O “lock in” tecnológico e as ações de governo
Sergio F. Figueiredo1
RESUMO
Os fenômenos analisados pela Economia, além de uma natureza complexa, apresentam
variáveis que decorrem de outras esferas de conhecimento. Este artigo se baseia numa revisão
bibliográfica para reunir e apresentar alguns elementos do fenômeno do desenvolvimento e da
inovação tecnológica. Da mesma forma que nos países desenvolvidos o processo ocorreu em
seguida a uma ruptura política, o desenvolvimento tecnológico das empresas depende de uma
ruptura com os padrões tecnológicos nela praticados. Tais padrões tecnológicos conduzem a
uma situação de “lock in”, ou seja, de aprisionamento da empresa a uma determinada rota
tecnológica, situação indesejável para a promoção do desenvolvimento por intermédio da
inovação. Neste sentido, são examinadas as condições de formulação e implementação das
políticas públicas por intermédio dos Fóruns de Competitividade, em especial com base na
experiência do Grupo de Trabalho de Tecnologia do Fórum de Competitividade da Siderurgia,
do qual o autor é coordenador desde 2003. São feitas algumas considerações sobre o papel da
educação corporativa na liberação do “lock in” e a importância de que ela seja aplicada com
base em determinadas referências “certificáveis” com relação a um conteúdo reconhecido
oficialmente.
INTRODUÇÃO
Na linha de pensamento de alguns autores, em especial Schumpeter, Soete e Viotti, o
processo de desenvolvimento pelo qual passaram os países do primeiro mundo é
fundamentalmente diferente do processo que mantém os países em desenvolvimento e
subdesenvolvidos em seus atuais estágios. Esses autores atribuem ao fenômeno da inovação
tecnológica a causa do desenvolvimento, por considerarem que a difusão de produtos
inovadores no mercado oferece vantagens extraordinárias ao produtor, o que permite o
surgimento de novos atores econômicos, alterando a distribuição de renda e gerando
desenvolvimento sócio-econômico.
1
Mestre em Desenvolvimento Sustentável, UnB 2006; Certified Quality Engineer, ASQ, 1991-2009; Engenheiro
da Qualidade, UCP, 1989; Engenheiro Mecânico, UFRJ-1989. Gestor Público, 1998, Assessor da Secretaria de
Tecnologia Industrial, MDIC, 2000.
Pág. 2
De forma geral, uma ruptura política precedeu o processo de desenvolvimento dos
atuais países desenvolvidos _ o que não ocorreu no Brasil. Essa ruptura política deve ser
considerada tanto como referência para o desenvolvimento do processo de inovação nas
empresas, quanto como elemento essencial ao desenvolvimento das nações, como o foi nos
casos dos Estados Unidos e Inglaterra. Observar os principais fatos que antecederam o período
de industrialização desses países ajuda a avaliar melhor o papel do governo para a promoção
do desenvolvimento via inovação tecnológica. Ao mesmo tempo, auxilia na implementação de
políticas públicas voltadas à educação corporativa.
1. Amarras políticas
A constatação da importância de fatores sociais, políticos, econômicos, históricos e
internacionais tem o sentido de avaliar se a inovação schumpeteriana é causa ou conseqüência
de tais mudanças. A análise demonstrará a presença de fatos históricos nos casos de
industrialização da Inglaterra e dos Estados Unidos, principais expoentes do processo de
industrialização, embora fatos similares certamente também façam parte da história de outros
países, como França, Alemanha, Japão, Coréia do Sul e Taiwan.
1.1 A ruptura política na Inglaterra
A história que precede a Revolução Industrial inglesa apresenta uma seqüência de
eventos que transformam a nação e o Estado. Difícil tarefa identificar aquelas mudanças
estruturais ou institucionais mais importantes. Podemos começar, contudo, pela estatização da
Igreja, em 1534, a qual, motivada por razões particulares do Rei - embora que sem efeito
imediato sobre a questão religiosa, que se arrastaria por mais de dois séculos - significava a
primeira hierarquização do poder religioso ao secular.
