasse a referência clínica, natural, das doenças, e
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
que fosse estabelecida a epidemiologia como instrumento que orientasse as práticas,
permitindo a apreensão do caráter coletivo do “objeto” das mesmas.
Assim considerado, o Distrito Sanitário não se limitava a uma visão de espaçosolo com uma autoridade burocrática nele inserida, de forma imposta, para conduzir um
simples reordenamento da rede, o que não alterava o modelo assistencial hegemônico,
objetivo este que se colocava como coerente com o projeto neoliberal que pretendia
organizar um subsistema público destinado aos pobres (Mendes, 1994).
O mesmo autor afirma que a proposta de Distrito Sanitário é uma das possíveis
decodificações da Reforma Sanitária e seria uma alternativa às racionalizações
centralizatórias,
ao
planejamento
centralizado
sem
referência
aos
aspectos
epidemiológicos, A proposta buscava articular o coletivo/individual, o local/central,
através da universalidade da atenção, da participação cidadã, da descentralização das
decisões, da transparência dos processos administrativos e clínicos, da autonomia da
gestão, gerando melhoria nos problemas de saúde e no profissionalismo renovado,
baseado numa nova ética e nova formação de profissionais de saúde, garantindo as
liberdades profissionais e uma reforma sanitária conseqüente.
Analisando a implementação dos Distritos Sanitários, é possível perceber que a
proposta apresentava como preocupação central a busca de maior efetividade dos
serviços de saúde, propondo uma reorganização das práticas de saúde referenciadas a
uma base populacional definida e seu perfil epidemiológico, visando alcançar maior
eqüidade, eficácia e eficiência.
Após vinte anos de ditadura militar, o anseio forte dos trabalhadores brasileiros,
também dos trabalhadores da saúde, era a conquista de espaços democráticos, o que
passava necessariamente pela descentralização do poder. Desta forma é possível
perceber a tendência nas Políticas Públicas da reafirmação dos processos de
descentralização para os municípios, o que se colocava como principio democrático e
como forma de evitar a verticalização dos Programas que nada ou pouco refletiam
sobre cada realidade específica.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
A proposta de Distrito Sanitário reafirmava tais princípios e elaborava uma
reflexão sobre as práticas de saúde na articulação com o conjunto das práticas sociais
e o objeto da atenção apreendido em seu caráter coletivo a partir da referência da
epidemiologia social latino -americana (Silva Júnior, 1998).
No entanto, a necessidade de reordenamento da rede de serviços, com caráter
basicamente administrativo e a descentralização do poder, foram características
predominantes na experiência, sem que acontecessem as mudanças preconizadas. No
geral, houve muito mais uma reprodução do sistema político global do que uma
redefinição das práticas de saúde, apesar da importância histórica dos Distritos
Sanitários para o fortalecimento da relação da situação de saúde com as condições de
vida.
A possibilidade de divisão do poder mobilizou os trabalhadores da saúde para a
adesão à proposta. A experiência melhor difundida ocorreu na Bahia, através da
parceria firmada entre a Secretaria Estadual de Saúde e o Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Silva Júnior,
1998).
No final da década de 80, um grupo de trabalhadores da saúde que se articulava
com o movimento nacional de reforma sanitária, e dele participava ativamente, criou, o
Laboratório de Planejamento e Administração em Saúde – Lapa, no Departamento de
Medicina Preventiva da Universidade Estadual de Campinas- Unicamp, que se
constituiu em espaço plural de discussão e convergência das inquietações e
inconformações com os modelos de assistência elaborados até então.
Segundo avaliação do referido grupo, tais experiências e elaborações não se
contrapunham realmente ao projeto neoliberal, pois apresentavam propostas
insuficientes nesse sentido, como o caso do planejamento estratégico situacional que
foi um “instrumento” muito utilizado pela experiência de distritalização da Bahia.
Avaliava-se, que tais propostas não resultaram numa redefinição da clínica, do trabalho
médico e pouco ou nada se avançou no sentido do atendimento ao doente, da
discussão sobre essa relação. A proposta em pauta foi denominada “Em defesa da
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
vida”, tendo sido amplamente divulgada na 9ª Conferência Nacional de Saúde e teve
como princípios norteadores à gestão democrática; saúde como direito de cidadania e
serviço público de saúde voltado para a defesa da vida individual e coletiva (Silva
Júnior, 1998).
A proposta “Em defesa da vida” requereu muito mais que uma reforma nos
serviços de saúde e colocou como preocupação central, que tais serviços fossem
organizados referenciados nos direitos dos cidadãos a uma vida digna e a um
atendimento em que a sua autonomia fosse respeitada.
Apesar de tomar como base a experiência da Bahia e de Curitiba, da qual
falaremos a seguir, o grupo de Campinas tece críticas. As principais referem-se à
ausência de redefinição do papel da clínica para uma nova forma de atenção, que
quando assume a demanda espontânea como sendo simplesmente um dos reflexos da
ideologia capitalista, sem entender que nela está diluído o desejo de diversos usuários,
atores sociais, por serviços de saúde.
Campos (1994), um dos principais articuladores da referida proposta, ao fazer
uma análise do setor saúde e ao apresentar a proposta, parte de uma análise da obra
de Berman (1986), constata que “em nossos dias tudo parece estar impregnado do seu
contrário” (p.13), que convivem lado a lado, riqueza e pobreza, grande acúmulo de
conhecimento científico e muito pouco uso do mesmo para o bem-estar da
humanidade.
Nessa análise, concluiu que tanto os “conservadores de todos os matizes” como
os que se denominam marxistas, ao se afastarem de uma abordagem dialética do real
e, principalmente, ao negarem a possibilidade de determinação dos desdobramentos
políticos da luta de classes, caminham em sentidos convergentes, garantindo a
reprodução das relações sociais capitalistas, esquecendo que “tudo que é sólido
desmancha no ar”. Afirmou ainda, que entre os marxistas encontram-se aqueles com
visão economicista, em cujos projetos há a elaboração de brilhantes diagnósticos sobre
a realidade, mas, com conclusões sobre a impossibilidade de sua transformação diante
da incapacidade, alegada, de alteração nos padrões de hegemonia. Como
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
conseqüência, a ação proposta vai estar referenciada nos limites impostos pela
realidade, tendendo ao pragmatismo.
