Nome do autor : Arthur de Aquino Instituição : Unicamp – Universidade Estadual de Campinas Titulação: mestrando Endereço: Rua Manacá, 265 – Jardim das Flores. Osasco/SP. Email: [email protected]; telefone: (11) 36828255 Título da proposta : A Consolidação do Projeto Industrialista à Luz da Controvérsia em torno do Planejamento Econômico entre Simonsen e Gudin (1935-1945) Resumo Este artigo é resultado de uma pesquisa em andamento sobre a controvérsia em torno do planejamento econômico, entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen. O objetivo aqui é elucidar a partir dessa controvérsia o projeto de nação da fração de classe burguesa industrialista resultante dessa luta pela hegemonia, a partir de um referencial gramsciano. Entenderemos o projeto de nação industrialista a partir da ação de Roberto Simonsen, enquanto intelectual orgânico dos industriais. A importância dessa pesquisa consiste na compreensão do processo de gênese do ordenamento ideológico do segmento industrialista e à centralidade do processo tomada num âmbito não estatal (nos Congressos industrialistas) e no debate público. Palavras chave: pensamento social brasileiro; Estado Novo; industrialização; planejamento econômico Introdução Este artigo consiste na análise da controvérsia em torno do planejamento econômico, no período 1935-45, entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, a partir da análise dos anais do I Congresso Brasileiro de Economia (1943) e a produção bibliográfica de Gudin e Simonsen, sob a ótica da controvérsia. Os Congressos industrialistas da década de 1940 significaram uma tomada de consciência corporativa de classe entre os industriais, superando o imediatismo no qual suas ações estavam dissolvidas, e consolidando o projeto industrialista. E como Simonsen está inserido numa geração amadurecida dos industrialistas, sua argumentação passa pela profundidade teórica (a qual o eleva com relação aos seus pares) dentro de sua produção bibliográfica; pensa a sociedade brasileira, seus problemas e demandas, com uma visão mais crítica, científica e consistente, central no grande debate de seu tempo. 2 A relação entre a consolidação de um projeto de nação pelo segmento industrialista e a controvérsia Simonsen-Gudin consiste na luta pela hegemonia num momento crucial no processo de consolidação da ossatura do Estado brasileiro (Draibe, 1985), onde projetos de nação – tendo em vista o Estado Novo em vias de desagregação e as perspectivas do pós-II Guerra Mundial – entram nessa luta. A argumentação de Simonsen frente a escola liberal – eminentemente representada por Eugênio Gudin – toma corpo e coerência, consistindo numa visão madura, científica e coerente da questão nacional. Dessa maneira, o primeiro desdobramento desse processo singular consiste na consolidação de uma mentalidade e um ethos empresarial – manifestada em espaços próprios de discussão e organização de interesses, treinamento e seleção de novas lideranças – num quadro de lutas de hegemonias, consagradas na conformação da ossatura do Estado. Roberto Simonsen não é apenas um economista da vertente desenvolvimentista do período, mas um dirigente do segmento industrialista, e um intelectual orgânico desse segmento. O sentido ideológico do discurso de Simonsen – que era um nacional-desenvolvimentista – aponta para o limiar entre as idéias keynesianas e o pensamento cepalino em vias de germinação. Diferentemente, Gudin não era um dirigente – mas ao contrário, um técnico, cujo discurso reivindicava a neutralidade de uma economia de curso natural, e a defesa da tese de “vocação agrária” do Brasil (Borges, 1996, pp.44-59). O lócus político que acolheu dois personagens tão distintos foi o debate em torno do planejamento da economia, o qual orbitava entre o desenvolvimento industrial impulsionado pelo Estado, e a vertente liberal cuja tese de “vocação agrária” do Brasil julgava a atividade industrial algo “artificial” em contraposição a nossa suposta natureza agro-exportadora mercantil. Os espaços desse debate ao qual foram os Congressos industrialistas da década de 1940, e as discussões dentro da Comissão de Planejamento Econômico. Estudar o processo de industrialização à época tomando por base os Congressos industrialistas da década de 1940 explica o comportamento dos industriais como atores sociais, principalmente no tocante a questão do conflito entre liberalismo econômico e desenvolvimentismo/industrialismo. É necessário levar em conta as diferentes influências teóricas do período (que passam pela recepção das teses de List (1989), Keynes (1965), Nurske (1957) e Manoilescu(1938)), no debate entre regulacionismo e liberalismo. Toca também no tema mais agudo de saber como e 2 3 porquê dos empresários pedirem proteção do Estado (que sempre significa uma perda da autonomia do setor diante da possível exorbitância da ação e regulação estatal, além do afastamento do paradigma da “mão invisível”). Os Congressos industrialistas da década de 40 e as discussões travadas na Comissão de Planejamento Econômico – assim como as produções teóricas de Gudin e Simonsen entre 1935-45 – estão no centro dos debates por serem o momento no qual os industriais – notadamente liderados por Roberto Simonsen – tomam sua consciência corporativa de classe e a defesa de seus interesses – assim como de um projeto de sociedade e de nação que lhe são intrínsecos – e cujos debates tomarão a frente do projeto industrialista. Assim, é possível identificar os atores e idéias as quais antecederam a consolidação da industrialização pesada (Draibe,op cit); como é também de extrema importância para o pleno entendimento do pensamento econômico e político do período. Uma ‘velha’ e ‘nova’ questão acerca do planejamento econômico. Há na literatura econômica e histórica brasileira um extenso debate sobre o papel e os limites do planejamento e da intervenção do Estado na economia, em especial na questão da industrialização (principalmente sobre a passagem do modelo mercantilexportador para o modelo industrial). Embora