Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território
Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jan 2013/jan 2014
Título: Conceitualização e Medição da Participação na Era da Internet
Fonte: GIBSON, Rachel; CANTIJOCH, Marta. Conceptualizing and Measuring Participation in the Age of
the Internet: Is Online Political Engagement Really Different to Offline? The Journal of Politics,
Southern Political Science Association, 2013. p. 1-16.
A questão sobre o que constitui a participação política tem recebido considerável atenção de
cientistas políticos, especialmente nas últimas décadas. O debate tem-se centrado em duas
preocupações centrais e inter-relacionadas: o que se qualifica como um ato válido de
participação e como atos de participação podem ser classificados.
A Internet renovou o debate em ambas as frentes, porque a maioria das definições de
participação amplamente aceitas foram formuladas na era pré-Internet. Por outro lado, uma
corrente mais recente de estudos em '' e-participação'' se iniciou a partir do pressuposto de
que as atividades on-line consituem um novo tipo de engajamento participativo.
Este artigo procura estabelecer até que ponto a Internet está replicando e ampliando o
repertório de ações participativas e até onde essas esferas de ação estão interligadas ou são
independentes umas das outras.
Internet e Estudos de Participação
A questão de como definir a participação política tem recebido considerável atenção dentro da
disciplina, mas sem obter um claro consenso.
Enquanto trabalhos empíricos iniciais tenderam a se concentrar principalmente em
comportamentos relacionados com as eleições de modo homogeneizado, trabalhos
posteriores ampliaram o objeto de estudo para mostrar que ele é multidimensional, com
atividades agrupadas de modos distintos, mas relacionados.
O trabalho pioneiro de Verba e Nie (1972)1 explorando sistematicamente a gama de atos
participativos além do voto conduziu a uma categorização cobrindo o comparecimento às
urnas, atividades de campanha, entre outras. Os estudiosos argumentaram, até o final da
década, a favor da extensão do modelo a uma ampla gama de formas extra-institucionais de
ação política, como greves e manifestações.
A inclusão gradual de tipos de atividade de protesto pacíficas – por exemplo, comportamentos
não-convencionais como se juntar a uma marcha ou boicotar certos produtos – levou os
estudiosos a distingui-los daquelas formas mais radicais e violentas de ação direta.
A questão de saber se tipos menos ativos e instrumentais de engajamento político qualificamse como formas de participação tornou-se crescente foco de debate na literatura. Alguns
estudiosos rejeitaram explicitamente o que eles vêm como uma definição excessivamente
reducionista da literatura clássica e defenderam a inclusão de uma ampla gama de “tipos de
envolvimento passivos” na definição de participação tais como participar de atividades
cerimoniais ou de apoio ou prestar atenção ao que está acontecendo no governo ou na
política.
1
Verba, S., and N. H. Nie. 1972. Participation in America: Political Democracy and Social Equality. New York: Harper
& Row.
Notas técnicas
Maria Célia Furtado Rocha
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Fonte: GIBSON, Rachel; CANTIJOCH, Marta. Conceptualizing and Measuring Participation in the Age of
the Internet: Is Online Political Engagement Really Different to Offline? The Journal of Politics,
Southern Political Science Association, 2013. p. 1-16.
Brady (1999)2 afirma que'' ação'' é o elemento definidor de participação, enquanto interesse
político, informação política se referem apenas a motivações ou disposições que inclinam as
pessoas a se envolverem na política, mas não dizem se alguém se compromete com a
atividade política.
Enquanto a maioria dos estudiosos provavelmente concordasse em que atenção às notícias
não se constitui participação por si só, o status da discussão e da conversa política ocupa uma
espécie de “área cinzenta”. Em sua forma mais persuasiva, a discussão política pode ser vista
com as características instrumentais dos modos mais aceitos, no entanto, para alguns
estudiosos, mesmo a forma casual de discussão política pode reivindicar o rótulo de
participativa. Isso leva a localizar atos de fala mais casuais em noções clássicas de participação
que se centram em uma compreensão mais casual de “compartilhamento da vida pública”.