Discordando dessa forma de contrapor-se à realidade, e partindo daí para a
defesa de sua proposta, o autor assim se posiciona:
“Antônio Gramsci escreveu que a inteligência, quando analisa o mundo, tende ao pessimismo.
E que só a vontade revolucionária, assentada em dados elaborados pela inteligência, consegue
ser otimista. Como se ele quisesse dizer que se existe uma formação econômico-social
dominante - como o é o capitalismo dependente no Brasil -, se existe um bloco histórico
hegemônico, é porque a correlação de forças lhes é favorável, pelo menos no momento
histórico em questão. E que, portanto, qualquer projeto de construção de uma sociedade
alternativa terá de derrotar inimigos poderosíssimos, terá de superar obstáculos considerados
intransponíveis e terá, principalmente, de convencer a maioria de que tal empreitada é não só
necessária como também possível” (Campos,1994 : 21).
Desta forma, os movimentos de contra-hegemonia devem partir da realidade
concreta dos sujeitos sociais, das contradições do modelo hegemônico, para mover o
setor saúde em direção a características que sejam “(...) uma síntese dos esforços
iluministas1, preservacionistas e, por decorrência, democráticos de várias classes
sociais ao longo da história, mas fundado, sobretudo, na generosidade da luta dos
trabalhadores...” (Campos, 1994: 23).
O movimento “Em defesa da vida” propõe-se, portanto, a repensar a relação
desumana e pouco profissional que existe entre profissionais/usuários, especialmente
nos serviços públicos de saúde, colocando a questão da humanização desse
atendimento como primordial para a garantia de acesso aos serviços e da integralidade
do tratamento. Para tanto, torna-se fundamental que os profissionais e usuários tenham
1
- Campos afirma que o pensamento de esquerda no campo da saúde foi também contaminado por um
certo viés não -iluminista e referindo-se à Ivan Illich, na obra A expropriação da saúde (1975), e à Polack
na obra La médecine du capital (1971), este em menor grau, que ao identificarem o caráter antihumanista da prática médica no capitalismo enfatizaram os aspectos negativos das contradições da
produção concreta de serviços de saúde, resultando num movimento de negação do saber clínico e da
prática médica e não a sua redefinição assentada num novo modelo de atenção. O resultado concreto de
tal pensamento no setor saúde foi um certo isolamento a que estiveram submetidos aqueles que se
propunham a repensar a prática médica e a validade universal de seu saber. Campos ainda acredita que
o pensamento simplista de negação da prática médica sofreu influência do pensamento de Foucault ao
estabelecer a relação do papel da clínica e da psiquiatria com as relações de poder.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
sua autonomia respeitada quanto aos rumos dessa relação e do tratamento, enfim, que
sejam reconhecidos como sujeitos. O perfil dos profissionais que atuariam em defesa
da vida poderia ser assim expresso:
“... só asseguraremos o caráter integral ao sistema de saúde se no seu interior existirem
especialistas em saúde pública, capacitados para realizar uma série de ações próprias ao seu
campo e que outros profissionais não têm competência técnica nem tempo para executá-las.
(...) Por outro lado, só asseguraremos a superação da crise da eficácia da assistência médica
individual se incorporarmos à prática clínica normas e procedimentos oriundos do campo da
epidemiologia, Educação em Saúde e da Saúde Mental” ( Campos, 1994: 32).
Propunha -se,
um
movimento
que
contribuísse
para
o
rompimento
da
fragmentação do saber, que significasse uma retomada da clínica médica num patamar
superior e que incorporasse outras dimensões do conhecimento ao olhar o homem,
inclusive os aspectos da subjetividade que implicam no adoecer. A identificação de
formas alternativas de atenção derivaria dessa relação, que teria ainda como objetivo a
elevação da consciência sanitária de trabalhadores e usuários, “estabelecendo-se uma
relação pedagógica crítica, não se ignorando o conhecimento da população quanto aos
problemas de saúde e suas determinações sociais” (Silva Júnior, 1998: 101).
A partir dessa nova forma de relação a ser estabelecida nos serviços, baseada
em princípios democráticos, estariam organizados todos os serviços e, a partir da
mesma, seriam formuladas as políticas (Merhy, 1997). A organização do sistema teria
como base todos os atores, inclusive as instituições públicas e privadas, que deveriam
estar submetidos ao controle público de forma abrangente e não somente aos
mecanismos estabelecidos pelo SUS, devendo o controle social e a gestão ser
viabilizados através da garantia de participação dos usuários organizados socialmente
e efetivamente participando na elaboração das propostas de gestão (Silva Júnior,
1998).
A experiência iniciou em Campinas, no período 1989-1991, estendendo-se
posteriormente a: Piracicaba-SP, Ipatinga e Betim-MG, Volta Redonda-RJ e uma
versão na Santa Casa de Belém-PA, através de assessoria prestada pelo grupo do
Lapa.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Em resumo, os elementos da proposta “Em Defesa da Vida” revelam uma
preocupação com a mudança das práticas e serviços de saúde como conseqüência da
mudança que deve ocorrer na relação profissional / paciente, chamando a atenção
para os aspectos de subjetividade que estão implicados em tal relação, que não
deveria estar orientada somente nos aspectos epidemiológicos, uma vez que somente
os mesmos não dão conta da totalidade do processo de adoecimento / cura e pela
procura dos serviços de saúde.
