Nome do autor : Arthur de Aquino
Instituição : Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
Titulação: mestrando
Endereço: Rua Manacá, 265 – Jardim das Flores. Osasco/SP.
Email: [email protected]; telefone: (11) 36828255
Título da proposta : A Consolidação do Projeto Industrialista à Luz da Controvérsia em torno
do Planejamento Econômico entre Simonsen e Gudin (1935-1945)
Resumo
Este artigo é resultado de uma pesquisa em andamento sobre a controvérsia em torno
do planejamento econômico, entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen. O objetivo
aqui é elucidar a partir dessa controvérsia o projeto de nação da fração de classe
burguesa industrialista resultante dessa luta pela hegemonia, a partir de um
referencial gramsciano. Entenderemos o projeto de nação industrialista a partir da
ação de Roberto Simonsen, enquanto intelectual orgânico dos industriais. A
importância dessa pesquisa consiste na compreensão do processo de gênese do
ordenamento ideológico do segmento industrialista e à centralidade do processo
tomada num âmbito não estatal (nos Congressos industrialistas) e no debate público.
Palavras chave: pensamento social brasileiro; Estado Novo; industrialização;
planejamento econômico
Introdução
Este artigo consiste na análise da controvérsia em torno do planejamento
econômico, no período 1935-45, entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, a partir
da análise dos anais do I Congresso Brasileiro de Economia (1943) e a produção
bibliográfica de Gudin e Simonsen, sob a ótica da controvérsia.
Os Congressos industrialistas da década de 1940 significaram uma tomada de
consciência corporativa de classe entre os industriais, superando o imediatismo no
qual suas ações estavam dissolvidas, e consolidando o projeto industrialista. E como
Simonsen está inserido numa geração amadurecida dos industrialistas, sua
argumentação passa pela profundidade teórica (a qual o eleva com relação aos seus
pares) dentro de sua produção bibliográfica; pensa a sociedade brasileira, seus
problemas e demandas, com uma visão mais crítica, científica e consistente, central
no grande debate de seu tempo.
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A relação entre a consolidação de um projeto de nação pelo segmento
industrialista e a controvérsia Simonsen-Gudin consiste na luta pela hegemonia num
momento crucial no processo de consolidação da ossatura do Estado brasileiro
(Draibe, 1985), onde projetos de nação – tendo em vista o Estado Novo em vias de
desagregação e as perspectivas do pós-II Guerra Mundial – entram nessa luta. A
argumentação de Simonsen frente a escola liberal – eminentemente representada por
Eugênio Gudin – toma corpo e coerência, consistindo numa visão madura, científica
e coerente da questão nacional.
Dessa maneira, o primeiro desdobramento desse processo singular consiste na
consolidação de uma mentalidade e um ethos empresarial – manifestada em espaços
próprios de discussão e organização de interesses, treinamento e seleção de novas
lideranças – num quadro de lutas de hegemonias, consagradas na conformação da
ossatura do Estado. Roberto Simonsen não é apenas um economista da vertente
desenvolvimentista do período, mas um dirigente do segmento industrialista, e um
intelectual orgânico desse segmento. O sentido ideológico do discurso de Simonsen –
que era um nacional-desenvolvimentista – aponta para o limiar entre as idéias
keynesianas e o pensamento cepalino em vias de germinação.
Diferentemente, Gudin não era um dirigente – mas ao contrário, um técnico, cujo
discurso reivindicava a neutralidade de uma economia de curso natural, e a defesa da
tese de “vocação agrária” do Brasil (Borges, 1996, pp.44-59).
O lócus político que acolheu dois personagens tão distintos foi o debate em torno
do planejamento da economia, o qual orbitava entre o desenvolvimento industrial
impulsionado pelo Estado, e a vertente liberal cuja tese de “vocação agrária” do
Brasil julgava a atividade industrial algo “artificial” em contraposição a nossa
suposta natureza agro-exportadora mercantil. Os espaços desse debate ao qual foram
os Congressos industrialistas da década de 1940, e as discussões dentro da Comissão
de Planejamento Econômico.
Estudar o processo de industrialização à época tomando por base os Congressos
industrialistas da década de 1940 explica o comportamento dos industriais como
atores sociais, principalmente no tocante a questão do conflito entre liberalismo
econômico e desenvolvimentismo/industrialismo. É necessário levar em conta as
diferentes influências teóricas do período (que passam pela recepção das teses de List
(1989), Keynes (1965), Nurske (1957)
e Manoilescu(1938)), no debate entre
regulacionismo e liberalismo. Toca também no tema mais agudo de saber como e
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porquê dos empresários pedirem proteção do Estado (que sempre significa uma perda
da autonomia do setor diante da possível exorbitância da ação e regulação estatal,
além do afastamento do paradigma da “mão invisível”). Os Congressos industrialistas
da década de 40 e as discussões travadas na Comissão de Planejamento Econômico –
assim como as produções teóricas de Gudin e Simonsen entre 1935-45 – estão no
centro dos debates por serem o momento no qual os industriais – notadamente
liderados por Roberto Simonsen – tomam sua consciência corporativa de classe e a
defesa de seus interesses – assim como de um projeto de sociedade e de nação que
lhe são intrínsecos – e cujos debates tomarão a frente do projeto industrialista.
Assim, é possível identificar os atores e idéias as quais antecederam a consolidação
da industrialização pesada (Draibe,op cit); como é também de extrema importância
para o pleno entendimento do pensamento econômico e político do período.
Uma ‘velha’ e ‘nova’ questão acerca do planejamento econômico.
Há na literatura econômica e histórica brasileira um extenso debate sobre o papel e
os limites do planejamento e da intervenção do Estado na economia, em especial na
questão da industrialização (principalmente sobre a passagem do modelo mercantilexportador para o modelo industrial). Embora haja inúmeras interpretações sobre a
origem e o ritmo desse processo, é praticamente consenso a tese de que o
planejamento
conduzido
pelo
Estado
foi
peça
importante
e
necessária,
principalmente em função de nossa situação histórica de país de capitalismo tardio.
