NICHO TRÓFICO E ECOMORFOLOGIA DE DUAS ESPÉCIES DO GÊNERO
Astyanax (CHARACIDAE) NO RIO CORRENTE, SUDOESTE DE GOIÁS.
Camila Leite Pereira1, 4 ; Daniela Ferreira de Andrade2, 4; Ronaldo Angelini3, 4
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4.
Bolsista PBIC/UEG
Bolsista PVIC/UEG
Pesquisador – Orientador
Curso de Ciências Biológicas, Unidade Universitária de Ciências Exatas e
Tecnológicas, UEG.
RESUMO : O objetivo deste trabalho é descrever e quantificar a dieta, além de analisar
possíveis diferenciações ecomorfológicas entre duas espécies de Astyanax: Astyanax
altiparanae (lambari do rabo amarelo) e Astyanax fasciatus (lambari do rabo vermelho),
ambas ocorrendo no Rio Corrente (sudoeste de Goiás). Para quantificar a dieta foram feitas
análises dos conteúdos estomacais em microscópicos estereoscópio e óptico onde foram
separados os diferentes itens alimentares e examinados até o menor nível taxonômico
possível. Foram realizadas 25 medidas morfométricas lineares e calculadas seis áreas nas duas
espécies de peixes . Estas informações foram sintetizadas numa análise dos componentes
principais (PCA). O hábito alimentar generalista das duas espécies de Astyanax ficou bem
caracterizado pelos resultados obtidos. Segundo o cálculo da largura do nicho utilizando o
índice de Lewis padronizado, pelo procedimento Jaccknife, os resultados indicam que A.
altiparanae e A. fasciatus tem riqueza de itens alimentares semelhantes. A análise dos
componentes principais dos dados morfométricos mostrou que a maior parte da variação
(60,57%) foi explicada pelo primeiro componente principal, indicando que as variáveis
Comprimento do Pedúnculo (CPd), Comprimento do Focinho com a Boca Aberta (CFA), e
Comprimento do Focinho com a Boca Fechada (CFF) são maiores em A. fasciatus.
Palavras – chaves: dieta, ecomorfologia, Astyanax altiparanae, Astyanax fasciatus
Introdução
De acordo com Ross (1986) ao contrário dos organismos terrestres, para os quais a
segregação de habitat é mais importante, para as comunidades aquáticas a segregação trófica
tem se mostrado a mais expressiva, e peixes, por exemplo, diferem quanto ao tipo de alimento
consumido mais que qualquer outro grupo de vertebrados, indicando que embora haja
especializações do hábito alimentar há também considerável plasticidade que confere
vantagens às espécies generalistas em relação às especialistas (Lowe-MConnel, 1999).
Espécies fenotipicamente muito próximas e com adaptações semelhantes para uso dos
recursos apresentam forte potencial para competição (Abrams 1983; MacArthur & Levins
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1967) entretanto, em ambientes tropicais a competição pode ser reduzida devido à
flexibilidade alimentar apresentada pela maioria das espécies (Araújo-Lima et al., 1995; Kido,
2001), que pode estar relacionada com a disponibilidade de recursos no ambiente (LoweMcConnell, 1979) e/ou com as características morfológicas que possibilitam o uso do recurso
disponível (Wainwright & Richard, 1995).
Neste contexto, entre os peixes Characidae, o maior número de gêneros concentra-se
na família Tetragonopterinae, e o Astyanax Baird & Girrard, 1854, cujo nome popular mais
conhecido é lambari, é um dos mais ricos em espécies e o de distribuição geográfica mais
ampla. As espécies de Astyanax apresentam aparentemente, pouca diferenciação morfológica,
ecológica e comportamental, sugerindo um grupo em especiação recente (Gurgel, 2004). Por
essa razão elas representam um ótimo modelo para estudar como a diferenciação de uso de
recursos pode ser importante para a co-ocorrência de espécies.