Continuando o percurso de mapeamento das propostas e experiências que
objetivaram a mudança de modelo assistencial e das práticas de saúde, esboçaremos
a proposta de Cidades Saudáveis, cujo embrião surgiu em 1984, em Toronto, no
Canadá, e se propagou a partir de 1986 numa ação articulada pela Organização
Mundial da Saúde-OMS, que objetivava a construção de “... uma rede (network) de
cidades determinadas a procurar, em conjunto, novas maneiras capazes de promover a
saúde e melhorar o ambiente” (Galobart & Revuelta, 1989 e OMS, 1987 apud Silva
Júnior, 1998:65).
Apresentando aspectos de influência da Carta de Ottawa, principalmente no que
se refere ao principio da articulação das políticas públicas e ao estabelecimento de um
meio ambiente favorável à promoção da saúde, e da proposta de SILOS no que se
refere à reorientação dos serviços de saúde, a proposta Cidades Saudáveis concebe a
saúde como resultante do respeito à vida e defesa do ecossistema e apresenta a
intersetorialidade como estratégia principal para a promoção da saúde.
A expressão histórica dessa experiência no Brasil ocorreu em Curitiba, como
fruto das discussões sobre a Atenção Primária à Saúde - APS e a medicina
comunitária, tomando como base à experiência da Bahia – o SILOS - e sua
organização através de distritos sanitários.
A experiência “Saudicidade” (denominação dada à mesma) de Curitiba, como
conseqüência de uma adesão ao movimento “Cidades Saudáveis” da O.M.S. ocorre
formalmente em 1994, partindo da discussão sobre os “modelos sanitarizados”
implementados no setor saúde. O debate questiona a capacidade de solução dos
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
“problemas” apresentados pela população. Para ocorrer uma real promoção da saúde,
deveriam ser trilhados caminhos diferentes (Silva Júnior, 1998).
A proposta “Saudicidade” busca nos marcos conceituais históricos da promoção
da saúde, firmados na década de 70 por Marc Lalonde, então ministro da saúde do
Canadá, suas novas bases. Lalonde propõe o conceito de “campo da saúde”,
composto por quatro elementos: “biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e
organização da atenção à saúde como parte da dimensão ampliada através da qual a
saúde deva ser abordada nas políticas” (Gentile, 1999a: 9).
A mesma autora vai ainda afirmar que “... a grande contribuição desta visão
unificada foi relacionar as determinações como parte do processo para buscar a
melhoria das condições de saúde e a orientação preventiva” ( Gentile,1999 a: 9).
Percebe-se, desta forma, que a discussão sobre a resolutividade dos serviços de
saúde implicava na necessidade de ampliação do olhar para além dos próprios
serviços de saúde, buscando aproximar este às determinações das doenças, o que
significou, nessa perspectiva, os elementos colocados por Lalonde, uma vez que os
serviços deveriam ser organizados na relação com os outros fatores e não deveriam
ser assumidos como forma exclusiva de resolutividade.
Problematizando tais questões, Paim (1984), ao refletir sobre os determinantes
sociais da saúde, vai afirmar que existem dois enfoques básicos de leitura de tais
determinantes, quais sejam: o enfoque sistêmico e o enfoque histórico-estrutural.
O enfoque sistêmico ou “funcionalista” aponta os seguintes fatores que
influenciam o estado de saúde: a biologia humana, o ambiente (físico ou social) ou o
ecossistema em que estaria inserido o individuo e as populações, o estilo de vida e, por
fim, o sistema de saúde. Afirma, o referido autor, que o enfoque sistêmico simplifica
demais situações complexas e, mesmo contribuindo na descrição da situação de
saúde, não consegue explicá-la.
Além disso, por não se preocupar com a dimensão histórica e a organização dos
serviços, não consegue identificar alternativas reais de mudanças, trabalhando, tão
somente, no sentido de encontrar o equilíbrio entre os aspectos abordados. Para Paim
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
(idem), some nte a abordagem histórico-estrutural realiza a leitura a partir da dimensão
histórica, explica os determinantes da situação de saúde e elabora propostas reais de
mudança para a situação analisada.
A partir das colocações acima pontuadas, refletiremos sobre a proposta de
Cidades Saudáveis, que atualmente, conta com a adesão de diversos municípios
brasileiros, inclusive Aracaju.
Gentile (1999a), ao fazer o histórico da promoção da saúde e a defesa da
proposta implementada pelo Ministério da Saúde, retoma a declaração de Alma-Ata
afirmando que o conceito de saúde aí adotado a colocou como direito humano
fundamental, e, como conseqüência, constituiu-se como meta social mundial à
consecução do mais alto nível possível de saúde, o que tornou necessário a ação de
outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde.
Esse foi o desafio colocado para os diversos países. Em sua análise a autora vai
dizer que, em Ottawa, como coroamento de tal discussão, houve a “ampliação” da
concepção de promoção da saúde (a partir do conceito de Lalonde) e, após a
constatação das insignificantes mudanças que ocorreram nas práticas de saúde, que
continuavam voltadas para dentro de seu próprio seio, incorporou, nas discussões, a
importância e o impacto das dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais sobre
as condições de saúde. Colocando como pontos centrais das deliberações a criação de
políticas públicas saudáveis, fortalecimento dos recursos de saúde comunitária, criação
de entornos 2 favoráveis para a saúde, aprendizado, enfrentamento e reorientação dos
serviços de saúde.
É ainda Gentile (1999b) que, ao analisar os desafios do município saudável, a
partir da definição de Ottawa sobre promoção da saúde como um “processo de
capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde,
2
- Carol Buck, em 1984, analisando o “Informe Lalonde”, suas recomendações e sua implementação, vai
concluir que não aconteceram as mudanças previstas e necessárias nas políticas de saúde. Assim
sendo, vai propor a noção de entorno como o mais importante dos quatro elementos do campo da saúde
e que fatores do entorno podem contribuir positivamente ou negativamente para a situação de saúde,
não sendo possível melhorar os outros elementos do campo de saúde sem que haja mudança no
entorno (GENTILE, 1999 a: 9-10).
