ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 SOLUÇÃO DE COMUNICAÇÃO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA Rodrigo Ferreira Santos, Rodrigo Alves Hodgson, Luciana Ozello Baratti e Lúcia Goretti Gonçalves de Araújo Fundação CPqD / Campinas - SP [email protected] RESUMO: Este trabalho sintetiza os resultados de uma das atividades do projeto de pesquisa aplicada em comunicação para pessoas com deficiência, desenvolvido pela Fundação CPqD. Nesta atividade serão desenvolvidas soluções sistêmicas de telecomunicações para pessoas com deficiência auditiva, contribuindo de forma efetiva para a integração da comunidade surda na sociedade brasileira. O documento está dividido basicamente em três partes: a primeira relata uma pesquisa de mercado realizada com pessoas com deficiência auditiva, motora e visual, para o levantamento de necessidades de comunicação e uso da tecnologia; a segunda parte descreve a solução proposta, concebida a partir da análise da pesquisa de mercado; por fim, temse o resumo de uma análise econômico-financeira da solução, no qual foi realizado um estudo da viabilidade do negócio para todos os atores envolvidos. 1. INTRODUÇÃO Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, as pessoas com deficiência ainda encontram dificuldade no acesso a muitos serviços considerados comuns pela população em geral. A falta ou a precariedade no acesso às TIC Tecnologias da Informação e Comunicação, para essas pessoas, tem sido um sério obstáculo a sua integração na sociedade. As soluções atuais são caras e restritivas, a maioria delas com equipamentos importados ou pouco eficientes. A forma básica disponível para comunicação das pessoas com deficiência auditiva é um terminal ligado à rede telefônica convencional, chamado TS - Telefone para Surdo, que possibilita a comunicação entre dois surdos, por meio da digitação de mensagens de texto, lidas no visor do aparelho. A comunicação com os demais aparelhos telefônicos requer a intermediação de uma terceira pessoa, localizada na central da operadora de telecomunicações e responsável por completar a ligação telefônica, passando a mensagem à pessoa sem deficiência auditiva e vice-versa. Este serviço é muito criticado por usuários surdos, devido ao alto custo das ligações e à falta de privacidade. Outra forma que pessoas com deficiência auditiva severa encontraram para ter acesso à comunicação é o serviço de mensagem SMS - Short Message Service, disponível nos pagers e celulares. O problema deste recurso reside no fato de que, ao enviar uma mensagem, a pessoa não sabe quanto tempo esta pode demorar em chegar ao destinatário. Outros problemas levantados incluem o reduzido número de caracteres que podem ser inseridos na mensagem e a falta de garantia quanto à realização de uma conversação em tempo real. 2. OBJETIVOS O objetivo deste estudo foi obter subsídios para a Fundação CPqD, no desenvolvimento de novas ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 tecnologias necessidades deficiência. para de atender pessoas às com 3. MÉTODO Na primeira etapa do projeto, iniciado em 2004, foi feita uma pesquisa sobre comunicação para pessoas com deficiência, que buscou a identificação, classificação e priorização das necessidades das pessoas com deficiência auditiva, visual e motora, relacionadas à comunicação destas com outras pessoas, sejam elas pessoas com deficiência ou não, além de necessidades específicas de uso da tecnologia. O grupo de estudo desta pesquisa foi composto por pessoas com deficiência auditiva (surdos ou com dificuldade profunda de ouvir), deficiência visual (cegos) e deficiência motora (com comprometimento dos membros superiores), de nascença ou adquirida, que estejam inseridos ou não no mercado de trabalho. Também foram entrevistados responsáveis por instituições (associações, federações, escolas) que prestam atendimento especializado às pessoas com estas deficiências. O estudo foi realizado em São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa, por meio da técnica de entrevista em profundidade. A técnica, que não trabalha com representatividade estatística, é orientada por um roteiro de temas (e não por um questionário), que estabelece as áreas a serem abordadas pelo entrevistador, obrigatoriamente sem ser no formato de perguntas e respostas e sem uma seqüência fixa de apresentação. Todas as entrevistas – desde que autorizadas pelo respondente – foram gravadas em fita magnética e transcritas. No total, foram feitas 77 entrevistas, sendo 63 com pessoas com deficiência e 14 com profissionais especializados. No caso de surdos não-oralizados, as entrevistas foram feitas com a intermediação de um intérprete. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A pesquisa Dentre os 3 segmentos pesquisados, as pessoas com deficiência visual, do grupo de estudo parecem ser as mais incluídas na sociedade. Apesar de não competirem de igual para igual com os videntes, possuem colocações profissionais melhores que as pessoas com deficiência motora e/ou auditiva. Para as pessoas com DV, as maiores necessidades identificadas pela pesquisa relacionam-se a facilitadores de leitura de textos impressos em papel, para identificar produtos, controlar equipamentos domésticos com interface mais simples, executar operações bancárias, softwares que facilitem a navegação na Internet e sinalizadores sonoros dentro de ônibus. Para as pessoas com deficiência motora, suas limitações estão relacionadas ao tipo de deficiência que cada um possui. As mais freqüentes dizem respeito à locomoção e à manipulação de objetos; dessa maneira, necessitam de facilitadores externos que lhes permitam se locomoverem nas ruas e dentro de casa. Ainda podem ser mencionados facilitadores de acesso a caixas eletrônicos bancários. Dentro de casa, necessitam de soluções que lhes permitam controlar ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 de maneira menos penosa, os equipamentos eletrodomésticos e eletro-eletrônicos: computador, luz, portas e janelas, torneiras. Já o segmento de pessoas com deficiência auditiva aparenta ser o mais excluído socialmente, pois parecem estar em um mundo à parte, sem som, no qual o acesso à informação torna-se extremamente difícil. Enquanto as pessoas com deficiência visual e motora têm maiores dificuldades ligadas à locomoção e à informação, a principal dificuldade da pessoa com deficiência auditiva está na interpretação dos sinais, símbolos e palavras que, mesmo visuais, perdem significado quando destituídos de som. A pessoa com deficiência auditiva enfrenta dificuldades não apenas com a comunicação verbal, mas também leitura e escrita, principalmente aqueles que utilizam apenas a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), que possui uma estrutura gramatical distinta da Língua Portuguesa. São sérias as conseqüências para seu desenvolvimento pessoal, profissional e social, já que o acesso à informação é ainda mais limitado. Nesse sentido, podem se tornar muito dependentes de intérpretes, podendo, eventualmente, diminuir ou perder a autonomia e privacidade, além de nem sempre se sentirem seguros da integridade da comunicação. Dentre os meios de comunicação, os mais utilizados são o celular (para o envio de mensagens) e o fax. O celular foi considerado um grande facilitador, até para quem tem domínio limitado da língua portuguesa, devido ao fato de que este meio não exige a formação de frases complexas; geralmente, as frases são curtas, resumidas. Entretanto, foi visto como um ponto negativo o fato de não se ter uma resposta imediata do destinatário da mensagem. Além disso, é visto como uma grande limitação o fato das diferentes operadoras não trocarem mensagens entre si. Além disso, o computador e a Internet são raros. devido ao preço e quando não se tem domínio da língua portuguesa. Porém, seus usuários consideram-no como uma possibilidade de interação com o mundo, pois permite que os surdos se comuniquem com ouvintes e com outras pessoas com deficiência auditiva, facilitando o desenvolvimento da língua portuguesa. O atual TS é conhecido pela minoria das pessoas com deficiência auditiva e dentre os que o conhecem ou já ouviram falar, é considerado caro. Desconhece-se também o terminal nacional mas, para seus usuários, é tido como mais eficiente do que o celular ou o fax, pela resposta mais rápida. A Solução Proposta A partir da análise dos dados da pesquisa, a solução escolhida para o atendimento das pessoas com deficiência auditiva foi desenvolver terminais especiais de baixo custo e uma solução que permita a troca de mensagens de texto entre os vários tipos de terminais de usuários, inclusive com uso das tecnologias de síntese e reconhecimento de fala. Essas tecnologias poderão ser aprimoradas, em fase posterior do Projeto de Pesquisa Aplicada, para o auxílio a pessoas com deficiência motora. Para pessoas com deficiência visual, a Fundação CPqD desenvolve um leitor de telas que as auxiliará no uso de computadores e no acesso à Internet. ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 Sendo assim, deu-se início à concepção da solução de telecomunicações denominada Íris, que tem o propósito de levar à pessoa com deficiência auditiva serviços de transmissão e recepção de mensagens de texto entre os vários tipos de terminais de usuários. A solução permite que o surdo envie mensagens de texto por meio de qualquer tipo de terminal que possua esta funcionalidade: - Um aparelho celular que possibilite o envio de mensagens SMS; - O atual TS, também conhecido como TDD (Telecommunications Device for the Deaf), que possui um teclado alfa-numérico e um display para leitura / apresentação de mensagens; - O novo terminal fixo especial (referido neste documento como TextoFone), que será alvo de desenvolvimento deste projeto; - Um microcomputador com um aplicativo especial instalado (aqui referido como ComunicAtivo), que também será desenvolvido dentro do escopo deste projeto. O recebimento das mensagens de texto enviadas pelas pessoas com deficiência auditiva poderá se dar tanto por terminais que possuam a funcionalidade de envio e recebimento de mensagens, quanto por terminais que só permitam a comunicação por voz, que podem ser: - Um aparelho celular que receba mensagens SMS; - O atual TS ou TDD; - O novo terminal fixo especial (TextoFone) que receberá mensagens de texto e SMS; - Um microcomputador com um aplicativo especial instalado (ComunicAtivo); - Um terminal telefônico comum que receberá a mensagem de texto lida por um sintetizador de voz; - Um terminal telefônico comum que poderá enviar respostas curtas e pré-definidas, oralmente, que serão convertidas por um aplicativo de reconhecimento de fala. Este aplicativo é aqui referido como Vozem-Texto. O TextoFone terá as mesmas funções do TS atual, porém, a tecnologia utilizada no terminal, permitirá a inclusão de mais facilidades para o usuário, tais como a possibilidade de enviar uma mensagem via SMS ou estabelecer uma conexão para troca de mensagens de texto on-line. O ComunicAtivo é um software que terá como característica principal a emulação de um TextoFone em um microcomputador conectado à Internet. Para que haja possibilidade de comunicação entre um terminal fixo ou celular com um microcomputador, torna-se necessário o desenvolvimento de um sistema que se encarregará de fazer a interface entre as diferentes plataformas de comunicação. Para tanto, dentro da solução Íris, será desenvolvido um sistema que integrará as redes de telefonia fixa e celular e a Internet. O Voz-em-Texto será um aplicativo que conterá um sistema de síntese e reconhecimento de fala. Suas principais funções serão a de converter texto em fala para que uma pessoa não-portadora de deficiência, utilizando um telefone comum, possa receber mensagem de texto lida por um sintetizador de voz e a de converter fala restrita em texto, permitindo que a pessoa com deficiência auditiva se comunique com uma pessoa sem deficiência que utilize um telefone comum. ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 Viabilidade Econômico-Financeira O modelo de negócio do serviço Íris foi concebido para possibilitar a integração das redes de telefonia fixa, celular e Internet com o mínimo de interferência operacional e, ao mesmo tempo, com o menor custo possível para o usuário. Neste modelo, foi considerada a disponibilização do serviço por uma empresa não operadora de telefonia. Se, por um lado, esta premissa retira a obrigatoriedade de vinculação do serviço à operadora, por outro lado, aumenta os custos com ligações telefônicas. Uma premissa importante utilizada na análise considera que o serviço terá alcance nacional e será provido por um sistema único, localizado na cidade de São Paulo. Esta consideração foi feita para verificar a viabilidade da exploração do serviço sem a exigência de gastos elevados com a implantação de uma rede nacional. A desvantagem desta abordagem está na grande proporção de chamadas telefônicas interurbanas que serão trocadas com o sistema. Como exemplo, uma única mensagem entre dois usuários de TextoFone residentes em Manaus envolveria os custos de dois interurbanos trocados com São Paulo, um para o envio e outro para a entrega da mensagem. Foi convencionado que o usuário não será responsável pelo pagamento destas chamadas interurbanas, sendo responsável apenas pelo pagamento incidente sobre os serviços utilizados. Desta forma, a empresa que explora o serviço pagará todas as chamadas telefônicas, podendo obter descontos progressivos conforme o volume de utilização. Como não é considerada a cobrança de assinatura pela utilização do serviço Íris, os custos totais por usuário são totalmente dependentes da