haja inúmeras interpretações sobre a origem e o ritmo desse processo, é praticamente consenso a tese de que o planejamento conduzido pelo Estado foi peça importante e necessária, principalmente em função de nossa situação histórica de país de capitalismo tardio. Entretanto, a questão do planejamento não foi, em sua emergência histórica, um consenso – muito longe disso, representou uma árdua e tensa disputa travada entre dois grupos econômicos: o setor ligado às atividades cafeeiras (defensores da economia liberal e da tese da ´vocação agrária´) e o segmento que representava o setor industrial que desabrochava. Recortando-se o período nodal da industrialização como sendo o interregno 1930-1960, e mais especialmente o período anterior a implementação das primeiras experiências de planejamento e intervenção econômicas (Plano Salte, 1948, Plano de Metas, 1956 e Plano Trienal, 1964) fica como questão importante para reflexão e a pesquisa acadêmica a indagação de como o planejamento passou a ser defendido – incluindo sua adoção enquanto uma política pública (adotada pelo Estado brasileiro como uma “questão nacional”). 3 4 Também suscita curiosidade saber qual a posição do segmento industrial, tanto em relação ao tema do planejamento quanto a repassar (ou necessitar) do Estado como instrumento acelerador de seu próprio crescimento industrial. Situar esse problema implica não apenas em descrever e analisar historicamente o processo de industrialização e sua relação com os industriais e o Estado, como, por extensão entender como foi forjado o projeto desenvolvimentista posteriormente adotado. Tal questão passa, necessariamente, pelo debate e argumentação econômica e política, da qual os economistas, os industriais e os técnicos ligados ao aparelho do Estado travaram no período. Analisando a questão do planejamento e a perspectiva desenvolvimentista, podemos detectar pelo menos duas posições antagônicas no período: o liberalismo clássico e o desenvolvimentismo. No primeiro grupo foram expoentes Eugênio Gudin (ferrenho defensor da tese da “vocação agrária” e dos automatismos de mercado, expoente das décadas de 40 e 50) e Roberto Campos (com sua tese do controle e limitação da intervenção, próximo à corrente do desenvolvimentismo do setor público não-nacionalista, expoente entre as décadas de 50 e 60). Da corrente do desenvolvimentismo nacionalista destacaram-se Roberto Simonsen (líder industrial e precursor da defesa do planejamento como meio de superação do atraso econômico nacional, expoente nas décadas de 30 e 40) e Celso Furtado (defensor do planejamento estatal e democrático, expoente dos anos 50 e 60).Na década de 1940, a conjuntura dos debates sobre um projeto para a modernização oscilava entre o planejamento econômico (defendido por Roberto Simonsen) e o liberalismo (defendido por Eugenio Gudin). Ao longo do tempo esse dualismo entre proteção e liberdade se ampliaria. Na década de 1950/60 Roberto Campos tomaria defesa dos liberais; enquanto Celso Furtado defenderia o nacional-desenvolvimentismo (com estratégias de poupança compulsória para o financiamento estatal da indústria e a proteção da indústria nacional em relação ao capital internacional). O papel do setor industrial no período 1930-60 é de fundamental importância, por causa da sua atuação enquanto grupo de interesse organizado frente a esse Estado em formação. Isso justifica a escolha pelos anais dos Congressos industrialistas, uma vez que é a primeira vez que essa fração de classe supera o imediatismo das demandas conjunturais em prol de um projeto de nação autônomo e de uma tomada de consciência corporativa de classe. 4 5 Atualmente estamos diante de crises econômicas e sociais que suscitam inúmeras discussões sobre sua natureza e origem. Estas não são apenas conjunturais, mas historicamente construídas e conseqüência de uma determinada estrutura social concebida dessa maneira. O neoliberalismo de hoje tem muito a ver com o processo problemático (e sem precedente) de modernização da economia brasileira, cujo recorte histórico poderia ser de 1944-1964, cujos projetos variavam no que toca a proteção do mercado e a intervenção do Estado na economia. É verdade que o fim da I República, com a Revolução de 1930, significou o início da transição entre o fim de uma sociedade tradicional (o café enquanto último ciclo agrário exportador) e o advento de uma sociedade moderna (a indústria de base, diferentemente da indústria de bens de consumo pré-30) e principalmente o advento do debate sobre os rumos da modernização. Entretanto, é na década de 40 que os debates se tornam mais agudos na medida em que se tornam mais conflitantes as posições e os interesses entre os diferentes setores da economia brasileira – que se até a década de 20 o modelo econômico e a direção do Estado ficara restrito e adstrito ao interesse e a hegemonia do setor cafeeiro (mercantil-exportador), a partir de 30 tem que conviver política e economicamente com a emergente corrente industrial. Diante desse cenário, torna-se importante e relevante entender o papel desempenhado pelos espaços ocupados pelo setor industrial na luta por seu projeto de crescimento enquanto classe e setor econômico. A década de 20 viu surgir a primeira representação corporativa dos industriais – A FIESP, fundada em 1928 por Roberto Simonsen e Francisco Matarazzo – mas é apenas nos anos 40 que o setor industrial consegue produzir um espaço de discussão sobre seus problemas e projetos, maior que a representação sindical: são os Congressos econômicos do final do governo Vargas. Nestes eventos com certeza podemos encontrar refletidos os problemas, os temas e as perspectivas econômicas e políticas que organizavam e/ou dividiam o segmento industrial. Nestes encontros boa parte do futuro projeto de desenvolvimento industrial estavam sendo discutidos e tecidos. Draibe começa a discussão sobre a formação do “Estado Industrial Leviatã” a partir das etapas da constituição do capitalismo brasileiro. Esse processo empreende três fases: (I) economia exportadora capitalista (até 1933); (II) a industrialização restringida, no período de 1933-55; e (III) a industrialização pesada, cujo período compreende 1956-61. A revolução burguesa teria três relações principais: com o passado (na questão agrária), com o presente (conflitos entre as frações de classe da burguesia) e com o futuro (as relações emergentes). As 5 6 relações entre Estado e Sociedade no Brasil obedecerão ao processo de “hierarquização de interesses econômicos e políticos” (p.27) o que, concomitante a simultaneidade de processos específicos na formação da base material do Estado capitalista no Brasil, levará à formação de uma direção política nesse processo de transformação, a qual vai variar de acordo com as hierarquizações de interesses sociais e políticos.