Entretanto, a questão do planejamento não foi, em sua emergência histórica, um
consenso – muito longe disso, representou uma árdua e tensa disputa travada entre
dois grupos econômicos: o setor ligado às atividades cafeeiras (defensores da
economia liberal e da tese da ´vocação agrária´) e o segmento que representava o
setor industrial que desabrochava. Recortando-se o período nodal da industrialização
como sendo o interregno 1930-1960, e mais especialmente o período anterior a
implementação das primeiras experiências de planejamento e intervenção econômicas
(Plano Salte, 1948, Plano de Metas, 1956 e Plano Trienal, 1964) fica como questão
importante para reflexão e a pesquisa acadêmica a indagação de como o
planejamento passou a ser defendido – incluindo sua adoção enquanto uma política
pública (adotada pelo Estado brasileiro como uma “questão nacional”).
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Também suscita curiosidade saber qual a posição do segmento industrial, tanto em
relação ao tema do planejamento quanto a repassar (ou necessitar) do Estado como
instrumento acelerador de seu próprio crescimento industrial. Situar esse problema
implica não apenas em descrever e analisar historicamente o processo de
industrialização e sua relação com os industriais e o Estado, como, por extensão
entender como foi forjado o projeto desenvolvimentista posteriormente adotado. Tal
questão passa, necessariamente, pelo debate e argumentação econômica e política, da
qual os economistas, os industriais e os técnicos ligados ao aparelho do Estado
travaram no período.
Analisando a questão do planejamento e a perspectiva desenvolvimentista,
podemos detectar pelo menos duas posições antagônicas no período: o liberalismo
clássico e o desenvolvimentismo. No primeiro grupo foram expoentes Eugênio Gudin
(ferrenho defensor da tese da “vocação agrária” e dos automatismos de mercado,
expoente das décadas de 40 e 50) e Roberto Campos (com sua tese do controle e
limitação da intervenção, próximo à corrente do desenvolvimentismo do setor
público não-nacionalista, expoente entre as décadas de 50 e 60). Da corrente do
desenvolvimentismo nacionalista destacaram-se Roberto Simonsen (líder industrial e
precursor da defesa do planejamento como meio de superação do atraso econômico
nacional, expoente nas décadas de 30 e 40) e Celso Furtado (defensor do
planejamento estatal e democrático, expoente dos anos 50 e 60).Na década de 1940, a
conjuntura dos debates sobre um projeto para a modernização oscilava entre o
planejamento econômico (defendido por Roberto Simonsen) e o liberalismo
(defendido por Eugenio Gudin). Ao longo do tempo esse dualismo entre proteção e
liberdade se ampliaria. Na década de 1950/60 Roberto Campos tomaria defesa dos
liberais; enquanto Celso Furtado defenderia o nacional-desenvolvimentismo (com
estratégias de poupança compulsória para o financiamento estatal da indústria e a
proteção da indústria nacional em relação ao capital internacional).
O papel do setor industrial no período 1930-60 é de fundamental importância, por
causa da sua atuação enquanto grupo de interesse organizado frente a esse Estado em
formação. Isso justifica a escolha pelos anais dos Congressos industrialistas, uma vez
que é a primeira vez que essa fração de classe supera o imediatismo das demandas
conjunturais em prol de um projeto de nação autônomo e de uma tomada de
consciência corporativa de classe.
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Atualmente estamos diante de crises econômicas e sociais que suscitam inúmeras
discussões sobre sua natureza e origem. Estas não são apenas conjunturais, mas
historicamente construídas e conseqüência de uma determinada estrutura social
concebida dessa maneira. O neoliberalismo de hoje tem muito a ver com o processo
problemático (e sem precedente) de modernização da economia brasileira, cujo
recorte histórico poderia ser de 1944-1964, cujos projetos variavam no que toca a
proteção do mercado e a intervenção do Estado na economia. É verdade que o fim da
I República, com a Revolução de 1930, significou o início da transição entre o fim de
uma sociedade tradicional (o café enquanto último ciclo agrário exportador) e o
advento de uma sociedade moderna (a indústria de base, diferentemente da indústria
de bens de consumo pré-30) e principalmente o advento do debate sobre os rumos da
modernização. Entretanto, é na década de 40 que os debates se tornam mais agudos
na medida em que se tornam mais conflitantes as posições e os interesses entre os
diferentes setores da economia brasileira – que se até a década de 20 o modelo
econômico e a direção do Estado ficara restrito e adstrito ao interesse e a hegemonia
do setor cafeeiro (mercantil-exportador), a partir de 30 tem que conviver política e
economicamente com a emergente corrente industrial.
Diante desse cenário, torna-se importante e relevante entender o papel
desempenhado pelos espaços ocupados pelo setor industrial na luta por seu projeto de
crescimento enquanto classe e setor econômico. A década de 20 viu surgir a primeira
representação corporativa dos industriais – A FIESP, fundada em 1928 por Roberto
Simonsen e Francisco Matarazzo – mas é apenas nos anos 40 que o setor industrial
consegue produzir um espaço de discussão sobre seus problemas e projetos, maior
que a representação sindical: são os Congressos econômicos do final do governo
Vargas. Nestes eventos com certeza podemos encontrar refletidos os problemas, os
temas e as perspectivas econômicas e políticas que organizavam e/ou dividiam o
segmento
industrial.
Nestes
encontros
boa
parte
do
futuro
projeto
de
desenvolvimento industrial estavam sendo discutidos e tecidos.