O objetivo deste trabalho é descrever e quantificar a dieta, além de analisar possíveis
diferenciações ecomorfológicas entre Astyanax altiparanae (lambari do rabo amarelo) e
Astyanax fasciatus (lambari do rabo vermelho), ambas ocorrendo no Rio Corrente (sudoeste
de Goiás).
Material e Métodos
1. Área de estudo - A coleta de dados foi realizada na bacia do Rio Corrente,
afluente pela margem direita do Rio Paranaíba (situada na bacia do Rio Paraná), localizada
entre os paralelos 17º35 e 19º18 de latitude sul e entre os meridianos 50º50 e 53º10 de latitude
oeste.
2. Coleta - Foram realizadas seis coletas de ambas as espécies para a retirada dos
estômagos. Para a coleta foram escolhidos oito pontos de amostragem, distribuídos em zonas
de remanso do rio Corrente e de seus tributários. Cada um dos pontos foi dividido em duas
estações, com quatro redes de espera com as seguintes malhagens: 12, 15, 20 e 25 mm de
comprimento entre nós opostos. Após a captura, foram retirados os seus estômagos, que
foram pesados e fixados em formol 4%,e posteriormente colocados em recipientes contendo
álcool 70%.
3. Análise dos Conteúdos Estomacais e Parâmetros de Avaliação - A análise dos
conteúdos estomacais foi realizada sob microscópico s estereoscópio e óptico onde foram
separados os diferentes itens alimentares e examinados até o menor nível taxonômico
possível. Os volumes foram obtidos por deslocamento da coluna d’água utilizando uma
bateria de provetas graduadas. Para volumes menores foi utilizada uma placa milimetrada
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onde o volume é obtido em mm3 e posteriormente transformado em ml (Hellawell &
Abel,1971).
Os conteúdos foram examinados utilizando-se o método volumétrico, ou seja,
realizou-se a soma dos itens encontrados em todos os estômagos e posteriormente os dados
obtidos foram lançados em uma tabela para posterior análise.
Para avaliar a amplitude da dieta de cada espécie foi calculado o índice de Levins (B)
(Krebs, 1989). Cuja fórmula é apresentada pela equação:
B =Y2
∑ Nj
2
Onde:
B= índice de Lewins de largura do nicho;
Nj= número de indivíduos encontrado usando o recurso j;
Y= S Nj= total numérico de indivíduos amostrados.
Para avaliar a riqueza estimada dos itens alimentares e a largura do nicho padronizada
e calculada pelo índice de Levins, foi utilizado o procedimento não paramétrico jackknife.
O estimador Jackknife é definido como:
Onde:
S jack1 = riqueza estimada pelo procedimento Jackknife 1;
S obs = riqueza observada;
Q1= número de espécies que ocorrem em apenas uma amostra;
m= número de amostras.
Para essa análise foi usado o software EstimateSWin 7.5 (Colwell 2000).
4. Ecomorfologia - De acordo com Oliveira (2005), foram realizadas 25 medidas
morfométricas lineares e calculadas seis áreas: comprimento padrão (CP), altura máxima do
corpo (AlMCp), altura da linha mediana do corpo (AlLM), largura máxima do corpo (LMCp),
comprimento do pedúnculo caudal (CPd), altura do pedúnculo caudal (AlPd), largura do
pedúnculo caudal (LPd), comprimento da cabeça (CCb), altura da cabeça (AlCb), largura da
cabeça (LCb), comprimento do focinho com a boca fechada (CFF), comprimento do focinho
com a boca aberta (CFA), altura do olh o (AlO), altura da boca (AlBo), largura da boca (LBo),
comprimento da nadadeira dorsal (CD), altura da nadadeira dorsal (AlD), comprimento da
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nadadeira caudal (CC), altura da nadadeira caudal (AlC), comprimento da nadadeira anal
(CA), altura da nadadeira anal (AlA), comprimento da nadadeira peitoral (CPt), altura da
nadadeira peitoral (AlPt), comprimento da nadadeira pélvica (CPv), altura da nadadeira
pélvica (AlPv), área do olho (AO), área da nadadeira dorsal (AD), área da nadadeira caudal
(AC), área da nadadeira anal (AA), área da nadadeira peitoral (APt) e área da nadadeira
pélvica (APv).