A derrubada de Carlos I (1645) e a subseqüente ditadura de Cromwell (até 1658),
ainda que encerrada com a restauração da monarquia em 1660, propiciaram uma crucial
discussão sobre o papel do Estado, seja pela inversão na percepção das relações entre
soberano e súditos, tal como apresenta Hobbes, em “O Leviathan” (1651), seja pela criação do
Commonwealth (1649), que viria dar a identidade burguesa ao Estado britânico.
Decisões políticas como os “Enclosure Acts” do final do século XVIII, permitiram a
segregação de mais de 7 milhões de acres para a agricultura, deslocaram pequenos
Pág. 3
proprietários sem acesso a recursos antes comuns e obrigaram a construção de vias entre as
propriedades para o transporte de mercadorias. Ao mesmo tempo, os ganhos de produtividade
em setores tais como a construção naval, a indústria metalúrgicas e de armas permitiram o
acesso a mercados distantes e a especialização do cultivo com ganhos de produção e
produtividade.
Assim, às vésperas do salto de produtividade e de produção da Revolução Industrial
inglesa, que se situa aproximadamente em 1780, a Inglaterra contava com um Estado legal
burguês, no qual a soberania era exercida em benefício de sua classe burguesa, motivada e
dirigida pelo comércio. Uma reforma agrária havia sido conduzida, ao contrário dos demais
estados europeus, a qual aumentou a produtividade e a produção de alimentos, liberou mãode-obra para a produção industrial e facilitou o acúmulo do capital necessário à empreitada
industrial (HOBSBAWN, 1996, p.47). Além disso, dominava as tecnologias de guerra,
essenciais à sua sobrevivência em constantes tempos de conflito.
1.2 A ruptura política nos Estados Unidos
Dependente do capital dos bancos dos estados do nordeste americano e da escravidão,
as elites sulinas somente poderiam manter seu status quo através de representativa
participação política no governo da União. O jogo de forças entre escravocratas e
abolicionistas se apresentava no tênue equilíbrio de acordos, como o “Comprometimento de
1850” e a “Lei de Escravos Fugidos”, de 1853. A cultura de algodão no Sul, no entanto,
representava 7/8 da produção mundial por volta de 1850. Mais importante do que a questão da
escravidão era o distanciamento dos projetos nacionais. Os estados do nordeste defendiam o
intervencionismo e o protecionismo da indústria nascente enquanto o Sul, exportador,
defendia a abertura do mercado para a conversão de suas riquezas em consumo de luxo. Esses
fatores levaram ao início da guerra da secessão em abril de 1861.
A guerra terminou em 1864 e a escravidão foi abolida em 1865. A ruptura provocada
pela eleição de Lincoln, não só provocou a guerra, como permitiu a remoção das lideranças
políticas retrógradas sulistas do espaço do poder, abrindo caminho para o salto de
industrialização e desenvolvimento que aconteceria a partir da segunda metade do século XIX,
mesmo que o sul não o tenha acompanhado de imediato.
Ao final da guerra, os Estados Unidos haviam consolidado a União e avançado sobre o
território da América do Norte, constituindo uma potência continental e alcançando uma
posição internacional com a Guerra Hispano-americana de 1898. Ao mesmo tempo, se iniciou,
Pág. 4
em altíssima velocidade, um processo de produção e difusão de inovações encabeçado por
Thomas Edson e Graham Bell, entre outros.