(pp.11-27) O Estado capitalista moderno em formação encontra sua gênese no Estado de Compromisso, que é fruto da crise agrária da república velha (1889-1930) a qual encontrara seu fim na Revolução de 30. Entretanto, o quadro nesse momento é, além da crise do complexo cafeeiro, a falta de hegemonia, a dependência das classes médias com relação ao Estado e da pressão popular devido a crise econômica. Nesse quadro, o Estado aparece como árbitro de interesses entre o capital e o trabalho, uma vez que aquela falta de hegemonia fez com que nesse momento o Estado se constituísse como autônomo frente aos interesses dominantes. Draibe chamou de via prussiana para o desenvolvimento a modernização conservadora, conduzida pelo Estado, manifestada no período. (p.22) Draibe coloca como resultado do desenvolvimento mercantil-exportador uma divisão social do trabalho em três setores históricos fundamentais, quais sejam: a burguesia mercantil exportadora, a burguesia industrial e o proletariado. Esses setores históricos são capazes de ordenar o conjunto da sociedade, o que os destaca dos outros. Dessa maneira, a estrutura da luta de classes estava apoiada na economia cafeeira (cujo complexo exportador levou a uma divisão do trabalho social e a reprodução ampliada do capital, dentro de um regime de acumulação) e nas formas de organização desse capital, que foram duas: uma (a), na cidade; e outra (b) no campo. O café levou a uma diferenciação crescente, o que impulsionou a divisão do trabalho na cidade, criando uma classe média tradicional (a1), e (a2) as baixas classes médias. (pp.23-34) Porém o café precisava da interferência do Estado como aglutinador de capitais, o que levou a uma base para a “via conservadora” do desenvolvimento. Por essa via, foi possível a conformação de interesses entre campo e cidade. (pp.34-5) O caso brasileiro de modernização conservadora prescindiu a necessidade de uma queima de etapas. Entretanto, Draibe coloca como problemas desse desenvolvimento acelerado as relações desiguais entre o Estado e o capital estrangeiro, as dificuldades (e mesmo a necessidade) das políticas de suporte, a necessidade de cautela frente a um processo problemático e delicado, e a transição para a indústria com novo eixo de acumulação. As relações com o capital estrangeiro operaram em duas fases: uma primeira, enquanto fluxo de capital de empréstimo; e uma segunda, como investimentos diretos. Os principais atores desse 6 7 processo foram o Estado, a burguesia industrial brasileira e o capital internacional. A discussão do período foi acerca da margem de atuação do Estado, pensando também na permissão de entrada do capital estrangeiro no processo, e como se daria. (pp.36-7) Estado, que por sua vez filtra os conflitos particulares e os interesses. Assim, a definição de um projeto político para o Brasil a partir daqui torna-se o lugar da autonomia do Estado, e a conformidade da unidade política nacional. Entretanto, o Assim, a atuação do Estado no processo ocorreu principalmente por meio das empresas públicas. Foram dois os desdobramentos desse processo: a aceleração, pela via estatal, do desenvolvimento das forças produtivas, com a conseqüente alta dos salários reais; e a necessidade de uma reforma fundiária dentro desse desenvolvimento (DRAIBE, pp.38-9). Será num campo fragmentado e heterogêneo, formado por diversas de dentro e fora do Estado, na conjuntura das lutas políticas entre os setores históricos fundamentais (proletariado, burguesia mercantil e burguesia industrialista), que aparece a autonomia do Estado frente a sociedade. O Estado aparece aqui como um reequilibrador de interesses. Entretanto, a autonomia do Estado encontraria limitações. A primeira delas reside no fato de que o Estado tinha sua autonomia orientada em hierarquizar os interesses sociais. O núcleo dirigente orientava a ação estatal, e essa orientação foi direcionada pelas lutas travadas dentro do Estado, tais como na comissão de planejamento econômico – na controvérsia entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin (Bielschowsky, 2004, p.241-243). A partir daqui, podemos inferir que a organização do Estado e suas relações com a sociedade passam a ser de um caráter fortemente corporativo, visto que o Estado absorve os conflitos sociais, para num segundo movimento os regular. Draibe ressalta que a industrialização no Brasil implicou na aquisição por parte do Estado de estruturas capitalistas. (Draibe, op.cit,pp.43-5) A partir daqui as lutas entre o capital e o trabalho passam necessariamente por dentro do aparelho de Estado não é monolítico, tampouco coeso, e coloca a (tecno)burocracia no centro dos conflitos. O processo de consolidação do Estado “Leviatã” brasileiro se operou no período 1930-60, e foi um processo desigual e descontínuo. (Draibe, pp.49-54) A quebra da bolsa de Nova York em 1929 levou a uma crise estrutural do capitalismo, cuja principal conseqüência foi o colapso do liberalismo. Essa desarticulação da economia internacional levou as economias capitalistas a adotarem soluções nacionais para a crise, e implicou no crescimento do poder dos Estados nacionais frente a economia, principalmente no que tangia à natureza dessa intervenção. Exemplo ilustrativo é o da