De modo semelhante, vários estudiosos têm defendido o entendimento em termos mais
simbólicos de conversas políticas e atos de expressão não-verbal, tais como o uso de
distintivos em campanhas, rotulando-os como “participação expressiva” (Endersby e Towle
1996)3. Para outros estudiosos, o termo “expressivo” denota um conjunto mais amplo de tipos
mais suaves e de mais difícil de engajamento variando da conversa política e cartas a contatos
entre editores de jornais e funcionários públicos, ao trabalho durante uma campanha e até
mesmo participação em um comício.
Trabalho recente de Hamlin e Jennings (2011)4 procura impor maior rigor no uso do termo,
assumindo uma abordagem mais conservadora para o conceito, referindo-se a ele como uma
forma de comportamento político ao invés de participação. Sua definição destaca a sua
natureza difusa, ao invés de orientada, e sua natureza simbólica ao invés de sua qualidade
instrumental, que eles vêm como manifestada tipicamente em atos tais como cartas a editores
de jornais e discursos públicos.
Até o momento, a atenção ao papel da Internet na evolução destes debates tem sido mínima.
Uma razão óbvia para isso é que a maioria desses estudos foi conduzida antes, ou apenas à
beira da era digital. De fato, em seu trabalho mais recente, Scholzman, , Verba e Brady (2012)5
referem-se à atividade política em blogs e sites de redes sociais como novas “formas
participativas” não-hierárquicas que ignoram as instituições tradicionais e apelam
particularmente às gerações pós-Boomer.
2
Brady, H. E. 1999. ‘‘Political Participation.’’ In Measures of Political Attitudes, ed. L. S. Wrightsman, J. P. Robinson,
and P. R. Shaver. San Diego: Academic Press, 737–801.
3
Endersby, J. W., and M. J. Towle. 1996. ‘‘Tailgate Partisanship: Political and Social Expression through Bumper
Stickers.’’ The Social Science Journal 33: 307–19.
4
Hamlin, A.; Jennings, C. ‘‘Expressive Political Behaviour:Foundations, Scope and Implications.’’ British Journal of
Political Science 41: 645–70. 2011.
5
Schlozman, K. L.; S. Verba; Brady , H. E. The Unheavenly Chorus: Unequal Political Voice and the Broken Promise
of American Democracy. Princeton, NJ: Princeton University Press. 2012.
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Southern Political Science Association, 2013. p. 1-16.
A Literatura em e-Participação
Uma segunda corrente de literatura com foco em como o uso da Internet afeta atitudes e
comportamentos políticos individuais emergiu na última década. Em contraste com as
abordagens clássicas, esta literatura em “e-participação”' tem tratado a atividade política
online explícita ou implicitamente como participação, concentrando-se na identificação de
seus efeitos para a mobilização, isto é, estabelecendo se está atraindo os cidadãos menos
ativos para o processo político.
Estudos que assume uma abordagem explícita geralmente começam com uma referência à
“participação na Internet'' que eles tratam como um modo unidimensional de engajamento
(medido com um único índice), se encaixando no espectro mais amplo de novos e extrainstitucionais modos engajamento político que surgiram ao longo das últimas duas décadas,
como o boicote e assinatura de petição.
Outras abordagens simplesmente têm identificado uma série de ações online, como entrar em
contato com um político por e-mail ou investigação de doação de dinheiro, começando em
seguida a examinar o perfil daqueles que se envolve com eles e/ou o seu impacto sobre o
comportamento off-line, como a votação.
A concentração nas questões de mobilização e causalidade levou a uma preocupação com
problemas metodológicos de endogenia e a remoção de viés de seleção, ao invés de
conceituação e mensuração das atividades de e-participação.