Para a análise dos componentes morfométricos utilizou-se a análise dos componentes
principais (PCA).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Dieta - Foram analisados 86 estômagos de A. altiparanae e 55 de A. fasciatus e
ambas apresentaram amplo espectro alimentar. Os itens de maior ocorrência na dieta das duas
espécies foram: insetos terrestres com predominância de Hymenoptera, componente vegetal
terrestre com predomínio de fruto, além de algas, macrófitas, detrito e sedimento. A.
altiparanae demonstrou preferência alimentar por escama, Hemíptera, Ephemeroptera
enquanto que A. fasciatus preferiu resto vegetal, resto de insetos, Isoptera, Coleóptera.
O hábito alimentar generalista das duas espécies de Astyanax ficou bem caracterizado
pelos resultados obtidos, sendo coerente com o que consta na literatura (Gaspar da Luz &
Okada 1999; Andrian et al., 2001). As espécies possuem tendência à insetivoria já que em A.
altiparanae a ingestão de insetos representou 53% da dieta total e em A. fasciatus, 56%.
A riqueza dos itens alimentares estimada pelo procedimento Jaccknife, mostrou que A.
altiparanae utilizou 28 dos 31(+- 1,94) itens e A. fasciatus utilizou todos os itens estimados, ou
seja, para as duas espécies não houve nenhum item alimentar que ocorreu em apenas numa
amostra, logo o método de coleta foi adequado para inferir a riqueza dos itens, e demonstra
um comportamento oportunista das espécies.
Segundo o cálculo da largura do nicho utilizando o índice de Lewis padronizado,
também pelo procedimento Jaccknife, os resultados indicam que A. altiparanae e A. fasciatus
tem riqueza de itens alimentares semelhantes: 0,0035 (+- 0,0459) e 0,0087 ( +- 0,0744)
respectivamente, apresentando sobreposição dos intervalos de confiança (estatisticamente
similares). Assim, o valor estimado nesta análise que avalia o indivíduo e não a
espécie,mostrou que os indivíduos se portam de maneira especialista.
2. Ecomorfologia - A análise de componentes principais, aplicada sobre a matriz
combinada dos atributos morfológicos de A. altiparanae e A. fasciatus, permitiu a
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identificação dos caracteres ecomorfológicos que diferenciam as duas espécies através dos
dois primeiros componentes principais, onde 66,13% da variação foi acumulada. A maior
parte da variação (60,57%) foi explicada pelo primeiro componente principal, indicando que
as variáveis Comprimento do Pedúnculo (CPd), Comprimento do Focinho com a Boca Aberta
(CFA), e Comprimento do Fo cinho com a Boca Fechada (CFF) são maiores em A. fasciatus.
A combinação destas variáveis, ao longo deste componente permitiu a identificação de dois
fatores importantes para a discriminação das espécies: agilidade natatória e tamanho potencial
da presa.
O segundo componente principal explicou 5,56% da variação e foi influenciado pelo
Comprimento Padrão (CP) e Altura Mediana do Corpo (AILM) que apresentaram maiores
valores em A. altiparanae.
Segundo esta análise pode-se afirmar que indivíduos de A. fasciatus são bons
nadadores e devido a relação CFA/CFF, ser alta pode-se presumir que os mesmos alimentamse de presas pequenas, uma vez que protraem mais as mandíbulas (Allev, 1969; Gosline, 1971
apud Oliveira, 2005).
CONCLUSÃO
Conclui-se que as duas espécies de peixes apesar de terem uma dieta muito semelhante
possivelmente não são competidoras tanto intraespecífica quanto interespecífica, pois os
espécimes mostraram-se bastante especialista e oportunista, podendo então usufruir dos
recursos disponíveis no ambiente de forma igualitária. Já em relação as análises morfológicas
conclui-se que A. fasciatus possui diferenciações fenotípicas que promove aos indivíduos
alimentarem-se de itens menores que A. altiparanae alimenta-se.
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