Grã-Bretanha, que 7 8 desvalorizou a libra no intuito de valorizar o mercado interno, o qual passou a ser o orientador da sua política econômica. (Corsi, pp.23-8) O projeto de desenvolvimento do Estado Novo foi de caráter nacionalista e foi no Estado que encontrou a condução de seus projetos. Dentre outras medidas, nos interessa aqui apontar a criação do Conselho Nacional de Petróleo (1938) e a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (1937). A Carta outorgada de 1937 aprofundou o nacionalismo da era Vargas: limitou a concessão de minas e quedas d´água a nacionais, vetando a participação do capital estrangeiro, possíveis pelo Código de Minas de 1934. (pp.72-3) Os Congressos industriais dos anos 1940 estão num momento singular do processo decisório acerca da política nacional e econômica do Brasil. Esse momento se articula de acordo com a política externa do Estado Novo, uma vez que 1943-5 legou os efeitos dos Acordos de Washington de 1942, num momento crucial da resolução da II Guerra Mundial. De acordo com Corsi (2000) os acordos de Washington foram celebrados pela ocasião da missão diplomática de fevereiro de 1942, tomados em conjunto no concernente ao fornecimento de material de guerra e ao comércio de produtos primários. Foram os Acordos de Washington: os acordos militares, pelos quais – com o argumento das movimentações bélicas na Argentina e a suposta presença de agentes nazistas no cone sul – os Estados Unidos dobraram o fornecimento de material bélico para o Brasil; os acordos econômicos, pelos quais o Brasil incrementou os montantes de exportação, para o esforço de guerra aliado; os acordos sobre a borracha; e os acordos sobre a exportação de minério de ferro – cujo principal desdobramento foi a construção da Companhia Vale do Rio Doce, pelo decreto-lei nº 4.352 de 1942. (Corsi, pp.195-216) A importância dos Acordos de Washington consistiu no aumento de exportações brasileiras de um modo geral (cerca de 60%), proporcionalmente ao aumento da dependência econômica com os Estados Unidos. Por outro lado, esses acordos possibilitaram uma via de acumulação de capital e financiamento externo para um projeto de desenvolvimento apoiado na industrialização e no crescimento do mercado interno – muito embora o projeto de desenvolvimento do Estado Novo nunca fora algo fechado e estruturado, mas cheio de percalços e descontinuidades. (Corsi, pp. 218-9) Dentro do período compreendido entre 1945-1964 identificamos três correntes principais (Bielschowsky, 2004) dentro do pensamento econômico: neoliberalismo, desenvolvimentismo e o socialismo. Eugênio Gudin, Dênio Nogueira, Daniel de Carvalho e Octávio Bulhões foram os grandes nomes da corrente liberal do período. Com base nas teorias clássicas e neoclássicas sustentavam que apenas as forças do 8 9 mercado poderiam manter a economia em funcionamento. Defendiam que é a baixa produtividade – e não o desemprego – a responsável pela crise econômica, e que o crescimento estava até então inviável devido a erros de política econômica. O apoio interno seria através de uma estruturação do sistema financeiro, eram contra qualquer protecionismo, e atribuíam a inflação como causa do déficit e fortemente contrários a idéia de reforma agrária. Entre os socialistas mais destacados no período estão Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Passos Guimarães e Aristóteles Moura, reunidos seja no Partido Comunista Brasileiro (PCB), seja no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Assim como Ignácio Rangel estavam fortemente apoiados no materialismo histórico – mas diferentemente, não estavam tão influenciados por Keynes e Adam Smith quanto Rangel – e defendiam o amadurecimento do capitalismo para então a passagem para o socialismo. Totalmente a favor da estatização e hostil ao capital internacional, o paradigma socialista era absolutamente favorável a reforma agrária, ao protecionismo, a economia planejada e a redistribuição da renda. A corrente desenvolvimentista é dividida em desenvolvimentismo do setor público e do setor privado (segmento que se verificou em Roberto Simonsen, Nuno F. de Figueiredo). Dentro do desenvolvimentismo do setor público, o nacionalista (Celso Furtado, Rômulo de Almeida, Américo de Oliveira e Evaldo C. Lima) e o nãonacionalista (Roberto Campos, Ary Torres, Lucas Lopes, Glycon de Paiva). A principal diferença entre o setor privado e o público não está na industrialização integral ou no planejamento da economia; está sim nas posições tomadas frente a intervenção estatal, ao capital internacional, a inflação e distribuição de renda. As duas vertentes do setor público da corrente desenvolvimentista se diferenciam no que toca o posicionamento em relação ao capital estrangeiro na industrialização brasileira (Bielschowsky, 2004, p.84). A comissão mista Brasil-Estados Unidos e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) foram os principais núcleos de debates dos desenvolvimentistas do setor público não nacionalista. Assim como os liberais acreditam que o crescimento é prejudicado pelos erros de política econômica, diferentemente de Roberto Simonsen e dos socialistas, e aceitavam o capital estatal apenas onde o capital privado não mostrasse interesse. Atribuíam o déficit externo à inflação (apesar de reconhecerem que este poderia existir mesmo sem ela) a qual atribuíam a 9 10 conseqüência da plena capacidade produtiva e se mostravam omissos sobre a questão agrária - diferentemente dos seus colegas do setor público nacionalista favoráveis a reforma agrária, assim como atribuíam a inflação e o déficit externo a causas estruturais. Defensores do planejamento, o nacional-desenvolvimentismo do setor público era favorável ao protecionismo, a estatização e a tributação como forma de cooptar recursos. Fortemente apoiados na escola cepalino-furtadiana, defendiam o desenvolvimento “para dentro” – em detrimento ao desenvolvimento “para fora”, a economia reflexa e dependente. Também divergiam de seus colegas nãonacionalistas, que preferiam apoiar a tese