quantidade e da modalidade de serviços utilizados. O mercado de usuários foi segmentado em quatro categorias, combinando condições de poder aquisitivo e de deficiência auditiva. A cada segmento foi atribuído um perfil de utilização dos serviços, considerando sua necessidade de uso e capacidade de pagamento. Nestas condições, foram analisados quatro cenários distintos, considerando a possibilidade de utilização de subsídios nos investimentos para a implantação do serviço e/ou na aquisição dos aparelhos TextoFone para o segmento de mercado composto por usuários carentes e com deficiência auditiva. Com a utilização de uma ferramenta de simulação de negócios, foram avaliadas as peculiaridades de cada cenário e o impacto de cada característica do serviço nas principais variáveis - por exemplo, o número de usuários atendidos pelo serviço e o preço dos serviços. A principal conclusão obtida a partir das simulações feitas é que os preços unitários necessários para viabilização do serviço são bastante elevados. Por exemplo, o preço pago pelo envio de uma mensagem entre TextoFones varia entre R$ 0,82 e R$ 0,84, dependendo do cenário. Um outro aspecto reside no efeito dos subsídios sobre os investimentos ou sobre a aquisição de TextoFones: os subsídios têm pouca influência sobre os preços do serviço. A principal componente dos preços está associada aos custos com ligações telefônicas. No exemplo anterior, o custo de telefonia, com os impostos, é de R$ 0,816. A grande contribuição dos subsídios está na viabilização inicial do serviço, reduzindo os riscos de investimento, ATIID 2005 – III Seminário e II Oficina “Acessibilidade, TI e Inclusão Digital”, São Paulo, 05-06/09/2005 e no alcance proporcionado aos usuários com deficiência auditiva. O efeito esperado pelo uso de subsídios permitiria o aumento do número de usuários do serviço de 250.000 para cerca de 450.000, sendo que os usuários com deficiência auditiva poderiam passar de 110.000 para mais de 300.000. Assim sendo, como forma de reduzir efetivamente os preços do serviço Íris e possibilitar um maior acesso para os usuários de baixa renda, devem ser avaliadas novas abordagens para redução dos custos com telefonia. Uma das possibilidades seria a utilização de um sistema distribuído por todo o país, alterando o perfil da maioria das chamadas telefônicas de interestaduais para locais e intraestaduais. Uma outra alternativa seria a disponibilização do serviço por uma operadora de telefonia que já possua uma penetração em grande parte do país. Uma abordagem complementar poderia ainda avaliar a viabilidade de possíveis isenções nos impostos incidentes sobre os serviços, a exemplo do que já ocorre para a aquisição de outros equipamentos, por pessoas com deficiência. Finalmente, uma análise regulatória poderia buscar, ou mesmo propor, regras e leis que beneficiassem a implantação e a operação deste serviço. Tais estudos, bem como o desenvolvimento da tecnologia necessária para a ativação do serviço, são os objetivos desta pesquisa, para o ano de 2005. comunique tanto com outra pessoa com deficiência auditiva quanto com uma pessoa sem deficiência, enviando e recebendo mensagens de texto. Esta solução pretende desenvolver terminais fixos especiais de baixo custo, aplicativos contendo solução de síntese e reconhecimento de fala, e sistemas que permitam a troca de mensagens de texto entre os vários tipos de terminais de usuários, que sejam eficientes para a fruição da comunicação entre os próprios surdos e, por conseguinte, com os ouvintes. 6. REFERÊNCIAS 5. CONCLUSÕES CPqD. Pesquisa de Mercado com Deficientes Auditivos, Motores e Visuais: Levantamento das necessidades de comunicação e uso da tecnologia. Mai 2004. CPqD. Requisição de Desenvolvimento do Produto (RDP) – Solução de Integração para Pessoas Portadoras de Deficiência Auditiva e da Fala (Íris). Out 2004. CPqD. Análise de Viabilidade do Produto (AVP) – Solução de Integração para Pessoas Portadoras de Deficiência Auditiva e da Fala (Íris). Out 2004. BRASIL. Decreto 4.769, de 27 de junho de 2003. Aprova o Plano Geral de Metas para a Universalização do STFC. Disponível em http://www.mc.gov.br/telecom/ politica/decreto_4769_2706200 3.htm [2005 jun 16] A solução apresentada neste documento, denominada Íris, tem por objetivo permitir que a pessoa com deficiência auditiva severa se Importante: Autorizada a reprodução, divulgação ou citação deste conteúdo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que explicitados o título, a autoria e a fonte – sítio ATIID: http://www.fsp.usp.br/acessibilidade