ALEXANDRA MARIA DE CARVALHO PÓS-MODERNISMO: PASSADO OU PRESENTE Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Urbanismo no Curso de Mestrado em Urbanismo, conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Orientador: Professora Doutora Arquitecta Ana Paula Parreira Correia Rainha Co-Orientador: Professor Doutor Arquitecto José António Jacinto Vieira Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Departamento de Urbanismo Lisboa 2009 1 CIDADE Cidade, rumor e vaivém sem paz nas ruas, ó vida suja, hóstil, inultilmente gasta, saber que existe o mar e as praias nuas, montanhas sem nome e planícies mais vastas que mais vasto desejo, e eu estou em ti fechada e apenas vejo os muros e as paredes, e não vejo nem o crescer do mar, nem o mudar das luas. Saber que tomas em ti a minha vida E que arrastas pelas sombras das paredes A minha alma que fora prometida Às ondas brancas e às florestas verdes. Sophia de Mello Breyner Andresen 2 DEDICATÓRIA À minha mãe pelo incentivo, confiança e muita compreenção. À minha irmã Cristina por ser o meu Norte. E aos meus avós maternos, embora ausentes estão sempre presentes. 3 AGRADECIMENTOS Aos professores e amigos Ana Paula Rainha e José António Vieira, pela ajuda, estímulo, compreenção, disponibilidade e cumplicidade, pelas conversas sobre este e outros assuntos, e sobretudo pela amizade. Aos amigos, Joana Sennfelt, Pedro Faria, Miguel Cardoso, Gonçalo Carvalho, Isaura Lima, João Vasconcelos, Carlos Matoso e Afonso de Menezes, pela palavra de incentivo. Aos amigos Fernando Santos e Diogo Mendonça, pelos desabafos. À Rosário Ribeiro e à minha irmã Cristina pelo apoio gráfico. Ao Mário Carvalho pelo apoio informático. OBRIGADA! 4 RESUMO Dos anos trinta aos nossos dias, dois movimentos se subrepôem a outras formas de pensar o Urbanismo - o Movimento Moderno (dos anos trinta aos anos cinquenta/sessenta) e o Movimento Pós-Moderno (dos anos sessenta aos nossos dias). O primeiro movimento, o Movimento Moderno acenta em princípios como: o zonamento e o funcionalismo. Este movimento foi fortemente contestado em termos teóricos, na década de cinquenta, por Fierre Francastel, entre outros. O segundo movimento, o Movimento Pós-Moderno, acenta nos princípios Neoclássicos, nos quais o homem está no centro do universo. Tratadistas como Rob Krier e Aldo Rossi, continuam ainda hoje a validar o acto de desenhar a cidade segundo estes princípios. Apesar de muito condestada e críticada a Carta de Atenas abriu todas as portas ao Urbanismo Contemporâneo, facto que, decorridos quase oitenta anos, justifica a razão do seu interesse. Esperemos que a Nova Carta de Atenas venha a ter idêntica importância. Palavras-chave: Movimento Moderno, Pós-Modernismo, Carta de Atenas, Nova Carta de Atenas, Cidades Sustentáveis 5 ABSTRACT From 30th decade to our times, two movements overlapped to other ways of thinking the Urbanism - Modern Movement (from the 30th to the 50th / 70th decades) and the Post Modern Movement ( from 70th until know). The first movement, the Modern Movement has as the principal basis: zoning and functionalism. This movement was theoretically strongly contested in the 50th decade, by Fierre Francastel, among other ones. The second movement, the Post Modern Movement which is based on the Neoclassic Ideas where man is in the center of the Universe. Authors of treatises as Rob Krier and Aldo Rossi, are still designing the city according to these principles. Despite of the contentment and criticism, the Athens Letter opened all the doors to Contemporaneous Urbanism. Almost eighty years later it is still actual and justifies its interest. We hope that the new Athens Letter will have similar importance. Key-Words: Modern Movement, Post-Modernism, Athens Letter, New Athens Letter, Sustainable Cities. 6 ÍNDICE ÍNDICE.......................................................................................................................... 7 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES......................................................................................... 9 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 14 METODOLOGIA........................................................................................................... 15 PLANO DE TRABALHO............................................................................................... 15 1 – O INÍCIO DO PLANEAMENTO URBANO MODERNO (1890-1940)……………… 18 1.1 – A Revolução Industrial……………………………………………………………… 18 1.2 – Ebenezer Howard e as Cidades-Jardim………………………………………….. 21 1.3 – Críticas às Cidades-Jardim …………………………………………..................... 31 2 – O MOVIMENTO MODERNO…………………………………………………………… 35 2.1 – Os Primeiros CIAM………………………………………………………………….. 35 2.1.1 – A Dissolução dos CIAM…………...………………………………………… 38 2.2 – A Carta de Atenas…………………………...……………………………………… 39 2.2.2 – Críticas à Carta de Atenas…………………......…………………………… 49 3 – DO PÓS-MODERNISMO À NOVA CARTA DE ATENAS…………….…….……… 53 3.1 - Os Anos 60-70 – Pós-Guerra ..………………….……………………………….… 53 3.2 - Rob Krier e o Espaço Urbano……………………………...…...………………….. 61 3.3 - Aldo Rossi e a Arquitectura da Cidade…………………….....…………………... 81 3.4 - Introdução à Nova Carta de Atenas………………………...………………..……. 90 3.4.1 – A Nova Carta de Atenas, 1998………………………..………………….… 91 3.4.2 – As Dez Recomendações da Nova Carta de Atenas ……………….…….. 99 3.5 – A Nova Carta de Atenas, 2003……………………………………..……………… 103 3.5.1 – Questões e Desafios da Nova Carta de Atenas……………………..……. 110 7 3.5.2 – Os Compromissos dos Urbanistas………………………..………………... 115 3.6 – Conclusão………………………………...………………………………………….. 118 4 – ESTUDO SOBRE A MOBILIDADE URBANA……………………………………….. 119 4.1 – Mobilidade Urbana na Europa……………………………………………………... 119 4.2 – Mobilidade Urbana em Portugal…………………………………………………… 125 4.3 – Conclusão……………………………………………………………………………. 129 CONCLUSÕES………………………………………………………………………………. 131 BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………… 133 ANEXOS……………………………………………………………………………………… I 8 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Expansão de Londres, entre 1784 e 1939 (Binário nº63, p.7) …………………………………………………………………...……..…………… 19 Figura 2 . Ebenezer Howard: Diagrama do correcto crescimento de uma Cidade-Jardim (Goitia, 1992, p.163) ……………………………………………………………………………..……...… 22 Figura 3. Esquema dos 3 hímenes, segundo Ebenezer Howard (Biermann, 2003, p.669) …………………………………………………………………...………………..… 23 Figura 4. Ebenezer Howard: Divisão funcional e estrutural da Cidade-Jardim (Goitia, 1992, p.162) ………………………………………………………………...………………..…… 24 Figura 5. Ebenezer Howard: Diagrama esquemático (Biermann, 2003, p.671) ………………………………………………………………...………………..…… 25 Figura 6. Plano da Cidade-Jardim de Letchworth (Goitia, 1992, p.162) ………………………………………………………………...………………..…… 27 Figura 7. Cidade-Jardim de Letchworth. Vista Aérea em 1960 (Lamas, 2004, p.313) ………………………………………………………………...………………..…… 28 Figura 8. Perspectiva do centro urbano da Cidade-Jardim de Welwyn (Goitia, 1992, p.27) ………………………………………………………………...………………..…… 29 Figura 9. Plano da segunda Cidade-Jardim - Welwyn, 1920 (Goitia, 1992, p.26) ………………………………………………………………......……………..…… 30 Figura 10. Imagem de uma cidade projectada segundo os parâmetros de uma CidadeJardim (Binário nº63, p.18) ………………………………………………..………………...………………..…… 34 9 Figura 11. Foto do primeiro CIAM, 1928 (Hasan, 1999, p.37) ………………………………………………..………………...………………..…… 37 Figura 12. Plano de Chandigarh (Benévolo, 2004, p.493) ………………………………………………..………………...………………..…… 41 Figura 13. Esquiços de Le Corbusier (Lamas, 2004, p.357) ………………………………………………..………………...………………..…… 43 Figura 14. Le Corbusier: «La Ville Radieuse», 1935 (Biermann, 2003, p.713) ………………………………………………..………………...………………..…… 45 Figura 15. Le Corbusier: «Plan Voisin» (Biermann, 2003, p.711) ………………………………………………..………………...………………..…… 46 Figura 16. Le Corbusier: «Plan Voisin», Paris (1922-1929) (Biermann, 2003, p.711) ………………………………………………..………………...………………..…… 46 Figura 17. Esquema/Esquiço de uma Unidade Habitacional por Le Corbusier (Benévolo, 2004, p.433) ………………………………………………..………………...………………..…… 47 Figura 18. Proposta/Esquiço de Le Corbusier, 1915 (Biermann, 2003, p.711) ………………………………………………..………………...………………..…… 48 Figura 19. «La Ville Radieuse», Le Corbusier (tinta e aguarela, 1930) (Hassen, 1999, p.35) ………………………………………………..………………...………………..…… 52 Figura 20. Sarcelles. Grand ensemble da região de Paris. Vista do 15º andar de uma torre, 1966 (Lamas, 2007, p.393) ………………………………………………..………………...………………..…… 55 Figura 21. Minoru Yamasaki, edifício “Pruitt Igoe”, em Saint-Louis (1952-1955) (Biermann, 2003, p.805) ………………………………………………..………………...………………..…… 60 10 Figura 22. Verona, Piazza delle Erbe e Piazza dei Signori (Biermann, 2003, p.664) ………………………………………………..………………...………………..…… 62 Figura 23. Florença, Piazza S. Maria Novella (Biermann, 2003, p.664) ………………………………………………..………………...………………..…… 62 Figura 24. Planta da Cidade de Ringstrasse, Viena (Biermann, 2003, p.667) ………………………………………………..………………...………………..…… 63 Figura 25. Projecto para a praça em frente da Votivkirch, Viena (Biermann,2003, p.667) ………………………………………………..………………...………………..…… 63 Figura 26. Esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.163) ………………………………………………..………………...………………..…… 65 Figura 27. Tipos de espaços urbanos e suas combinações, estudos de Rob Krier (Krier, 1991, p.44) ………………………………………………..………………...………………..…… 66 Figura 28. Rob Krier: Estudos morfológicos do espaço urbano, (Krier, 1991, p.76) ………………………………………………..………………...………………..…… 67 Figura 29. Estudos de praças e suas variações, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.73) ………………………………………………..………………...………………..…… 68 Figura 30. Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.78) ………………………………………………..………………...………………..…… 69 Figura 31. Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.74) ………………………………………………..………………...………………..…… 70 Figura 32. Processo de transformação de um tipo de espaço existente, estudo de Rob Krier (Krier, 1985, p.25) ………………………………………………..………………...………………..…… 72 11 Figura 33. Estudo de vazios/cheios. Planos de Amiens e Stuttgart, segundo Rob Krier (Krier, 2003, p.13,15) ………………………………………………..………………...………………..…… 73 Figura 34. Rob Krier: Plano para a reconstrução do quarteirão no centro de Amiens, França (Krier, 1993, p.85) ………………………………………………..………………...………………..…… 74 Figura 35. Imagem do centro da cidade de Amiens, antes da Segunda Guerra Mundial (Krier, 2003, p138) ………………………………………………..………………...………………..…… 75 Figura 36. Rob Krier: Proposta seleccionada para o reordenamento do centro de Amiens, (concurso) – 1984, (Krier, 1993, p.86) ………………………………………………..………………...………………..…… 75 Figura 37. Esquiços de Rob Krier para o projecto Stuttgart (Krier, 2003, p.172) ………………………………………………..………………...………………..…… 76 Figura 38. Fases do desenvolvimento urbano de Stuttgart, (século XIV e XIX) (Krier, 2003, p.172) ………………………………………………..………………...………………..…… 77 Figura 39. Rob Krier: Planta do centro de Stuttgart (Krier, 2003, p.129) ………………………………………………..………………...………………..…… 78 Figura 40. Proposta para a reconstrução das áreas urbanas destruídas em Stuttgart (Krier, 2003, p.102) ………………………………………………..………………...………………..…… 78 Figura 41. Proposta de Rob Krier para o centro de Stuttgart (Krier, 2003, p.104) ………………………………………………..………………...………………..…… 79 12 Figura 42. Aldo Rossi: Concurso para o Centro Direccional de Turim, 1962 Concurso para o Complexo Residencial de São Rocco, em Monza, 1966 (Lamas, 2004, p.425) ………………………………………………..………………...………………..…… 88 Figura 43. Aumento do cemitério San Cataldo em Modena (1971-1984), (Biermann, 2003, p.786) ………………………………………………..………………...………………..…… 89 Figura 44. Hotel II Palazzo em Fukuoka (Biermann, 2003, p.783) ………………………………………………..………………...………………..…… 89 13 INTRODUÇÃO O objectivo do tema que se propõe desenvolver pretende concluir que passados sessenta e cinco anos, os princípios Pós-Modernistas continuam na ordem do dia. Não se pretende contudo, um estudo exaustivo de todo o conhecimento que se produziu até hoje sobre o assunto, mas somente compreender a Carta de Atenas como um dos documentos mais emblemáticos e paradigmáticos do Urbanismo Moderno, irá encontrar um contraponto nas teorias Pós-Modernistas, teorias que se revisaram, como se pretende demonstrar na Nova Carta de Atenas. Para melhor se compreender o objectivo desta dissertação, recuaremos no tempo e vamos até às origens da urbanística moderna dos finais do século XIX, princípios do século XX com as Cidades-Jardim de Ebenezer Howard. Entende-se por Movimento Moderno, e assim será tratado o termo nesta dissertação, a Arquitectura e o Urbanismo pensados dentro do racionalismo próprio da vanguarda artística do final do século XIX e principalmente no início do século XX, especialmente com os Congressos denominados por CIAM, no qual se destaca Le Corbusier, como figura principal do IV CIAM. Suas actuações, teorias, produções e escritos, de forma pioneiras marcaram – como veremos – uma mudança significativa no olhar para o Urbanismo baseado em linhas gerais na universalização das necessidades, no funcionalismo e racionalismo, na produção de cidades para um homem-tipo. O Pós-Modernismo é considerado, aqui, como o movimento crítico ao Movimento Moderno. Destaca-se uma análise de algumas obras literárias fundamentais à crítica ao funcionalismo e racionalismo. «El Espacio Urbano», (1985) de Rob Krier, seguido pelo «A Arquitectura da Cidade», (1966) de Aldo Rossi, surgem aqui como obras de reflexão principais para a temática em estudo. A pesquisa procura também compreender de que forma as teorias são tão distintas da Cidade Moderna e da Pós-Modernista – como se comportam no tecido urbano, evidênciando suas diferenças. 14 Pretende-se demonstrar que a boa qualidade dos espaços urbanos e a produção urbana ao nível do desenho urbano de hoje continuam assentes nos princípios do PósModernismo que Caniggia preconizou como mentor do movimento «La Tendenza» e que fizeram escola até hoje. A escolha deste tema, deve-se ao facto de ter observado que deste o início do PósModernismo até aos nossos dias, as teorias urbanísticas evoluiram apenas em termos de novos paradigmas. Os novos conceitos não se afastam muito das teorias Pós-Modernistas, apenas se complementam e continuam actuais. METODOLOGIA Não se pretende uma descrição exaustiva de todos os aspectos e autores que caracterizam este período. Seleccionam-se obras de alguns autores considerados relevantes, quer no plano conceptual, quer pela construção de um cenário dinâmico de desenhar a cidade. É na base desta análise que se irá proceder à crítica do Movimento Moderno e PósModerno. Seleccionaram-se igualmente alguns documentos, nomeadamente a Nova Carta de Atenas que irão comprovar que os princípios do Pós–Modernismo continuam na ordem do dia. PLANO DE TRABALHO A investigação estruturou-se basicamente em quatro vertentes, divididas de acordo com os assuntos abordados nos diferentes capítulos que a compõe. A primeira vertente, consiste num resumo histórico das Cidades-Jardim de Edward Ebenezer, para tal utilizou-se documentos bibliográficos que descrevem a história das Cidades-Jardim e suas respectivas críticas. A segunda vertente, centra-se no que se pode chamar de bases teóricas, consiste numa reflexão sobre os princípios do Movimento Moderno e igualmente as críticas que o seguiram, dominadas aqui como Pós-Modernismo. A terceira vertente centra-se igualmente na pesquisa histórica e bibliográfica, descreve os princípios do Pós-Modernismo e da Nova Carta de Atenas. Com o objectivo de 15 descrever os princípios do Pós-Modernismo, aborta-se a temática segundo a visão de alguns autores que tiveram um papel importante na história do Urbanismo. A quarta e última vertente, é a análise prática de um caso de estudo, sobre a Mobilidade Urbana. Tendo como objectivo uma conclusão que procura comprovar que os princípios do Pós–Modernismo continuam na ordem do dia, descreve-se a história do Urbanismo desde dos finais do século XIX até à actualidade. Desenvolve-se um plano de trabalho que procura identificar os pontos que parecem fundamentais para o entendimento desse propósito. Assim divide-se o trabalho em duas partes com quatro capítulos. A primeira parte constituída pelos capítulos 1, 2 e 3 refere-se ao enquadramento teórico da investigação, a segunda parte constituída pelo capítulo 4, refere-se à aplicação prática dos conceitos e princípios apresentados na primeira parte, mais concretamente no capítulo 3. Assim: O capítulo 1, denominado como «O Início do Planeamento Urbano Moderno», descreve o início do planeamento urbano moderno (1890-1940). A problemática das cidades após a Revolução Industrial e o aparecimento do novo modelo de cidade – a Cidade-Jardim. Considera-se uma abordagem fundamental este período para se compreender o enquadramento teórico que levou à ruptura deste modelo e ao aparecimento do Movimento Moderno. O capítulo 2, denominado como «O Movimento Moderno», descreve-se o aparecimento e o percurso dos CIAM, de forma a ilustrar os princípios geradores da Cidade Moderna e que culmina com as críticas e extinção deste. Faz-se uma análise crítica à Carta de Atenas e à Cidade Moderna. Esta abordagem é fundamental para se compreender a Carta de Atenas o seu enquadramento teórico que levou à ruptura da cidade dos CIAM e entender o início de um novo processo de repensar a cidade – o Pós-Modernismo. O capítulo 3, denominado como «Do Pós-Modernismo à Nova Carta de Atenas», descreve-se o aparecimento do Pós-Modernismo como crítica ao Movimento Moderno. Estudam-se algumas obras consideradas importantes e significativas para a organização de um quadro teórico, tendo em conta um fácil entendimento da produção teórica e prática dos anos sessenta e setenta. 16 Descreve-se também os princípios da Nova Carta de Atenas de 1998 e 2003, comparando-a com a Carta de Atenas de 1933. Esta comparação é fundamental para compreender como passados mais de sessenta e cinco anos os princípios da Carta de Atenas e do PósModernismo continuam na ordem do dia. O capítulo 4, denominado como «Estudo Sobre a Mobilidade Urbana», debruça-se sobre um estudo analítico sobre a Mobilidade Urbana ao nível Europeu e Nacional, evidênciando as princípais diferenças e semelhanças entre as várias cidades apresentadas. Esta dissertação termina com a Bibliografia – Referências Bibliográficas e Bibliografia Geral. 17 CAPÍTULO 1 O Início do Planeamento Urbano Moderno (1890-1940) 1.1 A Revolução Industrial Uma modificação fundamental que as cidades sofreram nos tempos modernos foi ocasionada por uma complexa série de acontecimentos a que se tem chamado a Revolução Industrial, embora, na realidade não tenha sido estritamente industrial, mas também uma revolução na agricultura, nos meios de transporte e comunicação e nas ideias económicas e sociais.1 A Revolução Industrial encontra-se estritamente ligada a dois fenómenos demográficos: o aumento rápido e generalizado das populações registado em quase todos os países evoluídos da Europa e da América a partir da segunda metade do século XVIII, e o fenómeno urbano, ou seja, da emigração maciça das populações rurais para as cidades, em busca de melhores remunerações e melhores condições de vida. Indica-se a seguir alguns números que são, em si, bastante reveladores. Em 1650 calcula-se que a população mundial andava por volta de 545 milhões de indivíduos, 100 anos depois seria cerca de 728 milhões, em 1850 de 1.171 milhões, em 1900 de 1.608 milhões e finalmente de 2.400 milhões em 1950. Por onde se vê que o número de indivíduos sobre a terra quase duplicou nos trezentos anos que medeiam 1650 e 1950, tendo passado mais do dobro só entre 1850 e 1950. (fig.1) Este enorme incremento, que de um modo geral coincidiu com a expansão das actividades industriais e a melhoria nas condições de habitação, higiene e alimentação, foi particularmente acelerado a partir dos princípios do século XIX. Os aumentos verificados revertiam quase exclusivamente a favor dos grandes centros, e de tal modo, que a partir de certa altura e apesar do enorme incremento total, se iníciou em alguns países o despovoamento dos campos. Toda esta massa humana constituída por excedentes rurais em busca de trabalho e melhores condições de vida, para arranjar acomodações para os recém-chegados alugavam as casas existentes e construíam outras 1 Goitia, Fernando, 2006 18 em todos os espaços disponíveis. A construção de casas para muitos era também feita por industriais, geralmente construída nos terrenos em volta das fábricas, com o objectivo de aumentar a sua dependência e ligá-los ao local de trabalho. As condições de habitabilidade dessas casas eram, (pelo que ainda hoje podemos observar) geralmente baixas, devido à própria vizinhança da fábrica.2 Fig. 1 – Expansão de Londres entre 1784 e 1939 Nas últimas décadas do século XIX um número de industriais fundaram cidades modelo para os seus empregados. Embora a atitude fosse paternalista e um dos seus principais objectivos fosse manter uma força de trabalho satisfeita e produtiva, também eram experiências no campo da divisão por zonas e do desenho das ruas. Por exemplo, Pullman, construída em Ilinois entre 1881 e 1885 para os trabalhadores das oficinas dos caminhos-de-ferro, tinha áreas separadas para casas de família e apartamentos arrendados, um grande parque público, uma arcada central de dois andares com lojas, uma biblioteca, um teatro e um circuito ferroviário para servir as fábricas da periferia da cidade. Port Sunlight, perto de Liverpool, e Bournville, perto de Birmingham, ambas construídas nos anos noventa, também estavam divididas de uma forma simples em zonas e ofereciam serviços comunitários como bibliotecas, escolas e parques. Em Easrwick, no Yorshire, planeada por Raymond Unwin e Barry Parker na década de noventa, havia ruas ladeadas por árvores, os primeiros «culs-de-sac» planeados, e todas as casas tinham pátios à frente e nas traseiras. Inovações como esta cedo iriam penetrar nas práticas convencionais de planeamento. 