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
incluindo uma maior participação no controle desse processo” (Ministério da Saúde,
1999:12), levanta considerações sobre a importância da participação, uma vez que, na
sua concepção, município saudável não é um modelo para ser aplicado pelas
autoridades, de forma distante dos cidadãos, mas, uma estratégia da promoção da
saúde para o nível local.
No entanto, nessa análise, se a participação da comunidade é pré-requisito
fundamental, é também um desafio, pois, tal participação implica em assimilar o novo
padrão de gestão social embutido na proposta, uma vez que, “não raras vezes, ainda é
necessário superar vícios intervencionistas e corporativos de instituições públicas e
sindicais, incluindo alguns movimentos populares, que emperram ações, disputando os
espaços do poder local e temendo perder controles para uma nova dinâmica social”
(Gentile, 1999b:13).
O desafio consiste, portanto, no diálogo entre gestor e as organizações
populares, pois o “novo padrão de gestão” implica numa efetiva parceria entre o poder
público e as organizações populares na implementação de políticas públicas
saudáveis, conduzidas pelo prefeito municipal. Desta forma, pode incorrer num
processo de participação com normas e regras previamente estabelecidas, que
legitimem politicamente propostas e projetos que pode não estar em sintonia com os
anseios da população.
Nesse contexto de promoção da saúde, no qual se implementa o PSF e as
“Cidades Saudáveis”, analisaremos a proposta do PSF, que atualmente se constitui na
principal forma de atenção básica, e a sua implementação em Aracaju, não esquecendo
ainda que a Atenção Primária em Saúde assume significados diferentes para os
diversos atores envolvidos na construção da política de saúde, como todos os conceitos
que exprimem o olhar para uma realidade marcada por desigualdades estruturais. Que
proposta está sendo construída? Qual a relação existente entre seus agentes?
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
A partir dos elementos norteadores de tais propostas 3 tais como concepção de
saúde e doença, integralidade, regionalização e hierarquização, intersetorialidade e
participação comunitária, iremos analisar os fundamentos do Programa Saúde da
Família, estando alertas às diversas críticas que são dirigidas ao mesmo,
especificamente no tocante à receita simplificada de assistência à saúde preconizada
pelo Banco Mundial.
Para uma análise do Programa de Saúde da Família : que estratégia estamos
construindo?
O redesenho do SUS, estava sendo feito, basicamente em 1997, quando foi
elaborado o Plano de Objetivos e Metas do Ministério da Saúde, pelo Governo Federal,
no bojo das discussões sobre a redefinição do papel do Estado, no contexto da
globalização da economia.
Segundo o referido plano, a reforma do Estado deveria ser inserida em um
contexto amplo de mudanças, necessárias no modelo assistencial4 para a melhoria da
qualidade do setor público de saúde. Mudanças baseadas numa “visão integradora”,
capaz de articular diversos setores como pré-requisito para ati ngir este objetivo e a
“correta” descentralização das ações. Assim, para fortalecer a prevenção com ênfase
no atendimento básico, o Governo investe na melhoria da qualidade dos serviços,
através do “mutirão social pela saúde”, que objetiva promover a articulação intersetorial
e a participação da sociedade (Revista TEMA, RADIS, N° 14 de 1997).
3
Uma análise exaustiva sobre os elementos aqui referidos encontramos na obra, já citada, de Aluísio
Gomes da Silva Júnior, que, ao refletir sobre os Modelos Tecnoassistenciais em Saúde, define o
significado de cada um e sua importância no contexto de cada proposta. Nele nos baseamos, apesar
de não concordarmos com a totalidade das análises feitas ou que por nós seriam feitas a partir de um
novo olhar não tão estritamente “sanitário”.
4
“Os modelos assistenciais ou modelos de atenção à saúde podem ser
compreendidos como combinações tecnológicas estruturadas em função de problemas
de saúde (dano s e riscos) que compõem o perfil epidemiológico de uma dada
população e das necessidades sociais de saúde historicamente definidas. Não se
tratam de normas ou exemplos a serem seguir, mas sim de racionalidades diversas
que informam a práxis” (PAIM, 1993b: 493).
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Uma leitura possível das referidas propostas é que a de “restrição de cardápios”
tornando intencionalmente seletivas, aos pobres, as políticas sociais, orienta ção que
favorecia o estabelecimento de uma “cesta básica”, cujo produto principal consistia na
atenção básica. Tal proposta seguia as orientações das medidas de estabilização
econômica implementadas pelo Governo Federal e, na avaliação dos setores
representativos dos movimentos sociais, somente agrava a situação concreta de
existência de milhares de brasileiros que, devido às questões estruturais, demandam
assistência curativa. A dificuldade maior se encontrava, então, em definir, nessa
situação, o que seria cuidado básico.
As diretrizes políticas do Ministério da Saúde para o ano de 1997 colocavam,
ainda, como meta, no âmbito da prevenção com ênfase no atendimento básico, a
ampliação do PSF e do PACS-Programa de Agentes Comunitários de Saúde, como
forma de vencer os principais problemas estruturais da saúde do povo brasileiro.
Recoloca-se como tema de discussão a necessidade de mudança do modelo
assistencial.
Os modelos assistenciais hegemônicos no Brasil sejam eles, o médico
assistencial privatista, voltados basicamente para a demanda espontânea e
caracterizados como essencialmente curativos, reforçam a procura pelos serviços de
saúde só em casos de doenças. Deste modo, colaboram para que as instituições se
organizem para o atendimento daquela demanda ou para uma oferta de serviço
baseado em interesses de mercado, lógica também presente nos serviços públicos que
não se organizam para atender uma população definida, não produzindo alterações
significativas nos níveis de saúde. E por isso mesmo, geralmente é associado ao
modelo assistencial sanitarista. Este modelo, atua basicamente em campanhas com
caráter temporário, mobilizando, geralmente, grande quantidade de recursos humanos
e financeiros numa ação imediata que os programas não conseguem responder,
desestruturando assim a organização cotidiana dos serviços.