de Roberto Campos de que o principal problema da economia brasileira eram os pontos de estrangulamento e de germinação. Apesar dessas três vertentes desenvolvimentistas estarem orientadas no ecletismo pós-keynesiano, o setor privado e o setor público nacionalista foram influenciados por Simonsen e pelo economista argentino da CEPAL Raúl Prebisch. Roberto Simonsen, apesar de morto em 1947, poderia ser classificado entre desenvolvimentista do setor privado e do setor público nacionalista, por se tratar do pioneiro na discussão sobre o planejamento da industrialização e da modernização brasileira (Bielschowsky, 2004; Cepêda, 2004). Celso Furtado trabalhou no Plano Trienal na gestão de João Goulart; entretanto, o golpe de 64 interrompeu os trabalhos do Ministério da economia, o qual passa para a orientação política do liberalismo econômico. Entretanto, os planos de desenvolvimento continuam entre os militares. O fracasso do Milagre brasileiro devido, não apenas, mas principalmente, à crise internacional do petróleo em 1973-5 coloca um ponto final nesses planos. A partir desse momento a crise inflacionária faria prevalecer políticas econômicas que convergiam para planos de estabilização financeira, adotando estratégias e balizas da escola monetarista de economia nos gabinetes da Nova República. Intelectuais, Industrialismo, e a Organização de Interesses. Entendemos o industrialismo a partir de sua contraposição aos interesses da fração de classe burguesa mercantil-agroexportadora. Os industrialistas, que estão entre os desenvolvimentistas do setor privado, são uma fração de classe da burguesia que defende um projeto de nação para o Brasil que envolve o desenvolvimento da indústria pesada e reivindica 10 11 o apoio estatal para seu projeto. Assim, o projeto industrialista se choca de maneira frontal com os interesses da burguesia agro-exportadora. A luta pela hegemonia na fase de desagregação do Estado Novo1 levou a um momento especial de organização do segmento industrialista, de superação da organização econômico/corporativa para a organização no grupo social ampliado, constitutivo de um projeto de nação. Foi crucial nesse processo a ação de Roberto Simonsen enquanto intelectual orgânico do segmento industrialista, liderança e representante político. O “intelectual” será entendido aqui enquanto duas condições: uma de portador de reconhecimento, outra de operador do simbólico Gramsci (1978b) indaga a origem dos intelectuais a partir da questão da autonomia, se eles são uma classe independente ou se cada classe teria seus próprios intelectuais. Considera que a cada classe nova acontece a criação de novos intelectuais “orgânicos”, isto é, intelectuais ligados inevitavelmente a essa classe; o desenvolvimento dessa classe levaria a especializações das atividades desse novo tipo social. Num segundo aspecto, deve existir no intento do trabalho, a considerar que não existiria trabalho puramente físico, o que leva a crer que “todos os homens são intelectuais (...), mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais” (p.253). Dessa maneira, seria ilusório supor que existam nãointelectuais, pois estes são imagináveis apenas à luz de uma diferenciação com seu virtual outro, os intelectuais, pensados meramente como categoria profissional do saber; daí que “não tem sentido falar de não-intelectuais, porque os não-intelectuais não existem”(p.254). O perfil do novo intelectual estaria apoiado num “persuasivo permanente”. A função do intelectual orgânico2 seria possibilitar a superação do senso comum em direção ao bom senso dentro do grupo, num processo que Gramsci recorrentemente em seus escritos cita como o elaborar e tornar coerente as idéias da massa. O senso comum para Gramsci consiste na mentalidade “gelatinosa” e sem forma, incoerente e ilegível. O bom senso para Gramsci consistiria na mentalidade coerente e racional, e sua plenitude, a filosofia. Entretanto, não se tratam de dois pólos antagônicos, mas o bom senso estaria presente, num primeiro momento, como um “núcleo sadio” do senso comum. E mesmo a religião e o folclore forneceriam “visões de mundo” para a massa. Faz sentido adotar essa concepção aqui uma vez que Simonsen “elaborou e tornou coerente” as idéias contraditórias do pensamento industrial do período, cuja incoerência na 1 Concordamos com a historiografia do Estado Novo proposta por Carone (1982) que divide o período em Consolidação (1937-1941), Desagregação (1942-fev/1945) e Período Democrático (fev/1945-out/1945). 2 Existe, em Gramsci, a categoria de intelectual tradicional, em oposição ao intelectual orgânico. Consiste no intelectual remanescente no antigo bloco histórico. Entretanto, com fins metodológicos, não abordarei a categoria de intelectual tradicional nesse artigo. 11 12 oscilação entre liberalismo e protecionismo rendeu derrotas argumentativas dos industrialistas frente ao liberais. Simonsen, numa terceira fase do seu pensamento econômico/social, se descola definitivamente do liberalismo e constitui solidamente um pensamento desenvolvimentista do setor privado nacionalista. De acordo com Cardoso (1964) o formidável crescimento da indústria paulista foi resultado da ação capitalista dos capitães-de-indústria. Cardoso denomina assim o empresário tradicional, dotado de “espírito de aventura”, oscila entre indústria e comércio, praticando deliberadamente a especulação sistemática como método de acumulação de capital. Sua mentalidade é ambígua. Ao passo que querem empreender uma “grande indústria”, sentem-se contrastados pela falta de capitalização, e a buscam no Estado. Encaram o Estado de maneira maniqueísta: por um lado, o Estado protetor da indústria nacional contra o capital internacional; por outro, o medo da intervenção estatal, o mito do Estado como mau gestor, e a recorrência às idéias liberais à menor dificuldade que lhe aparecem3. A fábula do Estado “anti-empresa” é descontínua com a realidade, o que faz acreditar que o Estado que socorre o setor privado é outro em relação ao Estado interventor – quando na verdade são um só. Os homens-de-empresa, diferentemente dos capitães-deindústria, segundo Cardoso conseguem “superar os limites da fábrica” e pensam a sociedade em caráter total para formular suas reivindicações e projetos.