1.3 O Brasil: uma história sem rupturas
Enquanto os Estados Unidos e a Inglaterra se tornaram países desenvolvidos, durante o
século XIX, o Brasil amarga uma eterna condição de país em desenvolvimento, situação para
a qual não se vislumbra solução. Para a manutenção desse estado de coisas, contribuem as
questões políticas decorrentes da própria formação do Estado. Bonfim (1931) apresenta o
processo de formação do Estado brasileiro, tal como Faoro (2000), como uma reprodução do
estado bragantino2. Em sua análise, todos os movimentos revolucionários da história brasileira
_ a independência em 1822, a constituinte de 1823, a abdicação de 1831, o Ato Adicional de
1834 e a Proclamação da República de 1889 _ teriam sido sucedidos por um movimento de
apaziguamento e de restauração das forças políticas, ainda que com roupagens mudadas,
perpetrando um Estado oligárquico. Em 1931, segundo Bonfim (ibid, p.451), “[S]e há um
gênio nacional-brasileiro, esse ainda não teve realização, pois a nação continua abafada,
escravizada, pela classe dirigente, como o era antes pelo governo da metrópole, de quem são,
os mesmos dirigentes, herdeiros diretos e continuadores imediatos”. Mais à frente (p.469), ele
indaga: “Pode o brasileiro sentir-se em sua pátria, quando a nação em que se inclui é, apenas,
o apanágio dos dirigentes que dela vivem como o pastor vive do rebanho?”.
A não ser que acreditemos que a Revolução de 1930 ou o golpe de estado de 1964
produziram um deslocamento das forças políticas, o Brasil não teria ultrapassado a etapa de
revolução no pensamento político, na qual se produziram as rupturas apontadas para os casos
da Inglaterra e dos Estados Unidos. Sob esses aspectos e ponto de vista, o Brasil seria ainda
um estado controlado pelos interesses de uma classe originalmente agrícola e vinculada à
exploração colonial, classe cujos interesses viriam sendo adequadamente atendidos pelo
“estamento político” durante toda a história brasileira (FAORO, 2000).
O que se pergunta é o que pode o governo fazer para, apesar da falta de precedentes
políticos, similares àqueles do desenvolvimento inglês e norte-americano, promover o
desenvolvimento no Brasil, pela via da inovação tecnológica. Sem dúvida, a resposta a esta
pergunta está na promoção da formação de trabalhadores voltados ao processo de inovação
2
O estado da aristocracia dos Orleans e Bragança, família de D. João VI e Pedro I e II.
Pág. 5
tecnológica, considerando as dificuldades que essa mão-de-obra carrega, por conta de um
sistema de ensino fraco e desarticulado.
2. Evolução das necessidades de capacitação de trabalhadores
A noção de que a maior produtividade do trabalho é fator para o aumento da mais valia
e acumulação de capital se fundamenta em Smith e Marx, para falar apenas dos autores
pilares. Smith (apud VIOTTI, 1997, p.10) já considerava que a divisão do trabalho promovia
o aumento da produtividade por conta de três fatores: a maior destreza do operário como
conseqüência da especialização, a eliminação do desperdício de tempo com as mudanças entre
distintas operações e a “invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam
o trabalho”. Assim, foram citadas por Smith três questões tecnológicas: o treinamento da mãode-obra, o desenvolvimento de novos métodos de produção e o desenvolvimento de máquinas
para substituir a mão-de-obra na maior extensão possível, tendo ficado de fora apenas a
questão do uso de novos materiais. Tais questões são possibilidades de inovação consideradas
por Schumpeter, das quais tratarei mais à frente.
Marx (1848, p.16) relata a “sujeição das forças da natureza” pela burguesia, na busca
da produtividade, da mais valia e da acumulação do capital. Os mecanismos dessa sujeição
constituem inovações no seu sentido mais estrito. Entretanto, tanto a visão de Smith quanto a
de Marx apresentam uma fixação ao papel fundamental do trabalho humano para a geração de
riquezas. O século XX, todavia, tem como obra revolucionar os processos produtivos e
produzir sucessivos e mais profundos distanciamentos do trabalhador da obra de seu trabalho
até um ponto em que aquele possa se tornar, senão dispensável, requisitado apenas para
operações e atividades que originam os processos automatizados.