2 Revista “Binário nº63”, Agosto de 1958 19 Estes antecedentes do planeamento originaram em dois movimentos separados, nos finais do século XIX: a Cidade-Bela3 e a Cidade-Jardim. Embora centrados, respectivamente, na América e na Grã-Bretanha, faziam de facto parte de tendências internacionais mais amplas. Os seus proponentes viajavam bastante, procurando e transmitindo ideias, pois a sua preocupação, como a de muitos urbanistas que se lhes seguiram, era principalmente descobrir bons modelos de planeamento, e não o carácter nacional ou local. Inicialmente, mantinham firmemente a convicção de que as cidades boas e limpas produziriam gente boa e defendiam reformas radicais. Estas ideias grandiosas estavam perfeitamente adequadas à atmosfera utópica dos princípios do século. Mas o planeamento urbano também é uma questão prática e para serem exequíveis, estes ideais estavam, já em 1910, a ser reformulados em directrizes administrativas igualmente aplicáveis em toda a parte. Nos anos trinta só arquitectos como Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, muito afastados dos problemas quotidianos do desenvolvimento urbano, continuavam a sonhar com novas e radicais formas urbanas que poderiam resolver todos os problemas da civilização urbana moderna de um só golpe.4 3 O movimento da Cidade-Bela nasceu durante os primeiros quinze anos do século XX e, depois gradualmente no decurso dos quinze anos seguintes. O seu principal proponente foi Daniel Burnham. O seu objectivo para estas cidades, era estabelecer “uma beleza que estará presente para desempenhar a sua função pura e nobre para sempre entre nós”. Isto seria conseguido através do realinhamento das ruas, transformando-as em avenidas largas e arborizadas, destinadas a serviços de utilidade pública. Câmaras municipais, edifícios governamentais, teatros, bibliotecas e museus para registar o progresso da civilização humana, com estátuas e fontes, tudo no melhor dos estilos do Renascimento Clássico, com linhas de cornija uniformes, como as usadas em Paris de Haussmann estariam presentes nestas ruas enormes. Apesar de toda a retórica de Burnham, este foi apenas um movimento estético caracterizado por uma espécie de benevolente autoritarismo capitalista muito localizado. Depois da primeira onda de entusiasmo, as autoridades municipais não tinham a apetência, nem os fundos públicos, para empreender graciosos planos directores, sobretudo numa altura em que havia necessidades básicas de vida, de pavimentar as ruas e instalar sistemas de esgotos. Foi o primeiro ‘plano director’ à escala de cidade a definir pormenorizadamente como seria a cidade num determinado ponto no futuro, estabelecendo um objectivo para o qual o desenvolvimento poderia caminhar. A tentativa de racionalizar as transformações na forma urbana por este meio tornou-se, posteriormente, uma prática generalizada e quase todas as cidades devem agora ter um plano director qualquer, embora desde aproximadamente 1950 estes tenham sido tratados mais como linhas directrizes do que como resultados finais para os quais todo o desenvolvimento deva ser orientado. Contudo não podem existir grandes dúvidas de que a influência mais forte do planeamento urbano, nos princípios do século, foi a da Cidade-Jardim. (Relph, Edward, 1987). 4 Relph, Edward, 1987 20 1.2 Ebenezer Howard e as Cidades – Jardim O grande responsável pela invenção da Cidade-Jardim foi Ebenezer Howard. Conforme a definição adoptada em 1919 pela «Associação Inglesa do Urbanismo e da Cidade-Jardim» fundada em 1899 na Inglaterra “A Cidade-Jardim é uma Cidade Industrial projectada para a vida saudável, é uma proposta para resolver simultaneamente o congestionamento das cidades e o isolamento da vida rural, através da combinação de melhores qualidades da cidade e do campo em novas comunidades autónomas, rodeadas por uma cintura verde, sendo o solo propriedade pública ou alugada pela comunidade…” Nesta sintética afirmação de princípios encontram-se implícita ou explicitamente afirmados três pontos que importa reter, já que neles reside o que de fundamental e original existe na contribuição de Ebenezer Howard para o nascimento da ciência das cidades. São eles: • que toda a área urbana é de propriedade colectiva, podendo no entanto, ser alugada em lotes a particulares; • que toda a construção fica subordinada a um plano de urbanização previamente aprovado, com a ligação harmoniosa dos elementos da vida social e económica e se prevêem os limites máximos a atingir em área e número de habitantes; • que aprovado o número máximo de habitantes previsto (inicialmente 30.000, mais tarde 50.000) a cidade se desdobrará noutros aglomerados satélites, para lá da cintura verde, onde toda a construção é proibida. Ao contrário da maioria dos teóricos do Urbanismo, Howard não sentiu a necessidade de uma introdução histórica para justificar as suas propostas. A sua linguagem é a de um idealista-prático, de formação eminentemente pragmática, interessado em resolver um problema concreto, por isso justifica-se a ausência de preocupações culturais em função da crueza do estilo. Grande tem sido a influência da ideia da Cidade-Jardim na evolução do Urbanismo. A rápida popularidade das ideias de Howard deve-se principalmente às realizações de Letchworth e Wellwyn. Estas duas cidades serviram como autênticos casos-piloto, não só em Inglaterra como noutros países.5 O seu livro «To-morrow: A Peaceful Path», 1898, (As Cidades-Jardim do Futuro), conta-se entre as obras mais paradigmáticas que tiveram maior influência no Urbanismo Moderno. Howard formula pela primeira vez a proposta de alternativa e remédio para os problemas 5 Revista ‘Binário nº63’, Agosto de 1958 21 das grandes cidades, sob a forma de uma nova estrutura urbana que faria desaparecer o antagonismo ‘cidade-campo’. Fig. 2 – Ebenezer Howard: Diagrama do correcto crescimento de uma Cidade-Jardim Apoiando-se na metáfora dos três hímenes, Howard faz uma dupla crítica da vida urbana: primeiro hímen é o da vida rural; segundo hímen é o da cidade, para por fim lhes opor, com o terceiro hímen, ‘cidade-campo’, um programa prospectivo que combine as vantagens de ambos. O programa concretizou-se no modelo Cidade-Jardim, baseado nos seguintes princípios imperativos: a área não deve ultrapassar 2400 hectares e a população, 32 000 habitantes; as diferentes funções, habitação, comércio, indústria, agricultura, etc., são rigorosamente ordenadas e dissociadas. Howard imagina uma comunidade humana implantada num plano de zonas concêntricas. No centro localiza-se um grande jardim circular que contém edifícios públicos e os locais de culto. Em torno dela estende-se um vasto parque rodeado de um palácio circular de vidro, o qual chamou de ‘Palácio de Cristal’, onde se encontram as lojas e zona comercial. Pela cintura seguinte, repartem-se as habitações: pequenas casas individuais com jardim, construídas num terreno de 6x30/40 metros. Uma ‘grande avenida’, por sua vez com uma auréola concêntrica de casas medianas, envolve o sector residencial. As fábricas, armazéns e mercados localizam-se na periferia e estão ligados entre si tangencialmente por uma rede ferroviária electrificada. Por fim, a Cidade-Jardim é circunscrita por uma cintura verde onde se agrupam os produtores rurais encarregados de alimentar esta comunidade auto-suficiente.6 (figs.3-5) 6 Biermann et al., 2003 22 Fig. 3 – Esquema dos três hímenes, segundo Ebenezer Howard As vantagens e desvantagens respectivas da vida urbana e rural, e a sua combinação, a ‘cidade-campo’ que oferece melhores condições de vida e cujo modelo da Cidade-Jardim é a concretização. 23 Segundo Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987), Howard imagina o seu modelo de Cidade-Jardim como estando incluído num sistema urbano muito mais vasto: este liga entre si, bem como a uma cidade central, que não deve ultrapassar 58 000 habitantes, grupos de Cidades-Jardim, até formar uma aglomeração com o máximo de 250 000 habitantes. Howard apercebeu-se de que, na prática, a ordem e a forma destes elementos teriam de ser adaptados a um local específico. Ao fazê-lo era importante que a cidade fosse planeada como um todo e exprimiu esta ideia através de uma analogia botânica; “Uma cidade, tal como uma flor, ou uma árvore, ou um animal, deve, em cada estádio do seu desenvolvimento, possuir unidade, simetria, plenitude”. Isto exigia que houvesse um controlo rigoroso sobre serviços como as lojas, para evitar demasiada concorrência e desperdício. Significava também que, quando a Cidade-Jardim atingisse uma população de 32 000 habitantes, o futuro crescimento seria acomodado através do desenvolvimento de uma nova Cidade-Jardim autónoma noutro lugar. E assim sucessivamente, até que o modelo inteiro das cidades existentes e dos campos tivessem sido reconstruídos. Fig. 4 – Ebenezer Howard: Divisão funcional e estrutural da Cidade-Jardim O jardim central com os edifícios públicos, o Palácio de Cristal e as suas lojas, o sector residencial, as fábricas e as empresas artesanais assim como o caminho-de-ferro circular. 24 Fig. 5 – Ebenezer Howard: Diagrama esquemático Representação da dissociação funcional e estrutural da Cidade-Jardim e arredores, com pequenos jardins, zona de produção rural, equipamentos sociais assim como caminho-de-ferro. Pela sua estrutura, o modelo de Howard foi influenciado pela ‘Cidade Ideal’ imaginada no Renascimento, mas também na tradição do parque inglês. No entanto, a Cidade-Jardim não é tão idílica como poderia parecer à primeira vista, pois a densidade de construção e a concentração demográfica são relativamente elevadas. Mas Howard tem em mente um projecto de sociedade, onde nenhuma dimensão, seja social, demográfica ou funcional, seja iludida, e que remete para as utopias de Robert Owen (1771-1858) e de Charles Fourier (1772-1837). A primeira aplicação das ideias de Howard, a Cidade-Jardim de Letchworth é construída a partir de 1903, perto de Londres, pelos arquitectos Barry Parker e Raymond Unwin, (figs.6,7). A segunda a de Welwyn, situada também perto de Londres, foi realizada em 1919 por Louis de Soissins. (figs.8,9) Se bem que referindo-se às teorias de Howard, não respondem verdadeiramente ao seu programa, tanto no plano estrutural e arquitectónico como social. São mais conjuntos residenciais formados de pavilhões onde vivem pessoas de classe média.7 Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987) descreve que os planos que Unwin e Parker desenvolveram para Letchworth incorporam a maior parte dos traços que Howard tinha proposto, incluindo serviços comunitários. 7 Biermann et al., 2003 25 O plano de Letchworth está cuidadosamente adaptado ao local e não tem muitas semelhanças imediatas com os diagramas das Cidades-Jardim que Howard tinha desenhado; no entanto, a maior parte dos seus elementos encontram-se lá. Tem um grande jardim semelhante ao «boulevard» que dá acesso aos edifícios públicos e à estação de caminhos-de-ferro, tem uma arcada comercial tipo ‘Palácio Cristal’ com pequenos vidros; a indústria situa-se na periferia da cidade e há uma cintura de verde agrícola. O que Unwin e Parker fizeram para Letchworth foi dar às ideias de Howard uma expressão que era totalmente não ameaçadora e que tinha sido artisticamente desenhada para evocar o típico pitoresco das vilas rurais inglesas. A Cidade-Jardim teria um ambiente dominado por superfícies arborizadas, plantadas e ajardinadas que permitiriam o máximo acesso visual e físico a todos os espaços. Mas Unwin continua a morfologia tradicional, introduzindo-lhe alterações que abrem novas pistas e preparam algumas ideias modernas. Antecipando a unidade de vizinhança, Unwin procura construir pequenas comunidades humanas, pesquisando novas tipologias urbanas como o ‘close’, ou o impasse - equipamento de edifícios que envolvem um terminal que parte da rua. Este sistema obriga à abertura do interior do quarteirão ‘reinterpretando’ o pátio como espaço de convivência e estrutura de construções que o envolvem. As práticas sociais e algumas funções da rua como local de convívio e de acesso aos edifícios deslocam-se para o impasse. A rua vai tornar-se apenas o lugar de circulação. O impasse ou o ‘close’ cria uma categoria intermédia entre o espaço público da rua e o espaço privado da habitação, oferecendo um espaço semi-público para as relações sociais de vizinhança. O antigo beco adquire uma significação nobre no acesso às casas, dando tranquilidade ao lugar. As habitações deixam de contactar com a rua barulhenta e buliçosa. O quarteirão perde a forma fechada e compacta com a criação de impasses interiores, por economia de terreno e na sua bordadura vão ainda surgir casas unifamiliares que se implantam sobre a rua. A importância de Letchworth reside no facto de ter dado forma física à visão de Howard para uma nova ordem social, mas foi no projecto seguinte, em 1905, para o plano de Hampstead Garden Suburb que a influência da Cidade-Jardim se alargou e se alastrou muito mais longe. Os resultados da experiência de Letchworth seriam publicados por Raymond Unwin no livro «Town Planning in Practise», que se tornaria em verdadeiro manual de composição urbana e cuja divulgação em muito contribuiu para a teorização do desenho urbano e para a divulgação das próprias ideias da Cidade-Jardim8. 8 Lamas, José, 2004 26 Fig. 6 – Plano da Cidade-Jardim de Letchworth Uma das Cidades-Jardim inglesas construídas segundo os princípios de Ebenezer Howard 27 Fig. 7 – Cidade-Jardim de Letchworth. Vista Aérea em 1960 Arq. Louis de Soissons 28 O resultado foi Welwyn Garden City, 1919, cujo desenho - da autoria de Louis de Soissons - está muito perto do de Letchworth, mas o desenho dos vários grupos de casas têm uma ênfase arquitectónica mais forte, que reflectem os avanços conceptuais usados em Hampstead. As numerosas experiências de Cidade-Jardim, ou bairros residenciais de baixa densidade, projectados seguindo os modelos de Unwin farão evoluir as experiências de Letchworth, Hampstead e Welwyn.9 Se o modelo de Cidade–Jardim não consegue de facto impor-se, no entanto inspirará muitas ideias em matéria do Urbanismo e de política de ordenamento urbano no século XX. O mérito de Howard foi ter sido o primeiro a compreender que o desenvolvimento urbano da cidade é solidário com o do campo. É certo que o crescimento das cidades prosseguiu, e a descentralização das indústrias, reclamada por Howard, foi feita por si mesma, mas muitos arquitectos urbanistas foram ‘beber’ a Howard como Frank Loyd Wright, com a sua ‘Cidade – Território’. Em 1946, o seu antigo colaborador, Frederic J. Osborn, reeditou a sua obra, actualizando-a. Depois de ter inspirado em 1944 os Planos de Ordenamento da Grande Londres e Manchester, as teorias de Howard são a matriz de onde saíram as cidades novas inglesas, construídas a partir de 1946, e as novas cidades-satélite na Alemanha do Pós Segunda Guerra Mundial.10 Fig. 8 – Perspectiva do centro urbano da Cidade-Jardim de Welwyn 9 Lamas, José, 2004 10 Biermann et al., 2003 29 Fig. 9 – Plano da segunda Cidade-Jardim - Welwyn, 1920 Planeada para 40.000 a 50.000 habitantes, a cidade encontra-se dividida em quatro partes. 1 – Área Habitacional (dois terços da superfície urbana) 2 – Área Comercial 3 – Área Industrial 4 – Caminho-de-ferro 5 – Espaços Verdes e Agrícolas 30 1.3 Críticas à Cidade-Jardim Como é natural, a maioria das críticas à Cidade-Jardim diz mais respeito aos exemplos construídos do que às ideias-base inicialmente expostas por ‘Sir’ Ebenezer Howard, embora esses exemplos se afastem em muitos pontos, do que ele tinha proposto ou apresentem características específicas que são o produto da concepção urbana e arquitectónica dos realizadores locais, de limitações várias de ordem económica e administrativa, e até da evolução sofrida pelo Urbanismo ao longo do século. Há no entanto um certo número de objecções que põe em causa a própria essência do seu pensamento e às quais vale a pena referir. A primeira, muitas vezes repetida, diz respeito às grandes deslocações populacionais derivadas da criação de novas cidades. Alguns críticos, que têm acentuado este problema, afirmam que a grande maioria das populações urbanas prefere viver nos seus bairros congestionados e insalubres a deslocarse para um novo meio, mesmo quando daí resulte melhoria sensível da sua forma de viver. Indivíduos habitando toda a sua vida num dado bairro, próximo dos parentes, num meio físico a que se sentem ligados pelas relações criadas e pelo hábito, mostram repulsa em acompanhar a fábrica, quando esta é deslocada para um outro local, por razões sanitárias ou necessidade de expansão. E, claro está, o que se diz da população de um bairro poderá ser repetido para os habitantes que qualquer outro local. A segunda acusação levantada contra a Cidade-Jardim, e especialmente contra as cidades-satélites de Londres do pós-guerra, refere-se ao que se afirma ser o carácter ‘nãourbano’11 desses exemplos, mais semelhantes a grandes subúrbios do que a verdadeiras cidades, tanto do ponto de vista da concepção arquitectónica e do espaço urbano como da vida social e das actividades culturais e artísticas. 11 As razões dessa ausência de carácter urbano são imputáveis aos baixos índices de ocupação demográfica previstos e à concepção dos urbanistas autores dos projectos. No entanto, não é possível deixar de concluir que a própria essência da Cidade-Jardim, particularmente o limite imposto à sua expansão demográfica conduz a este resultado. De resto, uma das intenções confessadas de Howard ao prever esse limite e a proximidade imediata da cintura verde de protecção consistia em eliminar através do contacto fácil o abismo que se criara entre as formas de viver rural e urbana. Objectivo em si muito discutível, e que hoje se encontra no centro da polémica internacional em torno do destino da cidade. (Revista, «Binário nº63», Agosto de 1958). 31 Ainda outras de menor importância foram proferidas pelo arquitecto e urbanista Graem Shankland, no seu trabalho «A Crise do Urbanismo e o Futuro das Nossas Cidades». “O pensamento dos urbanistas ingleses – afirmou Shankland, continua obcecado pelo fantasma do ‘Sir’ Ebenezer Howard. Seria disparate negar o valor e os êxitos do movimento da Cidade-Jardim em Inglaterra, mas penso que chegou a altura de enterrar o fantasma de ‘Sir’ Ebenezer”. De facto, é que G. Shankland fez, foi justamente negar a validade actual da Cidade-Jardim, pelo menos tal como ela tem sido interpretada. “Antes de se pensar em fundar novas cidades-satélites em Londres dever-se-ia tentar dar vida ao que fica para cá do «green-belt», reanimar os intensos dormitórios sem vida e sem carácter que constituem parte do território de Londres. Como? Perguntar-se-á. Shankland responde: “Por um lado criando aí espaço para novas indústrias, capazes de absorverem uma parte da população local; por outro, projectando novos centros sociais e comerciais, promovendo ao mesmo tempo a construção de edifícios mais altos e o aumento das densidades, de forma a emprestar carácter urbano aos incaracterísticos subúrbios actuais. Prevendo que a larga percentagem da população possa continuar a seguir diariamente para os seus empregos na City”. Acrescenta: “Os engenheiros dos caminhosde- ferro gabam-se de serem capazes de melhorar os transportes de forma a fazer escoar rapidamente as maiores concentrações humanas, mesmo nas horas de ponta. Por que não lhes dar a oportunidade de provar o que afirmam em vez de ir criar tudo de novo em novas cidades”. Apesar disso, Shankland, (que nestes aspectos se aproxima das concepções dos urbanistas de Estocolmo e das antevisões de Victor Fruem) não nega por completo a hipótese de criação de cidades-satélites. No entanto, elas deveriam ser construídas só depois de esgotadas as possibilidades abertas por esta via. Mas, acrescenta logo a seguir, com muito maiores densidades e número de habitantes, ponto em que, pelo que vimos, mais uma vez se afasta do pensamento de Howard e dos seus seguidores. Objecções de tipo diferente, que se podem chamar ideológicas, foram levantadas por um arquitecto italiano, Carpo Dolo, numa monografia sobre Howard publicada numa revista de Urbanismo, com o título já significativo de «Equívoco delia Cittá-Giardino». O seu trabalho apresenta uma primeira parte notável pelo rigor histórico e pela lucidez da crítica sociológica e política à obra de Ebenezer Howard. 32 As críticas tornam-se porém menos aceitáveis quando dizem respeito às deficiências de Letchworth e Wellwyn. Aqui também, a ideia da Cidade-Jardim é confundida com a realização daqueles primeiros exemplos (que o próprio Howard sabia e reconhecia serem imperfeitos e apresentarem graves lacunas). De resto, embora Howard, como Carlo Doglio acentua, tenha recorrido a criação de uma sociedade comercial para a construção de Letchworth, e tenha sido mesmo o presidente da mesma nos primeiros tempos da sua existência, tal não implica que a Cidade-Jardim, em si, tenha que ser o produto de uma iniciativa individual dentro da orgânica capitalista. As novas cidades construídas em Inglaterra desde o fim da guerra, que no seu essencial consubstanciam o ideal da Cidade-Jardim, foram só possíveis pelo apoio prestado pelo governo trabalhista ao empreendimento e pela acção coordenadora e planificadora do estado no plano económico. A verdade, por muitos verificada, é que o planeamento urbano ou regional é sempre difícil de elaborar e mais ainda de cumprir, nos países de economia liberal tipo clássico. A este respeito a Cidade-Jardim não é excepção mesmo que o próprio Howard não tenha tomado consciência do facto. De entre as muitas críticas às novas-cidades surgidas em Inglaterra, são particularmente de registar as de J.M. Richards. No seu trabalho intitulado «Failure of the New Towns», (1953), (A Falência das Novas Cidades), Richards analisa o trabalho realizado até aquela data e o interpretava dos pontos de vista social, económico e arquitectónico. Transcrevo o parágrafo inicial e um outro em que fala de um velho equívoco ligado à Cidade-Jardim; “É um momento triste aquele em que se é obrigado a reconhecer o fracasso das novas cidades. Mas alguém deve candidamente fazê-lo e os políticos estão impedidos por sentimentos de lealdade para com os administradores que as iniciaram e as mantêm e os arquitectos e urbanistas pela lealdade a uma ideia a que não querem dar a impressão de virar as costas por mais lamentável que seja a forma como está sendo posta em prática na Inglaterra do pós-guerra.” “A batalha contra a desintegração da cidade não é nova. Esse foi um dos grandes motivos de discussão de antes da guerra entre os muitos entusiastas da Cidade-Jardim de um lado e os arquitectos modernos de outro. Os argumentos apresentados então eram muitas vezes confusos porque os primeiros, sem justificação, identificavam a ideia da Cidade-Jardim com a de uma baixa ocupação do terreno (Ebenezer Howard nunca exigiu doze casas por acre) e os últimos deixaram-se arrastar numa batalha irreal de ‘cottages’ contra blocos de habitação colectiva, dando assim aos fanáticos da Cidade-Jardim o presente da lealdade da maioria dos ingleses que estão pegados à ideia da moradia unifamiliar com o seu pedaço de jardim”. 