(pp.133-6) O que difere Simonsen de seus contemporâneos industriais é justamente o fato de ser um homem-deempresa, embora cercado de capitães-de-indústria. Gramsci (1978b) associa aos intelectuais a função de subalternos da hegemonia, cujos objetivos consistem: em forjar o “consenso” a partir do prestígio e reconhecimento que possuem enquanto tal, com fins de manter a hegemonia e a direção imposta; legitimar o aparato de coerção estatal (p.258). Em O Moderno Príncipe, Gramsci (1978a) pensa as duas dimensões sociais, a sociedade política (enquanto lugar da coerção) e a sociedade civil (enquanto lugar do consenso), imaginando o partido político na intersecção dessas duas sociedades (daí o seu papel de “Moderno Príncipe”). A analogia com o condottiere de Gramsci a Maquiavel cabe aqui se pensarmos Roberto Simonsen como líder do segmento industrialista, possuidor de virtú (capacidade de liderança) e sua relação com a fortuna (as oportunidades, no reino do imponderável) cujo resultado positivo é a sujeição dos súditos ao seu controle (Cepêda, 3 O próprio Roberto Simonsen sofre dessa esquizofrenia teórica, conseguindo se descolar do liberalismo econômico apenas na terceira fase de sua obra (1937-45). 12 13 2004); Aqui, o segmento industrial estando disperso, a virtú de Simonsen reside na capacidade de ordenamento dessa fração de classe, e encontra lugar no debate dos anos 1940. Gramsci (1978a) aponta o partido político como o condottiero ideal na modernidade, e historicamente determinado. Com relação à luta, Gramsci aponta o arditismo (luta armada, guerra de guerrilha) como débil, sendo muito mais útil a sua passividade seguida de desmoralização. (p.69) Combater o arditismo com arditismo, segundo ele, é “uma tolice”, uma vez que “a política deve, também nesse caso, ser superior a arte militar, e só a política cria a possibilidade de manobra e de movimento” (p.70). Ou seja, em Gramsci a política é um campo de luta simbólica e um complexo de relações de força. A tomada de consciência dos industriais no Brasil no período em questão é analisada dentro da perspectiva a qual Gramsci (1978a, pp 49-50) denomina como um momento especial das relações de força como situação de relação das forças políticas, cujos componentes significativos são a autoconsciência enquanto grupo, o grau de homogeneidade e o grau de organização alcançado por eles. O primeiro desses estágios das relações das forças políticas é o âmbito econômicocorporativo. Nesse estágio, a solidariedade se volta para dentro do grupo, e não atinge um âmbito ampliado de organização social, mas sim a organização do grupo profissional para dentro de si. O segundo estágio, o da tomada de consciência dos interesses do grupo profissional ampliado, embora ainda dentro do campo econômico, aqui já se coloca a questão do Estado, com fins a igualdade político-jurídica. O terceiro estágio é o da superação do círculo corporativo, momento o qual os interesses ligam-se às demais classes subordinadas e onde os projetos em disputa alcançam um âmbito propriamente político. Ao alcançar esse estágio, de acordo com Gramsci, as ideologias materializam-se nos partidos, resultando na luta pela hegemonia, a qual determinará a univocidade da ordem moral, social e intelectual, a que será também a de ordem política e econômica. Dessa maneira, Gramsci atribui uma importância decisiva à luta no plano do simbólico e desprezando a determinação em última instância seja pela estrutura ou pela superestrutura4. Nos interessa aqui, ao que toca a organização dos interesses dos industriais, a formação e consolidação de um projeto industrialista em dois movimentos: na luta pela hegemonia, travada entre a fração de classe burguesa mercantil-agroexportadora e a fração burguesa industrialista; e na obtenção do consenso ativo dos industriais para o projeto de nação forjado 4 Concordamos com Guido Liguori (2007) para quem a relação entre Estado e sociedade em Gramsci ocorre pelo nexo unidade/distinção, portanto dialética, e que – uma vez o bloco histórico ser a unidade orgânica entre estrutura e superestrutura – Gramsci não seria um “teórico das superestruturas”, como afirmara Bobbio. 13 14 dentro da fração de classe. Daí a importância de Simonsen como liderança e intelectual orgânico desse segmento. Roberto Simonsen e seu papel na consolidação do projeto industrialista. Simonsen, dentro do pensamento industrial, significou uma superação entre seus pares, uma vez que precisou definir conceitualmente, de maneira mais rigorosa e concisa, suas acepções teóricas. É por isso que nesse momento as reivindicações industrialistas superam o imediatismo das demandas individuais dos industriais, e passam a constituir um projeto de nação, baseado na conciliação de classes, na idéia de progresso e povoamento do interior pela industrialização, e pela entrada e difusão no país da organização científica do trabalho, o “taylorismo”. E é devido a essa combinação entre o Simonsen “teórico” e “condottiere”, no sentido de capacidade de liderança do segmento industrialista, é que o nosso referencial teórico nos orienta a entender Simonsen como intelectual orgânico da fração de classe burguesa industrialista. Simonsen escreveu entre 1912-48 aproximadamente trinta e nove textos, sendo que nos interessa a sua produção pós-30, uma vez que é onde o projeto industrialista se amadurece no autor. São os textos: As crises no Brasil (1930), As Finanças e a Indústria (1931), À Margem da Profissão (1931), Ordem Econômica, Padrão de Vida e Algumas Realidades Brasileiras (1934), Aspectos da Política Econômica Nacional (1935), A Indústria Face à Economia Nacional (1935), História Econômica do Brasil 1500-1820 (1935), A Evolução Industrial no Brasil (1939), Recursos Econômicos e Movimento das Populações (1940), Os Elos da Indústria (1944), O Planejamento da Economia Brasileira (1944-5) e Roosevelt (1945). Simonsen nesses textos trata das crises nacionais como reflexo das crises econômicas, aponta a inépcia dos governantes, por um lado e, por outro, toma a Grande Depressão como cenário para a crise de então. Simonsen faz uma defesa intransigente da indústria, apresenta as profissões de engenheiro e economista (“Homem de Negócios”) de maneira abertamente positiva, assim como apresenta a indústria como possibilidade para o processo civilizatório. Apresenta a condição da conjuntura econômica brasileira como subcapitalismo, apresentando a industrialização como matriz do desenvolvimento, concomitante à crítica ao liberalismo econômico e à defesa do 14 15 planejamento econômico – assim como da proteção à indústria nacional com relação ao capital internacional. Simonsen defende a organização corporativa da sociedade brasileira, a defesa da indústria pautada na produtividade, e a conseqüente elevação do padrão de vida. História Econômica do Brasil foi sistematizado a partir das aulas de Simonsen na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Nesse texto, Simonsen traz um amplo levantamento e interpretação de dados, cuja metodologia consistiu no cruzamento de diferentes ciências humanas (sociologia, economia, geografia, história).na compreensão do processo de formação histórica e econômica brasileira. Simonsen dedicou Planejamento da Economia Brasileira. para responder aos ataques de Gudin, que era na época relator da comissão de planejamento econômico. Simonsen era simpático ao planejamento e cita Landauer em sua tese a qual a Rússia Soviética se sairia melhor da transição da economia de guerra para a paz em relação aos países capitalistas ocidentais (p.11). Em “A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira” Simonsen começa a análise ao dizer que a guerra recém terminada gerou apenas um surto efêmero de capitalização no Brasil porque não levou aos alicerces da indústria de base. Assim, os problemas do pós-guerra e a necessidade dos países em manter o pleno emprego – concomitante com a avaliação ruim dos americanos acerca de nossa infra-estrutura econômica –, a baixa produtividade, baixo consumo, falta de estradas de ferro e de rodagem – somado ainda a extrema desigualdade do padrão de vida no país –, levou Simonsen a afirmar que a renda nacional necessitava, naquele momento, de aumentar em quatro vezes. Indicava a planificação econômica – acertada no I Congresso Brasileiro de Economia – como a possibilidade de resolver o problema da renda. Metade dos custos seriam financiados pelos Estados Unidos, e o intervencionismo estatal apenas não poderia agredir a propriedade privada5. Concordamos com Carone (1977) para quem Simonsen – juntamente com Euvaldo Lodi, João Daundt D’Oliveira, Otávio Pupo Nogueira, entre outros – entra numa segunda geração de industrialistas (a primeira havia sido a partir da Sociedade Auxiliadora da Indústria de 1820, mas encontraria ressonância apenas mais tarde, nas vozes de Serzedelo Correa, A. Cavalcanti, Antonio Felício dos Santos, Américo Werneck, Vieira Souto, entre outros do período pós 1880) onde aparecem o amadurecimento teórico, a centralização da representação 5 Simonsen, 1977. 15 16 de classe e a superação dos imediatismos aos quais estavam dissolvidas as ações dos industriais (pp.6-17) Cepêda (2004) aponta a produção intelectual de Simonsen como elemento que ajuda a entender a revolução burguesa no Brasil, em processo e inacabada; além do que se trata do ponto crítico da industrialização O problema passa a ser o comportamento dos industriais frente a uma situação de enfraquecimento do Estado (os sinais de crise do Estado Novo entre 1940-5), tomando dois movimentos: o primeiro, já em curso, das reivindicações dos industriais frente ao Estado; e o segundo, como que essas reivindicações se articulam em conjunto sistemático para se consolidar enquanto projeto. Esse problema se apresenta em duas frentes: numa primeira, a importância do Congresso de 1943, uma vez que é a primeira vez que esse problema se coloca de um lócus de fora do Estado; numa segunda, a coincidência que existe entre a conformação desse projeto nacional industrialista com uma terceira fase da obra de Simonsen – onde ele se descola do liberalismo econômico. Por outro lado, fica claro o comportamento esquizofrênico dos industriais (principalmente no período 1930-60) uma vez que eles são, por um lado, liberais, e por outro, defendem a intervenção do Estado para protegê-los – seja contra o trabalho, seja contra o capital internacional, caso olhemos para o período 30-60. Assim, é comum encontrar nos anais do Congresso Brasileiro de Economia de 1943 citações ao economista Frederick List (1789-1846), que em Sistema Nacional de Economia Política (1989[1855]) coloca a nacionalidade como intermediária entre a “individualidade” e a “humanidade inteira” e defende uma proteção inicial da incipiente indústria alemã da época em relação a outros países (pp.3-6). Nesse sentido, aparece uma questão importante que orienta esse trabalho: se os Congressos industrialistas dos anos 406 – porque são uma organização corporativa de classe, de fora do aparelho estatal – teriam desempenhado o papel de formação de lideranças, concomitante a disseminação da ideologia industrialista numa forma mais elaborada, dentro da própria fração de classe. O I Congresso Brasileiro de Economia: o debate Simonsen-Gudin e a organização de interesses entre os industriais 6 Os Congressos industrialistas dos anos 1940 formam uma tríade nesse processo de tomada de uma consciência corporativa dos industriais e na constituição de um projeto de nação. São eles: I Congresso Brasileiro de Economia (Rio de Janeiro, 1943); O I Congresso Brasileiro da Indústria (São Paulo, 1944); e a I Conferência Nacional das Classes Produtoras (I CONCLAP, Teresópolis, 1945). (Carone, 1982, p.315) 16 17 O I Congresso Brasileiro da Indústria foi realizado entre 25 de Novembro e 18 de Dezembro de 1943 na então capital