Draibe começa a discussão sobre a formação do “Estado Industrial Leviatã” a partir das
etapas da constituição do capitalismo brasileiro. Esse processo empreende três fases: (I)
economia exportadora capitalista (até 1933); (II) a industrialização restringida, no período de
1933-55; e (III) a industrialização pesada, cujo período compreende 1956-61. A revolução
burguesa teria três relações principais: com o passado (na questão agrária), com o presente
(conflitos entre as frações de classe da burguesia) e com o futuro (as relações emergentes). As
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relações entre Estado e Sociedade no Brasil obedecerão ao processo de “hierarquização de
interesses econômicos e políticos” (p.27) o que, concomitante a simultaneidade de processos
específicos na formação da base material do Estado capitalista no Brasil, levará à formação de
uma direção política nesse processo de transformação, a qual vai variar de acordo com as
hierarquizações de interesses sociais e políticos.(pp.11-27)
O Estado capitalista moderno em formação encontra sua gênese no Estado de
Compromisso, que é fruto da crise agrária da república velha (1889-1930) a qual encontrara
seu fim na Revolução de 30. Entretanto, o quadro nesse momento é, além da crise do
complexo cafeeiro, a falta de hegemonia, a dependência das classes médias com relação ao
Estado e da pressão popular devido a crise econômica. Nesse quadro, o Estado aparece como
árbitro de interesses entre o capital e o trabalho, uma vez que aquela falta de hegemonia fez
com que nesse momento o Estado se constituísse como autônomo frente aos interesses
dominantes. Draibe chamou de via prussiana para o desenvolvimento a modernização
conservadora, conduzida pelo Estado, manifestada no período. (p.22)
Draibe coloca como resultado do desenvolvimento mercantil-exportador uma divisão
social do trabalho em três setores históricos fundamentais, quais sejam: a burguesia mercantil
exportadora, a burguesia industrial e o proletariado. Esses setores históricos são capazes de
ordenar o conjunto da sociedade, o que os destaca dos outros. Dessa maneira, a estrutura da
luta de classes estava apoiada na economia cafeeira (cujo complexo exportador levou a uma
divisão do trabalho social e a reprodução ampliada do capital, dentro de um regime de
acumulação) e nas formas de organização desse capital, que foram duas: uma (a), na cidade; e
outra (b) no campo. O café levou a uma diferenciação crescente, o que impulsionou a divisão
do trabalho na cidade, criando uma classe média tradicional (a1), e (a2) as baixas classes
médias. (pp.23-34)
Porém o café precisava da interferência do Estado como aglutinador de capitais, o que
levou a uma base para a “via conservadora” do desenvolvimento. Por essa via, foi possível a
conformação de interesses entre campo e cidade. (pp.34-5)
O caso brasileiro de modernização conservadora prescindiu a necessidade de uma queima
de etapas. Entretanto, Draibe coloca como problemas desse desenvolvimento acelerado as
relações desiguais entre o Estado e o capital estrangeiro, as dificuldades (e mesmo a
necessidade) das políticas de suporte, a necessidade de cautela frente a um processo
problemático e delicado, e a transição para a indústria com novo eixo de acumulação. As
relações com o capital estrangeiro operaram em duas fases: uma primeira, enquanto fluxo de
capital de empréstimo; e uma segunda, como investimentos diretos. Os principais atores desse
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processo foram o Estado, a burguesia industrial brasileira e o capital internacional. A
discussão do período foi acerca da margem de atuação do Estado, pensando também na
permissão de entrada do capital estrangeiro no processo, e como se daria. (pp.36-7)
Estado, que por sua vez filtra os conflitos particulares e os interesses. Assim, a definição de
um projeto político para o Brasil a partir daqui torna-se o lugar da autonomia do Estado, e a
conformidade da unidade política nacional. Entretanto, o Assim, a atuação do Estado no
processo ocorreu principalmente por meio das empresas públicas. Foram dois os
desdobramentos desse processo: a aceleração, pela via estatal, do desenvolvimento das forças
produtivas, com a conseqüente alta dos salários reais; e a necessidade de uma reforma
fundiária dentro desse desenvolvimento (DRAIBE, pp.38-9).
Será num campo fragmentado e heterogêneo, formado por diversas de dentro e fora do
Estado, na conjuntura das lutas políticas entre os setores históricos fundamentais
(proletariado, burguesia mercantil e burguesia industrialista), que aparece a autonomia do
Estado frente a sociedade. O Estado aparece aqui como um reequilibrador de interesses.
Entretanto, a autonomia do Estado encontraria limitações.
A primeira delas reside no fato de que o Estado tinha sua autonomia orientada em
hierarquizar os interesses sociais. O núcleo dirigente orientava a ação estatal, e essa
orientação foi direcionada pelas lutas travadas dentro do Estado, tais como na comissão de
planejamento econômico – na controvérsia entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin
(Bielschowsky, 2004, p.241-243). A partir daqui, podemos inferir que a organização do
Estado e suas relações com a sociedade passam a ser de um caráter fortemente corporativo,
visto que o Estado absorve os conflitos sociais, para num segundo movimento os regular.
Draibe ressalta que a industrialização no Brasil implicou na aquisição por parte do Estado de
estruturas capitalistas. (Draibe, op.cit,pp.43-5)
A partir daqui as lutas entre o capital e o trabalho passam necessariamente por dentro do
aparelho de Estado não é monolítico, tampouco coeso, e coloca a (tecno)burocracia no centro
dos conflitos. O processo de consolidação do Estado “Leviatã” brasileiro se operou no
período 1930-60, e foi um processo desigual e descontínuo. (Draibe, pp.49-54)
A quebra da bolsa de Nova York em 1929 levou a uma crise estrutural do capitalismo, cuja
principal conseqüência foi o colapso do liberalismo. Essa desarticulação da economia
internacional levou as economias capitalistas a adotarem soluções nacionais para a crise, e
implicou no crescimento do poder dos Estados nacionais frente a economia, principalmente
no que tangia à natureza dessa intervenção. Exemplo ilustrativo é o da Grã-Bretanha, que
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desvalorizou a libra no intuito de valorizar o mercado interno, o qual passou a ser o orientador
da sua política econômica. (Corsi, pp.23-8)
O projeto de desenvolvimento do Estado Novo foi de caráter nacionalista e foi no Estado
que encontrou a condução de seus projetos. Dentre outras medidas, nos interessa aqui apontar
a criação do Conselho Nacional de Petróleo (1938) e a Carteira de Crédito Agrícola e
Industrial do Banco do Brasil (1937). A Carta outorgada de 1937 aprofundou o nacionalismo
da era Vargas: limitou a concessão de minas e quedas d´água a nacionais, vetando a
participação do capital estrangeiro, possíveis pelo Código de Minas de 1934. (pp.72-3)
Os Congressos industriais dos anos 1940 estão num momento singular do processo
decisório acerca da política nacional e econômica do Brasil. Esse momento se articula de
acordo com a política externa do Estado Novo, uma vez que 1943-5 legou os efeitos dos
Acordos de Washington de 1942, num momento crucial da resolução da II Guerra Mundial.