33 Gordon Cullen, no seu artigo publicado a revista «Review», (1953), também crítica a Cidade-Jardim, sobre os aspectos sociais, paisagísticos e de arte urbana das novas cidades, onde segundo G. Cullen afirmava, reinaria o ‘culto do isolamento’. A esse artigo pertencem as figuras abaixo indicadas, que serviam para G. Cullen para exemplificar a falta de carácter urbano, monotonia e frustração de vida social nas novas cidades12. Fig. 10 - Imagem de uma cidade projectada segundo os parâmetros de uma Cidade-Jardim 12 Revista, «Binário nº63», Agosto de 1958 34 CAPÍTULO 2 O Movimento Moderno No início do século XX, os modelos orgânicos das cidades e a Cidade-Jardim começaram a ser questionados. Os Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna (CIAM) e a Carta de Atenas, redigida em 1933, desenvolveram um modelo de cidade totalmente diferente. Tirando proveito dos avanços tecnológicos na área da construção civil, as cidades passaram a ser construídas por conjuntos de edifícios altos rodeados de espaço público e zonas verdes. A mobilidade seria assegurada por um conjunto de enormes avenidas. Emerge uma cidade funcional, segregando-se os diversos usos do solo através do seu zonamento segundo quatro princípios: habitar, trabalhar, lazer e circulação. As habitações pretendiam-se bem ensolaradas, pelo que a sua localização e orientação dos edifícios deveria ser de modo a maximizar a exposição solar de modo a evitar ensombramentos. 2.1 Os Primeiros CIAM A instituição dos CIAM, foi o princípio de um diálogo académico internacional sobre a Arquitectura e o Urbanismo da época. Desencadeado pela suíça Hélène de Mandrot, com Le Corbusier e Siegfrid Giedion. O primeiro CIAM foi no castelo, em La Sarraz, perto de Lausana, estando presentes Gropius, Le Corbusier entre outros. (fig.11) Juntos, esses arquitectos do Movimento Moderno fizeram uma declaração, acentuando que a construção continuava a estar mais ligada aos assuntos económicos e políticos do que às fórmulas arquitectónicas históricas. Citam-se algumas das suas afirmações: “A ideia de Arquitectura moderna inclui o elo entre o fenómeno da Arquitectura e o sistema económico geral (…) o método mais eficaz de produzir é o que brota da racionalização e estandardização (…) manifestado na redução de certas necessidades 35 individuais, para fomentar a satisfação máxima das necessidades do maior número de pessoas…” A Declaração de La Sarraz também revelou uma atitude radical para com o planeamento urbano clamando por “uma ordem funcional, onde a redistribuição da terra é a base indispensável preliminar para qualquer planeamento urbano.” (La Sarraz Declaration, CIAM, 1928). Cada Congresso seguinte fulcrava-se em questões específicas e, subsequentemente, publicava um documento que registava as suas preocupações – um conjunto de livros que constituiu um rico recurso para os alunos de Arquitectura da primeira metade do século XX. Os primeiros CIAM foram dominados pelos arquitectos da «Neue Sachlichkeit» e, depois, pelos franceses, com Le Corbusier, como figura principal. As preocupações sociais da Arquitectura, Urbanismo e alojamento, impuseram-se nos Congressos, até 1947. O CIAM II, em Frankfurt, foi convocado em 1929 e centrou-se no problema da habitação e padrões de vida mínimos, enquanto o terceiro congresso, 1930, em Bruxelas, estudou os ambientes de prédios médios e altos. Também escolheu um grupo de holandeses para instituir uma série de modelos internacionais que governassem as técnicas gráficas empregadas pelos urbanistas – tarefa essa só totalmente acabada em 1949. Este Congresso foi onde se aplicaram as doutrinas mais radicais e fundamentalistas. A pressão socialista estava presente nos princípios destes CIAM: máxima rentabilidade com máximo de eficácia e o mínimo de custos. O CIAM IV, 1933 dedicou-se ao tema ‘A Cidade Funcional’ e originou o documento, a Carta de Atenas. Após o CIAM V, 1937, em Paris, a Segunda Guerra Mundial interrompeu a sucessão dos CIAM até 1947, quando houve mudanças perceptíveis nas preocupações e atitudes dos seus membros.13 13 Hansan, Uddin, 1999 36 Fig. 11 – Foto do primeiro CIAM, 1928 37 2.1.1 A Dissolução dos CIAM A Segunda Guerra Mundial interrompeu a sequência dos CIAM, terminando a primeira fase da sua existência. O primeiro encontro após a Segunda Guerra Mundial, o CIAM, foi em Bridgewater, Inglaterra, em 1947, é marcado por mudanças perceptíveis nas preocupações e atitudes dos membros. O materialismo prático, que havia caracterizado aqueles encontros, foi muitas vezes suplantado por um idealismo mais liberal. O Congresso também reviu o trabalho dos seus membros desde o CIAM V: as actas foram publicadas por Siegfried Giedion como «A Decade of New Architecture». O CIAM IV ficou marcado pela comparência dos seus maiores protagonistas, como é o caso de Le Corbusier. Após o CIAM VII, em Bérgamo, Itália, em 1949, a Inglaterra voltou a ser a anfitriã do Congresso seguinte. O CIAM VIII, deu-se em Hoddeston, Inglaterra, por reconhecimento do Festival of Britain, de 1951. Apesar da viva discussão sobre a Arquitectura e a cidade, o Congresso foi considerado malogro, na generalidade, pelos seus membros mais jovens, o que levou a uma divisão, patente no Congresso seguinte. Embora o CIAM IX, 1954, realizado em Aix-en-Provence, França, fosse ostensivamente sobre o tema ‘Habitat’, revelou-se como uma homenagem a Le Corbusier e à inauguração da sua «Unité d’Habitation», em Marselha. Também rompeu com as generalizações da Carta de Atenas, que lhe tinha dominado o pensamento durante anos. Os membros mais novos encarregaram-se de revigorar a filosofia dos CIAM e de preparar o próximo. Esses membros mais jovens vieram a ser conhecidos por Team X. Consideraram o formalismo da geração mais velha como simplista e desatento às realidades sociais e condições urbanas do pós-guerra, e discutiam-se as mudanças que se estavam a dar no mundo. Desafiaram os aspectos mecânicos da ordem com a ‘existência de um novo espírito’. O Team X também protestava contra a fraqueza do modernismo e a falta de delicadeza pelo contexto na construção, questionando todo o conceito de internacionalismo com pose arquitectónica adequada. As críticas do Team X foram encabeçadas por Alison e Peter Smithson, além de Reyner Banham. No CIAM X, em Dubrovnik, 1956, os membros mais novos, mais preocupados com o pluralismo e com o questionamento de ideias utópicas, afirmaram-se ainda com mais vigor, e as concepções do Team X começaram a dominar. 38 No fim do 10º Congresso, o Team X, que incluía Joseph Bakema, George Candilis, Peter e Alison Smithson, Aldo van Eyck e Louis Kahn, foi chamado a humanizar a Arquitectura moderna, o que implicava um certo sentido de fim de uma época. Um Congresso seguinte, o CIAM XI, realizou-se em Otterlo, Países-Baixos, em 1959. A divisão ocorrida em Dubrovnik, entre os membros mais velhos e mais jovens, acentuouse, e, pela primeira vez na história dos CIAM, as actas foram desejáveis e houve um grande sentido de perda. Os Smithsons e outros pediram o fim da organização, e vários membros mais velhos saíram antes do fim do Congresso. Outros ainda, como Kenzo Tange, acharam que poderia haver reconciliação e que os CIAM eram capazes de continuar utilmente. De facto, após trinta anos de actividade internacional, não houve mais CIAM. Entre 1930-1934 e 1950-1955, não obstante, os CIAM eram as organizações mais importantes através das quais se comunicavam internacionalmente ideias sobre a Arquitectura e o Urbanismo Moderno que serviram para manter uma rede internacional de arquitectos progressistas.14 2.2 A Carta de Atenas A Carta de Atenas, divulgada quase oito anos após ser redigida, constitui uma síntese das posições dos CIAM sobre a organização e planeamento das cidades. A Carta resultou do trabalho desenvolvido nos oito dias do IV Congresso dos CIAM, em 1933, a bordo de um navio, navegando pelo Mediterrâneo entre Marselha e Atenas, dedicou-se ao tema ‘A Cidade Funcional’ e originou o documento mais mal aplicado que saiu de um CIAM, contudo este congresso foi sem dúvida o mais significativo do ponto de vista urbanístico. A Carta críticava a sociedade contemporânea por não satisfazer as necessidades biológicas, ou psicológicas, dos habitantes citadinos e pela ‘proliferação’ dos interesses particulares, clamando por uma atitude colectiva e pela reorganização do planeamento a uma ‘escala humana’, considerando a unidade de habitação como o elemento básico. 14 Hansan, Uddin, 1999 39 Também sublinhava a necessidade de se usarem os ‘recursos do moderno progresso tecnológico’. Tornada pública só em 1941, por iniciativa de Le Corbusier, que redige o texto final e terá sido o seu principal mentor, a Carta evidência a coincidência de posições e identificação da sua obra com os CIAM. A morfologia contida nas propostas da Carta, vai ter uma forte influência na produção teórica e nas realizações do pós-guerra de 1945 até finais dos anos sessenta. A Carta de Atenas define como elementos do Urbanismo Moderno, o sol, o verde, e o espaço, e através da organização das diferentes funções, que seriam independentes entre si, originaram a organização da Cidade Moderna. As quatro funções; trabalhar, habitar, circular e lazer, são os conceitos chave do Urbanismo Moderno. Estas engendraram áreas específicas, isto é, cada área terá uma função específica. A área residencial ocupa o lugar de destaque no desenho urbano, enquanto que a circulação deverá organizar a cidade. O objectivo será circular rapidamente em vias que fazem a separação entre o veículo e o peão. Tal facto/objectivo conduz à formação da cidade funcionalista, onde as diferentes funções estão organizadas em lugares distintos. Cria-se assim uma cidade homogénea em oposição à cidade tradicional onde existe uma mistura funcional. Exemplos mais paradigmáticos são Brasília e Chandigarh. (fig.12). A necessidade de circular rapidamente provocou estragos irreparáveis nas cidades, pela destruição de bairros e tecidos sociais, lançando vias e nós desnivelados, alargando ruas, destruindo edifícios, etc. O funcionalismo conduziria ao absurdo de que em cada edifício existia apenas uma função, originando tipologias construtivas bem distintas, determinadas pelos programas; prédios de habitação, centro comercial, prédios de escritórios, etc.15 15 Revista “Binário nº20”, Março de1948 40 Fig. 12 – Plano Chandigarh, por Le Corbusier A numeração de (1 a 38) indica as diferentes áreas do plano; a cheio encontram-se os edifícios públicos e a tracejado os espaços verdes. 41 Nos princípios da década de vinte, Le Corbusier concebeu a possibilidade de criar uma Cidade Moderna totalmente inovadora, cidade que chamou de «Ville Contemporaine»16 (Cidade Contemporânea). A cidade contemporânea era uma cidade capitalista constituída por arranha-céus, inseridos num grande parque, com um centro administrativo, rodeado por espaços verdes para oferecer deste modo, espaços de lazer para os trabalhadores. A «Ville Radieuse»17 (Cidade Radiosa) e a «Unité d’Habitation»18 (Unidade de Habitação), foram modelos que influenciaram o pós-guerra até aos anos setenta, até em realizações britânicas como Alton Estate, West London, Shefied, Park Hill ou Golden Lake, este último de Alison e Peter Smithson. (fig.13) 16 Cidade Contemporânea é o primeiro plano de Le Corbusier, data de 1922. Plano de uma cidade planeada para três milhões da habitantes, estudava fundamentalmente o centro de uma grande cidade, com edifícios públicos, escritórios e habitações. Apresentava então três modelos tipológicos e construtivos de novos edifícios: a grande construção de escritórios, a habitação em «redents» (denteada) e a habitação em «immeubles villas» (edifíciospalácios) com grandes jardins suspensos. Seria envolvida por uma faixa de verde a partir da qual se situariam as ‘Cidades-Jardim’ que alojavam grande parte da população. As vias de comunicação organizavam-se em três níveis hierarquizados. (Lamas, José, 2004) 17 Nome de batalha que Le Corbusier encontra para a sua Cidade Moderna. Esta é mostrada em 1930, no III Congresso dos CIAM, em Bruxelas, continha já os princípios doutrinais da organização urbana de Le Corbusier. Uma cidade verde com forte percentagem de solo livre; grandes construções; edifícios dispostos em função do eixo heliotérmico e monofuncionais; unidades de habitação que incluíam os equipamentos elementares. O projecto completo é realizado entre 1929 e 1930, surge como proposta crítica de um modelo de confronto com a cidade real existente. Em 1935, Le Corbusier publica o livro com o mesmo título, «La Ville Radieuse», onde a fórmula urbanística é apresentada em sugestivos desenhos e que reúne também os seus planos e propostas realizadas anteriormente e nunca aceites. (Lamas, José, 2004) 18 As «Unités d'Habitation» são grandes edifícios modulares projectados por Le Corbusier. A primeira unidade implantada e a mais famosa delas, foi a da cidade de Marselha, elaborada entre 1947 e 1953. O projecto também ficou conhecido pelo termo «La Ville Radieuse», visto procurar recuperar num edifício monumental a dinâmica da vida urbana. O termo significa literalmente unidade de habitação, mas o projecto é reconhecido internacionalmente pelo termo em francês. O conceito de unidade de habitação foi adaptado posteriormente em diversos outros projectos de carácter modernista por arquitectos em todo o mundo. Por esse motivo, o projecto original costuma ser referido pelo nome original. Os edifícios configuram-se em geral como lâminas com mais de cem metros de comprimento e por volta de trinta metros de largura, com quinze pisos e cinquenta e cinco metros de altura. O projecto de Marselha possuí 337 apartamentos (ou ‘células’). O projecto traduz os elementos fundamentais da arquitetura moderna expostos anteriormente por Le Corbusier; está construído sobre pilotis, possui planta livre, terraço-jardim (contendo creche, solário e piscinas na cobertura), fachada livre, e é essencialmente horizontal. Neste projecto Le Corbusier aplica os seus estudos sobre as proporções humanas: utiliza pela primeira vez o Modulor (um sistema de relações métricas baseados na distância dos membros do corpo humano de um indivíduo ‘universal’), estabelecendo todas as medidas importantes de projecto como múltiplos das medidas estabelecidas pelo Modulor. A cada certa quantidade de andares, foram previstas ‘ruas aéreas’, corredores nos quais estavam previstos estabelecimentos comerciais. Esta determinação tem a ver com a ideia de uma cidade utópica na qual a Natureza está preservada e as necessidades tradicionais das cidades estão concentradas em alguns poucos edifícios. O terceiro e quarto pisos do edifício de Marselha, por exemplo, estão ocupados por um hotel com restaurante, uma livraria e escritórios, enquanto o terraço comporta um ginásio, uma escola infantil e creche - em funcionamento ainda hoje. (http://www.wikipedia.com) 42 Fig. 13 – Esquiços de Le Corbusier 1 – A Cidade Radiosa – Esboço mostrando os blocos construídos em amplas zonas verdes 2 - A Unidade de Habitação de Marselha - Perspectiva/corte explicativo 3 – A «Rue Corridor» 43 Edward, Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987), descreve os princípios fulcrais destes grandes planos. O sonho de Le Corbusier era o de um grande desenvolvimento à escala regional, que consistiria numa cidade central para 500 000 pessoas sem família, rodeada por uma cintura verde, depois algumas ‘Cidades-Jardim’ mais pequenas (o emprego do termo por ela não parece dever nada a Howard) para as famílias. O total da população seria de três milhões de habitantes. Esta proposta não tinha nada de pitoresco ou de pequena escala. Tudo o que era antigo devia desaparecer e ser substituído por arranha-céus de sessenta pisos para escritórios e apartamentos, blocos de apartamentos e auto-estradas largas. No coração, entre os arranha-céus, haveria uma enorme rede de transportes, com estradas, caminhos-de-ferro e um aeroporto! Le Corbusier enumerou os objectivos da Cidade Radiosa. Eram: • descongestionar os centros das cidades; • aumentar a densidade populacional dos centros das cidades, construindo em altura, até 1200 pessoas por hectare, contra apenas 300 por hectare no centro de Paris; • melhorar a circulação de tráfego, substituindo as estradas estreitas por largas vias de comunicação. As estradas, declarou, devem ser uma máquina de tráfego; • aumentar os espaços abertos; os apartamentos altos exigiriam apenas cerca de 5% de cobertura, contra os 90% no centro de Paris; • oferecer uma variedade de vistas e perspectivas; • beneficiar das unidades de edifícios produzidos em massa. Isto era um sonho magnífico. Era também um sonho absoluto e totalitário. É, por vezes, considerado a fonte dos ordenamentos das paisagens modernas de edifícios de apartamentos dispostos regularmente em filas. (figs.14,20). Le Corbusier chega a propor praticamente o mesmo esquema para Chandigarh, para o Rio de Janeiro, para Argel, e o plano para a reconstrução de Saint Dié, não é mais do que uma reprodução em pequena escala do «Plan Voisin»19 de Paris dos anos vinte. (figs.15,16) 19 O «Plan Voisin» para Paris é executado por Le Corbusier com a colaboração de Pierre Jeanneret e é apresentado em 1925 na Exposição Internacional de Artes Decorativas. Financiado pelo industrial construtor de automóveis VOISIN, que emprestou o nome ao plano mostrando o seu interesse em reconverter a sua capacidade industrial na construção civil. (Lamas, José, 2004) 44 Fig. 14 – Le Corbusier: «La Ville Radieuse», 1935 Esquema da planta geral, pormenorizando o centro, vistas do eixo central e da zona residencial. 45 Fig. 15 – Le Corbusier: «Plan Voisin» Maqueta Fig. 16 - Le Corbusier: «Plan Voisin», Paris (1922-1929) À esquerda, o projecto em relação à estrutura urbana existente. À direita, o projecto no contexto da cidade. 46 A consequência da utilização destes planos e da «Unité d’ Habitation», é a abolição da rua tradicional, o quarteirão é suprimido, sendo substituído pela ‘unidade de habitação’ – contraponto arquitectónico da ‘unidade de vizinhança’. A construção em altura é preconizada pela maior parte dos urbanistas, substituindo-se os velhos imóveis baixos por um número mais reduzido de unidades, ou ‘pseudo-cidades verticais’.20 Como diria Munford, (1982) estas grandes construções em altura não eram mais do que um conceito renovado da ‘Cidade-Jardim’ de Ebenezer Howard que agora uma ‘CidadeJardim-Vertical’.21 (fig.17) Fig. 17 – Esquema/Esquiço de uma Unidade Habitacional por Le Corbusier Os edifícios da Cidade Radiosa ou «La Ville Radiouse». Cada um está directamente ligado ao verde e ao céu. As vias de circulação de tráfego automóvel estão elevadas para não perturbarem a circulação pedonal. 20 Lamas, José, 2004 21 Rainha, Paula, 2008 47 A Cidade Moderna é contra a morfologia da Cidade Tradicional, o quarteirão e a rua são os alvos principais, na medida que constituem a sua expressão essencial. Como se demonstrou, é por via da pesquisa habitacional que os urbanistas modernos concluíram a necessidade de abandonar por completo o quarteirão e a rua.22 Fig. 18 – Proposta/ Esquiço de Le Corbusier, 1915 Separação coerente entre o tráfego rodoviário e o de peões. Os edifícios repousam sobre pilares. A nível inferior dispuseram-se as canalizações de água, esgotos e gás. Uma antiga ideia de Le Corbusier, ainda hoje utilizada. No «Pan Voisin» (1925) para o centro de Paris, Le Corbusier resolve os problemas de congestionamento através de um método simples: demolir tudo o que era velho e construir um misto de filas de apartamentos baixos e torres de sessenta pisos, em filas ordenadas. Com isto acaba com a cidade antiga e as suas pré-existências, conserva apenas os edifícios históricos, como por exemplo, La Saint Chapelle, Notre Dame Les Invalides, que ficarão isolados e envolvidos por zonas verdes e admirados como objectos autónomos. (figs.15,16) As ideias de Le Corbusier foram adaptadas pelos CIAM, uma espécie de clube de influentes arquitectos autodidactas, do qual Le Corbusier foi um elemento chave. Numa declaração de princípios adoptada em 1933, os CIAM proclamaram que “…a habitação deveria consistir em blocos de apartamentos altos, com espaços amplos, que haveriam de libertar as superfícies de terreno necessárias para recreação e objectivos comunitários e de parqueamento…”23 22 Lamas, José, 2004 23 Relph, Edward, 1987 48 Esta concepção foi subsequentemente aproveitada em outras cidades da Europa, incluindo as habitações sociais em Roehampton perto de Londres nos finais dos anos quarenta. Mas existem outras fontes para a paisagem de blocos de apartamentos já nos anos noventa do século XIX tanto William Moris com o Montgomery Schuyler tinham especulado sobre a possibilidade de futuros blocos de apartamentos com grandes espaços a separá-los para permitir a circulação de ar e a penetração de luz. Nos anos vinte, os urbanistas da escola de design alemã, Bauhaus tinham articulado princípios precisos de planeamento para os projectos de edifícios de apartamentos. A cidade ideal de Frank Lloyd Wright, que ele dominou como «Broadacre», pode ter sido concebida como contraponto à Cidade Radiosa. Le Corbusier não pode ser considerado como fonte exclusiva desta paisagem moderna, embora tenha sido indubitavelmente o seu mais directo defensor. 