federal, organizado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), dentro da sede social da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Getúlio Vargas foi o presidente de honra; João Daundt d’Oliveira – presidente da Federação de Associações Comerciais do Brasil e da Associação Comercial do Rio – foi o presidente efetivo; Euvaldo Lodi, presidente da Confederação Nacional da Indústria – foi o vicepresidente do Congresso. Essas discussões se realizaram dentro das comissões técnicas, as quais eram em número de oito: (I) produção agrícola e industrial, (II) circulação e transportes, (III) Moedas e Bancos, (IV) investimentos, (V) finanças públicas, (VI) planos internacionais e de caráter social, (VII) pesquisas e estudos econômicos, e (VIII) atividades econômicas do Estado. As discussões diretas entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen nas sessões do plenário do I Congresso Brasileiro de Economia de 1943 ocorreram na quarta sessão – de 16 de dezembro, às nove horas. Nessa sessão foram discutidos as atribuições do Banco Central e o problema da inflação. Simonsen, em resposta a Gudin, criticou a “intromissão” do Banco Central no destino das verbas públicas para o fomento à produção, assim como o poder de decisão do Banco nos programas de desenvolvimento da mesma (pp.421-2). Essa querela entre Gudin e Simonsen toma outro aspecto da questão, que é a autonomia sobre a verba destinada pelo Banco Central aos produtores industriais e agrícolas: Simonsen – enquanto industrial, economista e presidente da FIESP à época – não queria a intervenção do Estado no destino das verbas públicas destinadas à produção; enquanto que Gudin – que era defensor do papel agro-exportador do Brasil na divisão internacional do trabalho (BIELSCHOWSKY, 2004, p.38) talvez frente à iminência de ceder o destino das verbas para a indústria, foi a favor do controle dessas verbas pelo Estado. O ponto pacífico entre Gudin e Simonsen foi, justamente, quando Gudin deixou claro que a intervenção não protegeria a classe trabalhadora (mas numa clara concessão de Gudin): “[Gudin] A intervenção do Banco Central nas autarquias não tem por objetivo proteger o trabalho humano, (...) chamará os diretores das autarquias e dirá: a política monetária a ser seguida será a nossa (...)”(I Congresso Brasileiro de Economia, 1944 ,p.425). Ao que toca a questão da inflação, Jurandyr Lopes Rodrigues e Gudin defendem que – porque a inflação é a quantidade de meios de pagamento desproporcionalmente maior que as mercadorias em circulação – a solução para o problema da inflação é a absorção dos “lucros extraordinários” pelo Estado (p.449). Simonsen se opõe a Gudin e Rodrigues, e defende a 17 18 propriedade privada dos lucros dos industriais urbanos e agrícolas. Em outras palavras, é como se Simonsen sugerisse que o problema do reinvestimento e da capitalização fosse conduzido e solucionado pelo setor privado – um problema que até a pouco foi considerado de responsabilidade da nação. Entretanto, a questão foi resolvida pela via da “força”, uma vez que Simonsen invocou a hierarquia do Congresso – sendo prontamente atendido pelo presidente, João Daudt D´Oliveira – e conseguiu que se decidisse pela vontade da comissão de redação, todos alinhados finamente com o pensamento de Simonsen. O Trabalho como categoria social não estava representado; apenas tiveram voz, voto e presença os representantes do Estado da burguesia industrial. Entre as recomendações do Congresso para o governo federal, se destacam: a intensificação das atividades do Estado na prospecção de hulha e turfa, a admissão do capital internacional não preponderante (onde a iniciativa privada for fraca), a criação de um Banco Central, uma intervenção estatal com fins ao apoio e fomento a industria nacional, e o abatimento das tarifas de circulação de mercadorias dentro do país. Nas relações internacionais, um plano de exportação industrial para os países diretamente envolvidos na II Guerra Mundial, e uma legislação anti-dumping nas trocas internacionais. Ao que toca a organização do trabalho, a difusão pelo Estado da organização científica do trabalho, através do IDORT; ao que toca a organização da sociedade, foi salientada (principalmente na solenidade de encerramento) a disciplina e capacitação técnica da classe trabalhadora, assim como a forma de organização corporativa da sociedade. Conclusão A consolidação do projeto industrialista, enquanto conclusão da organização de interesses dentro dessa fração de classe, e enquanto resultante da luta pela hegemonia num momento singular do Estado Novo, operou por espaços próprios de organização do consenso, e de discussões fora da arena estatal. Foi um espaço de formação de novas lideranças e de conformação de um projeto de nação por parte dos industriais: projeto de organização corporativa, fortemente apoiado no Estado, tendo o “homem de negócios” como operador do próprio sistema, e numa relação muito próxima entre o público e o privado. Ao que toca a controvérsia, o projeto de nação do segmento industrialista se mostrou quase que imposto a sociedade, fato evidenciado pela discussão entre 18 19 Simonsen e Gudin acerca do controle da inflação: frente à crítica demolidora de uma ala liberal liderada por Gudin, Simonsen faz com que essa recomendação (crucial para o Congresso) fosse votada em foro privilegiado na comissão de redação, onde seria fatalmente aprovada a recomendação da parte de Simonsen. Bibliografia ANTUNES, Ricardo; FERRANTE, Vera B e MORAES, Reginaldo,. Inteligência Brasileira. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986. BIELSCHOWSKY, Ricardo Alberto; Pensamento Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. [1988] BORGES, Maria Angélica. Eugênio Gudin: capitalismo e neoliberalismo. São Paulo: EDUC, 1996 DRAIBE, Sonia. Rumos e Metaforfoses: Estado e industrialização no Brasil (1930/1960).Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1985. CARDOSO, Fernando Henrique. 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