2.1 A produção industrial sem o trabalho humano
A evolução do trabalho humano, a partir da produção artesanal até os dias atuais, foi
um processo de afastamento do homem do objeto de seu trabalho. Primeiro, o processo de
produzir artefatos tinha a qualidade determinada e controlada pelo cliente nos momentos da
encomenda e da aceitação (JURAN, 1995). Quando o modelo de administração científica de
Taylor vinga nas mãos de Ford, através da padronização das partes e da divisão ostensiva do
trabalho, criam-se condições para grandes ganhos de produtividade e para o deslocamento das
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profissões tradicionais (FREEMAN; SOETE, 2000). O trabalho despersonaliza-se: o operário
perde a noção do efeito de sua tarefa sobre o produto final; a qualidade do produto passa a ser
determinada por uma nova função industrial: o controle da qualidade; produtividade e
qualidade são tratadas como variáveis independentes, já que se referem a objetos distintos em
suas concepções tecnicistas. Aos problemas causados por operários cobrados por maior
produtividade, o que resulta em aumento de defeitos, apresentam-se as primeiras soluções de
mecanização, com seus efeitos negativos _ objeto de crítica do cinema de Fritz Lang
(Metrópolis, 1926) e de Chaplin (Tempos Modernos, 1936).
A II Guerra Mundial anuncia o uso de técnicas estatísticas de controle da qualidade e
os primeiros ensaios de sistemas (de controle) da qualidade que são, após a Guerra, levados a
sério pela indústria japonesa, sendo uma das causas de seu sucesso comercial a partir da
década de 1970. As tecnologias da informação e de telecomunicações vêem, nos anos 19801990, oferecer novas possibilidades de afastamento do trabalho humano da produção.
Ao conhecimento das técnicas de repetição mecânica se acrescentaram sensores
capazes de comandar a atuação e funcionamento das máquinas, garantindo, a priori, a
qualidade3 do produto. Por outro lado, o uso de sensores sofisticados permitiu o alcance de
especificações mais precisas do produto, a níveis inalcançáveis pelo ser humano, passando,
agora, a ser uma interferência negativa na produção de produtos de maior valor agregado.
Ao conhecimento explícito obtido pela descrição de responsabilidades, autoridades,
controles e operações executadas pelos trabalhadores _ resultado da descrição do sistema da
qualidade _ acrescentar-se-á, em breve, o domínio do conhecimento tácito pelas técnicas de
gestão do conhecimento. Todo esse processo é coroado pela inutilização do trabalho humano,
em graus crescentes, a partir das tarefas mais simples.
Trata-se de um processo que está irrecusavelmente associado ao crescimento de
capacidade das fábricas, até um nível de superação do mercado interno e sua viabilização
apenas no mercado sem fronteiras. Segundo MANDEL (1985, p. 223), o mercado doméstico
da Suécia, por exemplo, absorveria apenas 50% e 70%, respectivamente, da capacidade
mínima de produção de uma fábrica de geladeira e de cerveja. O Canadá, outro exemplo, não
tem mercado que alcance a capacidade mínima de uma fábrica atual de geladeiras. Chegou-se
a uma concentração de capital, com aumento de produtividade e de produção, que dificilmente
3
Qualidade: a conformidade com os requisitos do cliente; dentro de um processo industrial: a conformidade com
as especificações técnicas.
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poderá refletir a distribuição de renda da população, visto que reduz catastroficamente o
trabalho direto e não o transfere imediatamente para outros empregos de idêntica ou maior
remuneração.
A extrema especialização profissional decorrente do fordismo é agora um empecilho
para a mobilidade do trabalhador nela especializado. Os novos empregos, por outro lado,
exigem qualificação decorrente não mais de habilidades treináveis, mas de longo período de
formação, de restrito acesso ao trabalhador, em países como o Brasil. Dentre os setores mais
bem organizados no Brasil, o siderúrgico passa a exercer uma ação quase sempre coordenada
dentro do governo federal, buscando dar conhecimento aos seus interesses e o atendimento
dos mesmos pelas políticas públicas, no que constitui uma atividade legítima.