De acordo com Corsi (2000) os acordos de Washington foram celebrados pela ocasião da
missão diplomática de fevereiro de 1942, tomados em conjunto no concernente ao
fornecimento de material de guerra e ao comércio de produtos primários. Foram os Acordos
de Washington: os acordos militares, pelos quais – com o argumento das movimentações
bélicas na Argentina e a suposta presença de agentes nazistas no cone sul – os Estados Unidos
dobraram o fornecimento de material bélico para o Brasil; os acordos econômicos, pelos quais
o Brasil incrementou os montantes de exportação, para o esforço de guerra aliado; os acordos
sobre a borracha; e os acordos sobre a exportação de minério de ferro – cujo principal
desdobramento foi a construção da Companhia Vale do Rio Doce, pelo decreto-lei nº 4.352 de
1942. (Corsi, pp.195-216)
A importância dos Acordos de Washington consistiu no aumento de exportações
brasileiras de um modo geral (cerca de 60%), proporcionalmente ao aumento da dependência
econômica com os Estados Unidos. Por outro lado, esses acordos possibilitaram uma via de
acumulação de capital e financiamento externo para um projeto de desenvolvimento apoiado
na industrialização e no crescimento do mercado interno – muito embora o projeto de
desenvolvimento do Estado Novo nunca fora algo fechado e estruturado, mas cheio de
percalços e descontinuidades. (Corsi, pp. 218-9)
Dentro do período compreendido entre 1945-1964 identificamos três correntes
principais (Bielschowsky, 2004) dentro do pensamento econômico: neoliberalismo,
desenvolvimentismo e o socialismo. Eugênio Gudin, Dênio Nogueira, Daniel de
Carvalho e Octávio Bulhões foram os grandes nomes da corrente liberal do período.
Com base nas teorias clássicas e neoclássicas sustentavam que apenas as forças do
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mercado poderiam manter a economia em funcionamento. Defendiam que é a baixa
produtividade – e não o desemprego – a responsável pela crise econômica, e que o
crescimento estava até então inviável devido a erros de política econômica. O apoio
interno seria através de uma estruturação do sistema financeiro, eram contra qualquer
protecionismo, e atribuíam a inflação como causa do déficit e fortemente contrários a
idéia de reforma agrária.
Entre os socialistas mais destacados no período estão Caio Prado Júnior, Nelson
Werneck Sodré, Passos Guimarães e Aristóteles Moura, reunidos seja no Partido
Comunista Brasileiro (PCB), seja no ISEB (Instituto Superior de Estudos
Brasileiros). Assim como
Ignácio
Rangel estavam fortemente apoiados no
materialismo histórico – mas diferentemente, não estavam tão influenciados por
Keynes e Adam Smith quanto Rangel – e defendiam o amadurecimento do
capitalismo para então a passagem para o socialismo. Totalmente a favor da
estatização e hostil ao capital internacional, o paradigma socialista era absolutamente
favorável a reforma agrária, ao protecionismo, a economia planejada e a
redistribuição da renda.
A corrente desenvolvimentista é dividida em desenvolvimentismo do setor público
e do setor privado (segmento que se verificou em Roberto Simonsen, Nuno F. de
Figueiredo). Dentro do desenvolvimentismo do setor público, o nacionalista (Celso
Furtado, Rômulo de Almeida, Américo de Oliveira e Evaldo C. Lima) e o nãonacionalista (Roberto Campos, Ary Torres, Lucas Lopes, Glycon de Paiva). A
principal diferença entre o setor privado e o público não está na industrialização
integral ou no planejamento da economia; está sim nas posições tomadas frente a
intervenção estatal, ao capital internacional, a inflação e distribuição de renda. As
duas vertentes do setor público da corrente desenvolvimentista se diferenciam no que
toca o posicionamento em relação ao capital estrangeiro na industrialização brasileira
(Bielschowsky, 2004, p.84).
A comissão mista Brasil-Estados Unidos e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) foram os principais núcleos de debates dos desenvolvimentistas
do setor público não nacionalista. Assim como os liberais acreditam que o
crescimento é prejudicado pelos erros de política econômica, diferentemente de
Roberto Simonsen e dos socialistas, e aceitavam o capital estatal apenas onde o
capital privado não mostrasse interesse. Atribuíam o déficit externo à inflação
(apesar de reconhecerem que este poderia existir mesmo sem ela) a qual atribuíam a
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conseqüência da plena capacidade produtiva e se mostravam omissos sobre a questão
agrária - diferentemente dos seus colegas do setor público nacionalista favoráveis a
reforma agrária, assim como atribuíam a inflação e o déficit externo a causas
estruturais. Defensores do planejamento, o nacional-desenvolvimentismo do setor
público era favorável ao protecionismo, a estatização e a tributação como forma de
cooptar recursos. Fortemente apoiados na escola cepalino-furtadiana, defendiam o
desenvolvimento “para dentro” – em detrimento ao desenvolvimento “para fora”, a
economia reflexa e dependente. Também divergiam de seus colegas nãonacionalistas, que preferiam apoiar a tese de Roberto Campos de que o principal
problema da economia brasileira eram os pontos de estrangulamento e de
germinação.