Analisando a forma de organização da assistência que geralmente esteve
estruturada nos programas especiais, a construção de modelos alternati vos teria como
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
objetivo fundamental uma mudança em tal forma de ação. Consiste, basicamente, em
ultrapassar uma organização dos serviços baseada principalmente na demanda
espontânea, o que inicialmente não implicaria em desconsiderá-la, mas partindo dela,
objetivava construir um atendimento com oferta organizada em nível local, referenciado
nas necessidades de saúde apresentadas por uma população de um território definido
com critérios geográficos, epidemiológicos, sociais e culturais, observando atentamente
os impactos aí produzidos a partir da ação.
A noção de oferta organizada em nível local, como forma de garantir a
integralidade da atenção, provoca a discussão sobre distritos sanitários e sobre área
adscrita a uma Unidade de Saúde, pressupõe também, e fundamentalmente, uma
redefinição da prática do planejamento, que historicamente ocorreu de forma
centralizada e verticalizada e sem uma observação dos aspectos epidemiológicos de
cada realidade específica, devendo, agora, buscar novas metodologias para atender
esse fim. Para tanto, torna -se fundamental que as equipes de saúde tenham autonomia
para realizar seus planejamentos de acordo com o diagnóstico local, garantindo a
participação de todos os atores interessados no processo e apresentando, a partir daí,
formas alternativas de enfrentamento das questões que extrapolem, inclusive, uma
ação restrita no setor saúde, mas possibilite a promoção da mesma, procurando
compatibilizar a demanda espontânea com a oferta organizada de serviços.
A partir de alguns elementos norteadores que estiveram presentes nas
propostas históricas de mudança de modelo assistencial no Brasil, tais como:
concepção de saúde e doença, integralidade, regionalização e hierarquização,
intersetorialidade, a proposta educativa e a participação comunitária, elaboramos a
análise
sobre
os
fundamentos
do
Programa
Saúde
da
Família.
Atentas,
especificamente, no tocante à receita simplificada de assistência à saúde preconizada
pelo Banco Mundial, tentando identificar os aspectos que as justificam.
Em 1991, o Ministério da Saúde implantou o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde - PACS, momento considerado como primeira fase do PSF, que surgirá em
1994 com a sua implantação em nível nacional, incorporando e ampliando a atuação
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
dos Agentes Comunitários de Saúde e tendo como grande missão o reordenamento do
modelo assistencial.
Nesta concepção, o PSF constituiria um modelo de assistência à saúde que
desenvolveria ações de promoção, proteção e recupera ção à saúde do indivíduo e da
família, reafirmando os princípios do SUS e utilizando-se de equipes de saúde para o
atendimento na Unidade Local e na comunidade, no nível de atenção primária. As
equipes deveriam ser formadas por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de
enfermagem e um quantitativo de quatro a seis agentes de saúde, tal como
preconizadas pelo Ministério da Saúde que afirma: “ao contrário da idéia que se tem
sobre a maioria dos programas em nível central, o PSF não é uma intervenção vertical
e paralela às atividades dos serviços de saúde: é uma estratégia que possibilita a
integração e promove a organização em um território definido” (2000:05).
Percebe-se, assim, que o PSF não se propõe a uma ação pontual e desarticulada
da proposta de ação para um determinado município. Sua adesão ao mesmo, só pode
constituir-se após aprovação pelo Conselho municipal de Saúde e pela Comissão
Intergestora Bipartite; não teria natureza verticalizada, devendo a ESF atuar em um
território com população definida. Não seria um “Programa” uma vez que não teria
início e fim pré-determinado, mas sim uma estratégia.
A idéia básica é que uma Unidade de Saúde da Família substituiria as práticas
fragmentadas e verticalizadas por uma nova ação em equipe e não por profissionais
que atuam isoladamente, devendo desenvolver a atenção básica de forma integral aos
indivíduos e famílias, com garantia de referência e contra-referência. Tais princípios
requerem, por sua vez, a necessidade premente do conhecimento das famílias, não só
em nível epidemiológico, como social e cultural, identificando os principais problemas
de saúde e situações de risco a que a população está submetida.
Por sua vez, o planejamento das ações deveria ocorrer a partir da realidade local,
com a participação da população. A assistência deve ser prestada de forma que não
atenda tão somente à demanda espontânea, mas que ocorra tanto na Unidade, na
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
comunidade ou no domicílio. Por fim, é proposto que no enfrentamento dos problemas
de saúde identificados, sejam desenvolvidas ações educativas e intersetoriais.
Como a estratégia apresentada propõe o rompimento com um tipo de prática
tradicional, pressupõe uma ação baseada em novos paradigmas. Um complicador para
sua implantação é a formação dos recursos humanos da área da saúde, centrada na
lógica onde predomina o olhar no indivíduo não contextualizado, na doença e não na
saúde, na informação e não na educação. É evidente a necessidade de requalificar a
ação dos profissionais, desde capacitação introdutória - de curto prazo e para
sensibilização em relação a nova proposta - a uma capacitação em longo prazo que
prevê a formação em nível de graduação e residência em saúde da família. Para tanto,
devem ser criados, nos Estados, Pólos de Capacitação em articulação com as
Instituições formadoras.
O Ministério da Saúde ao formular a proposta do PSF, propõe em nível de
conceituação que o mesmo “é uma estratégia que prioriza as ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família (...)” (2000:05),
objetivando a substituição do modelo tradicional de assistência à saúde, que tem
centralidade na prática curativa, preocupação esta que, como vimos, persiste
historicamente.
O programa incorpora e reafirma os princípios inscritos no Sistema Único de
Saúde quais sejam: universalidade, descentralização, integralidade e participação da
comunidade. Com relação à concepção de saúde, embora não esteja explícita na
proposta do Ministério da Saúde, cremos que reafirma-se a compreensão inscrita na
Constituição, na qual são consideradas as condições de vida da população como
necessárias para o entendimento dos processos saúde-doença.
