O que pode levar a uma cidade sustentável?
por Washington Novaes
Pois não é que, enquanto o eleitor se pergunta, aflito, em
quem votar para resolver os dramáticos problemas das nossas insustentáveis grandes cidades, um
pequeno país de 450 mil habitantes – a África Equatorial – anuncia que até 2025 terá construído uma
nova capital “inteiramente sustentável”, de 40 mil casas para 140 mil habitantes, toda ela só com
“energias renováveis”, principalmente a fotovoltaica? Mas como afastar as dúvidas do eleitor brasileiro que
pergunta por que se vai eliminar uma “florestal equatorial” – tão útil nestes tempos de problemas
climáticos – e substituí-la por áreas urbanas?
Bem ou mal, o tema das “cidades sustentáveis” entra na nossa pauta. Com Pernambuco, por exemplo,
planejando todo um bairro exemplar em matéria de água, esgotos, lixo, energia, telecomunicações, em
torno do estádio onde haverá jogos da Copa de 2014, inspirado em Yokohama, conhecida como “a
primeira cidade inteligente do Japão”. E até já se noticia que o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de
“construções sustentáveis” no mundo, depois de Estados Unidos, China e Emirados Árabes – já temos 52
certificadas e 474 “em busca do selo”, por gastarem 30% menos de energia, 50% menos de água (com
reutilização), reduzirem e reciclarem resíduos, além de só utilizarem madeira certificada e empregarem
aquecedores solares.
“As cidades também morrem”, afirma o professor da USP João Sette Whitaker Ferreira, ressaltando que,
enquanto há 50 anos se alardeava que “São Paulo não pode parar”, hoje se afirma que a cidade “não
pode morrer” – mas tudo se faz para a “morte anunciada”, ao mesmo tempo que o modelo se reproduz
pelo país todo. Abrem-se na capital paulista mais pistas para 800 novos automóveis por dia, quem
depende de coletivos gasta quatro horas diárias nos deslocamentos, os bairros desfiguram-se, shoppings e
condomínios fechados avançam nos poucos espaços ainda disponíveis, quatro milhões de pessoas moram
em favelas na região metropolitana.
Não é um problema só brasileiro. Em 1800, 3% da população mundial vivia em cidades, hoje estamos
perto de 500 cidades com mais de um milhão de pessoas cada uma, quase um bilhão vive em favelas.
Aqui, com perto de 85% da população em áreas urbanas, 50,5 milhões, segundo o IBGE, vivem em
moradias sem árvores no entorno, seis em dez residências estão em quarteirões sem bueiros, esgotos
correm na porta das casas de 18,6 milhões de pessoas. Quase metade do solo da cidade de São Paulo
está impermeabilizada, as variações de temperatura entre uma região e outra da cidade podem ser
superiores a dez graus.
Estamos muito atrasados. Na Europa, 186 cidades proibiram o trânsito ou criaram áreas de restrição a
veículos com alto teor de emissão, com destaque para a Alemanha. Ali, em um ano, o nível de poluição do
ar baixou 12%. Londres, Estocolmo, Roma, Amsterdam seguem no mesmo rumo, criando limite de 50
microgramas de material particulado por metro cúbico de ar, obedecendo à proposta da Organização
Mundial de Saúde. No Brasil o limite é três vezes maior.
E há novos problemas claros ou no horizonte, contra os quais já tomaram posição cidades como
Pyongyang, que não permite a ocupação de espaços públicos urbanos por cartazes, grafites, propaganda
na fachada de lojas, anúncios em néon. É uma nova e imensa ameaça nos grandes centros urbanos,
atopetados por informações gráficas e digitais projetadas. Quem as deterá? Com que armas, se as
maiores fabricantes de equipamentos digitais lançam a cada dia novos geradores de “realidade ampliada”,
a partir de fotos, vídeos e teatralizações projetados? O próprio interior das casas começa a ser tomado por
telas gigantescas.
Um bom ponto de partida para discussões sobre as áreas urbanas e seus problemas pode ser o recémeditado livro Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes (Brookman, 2012), em que o professor Carlos
Leite (Universidade de São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie) e a professora Juliana Marques
Awad argumentam que “a cidade sustentável é possível”, pode ser reinventada. Mas seria “ingênuo pensar
que as inovações tecnológicas do Século 21 propiciarão maior inclusão social e cidades mais democráticas,
por si sós”. A s cidades – que se tornaram “a maior pauta do planeta” – “terão de se reinventar”, quando
nada porque já respondem por dois terços do consumo de energia e 75% da geração de resíduos e
contribuem decisivamente para o processo de esgotamento de recursos hídricos, com um consumo médio
insustentável de 200 litros diários por habitante. “Cidades sustentáveis são cidades compactas”, dizem os
autores, que estudam vários casos, entre eles os de Montreal, Barcelona e São Francisco. E propõem
vários caminhos, com intervenções que conduzam à regulação das cidades e à reestruturação produtiva,
capazes de levar à sustentabilidade urbana.
Mas cabe repetir o que têm dito vários pensadores: é preciso mudar o olhar; nossas políticas urbanas se
tornaram muito “grandes”, distantes dos problemas do cotidiano do cidadão comum; ao mesmo tempo,
muito circunscritas, são incapazes de formular macropolíticas coordenadas que enfrentem os
megaproblemas. No caso paulistano, por exemplo, é preciso ter uma política ampla e coordenadora das
questões que abranjam toda a região metropolitana; mas é preciso descentralizar a execução e colocá-la
sob a guarda das comunidades regionais/locais. Não custa lembrar que há alguns anos um grupo de
professores da Universidade de São Paulo preparou um plano para a capital paulista que previa a
formação de conselhos regionais e subprefeituras, com a participação e decisão de conselhos da
comunidade até sobre o orçamento; mas as discussões na Câmara Municipal levaram a esquecer o
macroplano e ficar só com a criação de novos cargos.
Por aí não se vai a lugar nenhum – a não ser a problemas mais dramáticos.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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