Apesar dessas três vertentes desenvolvimentistas estarem orientadas no ecletismo
pós-keynesiano, o setor privado e o setor público nacionalista foram influenciados
por Simonsen e pelo economista argentino da CEPAL Raúl Prebisch. Roberto
Simonsen,
apesar
de
morto
em
1947,
poderia
ser
classificado
entre
desenvolvimentista do setor privado e do setor público nacionalista, por se tratar do
pioneiro na discussão sobre o planejamento da industrialização e da modernização
brasileira (Bielschowsky, 2004; Cepêda, 2004).
Celso Furtado trabalhou no Plano Trienal na gestão de João Goulart; entretanto, o golpe de
64 interrompeu os trabalhos do Ministério da economia, o qual passa para a orientação
política do liberalismo econômico. Entretanto, os planos de desenvolvimento continuam entre
os militares. O fracasso do Milagre brasileiro devido, não apenas, mas principalmente, à crise
internacional do petróleo em 1973-5 coloca um ponto final nesses planos. A partir desse
momento a crise inflacionária faria prevalecer políticas econômicas que convergiam para
planos de estabilização financeira, adotando estratégias e balizas da escola monetarista de
economia nos gabinetes da Nova República.
Intelectuais, Industrialismo, e a Organização de Interesses.
Entendemos o industrialismo a partir de sua contraposição aos interesses da fração de
classe burguesa mercantil-agroexportadora. Os industrialistas, que estão entre os
desenvolvimentistas do setor privado, são uma fração de classe da burguesia que defende um
projeto de nação para o Brasil que envolve o desenvolvimento da indústria pesada e reivindica
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o apoio estatal para seu projeto. Assim, o projeto industrialista se choca de maneira frontal
com os interesses da burguesia agro-exportadora.
A luta pela hegemonia na fase de desagregação do Estado Novo1 levou a um momento
especial de organização do segmento industrialista, de superação da organização
econômico/corporativa para a organização no grupo social ampliado, constitutivo de um
projeto de nação. Foi crucial nesse processo a ação de Roberto Simonsen enquanto intelectual
orgânico do segmento industrialista, liderança e representante político. O “intelectual” será
entendido aqui enquanto duas condições: uma de portador de reconhecimento, outra de
operador do simbólico
Gramsci (1978b) indaga a origem dos intelectuais a partir da questão da autonomia, se eles
são uma classe independente ou se cada classe teria seus próprios intelectuais. Considera que
a cada classe nova acontece a criação de novos intelectuais “orgânicos”, isto é, intelectuais
ligados inevitavelmente a essa classe; o desenvolvimento dessa classe levaria a
especializações das atividades desse novo tipo social. Num segundo aspecto, deve existir no
intento do trabalho, a considerar que não existiria trabalho puramente físico, o que leva a crer
que “todos os homens são intelectuais (...), mas nem todos os homens têm na sociedade a
função de intelectuais” (p.253). Dessa maneira, seria ilusório supor que existam nãointelectuais, pois estes são imagináveis apenas à luz de uma diferenciação com seu virtual
outro, os intelectuais, pensados meramente como categoria profissional do saber; daí que “não
tem sentido falar de não-intelectuais, porque os não-intelectuais não existem”(p.254). O perfil
do novo intelectual estaria apoiado num “persuasivo permanente”.
A função do intelectual orgânico2 seria possibilitar a superação do senso comum em
direção ao bom senso dentro do grupo, num processo que Gramsci recorrentemente em seus
escritos cita como o elaborar e tornar coerente as idéias da massa. O senso comum para
Gramsci consiste na mentalidade “gelatinosa” e sem forma, incoerente e ilegível. O bom
senso para Gramsci consistiria na mentalidade coerente e racional, e sua plenitude, a filosofia.
Entretanto, não se tratam de dois pólos antagônicos, mas o bom senso estaria presente, num
primeiro momento, como um “núcleo sadio” do senso comum. E mesmo a religião e o
folclore forneceriam “visões de mundo” para a massa.
Faz sentido adotar essa concepção aqui uma vez que Simonsen “elaborou e tornou
coerente” as idéias contraditórias do pensamento industrial do período, cuja incoerência na
1
Concordamos com a historiografia do Estado Novo proposta por Carone (1982) que divide o período em
Consolidação (1937-1941), Desagregação (1942-fev/1945) e Período Democrático (fev/1945-out/1945).
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Existe, em Gramsci, a categoria de intelectual tradicional, em oposição ao intelectual orgânico. Consiste no
intelectual remanescente no antigo bloco histórico. Entretanto, com fins metodológicos, não abordarei a
categoria de intelectual tradicional nesse artigo.
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oscilação entre liberalismo e protecionismo rendeu derrotas argumentativas dos industrialistas
frente ao liberais. Simonsen, numa terceira fase do seu pensamento econômico/social, se
descola
definitivamente
do
liberalismo
e
constitui
solidamente
um
pensamento
desenvolvimentista do setor privado nacionalista.
De acordo com Cardoso (1964) o formidável crescimento da indústria paulista foi
resultado da ação capitalista dos capitães-de-indústria. Cardoso denomina assim o empresário
tradicional, dotado de “espírito de aventura”, oscila entre indústria e comércio, praticando
deliberadamente a especulação sistemática como método de acumulação de capital. Sua
mentalidade é ambígua. Ao passo que querem empreender uma “grande indústria”, sentem-se
contrastados
pela
falta
de
capitalização,
e
a
buscam
no
Estado.