A integralidade como outro princípio que norteia o SUS, expressa-se no bojo do
programa, no conjunto de atribuições das equipes de saúde, para responder “de forma
contínua e racionalizada à demanda organizada ou espontânea” (ibdem:07), ou seja,
como um modo do sistema responder as demandas da população. Não como uma
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
maneira de entender os problemas de saúde apresentados pelos sujeitos e a
coletividade.
A eqüidade, que preserva na intervenção dos profissionais e do sistema de
saúde as diferenças em relação à realidade das localidades, aparece apenas nas
entrelinhas, nas preocupações com o diagnóstico social que proporciona o
conhecimento acerca das mesmas. Por outro lado, apesar de referir-se à necessidade
de realização de diagnóstico que apresente as características sociais, demográficas e
epidemiológicas, não proporciona destinação melhor a estas informações senão a
compilação de dados quantitativos que demonstrem a resolutividade do sistema e o
acesso aos recursos destinados ao programa. Portanto, Minimiza seu papel em relação
à “estratégia” de reorganização dos serviços e a “reorientação dos modelos
assistenciais dominantes” (Paim, 199 :499).
Quanto ao princípio da universalidade, algumas problematizações são
necessárias. A universalidade no Sistema Único de Saúde significou a inserção das
camadas populacionais que, por encontrarem-se à margem do mercado de trabalho e
não contribuírem para o sistema previdenciário, também não o acessavam. Realiza -se
agora, através de justificativas quanto aos limites dos recursos para investimento nas
políticas sociais, o processo inverso – o da exclusão de outras camadas populacionais.
É no mínimo contraditório que se coloque a reafirmação deste princípio, quando,
na atual conjuntura, parcelas de trabalhadores (ainda) assalariados passam por um
processo de achatamento salarial progressivo e outras são jogadas no desemprego
sem perspectiva de novas inserções, mesmo entre as camadas outrora consideradas
médias entre o conjunto da população. Identificamos tal contradição quando
concordamos que “o SUS não foi concebido, constitucionalmente, na perspectiva de
assistência social para os pobres e indigentes, e sim para garantir integralmente o
direito à saúde de todos os cidadãos, independente da sua situação sócio-econômica”
(ibidem:497)
Um outro aspecto, que pontuamos como importante na formulação do Programa,
é a alteração do modelo assistencial tradicionalmente marcado pela hegemonia médica
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
e pela fragmentação e individualização das ações, incorporado pelo mesmo,
apresentando como responsabilidade da equipe básica, dentre outras, “ações
educativas e intersetoriais para o enfrentamento dos problemas de saúde identificados”
(Ministério da Saúde, 2000:07).
Acreditamos que o desenvolvimento de ações educativas pêlos profissionais,
exige que as Secretarias Municipais de Saúde assumam institucionalmente as práticas
educativas - como processos que precisam ser fomentados, - tanto do ponto de vista
de mudança no pensar e fazer dos profissionais, como pela necessidade de construção
de uma nova forma de acompanhamento e avaliação por parte das equipes centrais.
Da maneira como foram elaboradas as propostas educativas, não ficam claros os
mecanismos de operacionalização, ou mesmo qual o nível de prioridade em que se
encontram.
O
desenvolvimento
alteração/transformação
do
de
modelo
ações
educativas,
assistencial,
requer
na
perspectiva
de
necessariamente
uma
articulação/interface com outras políticas para obtenção da integralidade do direito à
saúde, ou seja, políticas públicas de âmbito coletivo: saneamento básico, preservação
do meio ambiente, moradia, trabalho, renda etc., o que deve estar explicitado na
estratégia geral.
Desta forma, a plena efetivação de um modelo assistencial preventivo,
promocional e protecionista da saúde, implica na alteração de práticas no âmbito da
saúde, tanto do ponto de vista institucional (planejamento, acompanhamento e
avaliação qualitativos), como do ponto de vista dos diversos profissionais, que devem
abordar as questões enfrentadas a partir da ação em equipe.
Há a necessidade e urgência de um processo de reordenamento das redes
municipais, criando sistemas de referência e contra referência - o que pouco tem sido
feito nesse sentido - como pouco se tem avançado na definição dos limites da ação e
capacitação dos profissionais em Assistência Primária à Saúde que passaram de
“especialistas” para “generalistas”.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Uma ve z expostos nossos argumentos, podemos interrogar o modo pelo qual a
Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju tem efetivado a implantação do PSF, e se há
a garantia de uma nova postura dos profissionais absorvidos pelo Programa.
Interrogamos, sobretudo, se o PSF, neste município, tem contribuído para a construção
de um novo modelo de assistência à saúde.
A Constituição do Programa Saúde da Família no Município de Aracaju
As questões a que nos referimos estarão centradas, primordialmente, no período
relativo as duas últimas gestões do sistema único de saúde do município de Aracaju.
Em 1998, quando foi implantado o programa, após seleção entre os profissionais da
rede municipal para composição das equipes, foram realizados seminários de
sensibilização e apresentação da proposta do mesmo, com as diversas categorias
profissionais, cada uma reunida em dias diferenciados.
Buscava-se, naquele momento, uniformizar o conhecimento dos profissionais
acerca do PSF, mas a metodologia adotada - cada categoria discutindo isoladamente
entre seus pares - a nosso ver, significou um deslanchar já fragmentado.
O procedimento deveria colaborar para o entendimento do “espírito” do
programa, iniciando um diálogo com os diversos profissionais que hoje o compõe:
médicos, enfermeiras, assistentes sociais, odontólogos e agentes comunitários, de
maneira a debater especificidades e alguma unidade em torno do trabalho coletivo, o
que não aconteceu.
