REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Uma atitude generosa... Sabia que pode ser ilegal?
Catástrofes naturais, desastres aéreos, fome, miséria, violência, injustiça, intolerância racial... essas são algumas das causas de grande dor e
sofrimento para os humanos. Uma tragédia que assola determinada região acaba por despertar um sentimento de solidariedade entre vizinhos e
pessoas distantes e desconhecidas. Mesmo aqueles que sustentam ideais diferentes acabam cooperando, demonstrando uma atitude de empatia
para com o sofrimento alheio, fazendo renascer a esperança.
Na maioria das vezes, as formas de se demonstrar amor ao próximo são, na verdade, despercebidas. Manifestam-se em pequenos gestos, em
ações, condutas quase mecânicas e imperceptíveis, tais como ajudar um vizinho com as tarefas domésticas diárias, fazer compras, atravessar a rua,
ou mesmo um simples passeio na praça como companhia. São atitudes sinceras que, por serem feitas de bom grado, são vistas como justas e
aceitáveis.
Há muitas outras formas de se demonstrar um espírito generoso. Especialmente na época do Natal, o ambiente criado acaba por despertar tal
generosidade. Visitam-se os parentes, os amigos, trocam-se presentes, promovem-se ajudas para os desamparados, visitas aos lares de idosos,
enfim, por vários dias, à medida que a festa se aproxima, o ser humano se empenha em ajudar o seu próximo.
É verdade que muitos não têm famílias, tampouco a oportunidade de se associarem nesta ocasião festiva. Para não se sentirem tão excluídas, na
esperança de também receberem algum presente, acabam escrevendo cartas que são endereçadas ao “Bom Velhinho”, ao “Ao Pólo Norte”, “Papai
Noel” etc. O que dizer então quando crianças e especialmente idosos que vivem sozinhos escrevem essas cartas endereçadas ao Papai Noel
pedindo brinquedos, ajuda material e até alguém com quem possam conversar? Justificaria qualquer pessoa, na intenção de ajudar, ler tais
correspondências?
O Código Penal, em seu art. 151, de maneira clara e direta, define como crime a violação de correspondência, não importa a quem é endereçada,
ainda, frisando, que o destinatário seja um personagem fictício. Da seguinte forma:
“Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo 1° Na mesma pena incorre:
I – quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói.”
Da mesma forma, a nossa Lei Maior, de 1988, em seu art. 5°, inciso XII, assim estabelece:
“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
Pode parecer uma questão ínfima, mas é cediço que o exemplo dos pais influencia seus filhos. Existem crianças que levam tão a sério a
possibilidade de receber algum presente do Papai Noel que acabam criando expectativas fantasiosas. Escrevem cartas e as remetem aos Correios a
fim de que o tão sonhado “Bom Velhinho” as leia, realizando seus pedidos.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos possui sim autorização para abrir tais correspondências – mas somente os Correios – e aquele que
violar uma correspondência dessas, ainda que imbuído da intenção de ajudar, pode vir a responder pelo tipo penal descrito no art. 151. Não é
legítimo ajudar alguém desrespeitando, a princípio, uma norma. Nem sempre podemos justificar nossos erros com boas intenções.
Crime é crime. Não foi em vão que o médico Lucas, escreveu: “Quem é fiel no mínimo, é também fiel no muito, e quem é injusto no mínimo, é
também injusto no muito”. Excluídas as exceções contidas na Constituição da República, violar correspondência por pessoa não autorizada é crime.
A inviolabilidade descrita no artigo não é relativa. Não há meio termo, um “jeitinho”, uma boa intenção capaz de justificar a violação.
É evidente que o destinatário fictício jamais irá reclamar que teve suas correspondências violadas. Mas se em pequenas atitudes somos tolerantes e
aceitamos, estaremos propensos a tolerar e, quiçá, aceitar violações de correspondência sem qualquer critério nos presídios, também traições,
adultérios, prisões ilegais etc, desde que possam ser justificadas.
Infelizmente, a maior prova de amor ao próximo, presente também em uma carta, escrita não por um personagem fictício, mas extremamente real e
poderoso, é lida por poucos. Essa importante carta ensina que é preciso respeitar as regras e ter a motivação genuína para ser generoso.
As pessoas não deviam esperar a época de Natal para lembrar do próximo, para prover-lhe o necessário, alguma ajuda ou palavra de consolo. A
generosidade gera generosidade, isso é verdade. Ser generoso para com aqueles que necessitam é uma atitude nobre e exemplos de generosidade
estão em toda parte da enorme carta – as Escrituras Sagradas – especialmente nas atitudes do Filho de Deus. Mas com uma diferença. Ele jamais
violou um princípio ou uma norma para poder ajudar e depois ter que justificar seu erro pelas suas boas intenções.
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Catástrofes naturais, desastres aéreos, fome