Encaram o Estado de maneira maniqueísta: por um lado, o Estado protetor da indústria
nacional contra o capital internacional; por outro, o medo da intervenção estatal, o mito do
Estado como mau gestor, e a recorrência às idéias liberais à menor dificuldade que lhe
aparecem3. A fábula do Estado “anti-empresa” é descontínua com a realidade, o que faz
acreditar que o Estado que socorre o setor privado é outro em relação ao Estado interventor –
quando na verdade são um só. Os homens-de-empresa, diferentemente dos capitães-deindústria, segundo Cardoso conseguem “superar os limites da fábrica” e pensam a sociedade
em caráter total para formular suas reivindicações e projetos.(pp.133-6) O que difere
Simonsen de seus contemporâneos industriais é justamente o fato de ser um homem-deempresa, embora cercado de capitães-de-indústria.
Gramsci (1978b) associa aos intelectuais a função de subalternos da hegemonia, cujos
objetivos consistem: em forjar o “consenso” a partir do prestígio e reconhecimento que
possuem enquanto tal, com fins de manter a hegemonia e a direção imposta; legitimar o
aparato de coerção estatal (p.258).
Em O Moderno Príncipe, Gramsci (1978a) pensa as duas dimensões sociais, a sociedade
política (enquanto lugar da coerção) e a sociedade civil (enquanto lugar do consenso),
imaginando o partido político na intersecção dessas duas sociedades (daí o seu papel de
“Moderno Príncipe”). A analogia com o condottiere de Gramsci a Maquiavel cabe aqui se
pensarmos Roberto Simonsen como líder do segmento industrialista, possuidor de virtú
(capacidade de liderança) e sua relação com a fortuna (as oportunidades, no reino do
imponderável) cujo resultado positivo é a sujeição dos súditos ao seu controle (Cepêda,
3
O próprio Roberto Simonsen sofre dessa esquizofrenia teórica, conseguindo se descolar do liberalismo
econômico apenas na terceira fase de sua obra (1937-45).
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13
2004); Aqui, o segmento industrial estando disperso, a virtú de Simonsen reside na
capacidade de ordenamento dessa fração de classe, e encontra lugar no debate dos anos 1940.
Gramsci (1978a) aponta o partido político como o condottiero ideal na modernidade, e
historicamente determinado. Com relação à luta, Gramsci aponta o arditismo (luta armada,
guerra de guerrilha) como débil, sendo muito mais útil a sua passividade seguida de
desmoralização. (p.69) Combater o arditismo com arditismo, segundo ele, é “uma tolice”,
uma vez que “a política deve, também nesse caso, ser superior a arte militar, e só a política
cria a possibilidade de manobra e de movimento” (p.70). Ou seja, em Gramsci a política é um
campo de luta simbólica e um complexo de relações de força.
A tomada de consciência dos industriais no Brasil no período em questão é analisada
dentro da perspectiva a qual Gramsci (1978a, pp 49-50) denomina como um momento
especial das relações de força como situação de relação das forças políticas, cujos
componentes significativos são a autoconsciência enquanto grupo, o grau de homogeneidade
e o grau de organização alcançado por eles.
O primeiro desses estágios das relações das forças políticas é o âmbito econômicocorporativo. Nesse estágio, a solidariedade se volta para dentro do grupo, e não atinge um
âmbito ampliado de organização social, mas sim a organização do grupo profissional para
dentro de si. O segundo estágio, o da tomada de consciência dos interesses do grupo
profissional ampliado, embora ainda dentro do campo econômico, aqui já se coloca a questão
do Estado, com fins a igualdade político-jurídica. O terceiro estágio é o da superação do
círculo corporativo, momento o qual os interesses ligam-se às demais classes subordinadas e
onde os projetos em disputa alcançam um âmbito propriamente político.
Ao alcançar esse estágio, de acordo com Gramsci, as ideologias materializam-se nos
partidos, resultando na luta pela hegemonia, a qual determinará a univocidade da ordem
moral, social e intelectual, a que será também a de ordem política e econômica.
Dessa maneira, Gramsci atribui uma importância decisiva à luta no plano do simbólico e
desprezando a determinação em última instância seja pela estrutura ou pela superestrutura4.
Nos interessa aqui, ao que toca a organização dos interesses dos industriais, a formação e
consolidação de um projeto industrialista em dois movimentos: na luta pela hegemonia,
travada entre a fração de classe burguesa mercantil-agroexportadora e a fração burguesa
industrialista; e na obtenção do consenso ativo dos industriais para o projeto de nação forjado
4
Concordamos com Guido Liguori (2007) para quem a relação entre Estado e sociedade em Gramsci ocorre pelo
nexo unidade/distinção, portanto dialética, e que – uma vez o bloco histórico ser a unidade orgânica entre
estrutura e superestrutura – Gramsci não seria um “teórico das superestruturas”, como afirmara Bobbio.
13
14
dentro da fração de classe. Daí a importância de Simonsen como liderança e intelectual
orgânico desse segmento.
Roberto Simonsen e seu papel na consolidação do projeto
industrialista.
Simonsen, dentro do pensamento industrial, significou uma superação entre seus
pares, uma vez que precisou definir conceitualmente, de maneira mais rigorosa e
concisa, suas acepções teóricas. É por isso que nesse momento as reivindicações
industrialistas superam o imediatismo das demandas individuais dos industriais, e
passam a constituir um projeto de nação, baseado na conciliação de classes, na idéia
de progresso e povoamento do interior pela industrialização, e pela entrada e difusão
no país da organização científica do trabalho, o “taylorismo”. E é devido a essa
combinação entre o Simonsen “teórico” e “condottiere”, no sentido de capacidade de
liderança do segmento industrialista, é que o nosso referencial teórico nos orienta a
entender Simonsen como intelectual orgânico da fração de classe burguesa
industrialista.