2.2 O novo papel dos recursos humanos
A linha histórica da divisão do trabalho alcança, nos anos 1980/1990, dois caminhos
que se antepõem e complementam. De um lado, o trabalho de escritório passa a incluir
características daquele da indústria, pois com o aprofundamento do uso das tecnologias de
informação todos passam obrigatoriamente a operar máquinas (computadores), ainda que os
resultados dessa “operação” estejam longe de ser tão limitados quanto os das antigas máquinas
industriais. Por outro lado, no ambiente da indústria promove-se a ruptura de um estilo de vida
industrial iniciado no Brasil há pelo menos três gerações. Cai por terra a idéia de que bastava
aprender uma profissão, tal como a de torneiro mecânico, e um trabalhador poderia sobreviver
toda a sua vida ativa a partir desse conhecimento especializado. Nesse exemplo específico,
enquanto um torneiro tradicional tem dificuldade de aprender os conceitos de física e
mecânica
vetorial
envolvidos
na
programação
eletrônica
da
máquina,
um
operador/programador de tornos eletrônicos estará provavelmente capacitado a aprender com
facilidade os segredos de programação de outras máquinas ferramentas. A especialização,
portanto, deixa de garantir o emprego e as novas tecnologias, dados os elevados ganhos de
produtividade e qualidade, não são jamais ameaçadas pelas tecnologias anteriores.
Viotti (2001) analisa o papel do capital humano e da pesquisa e desenvolvimento para
a inovação e apresenta o conceito de “sistema nacional de aprendizado”. Tal conceito está
baseado na distinção entre as nações desenvolvidas e aquelas de desenvolvimento retardatário,
posto que o processo de subdesenvolvimento não se constituiria num processo atrasado de
desenvolvimento, apresentando características diferentes. Assim, a busca de inovações não
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deveria ser objeto imediato dos países em desenvolvimento, face às suas dificuldades em
desenvolver inovações radicais e difundi-las, mas o desenvolvimento de um processo de
mudança técnica visando ao aprendizado.
Ainda segundo Viotti, há dois níveis de sistemas de aprendizado: o ativo e o passivo. O
“ativo”, caso da Coréia do Sul, teria como característica principal a existência de um sistema
promotor da imitação e utilizador da engenharia reversa de forma a, sucessivamente, ir
ativando os subsistemas da sociedade e alcançando aperfeiçoamentos tecnológicos que vão se
aproximando das inovações. No nível “passivo”, haveria apenas uma capacitação para a
produção, com desenvolvimento superficial da tecnologia sem, contudo, alterar o
comportamento de qualquer dos subsistemas. Nesse ponto, ofereço uma crítica à reflexão dos
autores. Não ocorrendo uma interação consistente entre os subsistemas da sociedade, no caso
dos países de aprendizado passivo, essa vertente “passiva” deveria ser chamada de “sistema”?4
Dados comparativos entre a Coréia do Sul e o Brasil são apresentados por Viotti, dos
quais selecionamos alguns, apresentados na Tabela 1, a seguir, de forma e evidenciar as
diferenças entre os sistemas de aprendizado ativo (sul-coreano) e passivo (brasileiro).
Tabela 1 – Indicadores dos Sistemas Nacionais de Aprendizado
(VIOTTI, pp.666, 673 e 674, 2002)
Indicador
Analfabetismo adulto (1995)
N.o de alunos em ensino superior por 100 mil hbt (1992)
% da população em idade de trabalho que está em cursos de habilitação
% da população com 1o curso em engenharia (1992)
Despesa com P&D como % do PIB
Partilha da despesa com P&D
governo
privado
Cientistas e Engenheiros em P&D por milhões de hbt
% de patentes dadas a nacionais no órgão de propriedade industrial
nacional (1991)
% de patentes dadas a nacionais no órgão de propriedade industrial norteamericano (1993)
Robôs por milhão de empregados
CAD por milha de empregados
Máquinas de Controle Numérico por milhão de empregados
4
Brasil
16,7%
1.079
1,83% (1985)
7%
0,4% (1994)
81,9%
18,1%
(1994)
235 (1993)
14%
Coréia do Sul
2,0%
4.253
3,06% (1986)
18%
2,1% (1992)
17,2%
82,4%
(1992)
1990 (1992)
69%
0,13%
1,73%
52 (1987)
422 (1987)
2298 (1987)
1060 (1987)
1437 (1986)
5176 (1985)
Haveria, neste ponto, a necessidade de avaliar qual o papel do governo em promover esse Sistema de
Aprendizado ou Inovação. Vários autores conduziram um levantamento de indicadores nacionais sobre pesquisa,
ciência, desenvolvimento e tecnologia, que indicam diferentes padrões de participação do governo no fomento
dessas atividades, assim como, diferentes resultados. Neste artigo, entretanto, estão sendo examinadas as
questões mais abrangentes e conceituais sem que se busque alguma recomendação de ação do governo, para o
que seria necessária uma análise da eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas brasileiras de P&D
atuais e passadas.
