Textos de apoio
Matemática
Ensino Fundamental I
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Sete por dois, quanto dá?
[...]
A divisão apresenta, no contexto matemático, aspectos mais complicados do que suas irmãs,
a adição, subtração e multiplicação, tanto do ponto de vista operacional quanto conceitual. Com
efeito, na divisão, a “conta” é mais difícil e as respostas, que podem envolver quociente e resto,
podem ainda ser diferentes para os mesmos dados numéricos de partida.
Citamos aqui algumas das dificuldades que temos detectado em nossa convivência em sala
de aula, pois acreditamos que seu reconhecimento por parte do professor vá auxiliá-lo na interação com o aprendiz da divisão.
Começando pela “conta”: o algoritmo da divisão envolve avaliações, conjecturas e tentativas. Nos
algoritmos­da adição, subtração e multiplicação, cada passo define o algarismo a ser escrito, e o uso da
borracha nesses cálculos só se faz necessário se houver algum engano. Ao contrário, na divisão, antes
que escreva um algarismo­do quociente, é preciso fazer uma avaliação, escolher um número que se
considere provável e fazer uma t­ entativa que nem sempre é bem-sucedida, o que exige que se apague
o dígito escrito para que se faça nova tentativa etc. Essas etapas pressupõem, certamente, um grau de
maturidade do estudante muito maior do que aquelas dos algoritmos das três primeiras operações.
O problema, entretanto, não é só esse, pois, entre números inteiros, é preciso ainda distinguir
a divisão euclidiana, com quociente e resto, da divisão como operação inversa da multiplicação.
A divisão euclidiana dá um quociente, que é um inteiro, e pode dar resto zero ou diferente de zero.
Quando o resto na divisão euclidiana é 0, as duas operações coincidem: por exemplo, 8 : 2 5 4 e
4 3 2 5 8. Mas 7 : 2 dá 3 com resto 1 e 3 3 2 não dá 7. Com efeito, é preciso acrescentar o resto
para reproduzir o 7: (3 3 2 1 1 5 7). A divisão euclidiana entre dois inteiros é sempre possível,
mas a divisão como inversa da multiplicação nem sempre; só quando o resto na divisão euclidiana for 0 e, nesses casos, os quocientes coincidem.
A extensão do campo numérico dos inteiros aos racionais torna a divisão como inversa da
multiplicação sempre possível, mas nos casos de números inteiros com resto não nulo na divisão
euclidiana, o quociente (inteiro) da divisão euclidiana não é o mesmo que o quociente (racional)
da divisão como inversa da multiplicação.
Nesse ponto, existe uma diferença considerável entre a subtração e a divisão. A extensão dos
números positivos aos números relativos torna a subtração (como inversa da adição) sempre
possível e a extensão dos inteiros aos racionais torna sempre possível a divisão (como inversa
da multiplicação). Acontece que, quando se estende o campo numérico, a subtração mantém o
resultado nos casos em que já é possível, enquanto a divisão estende a divisão euclidiana só nos
casos de resto zero. O problema se torna maior do que é, porque na escola não se costuma usar o
nome “euclidiana” quando se trabalha a primeira divisão entre os inteiros. De início, o aluno não é
alertado para a diferença entre elas e estranha que o quociente de 7 por 2, que antes era 3, agora
seja 3,5. Será que, em outras séries, haverá uma nova resposta?
E o problema não termina aí. O aluno que já aprendeu a fazer o cálculo da divisão, que já sabe
distinguir a divisão euclidiana da divisão como inversa da multiplicação, ainda vai se haver com
quocientes muito longos ou mesmo intermináveis, as dízimas periódicas.
É preciso saber onde truncar o quociente, e este truncamento faz aparecer um resto, mesmo
no universo dos racionais, e um novo componente, o erro de arredondamento. Muito provavelmente seja a primeira vez em que ele se depara com o problema de apresentar erros de arredondamento e margem de erro.
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Por exemplo, a divisão de 49 por 8, que no início (divisão euclidiana) dava 6 com resto 1, pode
dar 6,1 se for num cálculo de média escolar em que se considere só uma casa decimal. Se se trata entretanto de dividir igualmente 49 reais por 8, o resultado será 6,12 com resto 0,04, isto é, a
divisão tem como resultado 6 reais e 12 centavos, mas sobram 4 centavos. Se se trata de dividir
49 metros em 8 partes iguais, aí então é possível considerar cada parte com 6,125 metros e não
haverá resto.
O modo uniforme de indicar o quociente (sem resto) entre dois inteiros, sem que seja necessário
49
distinguir casos, é através das frações:
é o número que multiplicado por 8 dá 49, do mesmo modo
8
49
49
que
é o número que multiplicado por 7 dá 49 e 6 é o número que multiplicado por 6 dá 49,
7
49
49
embora:
= 7 seja um inteiro,
= 6,125 um número racional com desenvolvimento decimal fini7
8
49
to, com apenas três casas decimais, e
= 5,444... uma dízima periódica que é um desenvolvimento
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decimal infinito. Esse fato, entretanto, não ajuda muito, pois nossos alunos têm muita dificuldade em
considerar as frações como representantes de números e, além disso, nas atividades da vida cotidiana,
os números em forma decimal são muito mais comuns do que as frações.
Dois instrumentos dos quais o professor pode lançar mão durante o trabalho com divisão, em
vários níveis e de vários modos, são o cálculo mental e a calculadora.
Atividades que levam o aluno a calcular mentalmente preparam-no para fazer as avaliações e
tomar as decisões no algoritmo da divisão. Hoje, com a popularidade das calculadoras, as divisões
que precisam ser feitas à mão podem ser mais simples, mesmo assim exigem uma intimidade do
aluno com a tabuada, e o cálculo mental em atividades lúdicas pode ser um caminho interessante para que a criança aprenda a tabuada.
E a calculadora, não resolve todos os problemas de contas? Com efeito, achar quocientes entre números todos com menos de 8 dígitos é problema simples para uma calculadora. Mas o que
se pode dizer dos erros?
Peça, por exemplo, ao seu aluno que calcule quociente e resto na divisão (euclidiana) de 62
000 por 512. Ele vai obter 121,09375. Para eleger o quociente e resto inteiros, deverá considerar só
a parte inteira. Calculando o produto de 121 por 512 e subtraindo o resultado de 62 000, obtém
o resto 48, sendo 121 o quociente. Se, entretanto, o problema for dividir R$ 62.000,00 por 512, ele
pode considerar o quociente como 121 reais e 9 centavos, e, ao efetuar o produto de 121,09 por
512 e subtrair de 62.000, vai obter R$ 1,92, ou seja, sobra 1 real e 92 centavos. Isto é, na divisão de
62.000 por 512, o quociente 121 deixa um resto igual a 48 e o quociente 121,09 deixa resto igual
a 1,92. Além disso, o quociente 121,09 é uma aproximação do quociente exato a menos de 0,01.
Este pode ser um modo interessante de mostrar a diferença entre divisão no conjunto dos números inteiros e divisão no conjunto dos números racionais, de trabalhar com várias aproximações
de um mesmo número e, além disso, mostrar que o uso da calculadora facilita os cálculos, mas
tem lá suas limitações.
AUGUSTO, Alciléia. Sete por dois, quanto dá? Texto cedido pela Sociedade Brasileira de Matemática, publicado originalmente na Revista do
Professor de Matemática (http://www.rpm.org.br/). Rio de Janeiro: SBM, n. 26, 1994.
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