Simonsen escreveu entre 1912-48 aproximadamente trinta e nove textos, sendo que
nos interessa a sua produção pós-30, uma vez que é onde o projeto industrialista se
amadurece no autor. São os textos: As crises no Brasil (1930), As Finanças e a
Indústria (1931), À Margem da Profissão (1931), Ordem Econômica, Padrão de Vida
e Algumas Realidades Brasileiras (1934), Aspectos da Política Econômica Nacional
(1935), A Indústria Face à Economia Nacional (1935), História Econômica do Brasil
1500-1820 (1935), A Evolução Industrial no Brasil (1939), Recursos Econômicos e
Movimento das Populações (1940), Os Elos da Indústria (1944), O Planejamento da
Economia Brasileira (1944-5) e Roosevelt (1945). Simonsen nesses textos trata das
crises nacionais como reflexo das crises econômicas, aponta a inépcia dos
governantes, por um lado e, por outro, toma a Grande Depressão como cenário para a
crise de então. Simonsen faz uma defesa intransigente da indústria, apresenta as
profissões de engenheiro e economista (“Homem de Negócios”) de maneira
abertamente positiva, assim como apresenta a indústria como possibilidade para o
processo civilizatório. Apresenta a condição da conjuntura econômica brasileira
como
subcapitalismo,
apresentando
a
industrialização
como
matriz
do
desenvolvimento, concomitante à crítica ao liberalismo econômico e à defesa do
14
15
planejamento econômico – assim como da proteção à indústria nacional com relação
ao capital internacional.
Simonsen defende a organização corporativa da sociedade brasileira, a defesa da
indústria pautada na produtividade, e a conseqüente elevação do padrão de vida.
História Econômica do Brasil foi sistematizado a partir das aulas de Simonsen na
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Nesse texto, Simonsen traz um
amplo levantamento e interpretação de dados, cuja metodologia consistiu no
cruzamento de diferentes ciências humanas (sociologia, economia, geografia,
história).na compreensão do processo de formação histórica e econômica brasileira.
Simonsen dedicou Planejamento da Economia Brasileira. para responder aos ataques de
Gudin, que era na época relator da comissão de planejamento econômico. Simonsen era
simpático ao planejamento e cita Landauer em sua tese a qual a Rússia Soviética se sairia
melhor da transição da economia de guerra para a paz em relação aos países capitalistas
ocidentais (p.11). Em “A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira” Simonsen
começa a análise ao dizer que a guerra recém terminada gerou apenas um surto efêmero de
capitalização no Brasil porque não levou aos alicerces da indústria de base. Assim, os
problemas do pós-guerra e a necessidade dos países em manter o pleno emprego –
concomitante com a avaliação ruim dos americanos acerca de nossa infra-estrutura econômica
–, a baixa produtividade, baixo consumo, falta de estradas de ferro e de rodagem – somado
ainda a extrema desigualdade do padrão de vida no país –, levou Simonsen a afirmar que a
renda nacional necessitava, naquele momento, de aumentar em quatro vezes. Indicava a
planificação econômica – acertada no I Congresso Brasileiro de Economia – como a
possibilidade de resolver o problema da renda. Metade dos custos seriam financiados pelos
Estados Unidos, e o intervencionismo estatal apenas não poderia agredir a propriedade
privada5.
Concordamos com Carone (1977) para quem Simonsen – juntamente com Euvaldo Lodi,
João Daundt D’Oliveira, Otávio Pupo Nogueira, entre outros – entra numa segunda geração
de industrialistas (a primeira havia sido a partir da Sociedade Auxiliadora da Indústria de
1820, mas encontraria ressonância apenas mais tarde, nas vozes de Serzedelo Correa, A.
Cavalcanti, Antonio Felício dos Santos, Américo Werneck, Vieira Souto, entre outros do
período pós 1880) onde aparecem o amadurecimento teórico, a centralização da representação
5
Simonsen, 1977.
15
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de classe e a superação dos imediatismos aos quais estavam dissolvidas as ações dos
industriais (pp.6-17)
Cepêda (2004) aponta a produção intelectual de Simonsen como elemento que ajuda a
entender a revolução burguesa no Brasil, em processo e inacabada; além do que se trata do
ponto crítico da industrialização O problema passa a ser o comportamento dos
industriais frente a uma situação de enfraquecimento do Estado (os sinais de crise do
Estado Novo entre 1940-5), tomando dois movimentos: o primeiro, já em curso, das
reivindicações dos industriais frente ao Estado; e o segundo, como que essas
reivindicações se articulam em conjunto sistemático para se consolidar enquanto
projeto. Esse problema se apresenta em duas frentes: numa primeira, a importância
do Congresso de 1943, uma vez que é a primeira vez que esse problema se coloca de
um lócus de fora do Estado; numa segunda, a coincidência que existe entre a
conformação desse projeto nacional industrialista com uma terceira fase da obra de
Simonsen – onde ele se descola do liberalismo econômico.
Por outro lado, fica claro o comportamento esquizofrênico dos industriais (principalmente
no período 1930-60) uma vez que eles são, por um lado, liberais, e por outro, defendem a
intervenção do Estado para protegê-los – seja contra o trabalho, seja contra o capital
internacional, caso olhemos para o período 30-60. Assim, é comum encontrar nos anais do
Congresso Brasileiro de Economia de 1943 citações ao economista Frederick List
(1789-1846), que em Sistema Nacional de Economia Política (1989[1855]) coloca a
nacionalidade como intermediária entre a “individualidade” e a “humanidade inteira” e
defende uma proteção inicial da incipiente indústria alemã da época em relação a outros
países (pp.3-6).
Nesse sentido, aparece uma questão importante que orienta esse trabalho: se os Congressos
industrialistas dos anos 406 – porque são uma organização corporativa de classe, de fora do
aparelho estatal – teriam desempenhado o papel de formação de lideranças, concomitante a
disseminação da ideologia industrialista numa forma mais elaborada, dentro da própria fração
de classe.