Mais recentemente, Hirzalla e Van Zoonen (2011),6 utilizando um grande número de atividades
políticas off-line e on-line, identificaram uma série de modos distintos de participação que
corresponderiam a tipos existentes, definidos por um mix de itens off-line e on-line. O trabalho
também sinalizou a possibilidade de que o ambiente online pode estar dando origem a um
novo tipo de participação, sem uma participação off-line homóloga. Em particular, os autores
identificaram um fator de “compartilhamento” definido principalmente por meio de atividades
on-line (envio de e-mail, assinatura de e-petição e engajamento online, bem como discussão
offline). Este achado tem ligações com os de Rojas e Puig-i-Abril (2009)7 que identificam um
modo de participação “e-expressivo” na Colômbia. Esta é uma forma de participação política
que ocorre em blogs e redes sociais e gira em torno da “expressão pública de orientações
políticas”.
6
Hirzalla, F.; van Zoonen, L. ‘‘Beyond the Online/Offline Divide: Convergences of Online and Offline Civic Activities
among Youth.’’ Social Science Computer Review 29 (4): 481–498. 2011.
7
Rojas, H.; Puig-i-Abril, E.‘‘Mobilizers Mobilized: Information, Expression, Mobilization and Participation in the
Digital Age.’’ Journal of Computer-Mediated Communication 14 (4): 902–27. 2009.
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Southern Political Science Association, 2013. p. 1-16.
Robertson, Vatrapu, e Medina (2010)8 examinando o mural do Facebook sugerem que os
participantes estão envolvidos em mais do que simplesmente a discussão e estão interessados
em persuadir outros e em chamá-los para a ação.
Apesar de a literatura em e-participação focar predominantemente na identificação dos
efeitos da mobilização, recentemente têm sido feitos esforços para conceitualizá-la e mapear
sua relação com os modos off-line de participação.
Estes estudos têm levantado questões importantes para uma análise mais aprofundada:




Primeiro: e-participação é um fenômeno unidimensional ou um fenômeno
multidimensional que pode ser desagregado em diferentes “classes” de participação?
Segundo: se for multidimensional, existem modos de engajamento semelhantes às
encontradas na participação off-line?
Terceiro: se os modos online replicarem os modos encontrados na participação offline, até que ponto as duas esferas se misturam e são substituídas uma pela outra, ou
são mutuamente excludentes?
Finalmente, embora não tendo sido identificadas formas de participação inteiramente
“novas”, até onde o ambiente Internet muda ou “eleva” aqueles que foram
anteriormente considerados comportamentos mais passivos e menos participativos
(ou seja, o consumo e discussão de notícias) para um estado mais ativo, coletivo e
influente?
Relação entre participação on-line e off-line
Este artigo procura responder a estas questões e os gaps da literatura da seguinte maneira.
Primeiro, vamos enfrentar uma questão estrutural básica de se e-participação é um fenômeno
multidimensional como a participação off-line ou um conceito unidimensional que não se
desagrega ou se agrupa em submodos distintos. Se há suporte para a multidimensionalidade,
procurar-se-á identificar que modos existem o quanto eles se assemelham aos seus homólogos
off-line. Em particular, se replicarem os seus homólogos off-line, existe uma integração ou
fusão das formas de comportamento correspondentes ou elas configuram modos distintos de
atividade? Finalmente, vamos explorar de uma forma mais especulativa a questão de saber se
a Internet está promovendo o crescimento de tipos de atividade política mais “ativos”' das
atividades políticas previamente passivas através da emergência de novas tecnologias de mídia
social.
Entre as atividades políticas de participação (ativas) – off-line e on-line –, foram identificados
os seguintes modos comumente aceitos na literatura: votação, atividades de
campanha/partido, atividades de protesto, de contato, comunitárias e de consumo. Em
seguida, itens de atividade política foram mapeados para essas categorias. Devido à reduzida
8
Robertson, S. P., R. K. Vatrapu, and R. Medina. 2010. ‘‘Off-the-Wall Political Discourse. Facebook Use in the 2008
US Presidential Election.’’ Information Polity 15 (1–2): 11–31.