2.2.1 Críticas à Carta de Atenas A Carta de Atenas surgiu como um documento cujos preceitos pareciam ser a resposta rápida e eficaz aos problemas prementes com que então se deparava a cidade, como o fora o modelo da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard, nos finais do século XIX. Assim preconizava a teoria, mas assim não foi a prática. Nos anos sessenta surgiram as primeiras críticas e protestos à prática e teoria dos princípios paradigmáticos da Carta de Atenas. O funcionalismo como nota dominante dos urbanistas da Cidade Moderna parecia não funcionar, traduzido pelo descontentamento dos moradores, e manifestado na falta de conforto físico, ambiental e ironicamente até funcional. A Arquitectura corria o risco da descontextualização, do desrespeito pela morfologia do terreno e pelo desprezo total pelas culturas locais onde se inseria: a apologia do funcional, do zonamento e do edifício isolado dominavam a praxis do Urbanismo. O espaço urbano era o espaço que restava após a implantação do edificado. Não se fizeram esperar por muito tempo reacções críticas, que viriam a ser vitais para a teorização sobre o planeamento e Urbanismo, em geral, e do desenho urbano, em particular. Como Reyner Bahan observou, cerca de trinta anos depois a insistência da carta num zonamento funcional rígido, cinturas verdes e um só tipo de alojamento urbano de alta 49 densidade foi, realmente, apenas a declaração de uma preferência estética e intelectual. Contudo, foi o peso originado pelas suas conclusões, que a carta teve um efeito negativo ao paralisar a investigação sobre outras formas de alojamento. Ao mesmo tempo, estabeleceu o planeamento urbano numa fórmula muito simples, concisa e, discutivelmente mal concebida. Os conceitos e métodos de planeamento urbano que foram desenvolvidos nas primeiras décadas do século XX, têm tido um impacto considerável na paisagem urbana moderna, embora não seja o impacto que os primeiros urbanistas desejavam. As suas características podem observar-se nas zonas de utilização de terrenos claramente segregados, nos planos de vizinhança, mas os seus ideais e desejos de reforma social e de reconstrução urbana tiveram resultados pouco expressivos. A Cidade-Jardim, o Principio de Radburn24 da separação de automóveis e peões, a Cidade Radiosa com os arranha-céus em espaços verdes, a cidade descentralizada, foram todos realizados na melhor das hipóteses em formas alteradas e limitadas. O que aconteceu é que estas ideias de cidade transformaram-se em modelos de planeamento de zonificação25 e de unidades de vizinhança, modificadas e adaptadas às exigências políticas. Uma vez enraizadas como hábitos de pensamento, não eram fáceis de afastar ou transcender, e foi nestas formas simplificadas que foram incorporadas nas práticas do planeamento oficiais depois da Segunda Guerra Mundial. Se se olhar para trás e na perspectiva das paisagens, parece de facto que o planeamento urbano moderno se transformou menos num movimento de reforma social do que num meio de tentar que as cidades funcionem tão bem e eficazmente como uma fábrica. Contudo seria abusivo atribuir aos CIAM e à Carta de Atenas a total responsabilidade pelos desastres urbanísticos nos últimos cinquenta anos, muito embora se possam estabelecer algumas consequências negativas: as conclusões do alojamento mínimo conduziram em 24 Princípio de Radburn. O plano de Clarense Stein de 1928, para Radburn, Nova Jérsia, baseava-se na transformação das unidades de vizinhança em ‘super-blocos’, essencialmente um parque rodeado de casas, estas viradas para o parque e as traseiras voltadas para becos ou «culs-de-sac». Deste modo o tráfego de peões e veículos estava separado. Radburn foi concebida para fazer face ao número crescente de automobilistas e à terrível percentagem de acidentes de peões e automóveis que se verificou nos anos vinte. Este principio tem sido largamente utilizado em projectos de planeamento europeus e, em menor escala, na América do Norte. (Relph, Edward, 1987). 25 Entende-se por cidade zonificada como uma estrutura urbana composta por sectores bem diferenciados, com um grande centro comercial e cultural centralizado, além de outros secundários para cada sector. Existe um aproveitamento ordenado das superfícies destinadas a zonas residenciais, de trabalho, de lazer, de cultura, de tráfego, etc., o que quer dizer traçar planos adequados para cada uma delas. (Hans, Mausbach, 1974). 50 muitos países aos piores regulamentos e realizações de habitação social, a utilização indiscriminada das formas urbanas racionalistas e dos edifícios altos e espaçados influenciaram numerosos conjuntos habitacionais sem vida, desprovidos de espaço e de identidade, a organização da cidade em áreas funcionalmente especializadas provocou a perda de residência nas áreas centrais e perda de outras funções nas áreas habitacionais, retirando-lhes a vida e animação.26 26 Relph, Edward, 1987 51 Fig. 19 – «La Ville Radieuse», Le Corbusier. (Tinta e aguarela, 1930) A visão que Le Corbusier tinha de uma sociedade ideal, a «La Ville Radieuse» revela a preocupação com a simetria, geometria e divisão de funções por zonas, com rodovias bem definidas, edifícios e terrenos arborizados. A natureza idílica dos desenhos sobre a ‘cidade no meio do parque’ e os textos sobre a boa vida ao ar livre e ao sol, no seu livro «La Ville Radieuse» (1935), nunca se realizaram, mas influenciaram a Arquitectura e o planeamento do século. 52 CAPÍTULO III DO PÓS-MODERNISMO À NOVA CARTA DE ATENAS 3.1 Os Anos 60 e 70 – Pós-Guerra Segundo Edward Relph, (1987), o Pós-Modernismo surge como crítica ao Movimento Moderno e como uma necessidade de reconstrução das cidades após a Segunda Guerra Mundial. Antes da Segunda Guerra Mundial o planeamento urbano era pouco mais do que uma preocupação estética da cidade imaginada por um grupo de idealistas. Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial passou para primeiro plano. Se até à Segunda Guerra Mundial coexistiam na Europa a urbanística formal com as experiências modernas, a partir dos anos cinquenta a situação altera-se. Numerosas cidades encontram-se destruídas, a falta de habitação crescera consideravelmente, as populações sofrem grandes êxodos e a Europa arrasada necessitava de grandes investimentos na reconstrução, consignados em programas como o Plano de Marshall.27 Era necessário reconstruir as cidades, construir novos bairros, novas expansões e novas cidades numa escala e ritmos anteriormente desconhecidos. A reconstrução era urgente, aos urbanistas restavam poucas hipóteses, a não ser adoptar um reportório limitado de ideias e procedimentos quase todos concebidos antes da guerra. Incluiu a zonificação da utilização do solo, unidades de vizinhança, traçado ao estilo da Bauhaus para a habitação social e na Europa uma ideia nova, o recinto de livre-trânsito para peões. Entre 1945 e 1960 foram construídas diversas áreas residenciais onde predominavam os edifícios em blocos de apartamentos e filas de casas dispostas em linha recta. As suas formas não eram novas, mas nunca tinham sido aplicadas a esta escala, inventadas pelos urbanistas da Bauhaus e por Le Corbusier nos finais dos anos vinte e 27 O Plano de Marshall, é um aprofundamento da Doutrina de Truman, conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário dos E.U.A. George Marshall, em 1947. Programa Norte Americano, destinado a recuperar as economias dos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial. O objectivo dos Estados Unidos era criar condições às nações europeias para o estabelecimento da democracia (travando assim o avanço para Ocidente da influência Soviética) e tornar dependentes dos Estados Unidos as economias da Europa. Para coordenar a implementação do programa foi criada a Organização Europeia de Cooperação Económica. (http://www.wikipedia.com) 53 princípios dos anos trinta. Surgem agora com algumas modificações e tornam-se no modelo para a habitação social. Frequentemente consistiam em longas filas paralelas de apartamentos de três ou quatro pisos sem elevador, intercalados com blocos geminados e blocos isolados até vinte pisos, os blocos estavam propositadamente dispostos em ziguezague ou desalinhados. Associadas à sua disposição em fila e blocos aparecem algumas ideias de Le Corbusier nomeadamente, as vantagens da luz solar, do ar e dos espaços livres. Estes modelos parecem ser efectivamente ser os precursores da cidade do futuro de Le Corbusier. Os modelos da Cidade-Jardim e da Cidade-Radiosa, embora com profundas diferenças ao nível morfológico, tinham em comum a libertação de amplos espaços para usufruto público. No início da década de sessenta surgiram as primeiras críticas contra estes modelos. As posições de então resumem-se à recusa da cidade tradicional, ao diagnóstico e enumeração dos seus males, à análise dos problemas de alguns bairros como Sarcelles e à denúncia da pobreza formal e social das produções urbanísticas recentes. (fig.20) A detecção dos males e as analogias médicas para a cidade estavam muito em voga, as cidades tinham doenças e cabia aos urbanistas curá-las, eliminando as partes infectadas. “…para a comunidade ser saudável, para não voltar a ser novamente infectada e miserável, como que possuída por uma doença congénita, a área terá de ser plantada no seu todo, era importante projectar de novo toda a área, de forma a eliminar as condições que dão origem aos bairros da lata…” (Futterman, 1961, p.121). 54 Fig. 20 – Sarcelles. Grand ensemble da região de Paris. Vista do décimo quinto andar de uma torre, 1966. Grand ensemble de 10 000 alojamentos construído no final dos anos cinquenta. O termo «sarcellite» viria a ser consagrado para descrever o fenómeno da monotonia dos “grandes conjuntos”, a banalidade da sua Arquitectura, falta de serviços, lojas e empregos e os inúmeros problemas sociais como a prostituição, a criminalidade juvenil, etc. 55 Surgem vários autores que tiveram uma palavra activa na crítica à Cidade Moderna, particularmente Jane Jacobs. No seu livro «The Death and Life of Great American Cities», (1961), (A Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas) acusou de destruírem tudo o que era vital para a vida urbana em vez de resolver, de uma vez por todas os problemas dos bairros pobres e da decadência urbana tinham, declara Jacobs, desenraizado comunidades, dispensando-as em qualquer habitação barata disponível algures, (desse modo, fazendo alastrar as ‘infecções’ da pobreza e da doença, em vez de as curar) e tinham criado os seus próprios problemas sociais, de desafecto, violência e vandalismo. Não só crítica as qualidades da vida humana das cidades, como também a qualidade espacial, Jacobs parecia repropor o modelo das antigas aldeias italianas, contesta os princípios da Carta de Atenas e crítica as tão paradigmáticas Cidades-Jardins, a quem lhes chamou de ‘Cidade-Jardim-Radieuse’: “…ele (Le Corbusier) propôs ruas subterrâneas para veículos pesados, e claro, como os urbanistas das Cidades-Jardins, manteve os peões fora das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como um brinquedo mecânico maravilhoso (…) mas, no tocante ao funcionalismo da cidade, a Cidade-Jardim só diz falsidades.” A necessidade principal das grandes cidades residiria assim na mistura de funções. Na rua, no bairro, na cidade, na metrópole ou na região, a integração de várias funções é de maior importância na estabilização do organismo social e económico. Jacobs pede a volta da ordem da cidade pela valorização da rua. Pierre Francastel é um dos pioneiros que, já em 1956, combate contra o Urbanismo Moderno ao crítiicar a obra de Le Corbusier: “O universo de Le Corbusier é um universo concentracionário. No seu melhor será um ghetto, ninguém tem o direito de construir à força da felicidade do seu vizinho. Isso chama-se Inquisição…um conjunto de células forma uma unidade de habitação, várias unidades de habitação formam uma cidade, várias cidades, um mundo. Cada um tem o seu lugar e aí fica assignado e todos são felizes….no fundo de todas as construções lógicas, o que triunfa não é de modo algum a ordem natural, é o sistema militar, a caserna forma privilegiada da vida comunitária que supõe o abandono da alma entre as mãos daqueles que estão encarregados da ordem colectiva das sãs distracções e da vida ao ar livre. A caserna, os claustros, os campos, as prisões, os falanstérios…Le Corbusier pertence à estirpe dos que, através dos tempos, quiseram fazer a felicidade dos outros, mesmo quando à custa da sua liberdade…” (Francastel, 1956, p.34). 56 Francoise Choay também tem uma voz crítica sobre o trabalho de Le Corbusier: “Evidenciou-se a falácia de se assumir um modelo de Homem Universal e reduzir a vida urbana a quatro variáveis: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e espírito. Que os seres humanos não são máquinas de comportamento moldável e totalmente previsível foi comprovado a duras penas pela população usuária das intervenções modernas. Os urbanistas inspiravam-se em visões simplistas do urbano, colhendo os paradigmas de Le Corbusier, da Cité Contemporaine e Ville Radieuse”. (Choay, 1992, p. 20) A crítica ao Movimento Moderno exerce-se também sobre as realizações recémconstituídas, referenciando e elogiando as cidades antigas, agora os novos urbanistas tentam reinventar e imaginar espaços e formas que contivessem o equivalente das qualidades e atributos dos espaços tradicionais. Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987), descreve que muitos edifícios construídos após a guerra começavam agora a emergir problemas, tecnicamente, os edifícios consumiam muita energia, as coberturas planas deixavam passar água, os elevadores avariavam-se constantemente. Muitos edifícios tinham sido construídos com elementos pré-fabricados e deixavam passar água através das suas junções, e também tinham problemas de humidade, bolor e parasitas. Em 1968, um bloco isolado de habitações construído com secções pré-fabricadas, Ronan Point, em Londres ruiu parcialmente como um baralho de cartas, após uma explosão de gás num dos apartamentos e isto deu origem a críticas generalizadas contra os blocos altos de apartamentos. Em 1972 o projecto de renovação de habitação social de Pruitt-Igoe, em St. Louis, nos Estados Unidos, foi parcialmente demolido. Este tinha sido concebido pelo bem conhecido arquitecto Minoru Yamasaki foi construído em meados da década de cinquenta e tinha ganho um prémio de projecto do Instituto Americano de Arquitectos, em menos de vinte anos tinhase revelado praticamente insuportável lá viver. (fig. 21) Segundo Charles Jencks no seu livro «El Lenguage de la Arquitectura Pós-Moderna – La Muerte de La Arquitectura Moderna», (1981), escreve que a morte da Arquitectura e do Urbanismo Moderno deu-se com a demolição do bairro, citando “…o desenho do bairro é responsável pelos problemas sociais e morais da sua população...” Outra série de acontecimentos iria evidênciar, nos anos sessenta, a necessidade de estratégicas diferentes para o desenho da cidade: a crítica multidisciplinar contra a construção em altura; a realização de conjuntos habitacionais de baixa altura e finalmente, a constatação da impossibilidade de se organizar a cidade como objecto finito. 57 A crítica à construção em altura evidenciou diversos inconvenientes, desde a segurança aos prejuízos psicológicos e sociais da população, nomeadamente na formação intelectual das crianças que habitavam longe do solo. Por outro lado os edifícios excessivamente altos introduziam nas cidades e nas paisagens transformações nem sempre desejáveis. De facto é no início dos anos sessenta que a Urbanística Moderna, já gravemente ferida, começa a ‘morrer’. Contudo surge na mesma década um importante movimento provindo da investigação italiana nas escolas de Milão e Veneza envolvidas com o movimento que se chamaria de «La Tendenza», cujo pai é Giafranco Caniggia, destacam-se também outros arquitectos como Aldo Rossi, Aymonio, Grassi, Carasi. Segundo José Lamas, no seu livro «Morfologia Urbana e Desenho da Cidade», (2004), este movimento de cariz neo-nacionalista teve como objecto de estudo as cidades italianas. A produção italiana desse período contribuiria fortemente para chamar a atenção para a cidade histórica, para a presença da Arquitectura no desenho da cidade e a reabilitação das formas urbanas tradicionais, como é o caso da rua, da praça e do quarteirão. Contribuiria também para a redescoberta da urbanística formal e da geografia urbana e para as contradições ao funcionalismo e finalmente para a recolocação da integração da Arquitectura e da urbanística no desenho da cidade. Na tentativa de um retorno às tradições arquitectónicas, iníciou-se uma série de publicações e de textos como a «A Arquitectura da Cidade» de Aldo Rossi (1966) e «A Construção Lógica da Arquitectura» de Giorgio Grassi (1967). Outros italianos cuja contribuição foi importante para «La Tendenza» foram Vittorio Gregotti, cujo livro «O Território da Arquitectura», (1966) teve uma extensa influência, assim como Enzo Bonfauti que juntamente com Massimo Scolari publicaram a revista neoracionalista «Contraspazio», na segunda metade dos anos sessenta. Finalmente Alfredo Tafuri, cujas obras tiveram uma influência primordial no movimento, tal como Franco Purini y Laura Thermes, cujos projectos teóricos exploraram o potencial da sintaxe neoracionalista. Posteriormente aos movimentos italianos, surgiram trabalhos desenvolvidos na escola de Bruxelas, comandados por Maurice Culot, ou pelos irmãos Krier. Rob e Léon Krier, Maurice Culot com a escola de Bruxelas iniciaram uma batalha do regresso ao passado, repropondo os materiais tradicionais na construção, excluindo o 58 automóvel, considerando-o um luxo desnecessário face ao equilíbrio funcional da cidade, numa utopia social que renuncia à industrialização. Este período termina em 1980 com a Bienal de Veneza. Neste ambiente de crítica à Cidade Moderna, a recuperação do passado parece ter sido o assunto dominante, assim como os urbanistas seguintes voltaram a projectar ruas, quarteirões e praças. Os princípios do Movimento Moderno, que produziam as piores das desgraças no Urbanismo, foram definitivamente abandonadas; a orientação solar na disposição dos edifícios, a livre disposição de torres e blocos dispostos em linha recta, a separação funcional dos programas e o zonamento da cidade, a hierarquização do tráfego e a separação por níveis entre o peão e o veículo, e assim por diante marcam a imagem do Urbanismo dos anos cinquenta e sessenta. Todavia, assim como o Movimento Moderno havia condenado a rua-corredor e o quarteirão sem uma análise profunda das suas características a relações com a cidade e com o cidadão, as primeiras críticas da Cidade Moderna derivaram também da reacção emotiva da perda da história da cidade e seu valor patrimonial. José Lamas, concluiu que os movimentos, quer da escola de Milão e Veneza, quer da escola de Bruxelas alimentaram todo um debate teórico, o ensino e a prática profissional mais evidente podem agrupar-se em dois grupos principais: • o interesse pela cidade antiga, sua preservação, conservação, restauro e revitalização, entendendo-a e recuperando-a na sua integridade física, funcional e social; • a revitalização das relações morfológicas existentes na cidade tradicional para o desenho do crescimento e expansão ou para as intervenções no seu interior. O período da reconstrução maciça das destruições da guerra, vão surgir na Europa alguns projectos e realizações que questionam a doutrina do Urbanismo Moderno e se interligam com as críticas referidas anteriormente. Tais experiências serão realizadas por alguns arquitectos mais inquietos e inconformados com o panorama da cidade. 59 Fig. 21 - Minoru Yamasaki, edifício “Pruitt Igoe”, em Saint-Louis (1952-1955) O edifício foi demolido a 15 de Julho de 1972. Para Jencks, é uma data simbólica, marcando o fim da Arquitectura e do Urbanismo Moderno. 60 3.2 Rob Krier e o Espaço da Cidade Rob Krier no seu livro «El Espacio Urbano» (1985), (O Espaço Urbano), efectua uma investigação sobre as morfologias urbanas tradicionais. A obra tornou-se uma fonte de referência para os seguidores das suas ideias. Segue uma postura essencialmente estética na composição urbana, procurando a manutenção das lógicas físico-espaciais tradicionais de cidade europeia, da qual tinha grande admiração e entusiasmo. Parte da identificação de uma tipologia de elementos arquitectónicos e urbanos e de ampla crítica aos modelos da cidade dos CIAM para chegar a propostas para a reestruturação das áreas do centro de Stuttgart, como exemplo prático de aplicação das suas ideias.28 Rob Krier foi particularmente influenciado por Camillo Sitte e utilizou-se das suas ideias como pano de fundo para a sua metodologia projectual no seu trabalho sobre o espaço urbano. Neste contexto ele desenvolve toda uma série de modelos de espaços urbanos inspirados em modelos do passado. Camillo Sitte no seu livro «O Urbanismo Segundo Princípios Artísticos» (1889), empreende um estudo das estruturas espaciais e das qualidades estéticas das praças e ruas das cidades históricas bem como da sua decoração e da sua valorização dada pelos monumentos. As análises e interpretações de Sitte denotam uma estética da sensibilidade que ignora os aspectos relativos às condições históricas da sua génese, por serem totalmente não-históricas e baseadas na psicologia da percepção. Assim compara na sua análise a correspondência entre os edifícios, os monumentos e as praças da Piazza dei Signori, e a Piazza delle Erbe em Verona, com a ausência de ligação entre a praça e os edifícios nos espaços urbanos do seu tempo. (figs.22, 23) Crítica a regularidade e ordem rígidas das novas praças, fazendo um paralelo com a regularidade viva e pragmática da ordem das fontes e monumentos das cidades históricas. Condena a implantação isolada das novas igrejas e outros edifícios monumentais bem como a disposição dos monumentos históricos e mostra como nas cidades históricas edifícios semelhantes estavam integrados no ambiente, sublinhando a importância de espaços livres que permitissem uma boa visão dos edifícios monumentais. (figs.24, 25) 28 Lamas, José, 2004 61 Duas tendências, por vezes contraditórias orientam a sua investigação. Por um lado, dedicase a determinar a especificação do espaço antigo Medieval, Renascentista, Barroco e Contemporâneo. Por outro, sob a sucessão dos diferentes tipos de paisagens urbanas que pontuam a história estética da cidade. Uma praça, escreve Sitte, “é como um quarto, deve formar um espaço fechado”. Como se as praças históricas tivessem sido soluções planeadas, ele define femenológicamente, a partir de exemplos vindos de Itália, da Áustria e da Alemanha, uma espécie de tipologia da praça, “um sistema de praças fechadas em tempos antigos”. Analisa sob a óptica da psicologia da percepção o efeito estético das relações de proporções o efeito perspectivo de limites espaciais irregulares, e opõe-lhes, contestando-a, a voga das ruas demasiado largas e praças demasiado grandes bem como o dogmatismo da ordem simétrica e da regularidade geométrica do Urbanismo Moderno. Fig. 22 - Verona, Piazza delle Erbe e Piazza dei Signori, (desenho à esquerda). Fig. 23 - Florença, Piazza S. Maria Novella, (desenho à direita). Desenhos elaborados por Sitte no seu estudo sobre praças. Exemplos de sistemas de praças irregulares assim como de integração de edifícios. 