Apesar do discurso demonstrar preocupação e importância relativa à capacitação,
ao planejamento das equipes de saúde, ao acompanhamento e avaliação das ações,
na prática não foram criados mecanismos de estímulo à implantação de novos
procedimentos. O diagnóstico social não tem sido desenvolvido por todas as equipes,
no entanto, ele deveria ser o primeiro instrumento a alimentar a produção de um novo
tipo de relação entre o serviço de saúde, via equipe de saúde da família, com a
população.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Além do que, as capacitações desenvolvidas foram tão somente no sentido da
instrumentalização para a intervenção com os “grupos doentes” (hipertensos,
diabéticos etc.) não no sentido de uma ação mais ampla, preventiva, promocional e
protecionista, como identificam alguns profissionais entrevistados e como está inscrito
na proposta do programa.
Conta também, o fato de os profissionais absorvidos no programa, serem da
própria rede municipal e terem construído sua intervenção no modelo curativo, na qual
a ação individual é a marca fundamental, com pouca ou nenhuma experiência de
trabalho comunitário. Há lacunas, nesse aspecto, na própria formação dos profissionais
da área da saúde, que em geral desvalorizam disciplinas relacionadas a saúde coletiva
e subestimam a importância do conhecimento acerca dos problemas de saúde
derivados das condições de vida.
Percebeu-se imensa dificuldade de constituição das mesmas, tendo por diversas
vezes ocorrido “intervenção” da equipe central no “desmonte” e reordenamento
naquelas que apresentavam maiores “conflitos”.
Em boa medida, as dificuldades eram de relacionamento dentro das próprias
equipes e entre estas e a comunidade. O resultado configura-se como uma ação, na
qual ainda predominam as iniciativas individuais, com enfoque essencialmente curativo
e, no máximo, curativo.
Mesmo assim, algumas equipes conseguiram dar saltos de qualidade, elaborando
projetos de intervenção intimamente relacionados aos problemas das comunidades,
numa ação articulada com os Conselhos Locais de Saúde, além do desenvolvimento
de uma reflexão sobre o trabalho em equipe, no sentido, de romper com a
fragmentação das ações.
A atual gestão municipal parece-nos preocupada em melhor precisar as
demandas da população e reorientar o programa na direção dessas reais demandas. A
principal iniciativa é a mobilização dos cidadãos aracajuanos para a Conferência
Municipal de Saúde, cuja organização mobiliza todos os profissionais, além das
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
discussões sobre o Orçamento Participativo que acontece nas diversas comunidades e
“exige” o envolvimento de todos nas discussões.
Parece-nos, contudo, que a Conferência Municipal de Saúde não conseguirá
reorientar o modelo de gestão, na medida em que, o processo de diálogo entre o gestor
e a população foi prejudicado pelo excesso de cuidado com possíveis divergências.
Perderam igualmente a população e o gestor, a oportunidade de inovar, de criar um
sistema municipal de saúde capaz de reorientar o PSF na direção de efetivar o
conceito de saúde.
A opção pelo modelo “Saudicidade” de gestão da política de saúde, não se
constitui ainda numa parceria entre a população e o gestor, principalmente por decorrer
de um processo político, que ao invés de buscar a legitimidade do “novo padrão de
gestão”, coloca a participação popular como uma necessidade de integração e adesão
a nova proposta. Fere, portanto, os princípios de respeito à vida e defesa do
ecossistema, na medida em que não oportuniza o diálogo entre os que vivem a
realidade em todas as suas dimensões, inclusive ambiental e os que reconhecem suas
dificuldades.
A ausência organizativa de um sistema de referência e contra-referência encerra
o PSF em si mesmo, não o coloca em relação com o restante do sistema. Por fim, a
estratégia de intersetorialidade que pretende dar conta do entorno da saúde, pode
promover obras estruturais de grande relevância à população, mas precisa contar com
a sensibilidade dos profissionais – o que atualmente vem sendo desenvolvido pelos
Assistentes Sociais – na construção de propostas de intervenção nas localidades que
superem a mera assistência e por vezes o assistencialismo.
Assim, o PSF significa uma proposta de mudança do modelo assistencial, mas
que necessita ser confrontado com as questões conjunturais, na tentativa de acercarse dos limites colocados e os avanços conquistados. Entendemos que as formulações
gerais permitem espaços de relativa mobilidade por parte das equipes e que a
verdadeira mudança se processará a partir de uma ação articulada das mesmas com a
população, entendendo suas falas e encaminhando suas ações a partir delas.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
Possibilitando alterações de ordem institucional (gestão), de âmbito mais geral,
principalmente no que diz respeito a (re)situar os aspectos preventivos e promocionais
do programa Saúde da Família, em sua capacidade de articulação com os princípios do
SUS e demais políticas públicas de enfoque econômico e social.
A Inserção dos assistentes sociais: alguns elementos de construção da prática
A partir de um seminário intitulado “Reordenando a prática do Serviço social na
Secretaria Municipal de Saúde” os profissionais reivindicaram sua absorção no
Programa Saúde da Família, como forma de ampliar o leque de habilidades no mesmo,
apoiados pelo CRESS-18º região, cuja proposta foi aprovada na V Conferência
Municipal de Saúde de Aracaju. Assim sendo, em setembro de 1998, a Secretaria de
Saúde seleciona e incorpora dez destes profissionais para composição das primeiras
equipes.
Tendo em vista que não existia uma definição quanto aos objetivos do trabalho
dos assistentes sociais no Programa Saúde da Família, ou seja, um fio condutor que
costurasse os demais objetivos expressos nos diversos projetos construídos para o
programa, os profissionais assumiram como tarefa inicial a discussão coletiva de uma
proposta de intervenção, que resultou num conjunto de atribuições e alguns projetos
específicos.
A preocupação reveste-se de suma importância, uma vez que a ausência de
objetivo permite um vazio de direção na ação do assistente social e fragiliza a
“discussão sobre as particularidades da prática profissional nos serviços públicos de
saúde, (...) na tensão existente entre as exigências do mercado e a idealização dos
profissionais sobre as suas ações profissionais” (Costa, 2000:39).