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quantidade de variáveis observadas, alguns itens foram consolidados em categorias mais
amplas do que as previstas.
Isto resultou no primeiro modelo de medição, no qual quatro fatores foram especificados e
nomeados como: e-party , e-targeted, e-expressive, e-news.9
Discussão e Conclusão
Este artigo analisou o conceito e mensuração de e-participação e argumentou que um maior
rigor teórico precisa ser introduzido no estudo desse fenômeno. Baseando-se em estudos
clássicos de participação e em mais recentes análises empíricas de formas on-line de
engajamento político, identificamos três questões centrais de investigação que a literatura
sobre o tema deve abordar.
A primeira focaliza em se e-participação é um fenômeno multidimensional ou unidimensional
(hipótese da diferenciação). Em segundo lugar, se é multidimensional, até que ponto os tipos
de atividade identificados replicam os encontrados off-line ( hipótese de replicação. Em
terceiro lugar, se a replicação é suportada, as atividades online e off-line estariam se fundindo
e sendo executada de modo intercambiável (hipótese de integração).
Nossas principais conclusões são de que a e-participação pode ser diferenciada em grupos
distintos de atividades inter-relacionadas, como é o caso da participação off-line. Esta
confirmação de uma estrutura multidimensional subjacente à participação on-line é
importante do ponto de vista metodológico, uma vez que sugere ser necessária uma maior
discriminação na seleção de itens para medir a e-participação.
Sobre a questão da replicação, a nossa análise mostrou que os tipos de engajamento político
off-line reemergem online. Porém, no que se refere à integração versus independência, os
resultados são misturados. Integração parece estar ocorrendo entre os tipos de participação
mais ativos e orientados, como entrar em contato com um político ou assinar uma petição: os
indivíduos, basicamente, usam todas as ferramentas disponíveis para realizar a ação escolhida.
No entanto, entre as formas de engajamento que são normalmente consideradas como mais
passivas – consumo de notícias e ações expressivas –, há evidências de que o meio influi.
Em termos práticos, especulamos que isso pode ser devido ao fato de esses comportamentos,
terem uma qualidade mais ativa, coletiva e em rede no ambiente online. Postar uma opinião
em um blog ou site de rede social, indiscutivelmente, permite fazer uma declaração pública
mais imediata e potencialmente influente do que usar um distintivo na lapela.
9
Engajamentos ativos online: e-party (juntar-se a uma rede social, e-doação, etc.) e e-targeted (e-doação, epetição, e-contato). Engajamentos passivos online: e-expressive (e-discussão, postagem, encaminhamento e
incorporação de conteúdo) e e-news (sites, vídeos e notícias). Doação online é o único que aparece em dois tipos de
engajamento on-line.
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Southern Political Science Association, 2013. p. 1-16.
Para o consumo de notícias, as maiores oportunidades disponíveis na esfera on-line para a
procura e compartilhamento de fontes também podem estar levando a um “upgrade” deste
modo de engajamento para uma forma de participação mais ativa. É necessário maior
pesquisa e dados mais ricos para investigar mais detalhadamente essa proposição.
Além das hipóteses específicas investigadas aqui, um objetivo mais amplo deste artigo é
integrar o crescente corpo de pesquisa em e-participação com sua contraparte “clássica” e,
assim, avançar ambas as escolas de pensamento. Se e-participação é um fenômeno
multidimensional, então nossos resultados sugerem que os pesquisadores precisam
abandonar a abordagem “one size fits all” que tem destaque em grande parte da literatura até
o momento e impor maior seletividade e consistência em suas tentativas de medi-la. Além
disso, enquanto os nossos resultados parecem confirmar que os esquemas de classificação offline continuarão a funcionar na era da Internet, há sinais de que alguma revisão e possível
expansão das categorias correntes podem ser necessárias, como vemos no caso da migração
de tipos mais passivos de engajamento político para modos mais ativas de participação.
Notas técnicas
Maria Célia Furtado Rocha
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