62 Fig. 24 – Planta da cidade de Ringstrasse, Viena Projecto de fragmentação do vasto espaço situado em redor de Ringstrasse, entre a universidade e o parlamento, a câmara municipal e o Burgtheater, a fim de criar espaços fechados diante de edifícios monumentais. (desenho à esquerda) Fig. 25 – Projecto para a praça em frente da Votivkirch, Viena Proposta de praça fechada, em forma de átrio, e rodeada de arcadas, com um acesso monumental em frente da Votivkirch em Viena. (desenho à direita) 63 Segundo Krier a herança histórica significa “o acumular de conhecimentos durante séculos, cuja força de testemunho não pode ser esquecida”. O estudo das cidades históricas ou antigas é o caminho certo para a aprendizagem da intervenção da cidade actual, “…já nada resta para inventar em Arquitectura, na nossa época os problemas quanto muito mudaram de escala…”. Krier utilizou o desenho urbano como processo de resolução dos problemas da cidade. Servido por um conjunto de magníficos desenhos, o estudo de Krier elege a Arquitectura como método de trabalho para a organização e qualificação da cidade. Parte de uma constatação muito simples “… nas nossas Cidades Modernas, a noção tradicional de espaço urbano desapareceu…”. Segundo esta ideia, Krier avaliou as consequências deste processo, como o desaparecimento das funções desempenhadas pela rua e a praça, incluindo a perda do carácter estético, formal e social da cidade. José Lamas, (2004), descreve que através da análise dos tipos de espaços urbanos, Krier estabelece as relações entre a cidade e a Arquitectura. A cidade não é apenas lugar de Arquitectura, mas ela própria é Arquitectura. Tudo para ele é Arquitectura, inclusivé a cidade. Krier tem uma visão fundamentalmente morfológica da cidade, da qual revela a importância da rua e da praça, a qual tem os monumentos como marcos fundamentais para referenciar a estrutura urbana. No livro, «El Espacio Urbano», Krier começa por definir o conceito de espaço urbano, segundo ele, a compreensão do espaço urbano independentemente da estética, exige a consideração tal como a cidade, qualquer tipo de espaço entre os edifícios, quer se trate de áreas urbanas como rurais. O espaço depende de critérios estéticos e geométricos, e existem dois tipos de espaços públicos; o interno e o externo, assim como existem dois tipos de elementos que são básicos na diferenciação do espaço urbano – a rua e a praça. Krier definiu estes dois tipos de espaços e quais as suas funções. A praça é seguramente a primeira criação humana de um espaço urbano e resulta do agrupamento de casas em redor de um espaço livre. A praça possui um carácter simbólico. A rua é o resultado do crescimento de uma localidade depois de ter rodeado a praça. Esta organiza a distribuição dos terrenos, tem um carácter mais utilitário que a praça. A rua é um elemento de orientação e de distribuição. Existem vários tipos de ruas; ruas comerciais, ruas residenciais e ruas em arcada (tipo galeria). 64 As fachadas dos edifícios (a arquitectura) alteram o modo espacial do espaço urbano, isto é, cada uma delas gera um efeito diferente na imagem visual e estética do espaço. (fig.26) Fig. 26 – Esquiços de Rob Krier 65 A geometria euclidiana, as formas geométricas puras ou compostas e mais complexas desempenham um papel essencial no desenho urbano. Para Krier existem três tipos de formas geométricas espaciais – o triângulo, o quadrado e o círculo, que se desenvolvem em três escalas distintas, estes tipos de espaços sofrem processos de transformação tais como, dividir, somar, multiplicar, penetrar, sobrepor, misturar e diferenciar. Os processos de transformação de todos os tipos de espaço podem produzir figuras geometricamente regulares e irregulares. A variedade das possibilidades, actuam sobre as fachadas das casas e influenciam ao mesmo tempo com a qualidade espacial de todas os processos de transformação. Em princípio todas as secções podem aplicar-se para estas formas puras espaciais. Por fim estes três tipos de formas e suas variações podem dar origem a diversas formas mistas da qual a escala humana nunca deve ser esquecida. À parte destes processos formais actuam outras componentes sobre o espaço, também muito importantes para a sua criação, trata-se das leis de construção, que possibilitam uma formação arquitectónica e fundamentalmente a utilização funcional do edifício, que sem elas não existiria uma razão para elaborar formas arquitectónicas. O processo lógico seria: função, construção e por último lugar, a forma como resultado dos primeiros factores. (fig.27) Fig. 27 – Tipos de espaços urbanos e suas combinações, estudo de Rob Krier 66 Krier cria também um formulário de possibilidades combinatórias de cada tipo de espaço e estuda as inúmeras variedades possíveis dentro de cada tipo. As praças podem ser circulares, ovais, triangulares, abertas, fechadas, semi-abertas, em variedades inesgotáveis. As composições demonstram as infinitas possibilidades de diferenciação de espaços e zonas urbanas dentro do mesmo método de composição. Ruas e praças são as regras de composição e com elas se compõe e inventam as mais variadas e imaginativas combinações. (figs.28-30) Fig. 28 – Rob Krier: Estudos morfológicos do espaço urbano 67 Fig. 29- Estudos de praças e suas variações, esquiços de Rob Krier 68 Fig. 30 – Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Kier 69 Fig. 31 – Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rok Kier 70 “… com esta combinação de material, quero convencer aos teóricos e aos científicos da Arquitectura de que no futuro, o componente espaço deve ter maior consideração e deveriam incluí-lo com maior exactidão no seu modo de ver a Arquitectura e o Urbanismo…”. (Krier, 1985, p.20 ) Para Rob Krier a riqueza do espaço urbano não vai apenas incidir na qualidade de cada um dos espaços, mas sim na maneira como os diferentes espaços se ligam e organizam, e ainda nas diferentes geometrias que cada um dos espaços admite. No seu livro, Krier elabora uma matriz, sobre os processos de transformação de um tipo de espaço existente. No seu esquema a matriz indica a subdivisão vertical: 1. O elemento básico; 2. As variações do elemento básico, aumentando e diminuindo o seu ângulo inscrito e mantendo o comprimento as linhas exteriores; 3. Os ângulos e dois lados conservam a mesma medida; 4. Os ângulos e os lados variam arbitrariamente. A subdivisão horizontal realiza-se segundo os seguintes processos de transformação: 1. Espaço duplo (doblado). Entende-se como o espaço composto por duas partes do elemento básico de tal forma que ambas as partes são multiplicadas; 2. Projecta-se um único segmento do elemento básico; 3. O elemento básico aparece como o resultado de vários elementos; 4. Os elementos básicos ou se ligam ou se sobrepõe; as formas espaciais difíceis ou impossíveis de definir, classificam-se como ‘estranhamento’. Isto significa que apenas os espaços podem ser reduzidos a bases geométricas. Estes espaços podem definir-se também como ‘formas caóticas’. Pode também acontecer que as fachadas estão tão diferenciadas e sobrepostas que não podem ser reconhecidos como espaços claramente definidos e como tal classificáveis. Também as dimensões de um espaço podem transmitir de forma diferenciada a impressão que transmitem. Todos estes processos de transformação têm formas regulares e irregulares que podem ser alteradas em função da variedade das secções dos edifícios. A figura 32 indica vinte e quatro formas diferenciadas as quais transformam as características do espaço urbano. 71 Fig. 32 – Processo de transformação de um tipo de espaço existente, estudo de Rob Krier 72 O pensamento de Rob Krier não pode ser separado dos projectos que realizou: o concurso em Berlim para a Rauchstrasse, em Tiergarten Sul, o concurso para o plano de ordenamento do sector norte do centro de Amiens (1984) e o projecto de reconstrução de Stuttgart, reflectem a sua ideia de cidade. Em Berlim, no concurso para a Rauchstrasse, em Tiergarten Sul, onde o terreno assegurava já uma unidade, Rob Krier propõe a redivisão do solo em pequenos lotes para recrear os tradicionais esquemas de produção da cidade. Assegurando a base cadastral, estariam assegurados os modos de produção da cidade e, portanto, a sua morfologia e os seus valores. Prosseguindo nesse objectivo, Krier propõe também o desenvolvimento dos projectos seja confiado a vários arquitectos, um por lote, para melhor reproduzir a diversidade arquitectónica da cidade tradicional. Cada edifício e cada Arquitectura são assim identificados com a sua parcela, como na cidade burguesa do século XIX. No concurso para o plano de ordenamento do sector norte do centro de Amiens, Krier dá uma visão clara do método de tratamento da cidade e do entendimento que tem da morfologia neoclássica centro-europeia, pela lógica entre tecidos e espaços urbanos. Define a forma física da cidade, trabalhando por quarteirões, e aceita que os volumes (cheios) sejam preenchidos por funções diferenciadas. O traçado é definido pelo perímetro dos quarteirões, compactos e fechados nos quatro lados, que acolhem tipologias residenciais modernas; os seus interiores geometrizados e regulares constituem espaços domésticos, também elementos de ordenação e da imagem do edificado. 29 (figs.33-36) Fig. 33 - Estudo de vazios/cheios. Planos de Amiens e Stuttgart, segundo Rob Krier 29 Lamas, José, 2004 73 Os quarteirões de Rob Krier são adaptados à utilização do espaço interior. Desde a lição holandesa dos anos trinta que o destino do interior dos quarteirões se tem dividido em duas opções fundamentais: uma atitude funcional que os utiliza como área de maneio para as necessidades urbanas (parqueamento, equipamentos, construções, etc.); e uma outra atitude que integra o miolo do quarteirão como espaço colectivo (público, semi-privado ou condomínio). Rob Krier opta claramente por esta hipótese e do quarteirão apenas utiliza a geometria e os perímetros, porque na realidade compõe a cidade por edifícios e espaços urbanos, nos quais inclui os interiores dos quarteirões. A opção de Krier pela pequena escala facilita a actuação através de pequenas unidades arquitectónicas, edifício a edifício, quarteirão a quarteirão, admitem a intervenção de diferentes Arquitecturas e diferentes arquitectos. E, neste contexto de formas e actuações, se estrutura a relação entre a Arquitectura e a cidade, em que o desenho urbano é já a própria arquitectura da cidade.30 Fig. 34 – Rob Krier: Plano para a reconstrução do quarteirão no centro de Amiens, França 30 Lamas, José, 2004 74 Fig. 35 – Imagem do centro da cidade de Amiens antes da Segunda Guerra Mundial Fig. 36 - Rob Krier: Proposta seleccionada para o reordenamento do centro de Amiens (concurso) - 1984 75 Na reconstrução do centro de Stuttgart, (1973), Krier cria um sistema de espaço urbano contínuo e diferenciado. Tal como no projecto do centro de Amiens divide a cidade por quarteirões criando um jogo de vazios e cheios.31 (figs.33,37) Fig. 37 - Esquiços de Rob Krier para o projecto de Stuttgart 31 Lamas, José, 2004 76 1. 4. 7. 2. 3. 5. 6. 8. Fig. 38 - Fases do desenvolvimento urbano de Stuttgart (século XIV e XIX) As várias fases do desenvolvimento estão marcadas a negro, tendo como ponto de partida o plano do ano de 1855. 1 – Situação no ano de 1304 2 – Situação no ano de 1465 3 – Plano em 1782 4 – Situação no ano de 1350 5 – Situação entre 1490-1520 6 – Plano da cidade depois de 1800 7 – Situação entre 1383-1450 8 – Situação no final do século XVI e metade do século XVIII 77 Rob Krier compara a Rotebühlplaz com a Praça Novona em Roma, com Belverdere em Bramante no Vaticano e com a Praça Duomo em Vigerona também em Bramante. Em Rotebühlplaz tal como em Wilhelmsplaz propõe conservar as pré-existências históricas envolvendo-as e encerrando-as numa praça de forma quadrangular, cujos edifícios se disponham em linha recta em seu redor (tal como Camillo Sitte). Segundo Krier era importante encontrar para estas praças uma estrutura capaz de restabelecer as relações espaciais, para tal conserva a escala humana em consideração à altura das edificações, em que apenas os edifícios de maior importância quebrarão esta escala. Propõe a criação de um traçado de ruas que fazem a ligação entre os novos bairros e a área pré-existente, em que a boa orientação espacial é de especial importância. (figs.39-41). Fig. 39 - Rob Krier: Planta do centro de Stuttgart Fig. 40- Proposta para a reconstrução das áreas urbanas destruídas em Stuttgart As zonas a negro são a nova planificação 78 Fig. 41 – Proposta de Rob Krier para o centro de Stuttgart Maqueta (escala original 1:25 000) 79 Apesar de Krier preferir a cidade do século XVIII ou a cidade tardo-oitocentista, as propostas que introduz para dotar a cidade das comunidades necessárias aproximam-no inexoravelmente da urbanística formal. Rob Krier está muito próximo da cidade europeia anterior aos anos vinte, mas está também muito próximo da urbanística formal do período entre as duas guerras, à qual no entanto não faz referências. Krier parece ter chegado a um ponto alto no retorno ao urbano iníciado há pouco mais de duas décadas. A sua influência no actual pensamento urbanístico europeu é inegável - pese embora que por vezes tenham sido mais facilmente copiadas as aparências e imagens exteriores do que a complexidade da metodologia que propõe. Contudo a postura de Rob Krier foi muito críticada por ser demasiado académica e há mesmo quem observe que para um observador externo o projecto de reconstrução de Stuttgart, tem uma vertente neoclássica nazista como os de Albert Speer e os seus projectos parecem tão autoritários e impessoais quanto a «Ville Radiouse».32 32 Lamas, José, 2004 80 3.3 Aldo Rossi e a Arquitectura da Cidade Aldo Rossi, a sua obra “A Arquitectura da Cidade” (1966) teve influências em todos os meios ligados à prática da Arquitectura e do Urbanismo, sobretudo na Europa Mediterrânica. Passados mais de vinte anos, é possível verificar a sua influência no pensamento urbano actual. O ensaio de Rossi surgiu integrado num conjunto de trabalhos de autores italianos da mesma época, como Gregotti, Aymonino, Grassi e também Tafuri, de estudos da Faculdade de Arquitectura de Veneza e do Politécnico de Milão sobre as relações entre morfologia urbana e tipologia construtiva, outras investigações historiográficas e geográficas sobre factos urbanos e a sua formação e, finalmente, no movimento «La Tendenza» de natureza neo-racionalista italiana cuja intenção pretendia salvar tanto a Arquitectura como a cidade do discurso esmagador das vertentes técnicas e económicas do discurso moderno. Rossi é um dos expoentes da Arquitectura neo-racionalista italiana e um dos defensores da corrente Pós-Moderna.33 Segundo Peter Gössel e Gabriele Leuthäuser, (1990), a Arquitectura surge como parte da ‘consciência onírica colectiva’ (Walter Benjamin), o seu significado nasce da inovação de símbolos eternamente válidos que, ao associar-se formam a cidade – arcadas e praça, fachadas e casa, coluna e templo, arco e ponte, árvore e bosque. Aldo Rossi parte de interpretações como esta, para si, os elementos geométricos, as formas básicas do cubo, cilindro e prisma, ganharam um significado precioso ao longo da história. Rossi, combina os blocos de construção de acordo com as regras lógicas da ordem, como se partisse de um conjunto de blocos de recordações. O local para esse acontecimento é a cidade, é esse o cenário onde as pessoas desempenham papéis. O palco é a praça pública, onde a poesia da vida da comunidade está concentrada. Por conseguinte Rossi, esforça-se por criar um espaço urbano, condena a construção de ‘solitários autónomos’ como os de Le Corbusier. Em lugar de formas rígidas, que vê como demasiado limitadas, volta-se para a arte da composição arquitectónica, cria uma nova unidade a partir de fragmentos já existentes e acrescenta-lhes símbolos reduzindo ou aumentando, alternadamente as possibilidades formais. 33 Lamas, José, 2004 81 Rossi utiliza o rigor da geometria e das formas puras, continua o neo-racionalismo de Boullée ou de Ledoux, reintroduz no desenho urbano o rigor do traçado e formas tradicionais. A sua obra é uma crítica ao Urbanismo Moderno. Rossi, analisa a cidade como um factor histórico e arquitectónico. No seu livro estuda as relações entre a tipologia e a morfologia urbana, definindo vários conceitos. Tal como Krier e Sitte é contra o Movimento Moderno e das soluções de desenho urbano. No seu livro, Rossi analisa a cidade enquanto Arquitectura, mas segundo ele a cidade não é um simples aglomerado de edifícios, é a resultante de uma longa história incessantemente reconstruída. Esta premissa, simples na aparência, rompe radicalmente com muitos conceitos urbanísticos do século XX, cujo ponto de partida era a cidade ideal planificável. São possíveis duas leituras no seu livro, mas no entanto conduzem à mesma conclusão. Em primeiro lugar, crítica o funcionalismo e o ergonómico, isto é, o princípio de que a forma arquitectónica ou urbanística decorreria automaticamente da definição da divisão de funções, concepção muito difundida na época. Rossi chama a isto uma crítica ao funcionalismo ingénuo (as utopias orgânicas de Hugo Hearing incluídas), que despoja a forma e o tipo da sua complexidade natural, sem poder preencher o vazio assim deixado. Segundo José Lamas, (2004), Rossi opõe-se ao funcionalismo como relação determinista entre forma e função, proclamando a autonomia do desenho arquitectónico, desenho cujas motivações de ordem cultural encontram no sítio – o «locus» - a energia criativa e projectual da ligação do objecto ao território que o suporta. O «locus», mais do que o sítio, terá o potencial para gerar formas e a relação singular e universal que existe entre certa situação local e as construções que a ocupam. Através do conceito função da cidade crítica o funcionalismo e o organicismo: “O conceito de função, marcado pela fisiologia, assemelha a forma a um órgão, pelo que são as funções que justificam a sua função e o seu envolvimento e as alterações da função implicam uma alteração da forma. Funcionalismo e organicismo, as duas principais correntes que têm percorrido a Arquitectura moderna, evidênciam assim a sua raiz comum e a causa da sua debilidade e do seu equívoco fundamental. A forma é assim destruída das suas mais complexas motivações; por um lado o tipo reduz-se a um mero esquema distributivo, um diagrama de percursos, por outro a Arquitectura não possui qualquer valor autónomo. Este conceito da função é pois assumido por todo o pensamento arquitectónico e urbanístico, e particularmente no âmbito da geografia, chegando a caracterizar, como se viu mediante o funcionalismo e o organicismo, grande parte da Arquitectura moderna.” (Rossi, 1977, p.47). 82 Tendo como caso de estudo a cidade de Chicago e o Plano de Park e Burgess elaborado para essa cidade, Rossi crítica mais um aspecto da teoria funcionalista – o zonamento. Segundo Rossi, o zonamento; “…oferece um modo de leitura da cidade aparentemente convincente, se bem que artificial, tanto que teve um sucesso tão rápido quanto breve. Também neste caso se procedeu com demasiada rapidez a uma extensão imprópria de resultados em si válidos.” (Rossi, 1977, p.85) Através dos modelos da Cidade-Jardim, da «Ville Radieuse» e da «Unité d’ Habitation», crítica o Urbanismo Moderno e o problema do valor da residência na estrutura urbana, advertindo para o facto da necessidade de recuperar a rua e a praça como palco da comunidade, “a praça é um palco rectangular onde têm lugar encontros, conversas, jogos, litígios, invejas, piropos e orgulho.” 34 Em segundo lugar, através da avaliação crítica de muitas obras ou estudos que têm uma ligação directa com as suas investigações, Rossi expõe diferentes abordagens com a intenção de delimitar a história, o desenvolvimento, a morfologia e a estrutura social e arquitectónica da cidade. Procede, ao fazê-lo, de modo metódico e pluridisciplinar, tomando em consideração tanto a teoria da memória colectiva de Maurice Halbwachs como as teses urbanísticas de Camillo Sitte, as investigações de Jean Tricart sobre a estrutura social como as críticas de Hans Bernouilli sobre a propriedade fundiária privada, a história do desenvolvimento de Paris, de Pierre Lavedan como as análises de Fritz Schumacher, desenvolvidas numa perspectiva de praticante - para citar apenas algumas. A proeza científica de Rossi reside no facto de ter reunido tantos estudos e depois ter feito uma apreciação crítica a partir de diversos ‘objectos urbanos’, de Atenas e da Roma antiga, passando pela Viena medieval e a Berlim. A análise que Rossi faz desta abundante literatura esclarece-nos aliás sobre os seus próprios conceitos arquitectónicos. Parte do postulado de que todos os factos urbanísticos têm uma grande complexidade, que não se podem explicar por meio de um só facto causal nem encontrar soluções simples. Apoiando-se na categoria de permanência, que se pode aplicar a monumentos ou a traçados de ruas, Rossi descreve a indefinível capacidade de transformação e variação das funções tomando como exemplo o Palazzo della Ragione em Pádua. Este edifício municipal construído nos séculos XIII e XIV, e que era a câmara municipal, tribunal e mercado simultaneamente, é a prova, segundo ele, de que usos diferenciados podem adaptar-se ao envelope arquitectónico e não o inverso. O Palazzo 34 Rossi, 1977, p.109 83 della Ragione é um monumento cujas funções não são forçosamente legíveis do exterior. Os monumentos deste género são pontos culminantes indispensáveis a qualquer cidade. O seu vigor expressivo, a sua importância para a constituição fisionómica e identitária da cidade não resultam da função, pelo menos em primeiro lugar, mas da forma. Aqui, Rossi situa-se nos antípodas de Venturi: ao proclamar a sua ligação ao monumento antigo, que ele reforça, entre outros, como a imagem da catedral de Colónia no meio das ruínas da cidade histórica, bombardeada em 1945. O grande objectivo de Rossi é voltar a dar ao monumento aquilo que o funcionalismo o privara: a forma significativa, a mensagem decisiva, a exigência artística e a força. No entanto, a cidade mostra ser muito mais simples do que uma simples soma de monumentos importantes, e se a história de uma cidade é a história da sua Arquitectura, a recíproca não é verdadeira. Eis o que escreveu Rossi no posfácio da primeira edição alemã do seu livro (1973): “A cidade de Split que se constituiu a partir do Palácio de Diocleciano (antiguidade tardia) e, portanto, teve de encontrar um novo uso e um novo significado para formas imutáveis, alcançou uma importância emblemática graças a este aspecto Arquitectural e à sua ligação com a cidade, pois à extrema densidade da forma corresponde, no caso, uma grande capacidade de adaptação a funções bem diferentes”. Ao redescobrir a cidade histórica, os seus valores eternos e o seu potencial evolutivo, Rossi deu um contributo decisivo ao debate sobre o Urbanismo e salvaguarda de monumentos históricos, assim como imprimiu a sua marca na Arquitectura por meio das suas construções emotivas, narrativas e extremamente racionalistas. O seu livro, «A Arquitectura da Cidade» é uma tentativa de estudar a cidade pelo caminho da Arquitectura, ou seja Aldo Rossi constrói conceitos para compreender a cidade. O conceito básico é o facto urbano e a teoria da cidade. Segundo Rossi a Arquitectura da cidade podem-se entender dois aspectos diferentes; “ …primeiro no primeiro caso é possível assemelhar a cidade a um grande manufacto, uma obra de engenharia e de Arquitectura, maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo; no segundo caso podemo-nos referir a áreas mais delimitadas da cidade, a factos urbanos caracterizados pela sua Arquitectura e, portanto pela sua forma.” (Rossi, 1977, p.35) 84 Rossi analisa as funções da cidade a partir do «locus», define a morfologia urbana como a descrição das formas de um facto urbano e a ‘alma da cidade’ como a qualidade do facto urbano. No seu estudo aprofunda as questões das tipologias e da sua relação com a cidade, das partes, do locus e da política como escolha da cidade. “Tipologia é a ideia de um elemento que desempenha um próprio