O I Congresso Brasileiro de Economia: o debate Simonsen-Gudin e a
organização de interesses entre os industriais
6
Os Congressos industrialistas dos anos 1940 formam uma tríade nesse processo de tomada de uma consciência
corporativa dos industriais e na constituição de um projeto de nação. São eles: I Congresso Brasileiro de
Economia (Rio de Janeiro, 1943); O I Congresso Brasileiro da Indústria (São Paulo, 1944); e a I Conferência
Nacional das Classes Produtoras (I CONCLAP, Teresópolis, 1945). (Carone, 1982, p.315)
16
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O I Congresso Brasileiro da Indústria foi realizado entre 25 de Novembro e 18 de
Dezembro de 1943 na então capital federal, organizado pela Confederação Nacional do
Comércio (CNC), dentro da sede social da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Getúlio
Vargas foi o presidente de honra; João Daundt d’Oliveira – presidente da Federação de
Associações Comerciais do Brasil e da Associação Comercial do Rio – foi o presidente
efetivo; Euvaldo Lodi, presidente da Confederação Nacional da Indústria – foi o vicepresidente do Congresso. Essas discussões se realizaram dentro das comissões técnicas, as
quais eram em número de oito: (I) produção agrícola e industrial, (II) circulação e transportes,
(III) Moedas e Bancos, (IV) investimentos, (V) finanças públicas, (VI) planos internacionais e
de caráter social, (VII) pesquisas e estudos econômicos, e (VIII) atividades econômicas do
Estado.
As discussões diretas entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen nas sessões do plenário do
I Congresso Brasileiro de Economia de 1943 ocorreram na quarta sessão – de 16 de
dezembro, às nove horas. Nessa sessão foram discutidos as atribuições do Banco Central e o
problema da inflação. Simonsen, em resposta a Gudin, criticou a “intromissão” do Banco
Central no destino das verbas públicas para o fomento à produção, assim como o poder de
decisão do Banco nos programas de desenvolvimento da mesma (pp.421-2). Essa querela
entre Gudin e Simonsen toma outro aspecto da questão, que é a autonomia sobre a verba
destinada pelo Banco Central aos produtores industriais e agrícolas: Simonsen – enquanto
industrial, economista e presidente da FIESP à época – não queria a intervenção do Estado no
destino das verbas públicas destinadas à produção; enquanto que Gudin – que era defensor do
papel agro-exportador do Brasil na divisão internacional do trabalho (BIELSCHOWSKY,
2004, p.38) talvez frente à iminência de ceder o destino das verbas para a indústria, foi a favor
do controle dessas verbas pelo Estado.
O ponto pacífico entre Gudin e Simonsen foi, justamente, quando Gudin deixou claro que a
intervenção não protegeria a classe trabalhadora (mas numa clara concessão de Gudin):
“[Gudin] A intervenção do Banco Central nas autarquias não tem por objetivo
proteger o trabalho humano, (...) chamará os diretores das autarquias e dirá: a
política monetária a ser seguida será a nossa (...)”(I Congresso Brasileiro de
Economia, 1944 ,p.425).
Ao que toca a questão da inflação, Jurandyr Lopes Rodrigues e Gudin defendem que –
porque a inflação é a quantidade de meios de pagamento desproporcionalmente maior que as
mercadorias em circulação – a solução para o problema da inflação é a absorção dos “lucros
extraordinários” pelo Estado (p.449). Simonsen se opõe a Gudin e Rodrigues, e defende a
17
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propriedade privada dos lucros dos industriais urbanos e agrícolas. Em outras palavras, é
como se Simonsen sugerisse que o problema do reinvestimento e da capitalização fosse
conduzido e solucionado pelo setor privado – um problema que até a pouco foi considerado
de responsabilidade da nação. Entretanto, a questão foi resolvida pela via da “força”, uma vez
que Simonsen invocou a hierarquia do Congresso – sendo prontamente atendido pelo
presidente, João Daudt D´Oliveira – e conseguiu que se decidisse pela vontade da comissão
de redação, todos alinhados finamente com o pensamento de Simonsen.
O Trabalho como categoria social não estava representado; apenas tiveram voz,
voto e presença os representantes do Estado da burguesia industrial. Entre as
recomendações do Congresso para o governo federal, se destacam: a intensificação
das atividades do Estado na prospecção de hulha e turfa, a admissão do capital
internacional não preponderante (onde a iniciativa privada for fraca), a criação de um
Banco Central, uma intervenção estatal com fins ao apoio e fomento a industria
nacional, e o abatimento das tarifas de circulação de mercadorias dentro do país. Nas
relações internacionais, um plano de exportação industrial para os países diretamente
envolvidos na II Guerra Mundial, e uma legislação anti-dumping nas trocas
internacionais. Ao que toca a organização do trabalho, a difusão pelo Estado da
organização científica do trabalho, através do IDORT; ao que toca a organização da
sociedade, foi salientada (principalmente na solenidade de encerramento) a disciplina
e capacitação técnica da classe trabalhadora, assim como a forma de organização
corporativa da sociedade.
Conclusão
A consolidação do projeto industrialista, enquanto conclusão da organização de
interesses dentro dessa fração de classe, e enquanto resultante da luta pela hegemonia
num momento singular do Estado Novo, operou por espaços próprios de organização
do consenso, e de discussões fora da arena estatal. Foi um espaço de formação de
novas lideranças e de conformação de um projeto de nação por parte dos industriais:
projeto de organização corporativa, fortemente apoiado no Estado, tendo o “homem
de negócios” como operador do próprio sistema, e numa relação muito próxima entre
o público e o privado.
Ao que toca a controvérsia, o projeto de nação do segmento industrialista se
mostrou quase que imposto a sociedade, fato evidenciado pela discussão entre
18
19
Simonsen e Gudin acerca do controle da inflação: frente à crítica demolidora de uma
ala liberal liderada por Gudin, Simonsen faz com que essa recomendação (crucial
para o Congresso) fosse votada em foro privilegiado na comissão de redação, onde
seria fatalmente aprovada a recomendação da parte de Simonsen.
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