Pág. 9
2.3 O posicionamento estratégico da indústria
A abertura dos mercados pelo fenômeno da globalização fragiliza a competitividade de
setores tradicionais, que tentarão manter seu status-quo no mercado nacional por meio dos
mecanismos de proteção que restaram, dentre eles a criação de barreiras de acesso por meio de
obstáculos técnicos e comerciais. Embora legítimo, tal movimento, entretanto, gera obstáculos
ao desenvolvimento de novos atores que, assumindo novos papéis econômicos, facilitariam o
alcance do desenvolvimento sócio-econômico pela conseqüente ação sobre a repartição da
riqueza.
Em outras palavras, um outro componente da inovação e do desenvolvimento é a
existência de empresários com perfil empreendedor, responsáveis por conduzir três oposições:
primeiro, a oposição entre o equilíbrio do processo circular, onde o capitalista se encontra
investido, e o risco da mudança devido à inovação; segundo, a oposição de dois aparatos
teóricos: o estático (do equilíbrio sobre a tecnologia já estabelecida) e o dinâmico (da
mudança para a nova tecnologia); e, por último, pela oposição entre administrador e
empresário. Schumpeter trata, também, da característica de liderança que seria necessária para
enfrentar três dificuldades: a falta de dados e regras para a tomada de decisões fora dos canais
circulares; a prisão do pensamento às referências e lógicas tradicionais; e a resistência à
mudança da sociedade. Para o “empresário schumpeteriano”, descrito acima, haveria uma
motivação intrínseca de criar um “reino privado”, um desejo de conquistar e a alegria de criar.
Esse “empresário”, todavia, parece que não se cria, mas se desenvolve em ambientes que
favorecem a competitividade.
3. Difusão da inovação tecnológica versus o “lock in”
Denomina-se “lock in” a conseqüência do processo circular descrito por Kuhn (2003),
que atua como uma prisão tecnológica na indústria já estabelecida. Exceto em indústrias e
mercados altamente competitivos, haveria uma tendência de que as empresas estabelecidas
inovem. Nas demais, haveria uma resistência à mudança tecnológica dados seus riscos e dada
a cultura tecnológica da mão-de-obra. A ruptura desse processo para a promoção da inovação
tecnológica e do desenvolvimento que interessa ao governo não pode ocorrer à margem das
Pág. 10
empresas. Um caso emblemático do processo de ruptura do “lock in”, o Tecnored,5 ocorreu no
âmbito do Fórum de Competitividade da Cadeia Siderúrgica.
3.1 O Fórum de Competitividade da Siderúrgia e o GT Tecnologia
O Grupo de Trabalho de Tecnologia (GT Tecnologia), do Fórum da Cadeia
Siderúrgica, vem, desde 2003, discutindo e encaminhando aos órgãos de fomento propostas de
apoio e criação de infra-estrutura tecnológica6. Dentre os encaminhamentos, merece especial
destaque o encontro promovido pelo GT entre o BNDES e os responsáveis por uma nova
tecnologia de produção de ferro-gusa, matéria prima do aço, denominada Tecnored. O
processo de desenvolvimento e difusão dessa tecnologia é emblemático da dificuldade que o
empresário schumpeteriano enfrenta no Brasil. Principalmente por se tratar de uma tecnologia
de produção revolucionária, foram necessários mais de 10 anos de tentativas de difusão para
que se obtivesse o apoio de uma siderúrgica, a Villares, e do órgão de fomento, o BNDES.