papel na constituição da forma, e que é uma constante. A tipologia apresenta-se portanto, como o estado dos tipos não ulteriormente redutíveis dos elementos urbanos de uma cidade como de uma Arquitectura”. (Rossi, 1977, p.45) Rossi analisa as questões que envolvem um facto urbano, destaca entre elas, a individualidade, o «locus», a memória e o próprio desenho. A estrutura dos factos urbanos faz com que as cidades sejam distintas no tempo e no espaço «per genus et differentiam». Para compreender o seu estudo é importante que se compreenda o que é um facto urbano. Segundo Rossi os factos urbanos, são elementos que compõe a cidade, fala das igrejas, casas particulares, monumentos, praças, ruas, etc., são singulares, únicos pedaços de cidade que formam a mesma. Rossi divide estes projectos em área-residência e elementos primários, ou seja, esfera pública e esfera privada. Ao estudar a cidade como um manufacto, como Arquitectura total, avançou com três proposições distintas. A primeira sustém que o desenvolvimento urbano está relacionado com o sentido temporal, a segunda proposição refere-se à continuidade espacial, aceitar esta continuidade significa aceitar como factos homogéneos, numa determinada área urbana, sem supor que existe uma ruptura entre factos. A terceira proposição refere-se que na estrutura urbana existem alguns elementos de natureza particular que tem a capacidade de acelerar ou retardar o processo urbano e que são por natureza assaz relevantes. Segundo Rossi: “A cidade é a soma de muitas partes, bairros e distritos que são muito diferenciados nas suas características formais e sociológicas”. É precisamente esta diferenciação que torna as cidades diferentes. “A cidade, na sua vastidão e na sua beleza, é uma criação nascida de numerosos e diferentes momentos de formação; a unidade destes momentos e a unidade urbana no seu conjunto; a possibilidade de continuidade reside no seu proeminente carácter formal e espacial.” (Rossi, 1977, p.80). A sua análise sob influência iluminista leva-o ao pensamento dos tratadistas do século XVIII, retoma o pensamento de Viollet-Le-Duc, Milizia, Quatremére, de Quincy e Durand e os seus enfoques sobre as relações entre os edifícios e a cidade. Rossi resgata valores como os da rua, do bairro e do quarteirão desenvolvidos nos tratados e esquecidos 85 pelo funcionalismo e organicismo. Discussões levam a afirmar a forma, não como uma redução ao momento lógico, mas como afirmava os tratadistas ‘a bela cidade como boa Arquitectura’, é na totalidade que se constrói por si mesmo e não na parte. Uma parte do seu livro, Rossi aborda as relações entre a tipologia construtiva e a morfologia urbana. A partir da morfologia urbana, Rossi define o conceito de bairro. “Bairro é uma unidade morfológica e estrutural, é caracterizado por uma certa paisagem urbana, por um certo contudo social e por uma função própria; logo, a transformação de um destes elementos é suficiente para fixar o limite do bairro. Também aqui é necessário ter presente que a análise do bairro como um facto social baseado na segregação de classe ou raça e nas funções económicas ou de qualquer modo no estrato social correspondente, sem dúvida, ao mesmo processo de formação da metrópole moderna, isto é tão verdadeiro para a Roma antiga como para as grandes cidades de hoje.” (Rossi, 1977, p.83) Rossi define vários conceitos: o sítio, ou seja, a área sobre a qual surge uma cidade, a superfície que ela realmente ocupa. A área, sob o ponto de vista geógrafo, é essencial para a descrição de uma cidade e, justamente com a localização e com a situação, é um importante elemento para classificar cidades diferentes. No seu livro a área, é entendida como unidade do conjunto urbano que emergiram, mediante uma operação, de diferentes processos de crescimento e diferenciação, ou então os bairros ou partes da cidade que adquiram características próprias. A cidade é vista como uma grande obra, individuáveis na forma e no espaço, mas esta obra pode ser apreendida através dos seus trechos, dos diferentes momentos. A unidade destas partes é dada fundamentalmente pela História, pela memória que a cidade tem de si mesma. Mas as áreas e a áera-residência não são suficientes para caracterizar a conformação e a evolução da cidade; o conceito de área deve fazer-se acompanhar o de um conjunto de elementos determinados que funcionaram como núcleos de agregação. Citando José Lamas, (2004), Rossi e outros autores demonstram que as relações entre a forma urbana e a tipologia construtiva são dialécticas. Denunciam o determinismo que o Movimento Moderno imprimiu à forma urbana ao fazê-la depender, de modo unívoco, da tipologia habitacional. Produzem um enorme corte no edifício conceptual moderno e acendem uma ‘luz’ para a urbanística dos anos sessenta. Com os «Rapporti», concluía-se que a forma urbana é interdependente com as tipologias construtivas e que trabalhar sobre a forma urbana é interdependente com as tipologias e vice-versa. 86 O universo estudado, as cidades de Pádua e de Veneza, interligava as conclusões do estudo à morfologia tradicional e demonstrava as diferenças com a morfologia moderna. José Lamas, cita alguns pontos-chave do seu trabalho: • a afirmação de que a cidade é construída por Arquitectura, sendo esta a chave da leitura e interpretação dos factos urbanos; • a relação da forma da cidade com a tipologia do edificado, corolário da anterior, que reforça a relação entre a cidade e arquitectura; • a continuidade com o pensamento de Marcel Poéte e Lavedan na sua análise morfológica, reinterpretando os princípios das permanências e da individualidade e autonomia da Arquitectura na construção da cidade; • a crítica frontal ao funcionalismo, na demonstração de que entre forma e função se estabelecem relações mais complexas e dialécticas do que as de causa efeito; • a explicação, através da morfologia, dos diferentes fenómenos e leituras da cidade. Rossi não aborda o desenho urbano, no sentido de um manual ou conjunto de princípios, para as questões imediatas da prática profissional. O seu contributo para a revisão e abandono do Urbanismo Moderno é dado enquanto legítima a revitalização das formas urbanas tradicionais – da rua ao quarteirão, da praça ao monumento, bem como da geometria e do traçado, no acto de projectar uma cidade. Para Rossi, a Arquitectura da cidade não é a Arquitectura do edifício isolado, como na Urbanística Moderna, mas o princípio ordenador no qual se desenvolvem e estruturam as tipologias que integrarão a forma urbana. A influência do movimento «LaTendenza» e da obra de Rossi terá sido mais significativa na planificação urbana em Itália e em países como a Espanha e Portugal. Essas influências podem ser vistas no planeamento recente de cidades como Madrid, Barcelona ou Milão, cujas opções de programas funcionais e de ‘planos morfológicos’, ou a actuação urbanística por intervenções arquitectónicas qualificadoras, bairro a bairro, rua a rua, revelam o entendimento da cidade como conjunto de factos urbanos e arquitectura, em detrimento dos esquemas de planeamento e controlo das variáveis abstractas e quantitativas dos grandes planos directores. O pensamento de Rossi não pode ser separado dos projectos que realizou: os concursos para o Centro Direccional de Turim (1962) e para o Complexo Residencial de San Rocco, em Monza (1966), o cemitério de Modena (1971-1984) e o concurso para o Centro Direccional de Florença (1977) reflectem no seu microcosmo a ideia de cidade ‘rossiana’: o anonimato da função residencial formada por tipos habitacionais que 87 estabelecem o pano de fundo no qual sobressaem as tipologias arquitectónicas dos equipamentos de nível superior e representativos da ordem social – a escola, o hospital, a prisão. O monumento e o cemitério completam esta visão (quase obsessiva): o primeiro, constituindo-se como elemento primário da estrutura urbana; o segundo, reproduzindo ‘na cidade dos mortos’ o ordenamento (neo-racionalista) da ‘cidade dos vivos’.35 (fig.42,43) Fig. 42 – Aldo Rossi: Concurso para o Centro Direccional de Turim, 1962. (Plano de volumes) Concurso para o Complexo Residencial de São Rocco, em Monza, 1966. (Maqueta) 35 Lamas, José, 2004 88 Fig. 43 – Aumento do cemitério San Cataldo em Modena (1871-1984) Rossi procura estabelecer uma ligação entre as formas monumentais do cemitério e os monumentos industriais da cidade (em fundo). Fig. 44 – Aldo Rossi: Hotel II Palazzo em Fukuoka (1987-1998) O Hotel II Palazzo combina elementos ocidentais e asiáticos e pretende ser, enquanto monumento, organizador do caos urbano. 89 3.4 Introdução à Nova Carta de Atenas A qualidade do ambiente urbano é cada vez mais um factor importante para os indivíduos, em consequência do aumento da taxa de urbanização e da percentagem da população urbana existente. Surgem diversos programas internacionais como a «Agenda 21 Local», «Agenda Habitat», «Cidades Saudáveis» e «Cidades Sustentáveis», nos quais as agencias das Nações Unidas estão envolvidas. O Centro Habitat elabora periodicamente relatórios mundiais de grande qualidade, como o «State of the World’s Cities 2001» e o «Cities in a Globalizing World: Global Report on Human Settlements 2001». O ambiente urbano é também uma das prioridades da Comissão Europeia, mais concretamente do «Sexto Programa de Acção em Matéria de Ambiente» «Ambiente 2010: O Nosso Futuro, a Nossa Escolha», que lhe dedica uma estratégica temática (entre sete). A Comissão Europeia, tem como principal objectivo “melhorar o desempenho ambiental e a qualidade das áreas urbanas e assegurar um ambiente de vida saudável para os cidadãos urbanos na Europa, reforçando a contribuição ambiental para o desenvolvimento urbano sustentável, tendo simultaneamente em conta as questões sociais e económicas”. As preocupações da Comissão Europeia remontam a 1991, data em que foi publicado o Livro Verde sobre o Ambiente Urbano. O Programa das Cidades e Vilas Sustentáveis, iniciado em 1993 teve um forte impulso no ano seguinte com a «Carta de Aalborg», actualmente assinada por 2030 municípios de trinta e seis países de toda a Europa. Pouco depois em 1996, o Grupo de Peritos em Ambiente Urbano lançou o Relatório das Cidades Sustentáveis, uma referência na matéria. Em Fevereiro de 2000 realizou-se em Hanôver a Terceira Conferência Europeia sobre as Cidades Sustentáveis, da qual o documento chave é a Carta das «Cidades Europeias para a Sustentabilidade» (Carta de Aalborg). Esta estabelece o cumprimento das autoridades locais a comprometerem-se com a implantação da «Agenda 21 Local», documento chave da Conferência da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, ou com outros processos de planeamento para o desenvolvimento local, nomeadamente a «Agenda Habitat», documento chave realizado durante a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Aglomerados Urbanos realizada em 1997 em Istambul. 90 A Conferência de Hanôver ou a Declaração de Hanôver de Presidentes de Câmara de Municípios Europeus na Viragem do século XXI, surgiu pela necessidade de se avaliar os processos realizados no percurso das cidades rumo à sustentabilidade e para chegar a acordo na direcção a seguir na viragem do século XXI. A Nova Carta de Atenas elaborada em 1998 da responsabilidade do Concelho Europeu de Urbanistas, é um documento completamente diferente da Carta de Atenas de 1933. A sua mais recente versão, aprovada em Lisboa em 2003, apresenta a visão da ‘Carta Inteligente’ através de um conjunto de princípios onde, segundo Jorge Carvalho, predomina “…a linguagem redonda da Europa há que destacar a «Carta Urbana Europeia», elaborada em 1992 e os «Princípios Orientadores para o Desenvolvimento Territorial Sustentável do Continente Europeu», de 2000.” Não se pretende com este capítulo uma descrição exaustiva de todos os documentos/cartas que se produziram até hoje sobre o assunto, mas somente dar a conhecer a sua existência. (ver os abaixo indicados) Seleccionam-se apenas, os considerados mais relevantes que funcionam como pilares de uma base ideológica, comprovando que os princípios do Pós-Modernismo continuam actuais, como se podem verificar pela Nova Carta de Atenas. Cartas Adaptadas pela Assembleia Geral do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas: 1964 Carta Internacional Sobre a Conservação e Restauro dos Monumentos e dos Sítios (Carta de Veneza) 1982 Carta de Florença, sobre Jardins Históricos 1987 Carta de Toledo, Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas (Washington, 1987) 1990 Carta Internacional para a Gestão do Património Arqueológico (Lausanne) 1999 Carta do Turismo Cultural (México) 1999 Carta da Arquitectura Popular (México) 2000 Carta de Cracóvia, sobre Conservação de Património Construído 91 Resoluções e Declarações de Simpósios do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas: 1967 Normas de Quito (Relatório Final da Reunião sobre a Preservação e Utilização dos Monumentos e Sítios de Valor Artístico e Histórico, Quito) 1972 Resoluções do Simpósio sobre a integração da Arquitectura Contemporânea em Conjuntos Históricos 1975 Resolução sobre a Conservação de Pequenas Cidades Históricas 1982 Declaração de Tlaxcala sobre a Revitalização de Pequenos Aglomerados 1982 Declaração de Dresden 1983 Declaração de Roma 1993 Guião para a Educação e Formação na Conservação de Monumentos, Conjuntos e Sítios 1994 Documento Nara sobre a Autenticidade 1996 Declaração de San António no simpósio Americano sobre Autenticidade na Conservação e Gestão do Património Cultural Cartas Produzidas pelos Comités Nacionais do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas: 1979 Carta para a Conservação de Lugares de Significado Cultural (Carta de Burra) (ICOMOS Austrália) 1987 Primeiro Seminário Brasileiro sobre Preservação e Revitalização dos Centros Históricos (ICOMOS Brasil) Outras Normas Internacionais segundo Catarina Camarrinhas: 1931 Carta de Atenas do Restauro (1º Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos de Monumentos Históricos) 1954 Convenção para a Protecção do Património Cultural no Caso de Conflito Armado (UNESCO, Haia) 1962 Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e Carácter das Paisagens e Sítios (UNESCO, Paris) 92 1972 Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural (UNESCO, Paris) 1975 Declaração de Amesterdão (Congresso sobre o Património Arquitectónico Europeu) 1975 Carta Europeia do Património Arquitectónico (Conselho da Europa) 1976 Recomendação Relativa à Salvaguarda e Papel Contemporâneo dos Áreas Históricas (Recomendação de Nairobi, UNESCO) 1992 Carta Urbana Europeia (Estrasburgo) 1994 Carta da Sustentabilidade das Cidades Europeias (Carta de Aalborg) 1998 Nova Carta de Atenas 2003 Nova Carta de Atenas – A Visão do Concelho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI 2007 Carta de Leipzig 3.4.1 A Nova Carta de Atenas, 1998 As visões da Carta de Atenas 1933, assumiram um carácter dogmático, influenciando profundamente as nossas cidades. A proposição da cidade funcional como crítica às cidades tradicionais definia quatro funções básicas: habitar, trabalhar, recrear e circular. Frente à considerada perda do tecido urbano existente, surge uma nova imagem de cidade, uma cidade homogénea. Nas últimas décadas emerge a discussão do conceito chamado Desenvolvimento Sustentável, que objectiva a manutenção da qualidade de vida, assegura o acesso contínuo aos recursos naturais e evita a persistência dos danos ambientais. Sob este aspecto, surge a Nova Carta de Atenas, resultado da discussão de onze países da Comunidade Europeia. O trabalho realizado neste documento, aborda um breve panorama do repensar urbano, apresenta os princípios, o paradigma proposto e traça considerações sobre a Nova Carta de Atenas. Associações Nacionais e Institutos de Planeamento de onze países da União Europeia; Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Grécia, França, Itália, Holanda, Espanha, Portugal e Reino Unido, reuniram-se para formar o Concelho Europeu de Urbanistas (CEU), realizou e escreveu a Nova Carta de Atenas, entre meados de 1995 e início de 1998. 93 Ao comparar a evolução do pensamento urbanístico no século XX, no sentido de acontecimentos dos factos observa-se que no intervalo entre a Carta de Atenas de 1933 e a Nova Carta de Atenas de 1998, a emergência de valores ambientais, culturais e históricos são incorporados na discussão para a definição de novos ideais para a cidade do século XXI. Ao preparar esta Carta, o CEU tem consciência da forte influência da Carta de Atenas de 1933 e as diferenças dos tipos de estruturas urbanas e os padrões resultantes da aplicação. Foi preparada uma nova carta mais adequada para as décadas seguintes, que leva em conta principalmente o cidadão na tomada de decisões organizativas. O breve panorama do repensar urbano tornou-se necessário para indicar o direccionamento das discussões resultantes na Nova Carta de Atenas. O principal conceito é que a evolução das cidades deve ser o resultado da combinação de diferentes forças sociais e as acções dos princípais representantes da vida cívica. Para o CEU, exige-se um novo cenário para o planeamento urbano que satisfaça as necessidades sociais das gerações actuais e futuras. Neste contexto a Nova Carta de Atenas, tem como objectivos gerais, definir uma agenda urbana e consequentemente o papel do planeamento urbano e finaliza com recomendações e princípios orientadores. Em resumo, os objectivos desta Nova Carta são os seguintes: • definir o actual programa urbano; • recomendar algumas directrizes que irão orientar os urbanistas; • orientar os diversos responsáveis para a tomada de decisão urbana em todos os níveis. A elaboração desta Carta resulta de uma série de discussões realizadas no âmbito europeu durante a década de noventa. Entre os mais importantes destacam-se; «O Livro Verde sobre o Ambiente Urbano» (1990), «Europa 2000: Perspectivas para o Desenvolvimento do Território», (1991), «Europa 2000+: Cooperação para o Desenvolvimento Territorial Europeu», (1994), «Desenvolvimento Sustentável das Cidades Europeias: Relatório do Grupo de Peritos sobre o Ambiente Urbano», (1996), «Perspectiva Europeia de Terras», (1996) e «Para uma Agenda Urbana da União Europeia», (1997).36 36 Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.2. 94 Tais documentos definem um número de temáticas relacionadas com a emergência desta Nova Carta, enfatizando a sua acção em quatro áreas-chave:37 1. Promover a competitividade económica e emprego; 2. Melhorar os transportes e da Rede Trans-Europeia (TENS); 3. Promover o Desenvolvimento Sustentável e a qualidade de vida; 4. Favorecer a coesão social e económica. Um panorama analítico é delineado em tópicos, os quais definem diversas recomendações: • Demografia e Habitação “Ao longo dos últimos cinquenta anos, o padrão demográfico da Europa mudou, este fenómeno é devido a vários factores interligados: um aumento da taxa de divórcio, o casamento tardio, um envelhecimento da população e padrões de vida mais elevados. É necessário levantar algumas questões sobre a localização e as características das habitações, bem como sobre a forma de distribuir as habitações ao mesmo tempo que protege o meio ambiente (…) fornecimento de habitação social é também uma componente das zonas urbanas e representa um problema para ser resolvido no futuro”.38 • Questões Sociais “Juntamente com as mudanças demográficas, houve uma transformação radical nas estruturas sociais das cidades Europeias. Tem sido cada vez mais partindo do princípio de que a vitalidade da cidade depende, em grande parte, a diversidade dos grupos sociais que podem ser definidos por idade ou raça (…) o Urbanismo também desempenha um papel importante na redução dos efeitos negativos do abrigo, a pobreza e a escassez de recursos através de uma estratégia coordenadora para revitalizar a comunidade”.39 • Cultura e Educação “Numa sociedade cada vez mais tecnicamente sofisticada, há uma crescente procura de lazer e recreio. No futuro, os europeus vão ter mais tempo livre, gastar menos horas nas viagens para o trabalho e desfrutar de uma maior esperança de vida. Lazer, recreio e turismo são actividades urbanas emergentes na União Europeia e o património urbano é uma componente essencial desse fenómeno. 37 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.2. 38/39 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.3. 95 A combinação desses factores tem causado uma grande pressão sobre o património e espaços públicos em áreas urbanas (…) Em muitas cidades o património e o tecido urbano, foram destruídos por alguns planos inadequados de reorganização espacial, construção de estradas e descontroladas acções do sector imobiliário. No futuro deverá haver um esforço concentrado para proteger o património e recursos e promover melhores práticas para a conservação e interpretação. Estas acções, juntamente com uma estratégia territorial adequada, são essenciais para o bem-estar da cidade do futuro, e a expressão da identidade individual e carácter (…) A educação é um componente essencial do desenvolvimento da cidade, ela permite ao cidadão a compreender a cidade, obter informações e adquirir atitudes cívicas essenciais. Por sua vez, oferece a oportunidade de participar mais activamente na vida da cidade e do processo de tomada de decisão”.40 • Sociedade Informatizada “Espera-se que as futuras alterações irão reduzir a necessidade global de viajar, mudar as características do local de trabalho e melhorar a capacidade dos cidadãos para obter informações de uma forma de comunicar de forma rápida e eficaz. Possivelmente melhorar o sistema educacional, proporcionando mais oportunidades de aprendizagem à distância de casa (…) Em geral, a revolução da informação é susceptível de ter um efeito positivo sobre o desenvolvimento futuro da cidade. No entanto, é necessário tomar medidas contra as eventuais consequências negativas, incluindo o isolamento social e as diferenças entre os mais informados e menos informados, que podem ser deslocados de outros grupos sociais. As autoridades municipais têm a responsabilidade de assegurar que todos tenham acesso aos benefícios dessas mudanças. Para fazer uma cidade mais compreensível para os seus cidadãos”.41 • Meio Ambiente “Nos últimos dez anos o conceito de desenvolvimento surgiu como um elemento-chave do planeamento urbano. Há uma reconhecida necessidade de implementar estes princípios como parte integrante do planeamento e desenvolvimento urbano. Cidades modernas geram grandes quantidades de resíduos e poluição provocando uma degradação geral da qualidade do meio ambiente e os níveis globais de vida. A necessidade de criar uma cidade sustentável é um dos maiores desafios enfrentados pelos urbanistas deste século. Além de enfrentar o declínio da qualidade ambiental, existe a necessidade de proteger o património 40/41 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.4. 