Assim, a interrogação sobre o que pretendia a ação profissional do assistente
social no Programa Saúde da Família, impulsionou os profissionais nele inseridos a
visualizarem que seria o desenvolvimento de “ações de caráter educativo na promoção
da saúde e prevenção das doenças e seus agravos, numa perspectiva de construção e
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
exercício da cidadania, vendo o indivíduo como o ser em sua totalidade” (Secretaria
Municipal de Saúde, 1998:02).
O exercício da cidadania, neste caso, corresponderia ao objetivo mais amplo da
prática profissional no trabalho coletivo, contribuindo efetivamente para a discussão e
construção de novas relações entre a equipe de saúde e a população, imprimindo uma
ação não tão fortemente centrada na doença.
As assistentes sociais sentiram dificuldades em afirmar as suas funções nas
equipes, uma vez que a efetivação dos seus objetivos requer uma ação articulada com
a comunidade, em interface com as outras políticas públicas, buscando a promoção da
saúde, enquanto o momento vivido ainda era de articulação interna.
Nesse aspecto, avaliamos que a contribuição para a construção do “espírito de
equipe” por parte dos assistentes sociais poderia ter sido bem mais incisiva, tendo em
vista a relativa experiência desses profissionais, no trabalho com grupos e
comunidades. De forma geral, os assistentes sociais deixaram-se conduzir pelos
argumentos dos que pretendiam continuar numa prática centrada nos consultórios.
Uma outra questão que pontuamos nesse processo foi a falta de uma articulação
maior entre os próprios assistentes sociais, em torno da definição de uma estratégia
para a superação das dificuldades encontradas. As divergências quanto ao caminho a
ser trilhado, ou seja, as diferentes opções teóricas, causaram uma certa disputa entre
os grupos formados.
Infelizmente o debate não serviu para avançar a ação, mas, ao contrário,
contribuiu para o engessamento dos próprios assistentes sociais, que não conseguiam
realizar avaliações efetivamente coletivas e encaminhar as suas ações a partir daí. Tais
posicionamentos servem como base de crítica para a equipe central, que não
demonstrava satisfação com a ação desses profissionais e questionava, inclusive, a
sua inserção no Programa.
Na 1ª Mostra Nacional de Produção em Saúde da Família, realizado em Brasília,
em 1999, os assistentes sociais, apresentam materiais resgatando o processo de
inserção dos mesmos no Programa Saúde da Família, bem como atribuições, projetos
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28
O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
nos quais estão envolvidos e uma pequena análise dos desafios e possibilidades do
programa, o que nos faz crer, que a construção de um novo espaço de ação
profissional – embora tímido - está sendo forjado. No enfrentamento dos limites do
cotidiano e na possibilidade de construção de estratégias mais consensuais de ação
profissional.
Algumas considerações finais
Deste modo, à medida que o PSF supere os desafios circunstanciais em que se
encontra aprisionado, devido não apenas às próprias contradições da proposta em si,
mas principalmente derivados de uma prática médico-curativa, arraigada nas
experiências profissionais e no sistema de saúde, é possível que o milho de pipoca
possa tornar-se uma flor branca e macia. Enfrentando, primordialmente, mudanças
paradigmáticas, tanto do ponto de vista teórico em relação ao modelo assistencial,
como em sua construção prático-operacional.
Nesse sentido, instrumentos de monitoramento e avaliação qualitativos podem
colaborar para um acompanhamento das ações pelo gestor e, ao mesmo tempo,
favorecer planejamentos mais sintonizados com as realidades locais. Consiste,
sobremaneira, em estimular e desafiar os profissionais a alterar significativamente seu
modo de ver e fazer saúde junto à população.
Um programa dessa natureza exige a adesão das equipes de saúde que não
pode ser meramente imposta, mas pode ser alimentada pelo diálogo e reflexão em
torno dos problemas que o cotidiano de atendimento no serviço revelam, bem como,
em termos do novo tipo de aproximação que as comunidades trazem à tona.
É esta uma nova sensibilidade que o gestor municipal deve estar atento, aberto
para as sugestões das equipes de saúde e dos conselhos locais de saúde, modificando
não apenas o sistema de saúde no que ele tem de lógica formal, mas, principalmente
no que possui de humanização por dentro dos serviços, a se iniciar por um processo
educativo interno de revalorização dos técnicos e profissionais de apoio e no fomento
de alteração da cultura do clientelismo para a saúde como direito.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
A implantação de modelos assistenciais de gestão no campo da saúde, para
inovar na relação com a população, deveria antes de tudo explicitar as diferenças entre
os paradigmas que os orientam, para que a população pudesse ter claro, as
implicações da opção pelo modelo “Saudicidade”, seus limites e possibilidades.
A participação, considerada como integração à proposta, que foi previamente
elaborada como uma decisão do gestor municipal que não pode ser revogada, não
pode ser considerada como participação efetiva. Significa criar um vazio de
legitimidade à proposta, que provavelmente servirá para criar mais dificuldades à sua
execução do que a adesão dos profissionais e população.
Aos profissionais da saúde, cabe muito mais do que o mero atendimento, ou a
construção de um novo tipo de relação com as famílias e a população em geral. A
informação, o respeito e a intervenção mútua na elaboração da política de saúde são
partes integrantes dessa relação. Tais aspectos ampliam a legitimidade do modelo de
assistência e suscita maior adesão por parte dos que executam a política de saúde,
porque se sentem co-responsáveis por ela.
Transformar-se pelo poder gestionário (o fogo das circunstâncias), num sistema
de saúde efetivamente promocional, preventivo e protecionista da saúde, a partir da
potencialização de um outro pensar e fazer das equipes de saúde e do sistema de
saúde em sua amplitude é o que se espera. Enquanto o fogo das circunstâncias não
esquentar o suficiente a panela, o milho de pipoca não poderá dar o salto, estourar,
transformar-se naquilo que deve ser – a flor branca – e, portanto, realizar a plenitude
da assistência a saúde.
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O Programa Saúde da Família no Município de Aracaju: a pipoca que (ainda) não estourou
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