Contribuíram para essa dificuldade, tanto as restrições de acesso ao financiamento público7
quanto o “desinteresse” das siderúrgicas nacionais, por conta dos seus pesados investimentos
em bens de capital, característica do setor e parte do “lock in” tecnológico. O aprisionamento
tecnológico se expressa até mesmo na educação dos engenheiros metalúrgicos, com
tecnologias tradicionais, como as do alto-forno, ocupando os principais espaços nos cursos de
formação, seminários e congressos.
A opção tecnológica do Tecnored, ainda que contivesse o risco de fracasso, comum a
toda inovação, era extremamente oportuna e vantajosa, pois permitia a redução do tempo de
produção de cerca de 8 horas _ alto-fornos _, para cerca de 50 minutos. Outros aspectos
positivos da tecnologia são o uso de resíduos de minério de ferro e de carvão mineral, além do
próprio carvão vegetal obtido de fontes como o capim. As discussões sobre o Tecnored no GT
nunca sofreram pressão contrária das siderúrgicas tradicionais; a falta de interesse delas,
contudo, era suficiente para tornar o caminho da difusão da inovação ainda mais difícil.
5
Processo desenvolvido por brasileiros baseado na “auto-redução” para a produção de ferro-gusa de matérias
primas que são atualmente passivos ambientais.
6
Dentre os projetos se encontram o levantamento de indicadores de competitividade nas cadeias siderúrgica e de
fundição, além da criação de um portal sediado na Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais, onde
constam diversas informações, como a identificação das capacidades da rede de laboratórios.
7
Apenas a partir de 2005 foram adotadas novas ferramentas de financiamento que consideram o risco de fracasso
como parte irrecusável da promoção da inovação tecnológica.
Pág. 11
Ao formular e implementar políticas públicas de pesquisa, desenvolvimento e difusão
da inovação tecnológica, o governo federal precisa enfrentar o desafio de olhar para além dos
interesses manifestados pela indústria tradicional. Ainda que o ambiente do Fórum de
Competitividade permita a livre representação de toda a sociedade, ela estará representada
principalmente pelos atores de maior poder econômico e maior capacidade de articulação. No
âmbito do GT Tecnologia, discute-se o processo de inovação tecnológica, observa-se o
desenvolvimento das tecnologias industriais básicas (TIB) e recomenda-se aos órgãos de
governo relacionados o apoio e o fomento a determinadas ações gerais de infra-estrutura. O
espaço aberto à apresentação de novas tecnologias, como o Tecnored, portanto, foi uma
concessão aos interesses demonstrados pela minoria do GT, em especial representada pela
Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais, ABM.
Com inauguração prevista para o último trimestre de 2006, a primeira planta Tecnored
é simbólica quanto à dificuldade que o empresário brasileiro enfrenta em difundir a inovação
tecnológica, mas, também, do aprisionamento tecnológico da indústria estabelecida,
incluindo-se aí o pessoal que nela trabalha. Dessa experiência podem, contudo, ser aprendidas
algumas lições.
A primeira, é de que promover o desenvolvimento deve ser entendido pelo governo
como “promover” novos atores econômicos, pois assim se estará desconcentrando a riqueza
no Brasil; ao contrário, apoiar atores tradicionais significaria concentrar ainda mais a renda. A
segunda, de que os novos atores econômicos enfrentam dificuldades de alcançar o governo e
que, mesmo em ambientes democráticos, como o Fórum de Competitividade, é preciso ouvir
atentamente todas as demandas e propostas e avaliar a posição dos atores tradicionais,
considerando seu natural “lock in” tecnológico. A terceira, de que o papel do governo na
promoção do desenvolvimento pode ser mais facilmente exercido por meio da articulação
entre os órgãos de política _ o MDIC; de fomento _ a Finep; o Bndes; e a academia.
3.2 Os riscos do “lock in” na educação corporativa e a necessidade de certificação
Não se propôs neste artigo apresentar a educação corporativa como instrumento ímpar
de formação de trabalhadores, certo estamos de que haverá alguém mais capaz para tratar dela
em especial. Nossa preocupação foi alertar para os riscos de que a educação corporativa possa
estar sendo conduzida sem a perspectiva de estimular a inovação tecnológica nas empresas.