96 urbano, espaços verdes e o ambiente cultural dentro e fora das cidades (…) A conservação da energia também será um factor importante no planeamento do futuro das cidades”.42 • Economia “A economia sempre teve uma profunda influência sobre a estrutura das cidades. Ao longo das últimas décadas, a estrutura da economia da União Europeia mudou muito rápidamente (…) O desenvolvimento económico, incluindo a colaboração entre o sector privado, público e voluntário, irá desempenhar um papel fundamental na estrutura da cidade”.43 • Mobilidade “Em 1996, a Comissão Europeia publicou o «Livro Verde» sobre os transportes, intitulada «A Rede dos Cidadãos: O desenvolvimento do papel do transporte público na Europa». O relatório mostrou que, em toda a Europa, tem aumentado o número de veículos e proprietários de uso destes desde os anos setenta, e espera-se que continue a aumentar a um possível 200% nos próximos vinte e cinco anos (…) As consequências desta revolução nos transportes são conhecidos em todo o mundo, especialmente no que diz respeito à poluição, congestionamento, risco sanitário e utilização de energias renováveis. No que respeita à estrutura da cidade e da qualidade de vida, o transporte rodoviário exige uma grande quantidade de espaço. A consequência disso foi a expansão da cidade em que o terreno circundante, bem como o surgimento da cidade-região. Embora pareça que a mobilidade tem vindo a melhorar, de facto, o acesso à cidade tem diminuído. Em muitas cidades, os automóveis dominam as ruas, reduzindo o espaço disponível para os peões e ciclistas (…) O planeamento deve dar resposta positiva a estas pressões favorecendo a melhoria da acessibilidade das redes trans-europeias de transportes, vai permitir um melhor acesso para as cidades, gerando actividade económica e permitindo o intercâmbio entre as cidades e regiões (…) É necessário fazer mais investimentos em novas infra-estruturas de transporte, especialmente nos transportes públicos bem como em ciclovias. Os cidadãos precisam de ter um maior grau de escolha e de acessibilidade"44 42/43 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.5. 44 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.6. 97 • Escolha e Diversidade “No que diz respeito ao planeamento da estrutura económica da cidade e do desenvolvimento das actividades económicas, as vantagens de utilização mista, as áreas devem ser planeadas com cuidado, contra a abordagem tradicional, que se centra em áreas residências e comercias. No que diz respeito à utilização dos solos, as zonas mistas, que já existiam nas cidades mais antigas, pode proporcionar a diversidade e o aumento da actividade económica”.45 • Segurança e Saúde “Continuam a existir zonas de conflito e instabilidade em alguns locais das cidades europeias. A nível local, existe um crescente medo da criminalidade nas cidades de toda a Europa, que, de certa forma está ligada à qualidade das condições de vida, as estruturas sociais e de saúde. O planeamento urbano, em colaboração com outros profissionais pode resolver estes problemas, para criar uma habitação de maior qualidade, maior facilidade ao trabalho e melhorias no ambiente global”.46 Em síntese a forma urbana desejável para uma Cidade Sustentável é direccionada para a idealização da Cidade do Futuro. Todos os elementos analisados estão ligados a aspectos sociais de planeamento e que uma série de questões influenciam a forma urbana, como por exemplo, questões de centralidade e dispersão. Segundo a Nova Carta de Atenas, 1998 a forma urbana está intrinsecamente ligada ao carácter da cidade e ao seu «genuis loci»47. Dessa forma, o planeamento regional deve garantir a hierarquia e a clara função nas relações intra-urbanas e regionais. Reconhece a positiva vantagem em desenvolver o conceito de ‘Cidades Conectadas’, cada uma com identidade e propostas claras, o modelo de uma ‘Cidade Sustentável’. 45 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.6. 46 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.7. 47 Segundo Norberg-Shulz, «genius loci» é um conceito romano de que toda entidade tinha o seu «genius», o seu espírito de lugar. Esse espírito, responsável pelas pessoas e lugares, determinava o seu carácter ou a sua essência. 98 O desenvolvimento de uma compreensão integrada e a evolução para um processo mais demográfico requer melhoria na comunicação e uma maior participação comunitária nos processos de decisão. Há a necessidade contínua de se mudar as medidas do planeamento urbano, baseando-se num processo centrado nas necessidades dos cidadãos. A noção de cidadão e cidadania, expressa as necessidades humanas de viver nas cidades, temática central da Nova Carta de Atenas, 1998. 3.4.2 - As Dez Recomendações da Nova Carta de Atenas Satisfazendo as Necessidades do Amanhã e as Aspirações dos Cidadãos A síntese da análise para os possíveis cenários de uma Cidade Sustentável, define recomendações necessárias para a actuação do Urbanista: uma cidade para todos, envolvimento real, contacto humano, continuidade do carácter, benefícios de novas tecnologias, aspectos ambientais, actividades económicas, movimento e acesso, variedade e diversidade, saúde e segurança. Estas recomendações são de natureza geral, têm em conta os elementos que permanentemente afectam o planeamento das cidades, incluíndo o tempo, a complexidade, os limites e as questões de centralidade e da organização espacial. A importância do planeamento estratégico e da dimensão espacial não pode ser subestimada, de modo a fornecer o contexto para uma visão futura e para colocar a cidade no seu contexto subregional e regional. Acima de tudo, a Nova Carta de Atenas procura colocar o cidadão no centro do planeamento e na tomada de decisões. Um dos objectivos desta é que seja monitorizada e revista todos os quatro anos. As conclusões desta revisão serão discutidas em conferências e apresentadas em Atenas. As recomendações estabelecidas na Nova Carta de Atenas referem-se a: 1. Uma Cidade para Todos Aborda reflexões sobre a pobreza urbana e declínio de coesão social, e define que o processo de planeamento das cidades deve garantir a união de todos os grupos na vida económica, social e cultural. 99 2. Envolvimento Real O Urbanista deve capacitar e encorajar as diversas formas de participação comunitária nas decisões. As formas de participação devem ser aplicadas ao nível mais baixo, de modo a possibilitar e encorajar o envolvimento activo dos cidadãos nas decisões em planeamento. A estrutura do Urbanismo deve ser reestruturada de forma hierárquica, de modo a torná-la mais acessível a todos os cidadãos. 3. Benefícios das Novas Tecnologias Alerta para o desenvolvimento de tecnologia que terá um rebatimento na estrutura da cidade na possibilidade de promoção de descentralização de actividades e acesso igualitário às informações. As pequenas unidades da rede de informação devem promover o contacto humano, que é um elemento essencial da identidade cultural e da coesão social. As novas tecnologias devem proporcionar novas oportunidades. O planeamento deve estudar as possibilidades de descentralização das actividades, tendo em atenção as novas tecnologias, de modo a desenvolver cidades poli-centricas e multifacetadas. 4. Contacto Humano O aumento da concentração da população nos centros urbanos originou a perda da escala humana e consequentemente o desgaste das estruturas sociais e físicas. O aumento da densidade reflectiu-se na perda de espaços livres, parques, praças e equipamentos comunitários, tão importantes como pontos de encontro da população. O planeamento deve ser aplicado em níveis hierárquicos espaciais, nomeadamente ao nível do lote, vizinhança, bairro, cidade e região e níveis sociais e hierárquicos. Ressalta a recriação das chamadas áreas de domínio público, entendido como lugar onde o senso de comunidade, a vitalidade e actividade social devam ser desenvolvidos e reforça a necessidade de espaços abertos e regeneração de áreas abandonadas. Os esforços devem ser feitos de modo para conservar e revitalizar a rede de espaços livres, parques e áreas de lazer dentro das cidades. A importância do design urbano enquanto promotor da vitalidade das cidades deve ser tomada em atenção por parte dos urbanistas, pois pode ser encarado como um revivalismo do urbanismo tradicional. 100 5. Continuidade do Carácter Os efeitos actuais da intensa urbanização debilitaram a integridade cultural da cidade, degradaram a sua estética e danificaram a continuidade da sua malha. A ‘Continuidade do Carácter’ crítica a destruição sistemática do tecido urbano, a necessidade de salvaguardar os elementos tradicionais e a identidade dos ambientes urbanos. Soluções desenhadas devem ser baseadas nos impactes culturais, visuais, funcionais e históricos da área e nas suas qualidades existentes. “O planeamento deve procurar proteger os elementos tradicionais e a identidade do ambiente urbano, incluindo edifícios, quarteirões históricos, espaços livres e áreas verdes. Estes elementos devem ser incorporados em redes contínuas, baseadas em princípios do desenho urbano”.48 6. Aspectos Ambientais Os aspectos ambientais estão no cerne das recentes discussões e, como afirmam os princípios do Desenvolvimento Sustentável, deverão ser a essência do planeamento urbano, este inclui o planeamento de gestão dos resíduos sólidos, o uso da energia, transportes e a biodiversidade. A distribuição espacial de usos do solo irá também ter um efeito essencial na sustentabilidade da cidade. Neste sentido, deverá ser direccionado para a conservação dos recursos não renováveis, a conservação de energia e de tecnologias limpas, a redução dos vários tipos de poluição, evitar o desperdício e promover a reciclagem e redução, e a necessária flexibilização das decisões com o suporte de comunidades locais. “A biodiversidade deve ser uma componente essencial no planeamento da cidade, devendose procurar manter ecossistemas através de ‘corredores verdes’ que penetram a cidade. Especial atenção deve ser dada ao melhoramento das áreas de franja urbana”.49 Recomendações como ‘Actividades Económicas’, ‘Movimento e Acesso’ e ‘Variedade e Diversidade’ estão sobrepostas nas relações centrais de uso do solo nas cidades. 48 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.13. 49 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.14. 101 7. Actividades Económicas É necessário um «approach» integrado para a regeneração urbana na inter-relação de aspectos físicos, estruturais sociais e revitalização económica. 8. Movimento e Acesso A promoção de acessibilidade requer conhecimento de que o uso do solo e o sistema de transportes devem ser concebidos de forma única, diminuindo a dependência de veículos individuais. 9. Variedade e Diversidade No planeamento urbano, um dos objectivos é abolir as áreas mono-funcionais de grande escala, excepto quando, para defesa da saúde pública e da segurança os usos devam ser separados. A promoção de usos mistos compatíveis deverá ser enfatizada, incrementando a vitalidade e variedade no tecido urbano. Acrescenta a necessidade de desenhos/soluções inovadores para a habitação de baixo custo, além de uma maior variedade de tipos de habitação deve estar disponível para ir ao encontro de todas as classes sociais. Os desenhos deverão também procurar soluções mais económicas, através da aplicação de novas tecnologias de construção e novos materiais. Devem também apresentar soluções mais energéticas tirando partido de melhor insolação. “O planeamento deve assegurar uma estrutura satisfatória, para os cidadãos terem poder de escolha do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, e de todas as formas que contribuam para o seu bem-estar”.50 10. Saúde e Segurança As directrizes de saúde e segurança deverão ser priorizadas, e estão relacionadas com desastres naturais, intervenções militares, conflitos sociais e criminalidade. Reforça que pobreza e problemas sociais conduzem a privação e constante desumanização nas cidades. A promoção de ‘Cidade Saudável’ pode ser alcançada elevando a habitabilidade e melhorando as questões ambientais. Conclui-se que a cidade do século XXI deve ser criada não somente por um plano director, mas no processo de negociação, centrado no bem-estar do cidadão. 50 A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades, p.16. 102 3.5 A Nova Carta de Atenas, 2003 O Concelho Europeu de Urbanistas (CEU), de países Europeus, em 1998 propôs uma Nova Carta de Atenas onde analisa a cidade contemporânea, suas funções e faz propostas para o futuro das cidades do século XXI. Esta carta deverá sofrer revisão de quatro em quatro anos, sendo que a primeira revisão foi aprovada no Congresso realizado a 25 de Novembro de 2003 em Lisboa, recebendo o nome de «Nova Carta de Atenas 2003 – A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI». A Nova Carta de Atenas funciona como instrumento orientador e prospectivo de bons princípios da prática urbanística para as cidades do século XXI, ‘desenha’, desde logo, o panorama urbano para o futuro desejável, numa visão progressista de redes de cidades onde, os processos de construção e a Arquitectura, em geral, adquirem uma responsabilidade enorme no destino sustentável do ambiente urbano. A Nova Carta tem três princípios orientadores; a Coerência Social, a Coerência Económica e a Coerência Ambiental. “É importante comparar a Carta de CEU com a Carta de Atenas original. A versão de 1933 contém uma visão prescritiva sobre o desenvolvimento das cidades, com áreas de habitação e trabalho de alta densidade, ligadas por sistemas de transporte de massas eficazes. Em contraste a Nova Carta centra-se nos habitantes e nos utilizadores da cidade e nas suas necessidades num mundo em grandes mudanças”.51 A Nova Carta de Atenas a primeira parte debruça-se sobre a Cidade Coerente, a segunda parte sobre as grandes questões e desafios que se colocam à cidade do futuro; alterações sociais, políticas, económicas e tecnológicas, ambientais e urbanas, bem como os necessários compromissos dos urbanistas para colocar em prática esta mesma visão. Esta tem como objectivo orientar um grupo de acções e medidas de modo a assegurar uma maior coerência na construção de uma rede de cidades com pleno significado e a transformar as cidades europeias em cidades coerentes e sustentáveis a todos os níveis e em todos os domínios. Nesta perspectiva apresenta uma visão partilhada e colectiva sobre o futuro das cidades, em que estas conservarão a sua riqueza cultural e a sua diversidade resultantes da sua história (continuidade histórica), ficaram ligadas entre si 51 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, p.38. 103 por uma variedade de redes de transporte (movimento e acesso) e contribuirão de maneira decisiva para o bem-estar dos seus habitantes e num sentido mais lato de todos os que a utilizam (cidade para todos) e por fim permanecerão criativas e competitivas e procurarão simultaneamente a complementaridade e a cooperação, isto é, o seu desenvolvimento económico. A Nova Carta de Atenas, propõe uma visão da Cidade Coerente que pode ser atingida pelo Urbanismo e pelos urbanistas em colaboração com outros profissionais. Propõe novos sistemas de governância e pistas que permitem o envolvimento dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, utilizando as vantagens das novas formas de comunicação e as tecnologias de informação. “A Cidade Coerente integra um conjunto variado de mecanismos de coerência e de interligação que actuam a diferentes escalas; incluem tanto elementos de coerência visual e material das construções, como os mecanismos de coerência entre as diversas funções urbanas, as redes de infra-estruturas e a utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação”.52 A visão da Nova Carta de Atenas 2003, é a de uma cidade ligada instantânea, porém acentua que não se trata de “uma visão utópica e nem uma projecção delirante de inovações tecnológicas”. Também observam que esta ligação se dará através do tempo, interligando pequenas e grandes cidades e zonas rurais, criando-se um contínuo urbano. Propõe a Coerência Social envolvendo não apenas as pessoas, mas também as comunidades, para solucionar os problemas de acessibilidade, a educação, saúde e outros bens sociais. Propõe a criação de novas estruturas sociais e económicas que permitem reduzir a ruptura social causada pela exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade. Na Cidade Coerente o uso de novas tecnologias permitirá oferecer uma variedade de sistemas de transporte de pessoas e bens. À escala local, a tecnologia e a gestão do tráfego serão utilizados para facilitar a diminuição de utilização de veículos privados. À escala estratégica, as relações entre vizinhanças, cidades e regiões serão facilitadas pela evolução da Rede Trans-Europeia de Transporte (TENS) que oferecerá ligações rápidas, cómodas e económicas. 52 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, p.8. 104 À escala das cidades organizadas em rede, será a melhoria das condições de troca entre os diferentes modos de transporte que facilitará a mobilidade. A organização do espaço numa Cidade Coerente deve incluir a integração completa das políticas de transporte e das políticas urbanas, as facilidades de deslocação e de acesso e uma maior escolha de modos de transporte tornar-se-ão cada vez mais um ponto crítico da vida na cidade. Segundo a Nova Carta de Atenas, a cidade do século XXI deve abranger a Coerência Económica, criando um extenso tecido financeiro de malha fina, de grande eficácia e produtividade “conjugando eficácia e produtividade, mantendo altos níveis de emprego e procurando assegurar uma margem de desenvolvimento competitivo no quadro da economia global, adaptando-se continuamente às mudanças internas e externas”.53 E prevê que as economias locais e regionais se ligarão com outras economias de regiões, quer ao nível nacional como internacional, possibilitando o pleno emprego e o aumento da prosperidade dos cidadãos. A Nova Carta ainda prevê, que as cidades mais bem sucedidas económicamente serão aquelas que souberem aumentar as suas vantagens competitivas, para tal formam redes urbanas policêntricas de vários tipos, nomeadamente: • Redes de Sinergia, redes entre cidades com as mesmas especializações ligam-se com o objectivos comuns; • Redes de Complementaridade, redes de cidades com especializações diferentes ligam-se permitindo-lhes abastecer-se mutuamente; • Redes Flexíveis, o objectivo destas redes de cidade é a troca de bens e serviços; e por fim • Redes de Notoriedade, são redes de cidades com interesses comuns, a nível económico e ou culturais ligam-se com o objectivo de reforçar a vantagem competitiva de cada uma. As redes policêntricas de cidades organizadas sob estas diferentes formas, assegurarão a distribuição, o crescimento e o poder das actividades económicas. A Nova Carta de Atenas 2003, propõe a Coerência Ambiental. A gestão ambiental e a aplicação da prática dos princípios do Desenvolvimento Sustentável produzirão uma cidade que será mais salubre e por isso mais saudável para a vida humana. A qualidade 53 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, p.14. 105 ambiental que contribui para a harmonia social e a vitalidade cultural tornam-se um dos factores chave do sucesso económico de uma cidade. “A componente ambiental do Desenvolvimento Sustentável não só diz respeito preservação e reinstalação de zonas naturais nas cidades e na sua envolvente, mas implica também muitos outros elementos: • O princípal desafio do século XXI será o de assegurar uma utilização sensata dos recursos disponíveis, especialmente aqueles que são naturais e não renováveis, desde logo o solo, o ar e a água; • Um passo importante será proteger as cidades contra os excessos de poluição e de degradação, para que as cidades possam conservar a sua utilidade; • As cidades do novo milénio irão gerir permanentemente o balanço «input-output» dos recursos consumidos, com prudência e economia, adaptando-o às necessidades reais, utilizando tecnologias inovadoras, minimizando o seu consumo pela reutilização e reciclagem a níveis tão altos quanto possíveis; • A produção de energia e o seu uso serão uma das princípais preocupações, com níveis de eficiência sem precedentes e uma crescente utilização de fontes de energia renovável; • Enfim, a cidade cessará de exportar os seus resíduos para as áreas envolventes e transformar-se-á num sistema coerente e auto-suficiente, tratando e reutilizando a maioria dos recursos importados”.54 Para ser coerente com os princípios, os espaços naturais deverão ser protegidos contra a extensão e a multiplicação das redes urbanas, para tal devem-se criar medidas de protecção e criar estímulos para a promoção pública da tomada de consciência sobre o valor da necessidade da preservação, valorização e salvaguarda destes espaços. “O desenho urbano e a composição urbana serão os elementos essenciais para o renascimento das cidades. Permitirão eliminar as clivagens entre as várias partes da cidade e procurarão preservar o carácter próprio de cada cidade e a sua continuidade face à tendência de homogeneização das relações interpessoais, através de diferentes políticas de espaços urbanos e diferentes tipos de medidas e intervenções, nos quais o urbanista terá um papel chave. Estas incluem: 54 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, p.18. 106 • O relançamento do desenho urbano e da composição urbana para proteger e melhorar as ruas, as praças, os caminhos de peões e outros percursos, como instrumentos de coesão social e de continuidade do tecido urbano; • Reabilitação das formas urbanas não humanizadas e degradadas; • Medidas necessárias para facilitar os contactos entre as pessoas e para multiplicar os locais de descanso e de lazer; • Medidas para melhorar o sentimento indívidual e colectivo de segurança, que é um elemento essencial da liberdade e bem-estar individuais; • Esforços para criar ambientes urbanos simbólicos provenientes do espírito próprio de cada lugar, valorizando assim a diversidade de carácter de cada cidade; • Manutenção e exigência de um alto nível de excelência estética em todos os locais da cidade; • Protecção sistemática dos elementos do património natural e cultural, assim como a protecção e extensão das redes de espaços abertos urbanos”.55 Em síntese os elementos de Coerência Económica, Social e Ambiental, terão uma enorme influência e impacto sobre o Urbanismo e sobre o desenvolvimento do ordenamento do território. A Nova Carta de Atenas 2003, estabelece não apenas quatro funções como a Carta de Atenas de1933, mas dez funções que são tratadas como conceitos. Uma nova visão das cidades conectadas, que devem, segundo o Concelho Europeu de Urbanistas ser aplicadas com as características locais, históricas e culturais. Referem-se às cidades europeias do futuro, mas aplicam-se a qualquer cidade do mundo, já que as novas tecnologias e visão filosófica são adaptadas quase que instantaneamente nestes tempos de globalização. Os dez novos conceitos são: 1. Uma Cidade para Todos Deve estabelecer a inclusão das comunidades através da planificação espacial e medidas sociais e económicas que por si só devem combater o racismo, a criminalidade e a exclusão social. 