Pág. 12
Um aspecto da educação corporativa que tratamos em outra ocasião foi a importância
de certificação do trabalhador por instituições de ensino, dando ao currículo dele um
reconhecimento extra-companhia. A certificação de pessoal já é antiga e esteve atrelada às
exigências das companhias de seguro, em especial as classificadoras de navios, que exigiam
que os soldadores de casco tivessem sua habilidade e capacidade de soldagem plenamente
certificadas, de forma que se garantisse a segurança e a qualidade do navio e, assim, se
permitisse o seguro do mesmo e das cargas que transporta.
No caso da educação corporativa, nos parece essencial que ela possa ser vacinada
contra o “lock in” tecnológico, ou seja, que seus conteúdos possam ir além das competências
atuais da organização e permitam que funcionários empreendedores desenvolvam um
pensamento inovador sobre suas operações. Tal objetivo implica que se incluam no sistema de
educação formal disciplinas aplicadas sobre inovação tecnológica em seus aspectos de
criatividade e processo. Com base em conteúdos metodológicos voltados ao desenvolvimento
da inovação é possível considerar a implementação de uma política pública de fomento da
educação corporativa que considere a presença de determinadas disciplinas.
Por um lado, o estabelecimento de um procedimento de certificação das disciplinas dos
cursos de educação corporativa é uma garantia de que eles poderão contribuir para a redução
do “lock in” tecnológico. Por outro lado, a concessão de certificados aos trabalhadores precisa
ser de tal forma que signifiquem o alcance de um padrão de qualidade para que possam ser
reconhecidos por outros empregadores.
4. Conclusão
A percepção de Schumpeter do papel das inovações tecnológicas para o
desenvolvimento deve ser entendida sob um ponto de vista histórico. A história da Inglaterra
e dos Estados Unidos demonstra que ambos passaram por reformas políticas que antecederam
a difusão de inovações e reformas, que marcaram a civilização ocidental. As inovações, nessa
visão ampliada, somente teriam sido produzidas pela existência de um ambiente institucional e
econômico propício a investimentos de risco, ambiente que já era conseqüência de um
“desenvolvimento”. Essa constatação _ que demanda um aprofundamento do estudo a outros
países e uma interpretação multidisciplinar dos fatos históricos libertadores das forças
desenvolvimentistas _ não destrói a outra constatação de que apenas através da introdução de
inovações aquelas nações puderam dar um salto. Salto que, na visão de Schumpeter (1982),
Pág. 13
Freeman (2002) e Viotti (2002), para citar apenas alguns autores, é representado nas novas
ondas de Kondratieff,que seguem a introdução de inovações radicais e levam ao crescimento
das nações que primeiro as difundem.
A liberação das forças inovadoras dos empresários schumpeterianos precisa contar
com o apoio e o fomento do governo, o qual não pode se deixar iludir pela oferta de um
ambiente democrático de consultas, tal como ocorre nos Fóruns de Competitividade, e que
precisa estar atento à presença do “lock in” nas defesas de posição da indústria já estabelecida.
Por outro lado, a formação de pessoal é um elemento central para a promoção de um ambiente
inovador nas empresas, mas somente a partir de conteúdos voltados à inovação, que merecem
ser certificados, tanto para a garantia da redução do “lock in”, quanto para a oferecer ao
trabalhador o reconhecimento do seu esforço de formação, dando-lhe uma melhor
possibilidade de emprego no mercado.
Romper o circuito vicioso das tecnologias estabelecidas não é apenas uma das
escolhas, mas provavelmente a única que pode ser tomada pelos governos de países em
desenvolvimento conscientes de seu papel para o futuro da nação.
Pág. 14
Referências
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Topbooks, 1996.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São
Paulo: Globo, 2000.
FREEMAN, Chris. Continental: National and sub-national innovation systems
complementarity and economic grow, in Research Policy. Brighton: Elsevier, p. 191-211,
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O “lock in” tecnológico e as ações de governo RESUMO