55 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, p.21. 107 2. Cidade Participativa Desde o quarteirão, o bairro, o distrito, o cidadão deve possuir espaços e meios de participação pública para a gestão urbana, ligados numa rede de acção local. 3. A Cidade deve ser um Refúgio Ou seja deve estar protegida por acordos internacionais. Deve ser um lugar adequado para proporcionar o bem-estar, a solidariedade entre as gerações, como também tomar medidas para combater os desastres naturais. 4. A Cidade Saudável Obedecendo às normas da Organização Mundial de Saúde, melhorando as habitações, meio ambiente e com o planeamento sustentável, reduzir os níveis de poluição e conservar os recursos naturais. 5. A Cidade Produtiva Que potencializa a competitividade, gerando postos de trabalho e pequenos negócios, fortalecendo a economia global e melhorando o nível dos cidadãos através da educação e a formação profissional. 6. A Cidade Inovadora A cidade deve ser inovadora, utilizando tecnologias de informação e comunicação e permitindo o acesso dessas tecnologias a todos. Desta forma desenvolvendo redes policêntricas, cidades multifacetadas comprometidas com os processos de governo e gestão. 7. Cidade Acessível Outras das funções da cidade são os movimentos radicais e a acessibilidade que vinculam o planeamento estratégico de transporte de forma integrada, com isto melhora as interligações, o transporte público, ampliando as ruas livres e devolvendo os passeios aos peões e não como meros locais para estacionamento de carros, e promovendo a caminhada e o uso da bicicleta. 8. A Cidade Ecológica Conceito da Carta de Atenas 1933, aplicado também na Nova Carta, com a sustentabilidade constituindo num processo de planeamento ligado ao processo de participação social, constituindo-se em princípios do desenvolvimento sustentável. 108 9. A Cidade Cultural Estabelece o comprometimento com os aspectos sociais e culturais do meio urbano, com o objectivo de enriquece-lo e diversificar a malha urbana com espaços públicos, integrando o trabalho, habitação, transporte e lazer, ao contrário da Carta de 1933, para proporcionar deste modo bem-estar e melhor qualidade de vida aos cidadãos. 10. A Cidade de Carácter Continuo Tem como objectivo proteger os elementos tradicionais, a memória, a identidade do meio ambiente urbano, incluindo as tradições locais, o património edificado, métodos construtivos, bairros históricos, espaços abertos e verdes. Não há dúvida de que estas são as novas funções das cidades, que já existiam desde os primórdios, ocorre que se tem uma nova visão da cidade, estabelecendo a ela novas funções de acordo com o novo paradigma. 109 3.5.1 Questões e Desafios da Nova Carta de Atenas56 A segunda parte da Nova Carta de Atenas debruça-se sobre os compromissos dos Urbanistas e sobre as grandes questões e desafios que se colocam à cidade do futuro. As tendências estão classificadas segundo quatro grupos: • Alterações Sociais e Políticas • Alterações Económicas e Tecnológicas • Alterações Ambientais • Alterações Urbanas Alterações Sociais e Políticas Tendencialmente devido às forças da globalização, as fronteiras perdem o seu sentido pelo processo de unificação, o tempo e a distância parecem perder a importância. Os cidadãos dos diversos países ficam em contacto directo e as cidades entram em competição umas com as outras, a uma escala global. Na Europa, as mudanças radicais de governos influenciam a organização do ordenamento do território e a gestão das cidades. A falta de regulamentos e o poder privado oferecem novas vias para o financiamento e permitem novos projectos de desenvolvimento. As cidades são forçadas a entrar num meio gerido pela competição dos investimentos. Estas optam frequentemente por um estilo de gestão empresarial com visões estratégicas a curto prazo, e sobretudo objectivos dilatados por aspectos financeiros, bem diferentes daqueles tradicionalmente associados à actividade do poder público. Isto reflecte-se, por exemplo, pelo aumento do poder privado, o que conduz, por vezes, os poderes públicos locais a negligenciar a participação do poder público nas políticas do Urbanismo estratégico. Muitos dos importantes problemas financeiros e sociais com os quais as cidades se debatem actualmente conduzem a deficiências na prática da democracia local, porque os poderes públicos deixam muita das suas responsabilidades nas mãos do poder privado. Os cidadãos sentem-se abandonados pelos seus representantes locais, perdem a confiança, o que origina a perda do envolvimento público nas decisões do planeamento. 56 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, Parte II – Questões e Desafios 110 Os desafios para as cidades do futuro, centram-se nos conceitos-chave de desenvolvimento sustentável, da identidade urbana, da vida em comunidade, da segurança, da saúde e da protecção médica, tornam-se cada vez mais assuntos delicados para os urbanistas e para os processos de planeamento estratégico. A necessidade de se criar um ambiente urbano que ofereça qualidade de vida, mas também a protecção da saúde e a segurança pública, lançam às cidades do futuro um importante desafio no qual os aspectos de sustentabilidade social, económica e ambiental, sejam equilibrados. Desenvolver novas identidades baseadas nas novas influências culturais é também um dos grandes desafios que as cidades devem resolver. A recuperação dos laços e da solidariedade social entre as diferentes gerações parece ter-se transformado num elemento crítico para o futuro bem-estar das populações urbanas. O desenvolvimento de processos inovadores de democracia local, constitui outro desafio, trata-se de procurar novos meios para mobilizar todos os actores, com o objectivo de aumentar a participação e de assegurar a promoção dos interesses comuns de todos os grupos. A participação dos cidadãos permite uma melhor compreensão das exigências das pessoas e pode dar início a uma verdadeira evolução cultural, que conduzirá à aceitação de soluções muito diversas para fazer face às diferentes necessidades dos vários grupos, preservando sempre uma identidade da cidade. Alterações Económicas e Tecnológicas No início do século XXI, a velocidade do desenvolvimento tecnológico, baseada na procura, na inovação e na sua difusão no campo das ciências e técnicas, é mais rápida que em qualquer outro momento da história. Influência os modos de vida, a economia, as estruturas do território e a qualidade das cidades, sejam elas de grande ou pequena dimensão. O desenvolvimento e o aprofundamento do conhecimento sobre os fundamentos da economia mudaram radicalmente as forças que conduziram ao desenvolvimento urbano. As companhias mundiais organizam e gerem os seus negócios independentemente dos limites regionais e nacionais, utilizando e empregando recursos, como a mão-de-obra, onde a oferta estiver disponível e for menos cara. Os critérios de localização já não são aqueles da concentração de indústrias transformadoras – que perdeu a sua importância – já que riqueza e a diversificação das actividades exercidas nas cidades assim como a qualidade do 111 ambiente urbano se tornaram nos novos factores decisivos para a localização das empresas. A globalização da economia reforça o impacto dos factores externos sobre o desenvolvimento urbano. Mesmo trazendo novas oportunidades, enfraquece muitas vezes a economia local tradicional, conduzindo à depreciação dos objectivos locais e à perda das ligações económicas e culturais entre a cidade e a região. Sem um quadro de governação local capaz de responder a estes desafios para preservar estas forças económicas podem conduzir a um processo de exclusão social e a situações de precariedade. Nos desafios para as cidades do futuro, a economia baseada no saber será mais importante que as indústrias convencionais, e de optimização das ‘performances’ as actividades económicas deverá resultar mais tempo livre para os seus habitantes. Este facto relacionar-se-á com uma maior escolha de actividades culturais e de lazer, reais ou virtuais. Os novos tipos de actividades económicas deveriam igualmente resultar em: menos poluição, centros das cidades mais animados, paisagens valorizadas e mais biodiversidade ao longo dos perímetros urbanos e no espaço rural envolvente. As qualidades culturais, assim como as ambientais, serão sucessivamente reconhecidas como factores competitivos importantes para as cidades. A identidade histórica específica e as qualidades de cada cidade terão um papel decisivo no seu desenvolvimento. De entre todos os seus objectivos, as cidades terão necessidade de desenvolver aqueles que melhor lhes permitiam assegurar a sua prosperidade num contexto de redes de cidades, que se desenvolverão a diferentes escalas, produzindo novas formas de cooperação. Um desafio importante consiste em atingir este objectivo, assegurando que a maior parte da população se sinta total e activamente incluída. Alterações Ambientais Actualmente o ambiente físico é grandemente afectado pela escala crescente das actividades económicas, pela urbanização contínua e consumidora do solo, pelo declínio da agricultura e pela expansão das redes de infra-estruturas e de serviços. Os espaços naturais no interior e em torno das cidades tendem a desaparecer sob a pressão da expansão económica. O ambiente físico é também ameaçado pela poluição e pelo consumo de recursos não renováveis. A contaminação do solo, da água e do ar continua a crescer, a poluição luminosa e sonora ameaçam seriamente a capacidade de assimilação dos ambientes 112 natural e humano. Mudanças climáticas conduzem a condições atmosféricas menos estáveis, acompanhadas de mais precipitação, turbulência, ventos mais fortes, e uma subida do nível do mar. As más condições de saúde nas cidades, são o resultado de actividades poluentes e produção de resíduos. Menos espaços verdes e menos biodiversidade nas cidades são ameaças para a qualidade de vida urbana e dos espaços públicos. O valor ambiental das orlas urbanas está em declínio. A agricultura e os espaços verdes dão lugar a construções, a estruturas e a actividades não apropriadas aos espaços rurais. Perigos ainda mais graves podem afectar as grandes concentrações urbanas, nomeadamente as avalanches, deslizamentos de terras, tempestades violentas intensificam a tomada de consciência da necessidade de medidas públicas de protecção contra as catástrofes naturais. Os desafios para as cidades do futuro, centram-se no princípio da precaução e as considerações ambientais devem estar incluídos em todos os processos de tomada de decisão e não só onde as avaliações de impacto ambiental são obrigatórias. A necessidade de preservação dos ecossistemas é uma preocupação que deve estar integrada na gestão da cidade. É preciso procurar equilíbrios entre o desenvolvimento urbano baseado na economia e as condições de vida saudáveis. Encontrar os meios financeiros para realçar e proteger os espaços naturais e a biodiversidade é uma importante tarefa a cumprir. A necessidade de um ambiente saudável implica também uma gestão criteriosa do espaço, para o qual o Urbanismo e o planeamento estratégico são instrumentos essenciais. Alterações Urbanas Actualmente a cidade não é uma entidade edificada contínua, densa, mas inclui sempre uma variedade de formas e espaços urbanos. O desenvolvimento das cidades e das regiões não é só o resultado de técnicas modernas de planeamento do espaço, mas também o resultado de desenvolvimentos informais e não planeados do passado. As tecnologias de informação e de comunicação permitem comunicações mundiais directas e imediatas. A acessibilidade física evoluiu imenso, como consequência da melhoria das infraestruturas, nomeadamente no que diz respeito ao transporte de mercadorias e pessoas sobre redes optimizadas e bem geridas que crescem rapidamente. Os sistemas tendem a funcionar com mais eficácia, a custos reduzidos, gerando novas soluções e novas formas e modelos urbanos. Uma melhor acessibilidade física que resulta de infra-estruturas de transporte melhoradas, tende, no entanto a criar barreiras e obstáculos, especialmente para os modos 113 de transporte e de deslocações mais lentos. Tem como resultado que as estruturas físicas dominantes conduzam à fragmentação das estruturas dos arredores da cidade e da paisagem. A sub-urbanização e a dispersão das funções urbanas para as zonas periféricas da cidade implicam distâncias de deslocações maiores e, finalmente, a deterioração da qualidade dos equipamentos e dos serviços. Um decréscimo do uso do transporte público e um crescimento da utilização do transporte individual agrava ainda mais os problemas das cidades. Em termos económicos, o processo de globalização manifesta-se por uma dispersão mundial da produção, assim como uma concentração da gestão e das funções nas grandes cidades. Isto pode conduzir ao crescimento acelerado das regiões metropolitanas em detrimento de outras formas de organização territorial. Os desafios para as cidades do futuro, devem ser aplicados aos novos desenvolvimentos tecnológicos nas comunicações, na informação e nos transportes, de tal modo que os cidadãos e a vida na cidade no seu conjunto, deles beneficiem. São necessárias novas regas para o desenho e composição urbana, onde as partes antigas e novas das cidades devem ser planeadas de maneira coerente para oferecer soluções apropriadas, ligando sempre o passado do futuro. É preciso também que existam laços contínuos entre os espaços livres e espaços construídos – às diferentes escalas territoriais desde do quarteirão à cidade, e das redes de cidades ao território global da Europa. As formas urbanas devem integrar uma mistura social e urbana e devem contribuir para uma melhor qualidade de vida. O lazer na cidade pode tornar-se uma combinação de ambientes virtuais e físicos, com possibilidades ainda desconhecidas. È importante oferecer aos cidadãos ambientes e serviços de alta qualidade. O processo de planeamento do espaço deve gerar um verdadeiro compromisso entre todos os actores e salvaguardar os interesses colectivos – um instrumento essencial para assegurar o desenvolvimento sustentável e a coesão social. Finalmente, o carácter único da cultura urbana europeia, parcialmente herdada da sua história e dos seus diferentes estilos de vida, necessita de urbanistas profissionais que tenham a consciência e o saber fazer necessários para compatibilizar as novas formas urbanas com as necessidades da população do século XXI. 114 3.5.2 Os Compromissos dos Urbanistas57 A Nova Carta de Atenas, apresenta os compromissos dos Urbanistas. Descreve o conjunto de valores que deve orientar os actos profissionais dos urbanistas nas suas intervenções junto dos poderes públicos e população, de forma a poder pôr em prática a Visão da Carta e aplicar os princípios de desenvolvimento das cidades preconizadas na mesma. A complexidade e o desafio deste papel requer toda uma série de obrigações específicas aos urbanistas, que serão os profissionais do século XXI, tanto como conselheiros estratégicos como ‘planeadores do território’, como gestores-administradoresanimadores urbanos ou como especialistas científicos. O Urbanista como HUMANISTA e CIENTISTA compromete-se: • Analisar as características existentes e as tendências, considerando o contexto geográfico em sentido lato e concentrando-se nas necessidades a longo prazo, para oferecer uma informação completa, clara e rigorosa aos decisores, aos actores e à população em geral; • Tornar acessível a informação disponível, considerando os indicadores europeus, e adoptar representações que facilitem o debate público e a compreensão partilhada das soluções propostas e dos processos de tomada de decisão; • Conservar um conhecimento apropriado sobre a filosofia, a teoria, a investigação e a prática contemporânea do ordenamento do território e do Urbanismo, através da formação contínua; • Contribuir para a formação e para o ensino e para o desenvolvimento da profissão de urbanista na Europa, integrando a teoria na prática; • Encorajar a crítica saudável e construtiva da teoria e prática do planeamento territorial e partilhar resultados da experiência e da investigação, para contribuir para a evolução do conhecimento e para a competência em matéria do planeamento do território e Urbanismo. O Urbanista como PLANEADOR URBANO e VISIONÁRIO compromete-se a : • Pensar em todas as dimensões que permitam a articulação de estratégicas locais e regionais no quadro das tendências globais – ‘pensar globalmente, agir localmente’; 57 A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI, Parte II – Os Compromissos dos Urbanistas. 115 • Aumentar as escolhas e as oportunidades para todos, reconhecendo uma responsabilidade espacial nas necessidades das populações desfavorecidas; • Proteger a integridade e o ambiente natural, a excelência da composição urbana e preservar a herança cultural do ambiente urbano construído para as gerações futuras; • Propor alternativas em relação a problemas e desafios específicos, medindo limiares e impactos, pôr em evidência as identidades locais e contribuir para o seu próprio desenvolvimento, implementando programas e estudos de viabilidade; • Desenvolver e elaborar estratégias espaciais de desenvolvimento mostrando as oportunidades para o desenvolvimento futuro das cidades ou das regiões; • Identificar o posicionamento óptimo do plano, ou do esquema, nas redes (inter) nacionais, mais relevantes, de cidades e regiões; • Converter todos os actores a partilhar uma visão comum e de longo prazo, para a sua cidade ou região, acima dos interesses e objectivos individuais. O Urbanista como CONSELHEIRO ESTRATÉGICO e MEDIADOR compromete-se: • Respeitar os princípios de solidariedade, subsidiariedade e igualdade nas tomadas de decisão, tanto nas decisões que propõe como na sua implementação; • Aconselhar as autoridades preparando-lhes propostas e soluções, com metas a cumprir, objectivos a atingir, análises de impacto e diagnósticos, procurando sempre melhorar e realçar a importância do bem-estar público; • Sugerir e elaborar instrumentos operacionais que assegurem a eficiência e a justiça social nas políticas de ordenamento; • Facilitar a verdadeira participação pública e a responsabilização das autoridades locais, dos decisores, dos actores económicos e dos cidadãos, para coordenar desenvolvimentos e assegurar a continuidade e a coesão espaciais; • Coordenar e organizar a colaboração entre todos os actores envolvidos de forma a encontrar um consenso e resolver os conflitos através de decisões inequívocas preparadas para as autoridades competentes; • Esforçar-se por um alto nível de comunicação que assegure o conhecimento e a compreensão dos futuros utilizadores. 116 O Urbanista como GESTOR-ADMINISTRADOR URBANO compromete-se: • Adoptar modos de gestão estratégica no processo de desenvolvimento espacial, indo claramente acima da elaboração dos planos, destinados a servir as necessidades burocráticas administrativas; • Alcançar a eficiência e eficácia das proposições adoptadas, tendo em conta a viabilidade económica e os aspectos ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável; • Considerar o planeamento do território segundo os princípios e os objectivos do Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) e outros documentos de política da União Europeia (UE), para adaptar as propostas locais e regionais às estratégicas e políticas europeias; • Coordenar diferentes níveis territoriais e diferentes sectores a fim de assegurar a colaboração, o envolvimento e o apoio de todas as autoridades administrativas e territoriais; • Estimular o partenariado entre os sectores público e privado, para valorizar os investimentos, criar emprego e atingir a coesão social; • Beneficiar positivamente dos Fundos Europeus, encorajando a participação das autoridades locais e regionais nos programas e projectos co-financiados para União Europeia (UE); • Monitorizar e avaliar permanentemente os planos para corrigir resultados não previstos, propor soluções ou acções, e assegurar uma inter-relação retroactiva contínua entre as políticas de planeamento territorial e a sua implementação. 117 3.6 Conclusão A Carta de Atenas (1933), é o documento mais paradigmático do Urbanismo do Movimento Moderno, surgiu como necessidade para reconstrução dos tecidos urbanos e em toda a década dos anos quarenta e cinquenta, aquando do nascimento de novas cidades (ex: Brasília de Lúcio Costa). A Nova Carta de Atenas (1998) e sua respectiva revisão, pelo carácter dogmático da primeira, conduz a reflexões e críticas acumuladas nas últimas décadas sobre a cidade tradicional e introduz os princípios do Desenvolvimento Sustentável. O regresso de conceitos pode ser observado princípalmente na actuação do Urbanista como o ‘grande mestre’ detentor de verdades, e de um ‘coreógrafo’ do desenvolvimento territorial. O domínio científico dos Urbanistas e a activa participação social dos cidadãos nas decisões do planeamento das cidades são um dos princípais objectivos da Nova Carta de Atenas. Assim, a Nova Carta tem uma visão do Desenvolvimento Sustentável, enfatizando a consciência ambiental necessária ao futuro para criação de bons ambientes urbanos para o cidadão. A análise das recomendações sugere uma mudança de atitude na concepção dos espaços urbanos, que devem ser repensados por Arquitectos e Urbanistas na incorporação de novos valores. A Nova Carta de Atenas adiciona novos valores, tais como a qualidade de vida, identidade cultural, questões sociais, cultura e educação, novas tecnologias, meio ambiente, economia, mobilidade, segurança e saúde. Enfatiza que na construção dos ambientes urbanos há a necessidade de sobreposição de diversos valores que deverão ser incorporados nas práticas de organização das cidades. As considerações da Nova Carta de Atenas sistematizam recomendações de carácter não inovador, que têm sido discutidas nas últimas décadas. Porém, apresentam um desafio profissional, de entender e interpretar o espaço urbano com os novos parâmetros qualitativos e centrados nos cidadãos que deverão ser os efectivos actores na construção de ambientes urbanos mais sustentáveis. 118 CAPÍTULO 4 ESTUDO SOBRE MOBILIDADE URBANA 4.1 Mobilidade Urbana na Europa CIDADE: GENT Enquadramento: A cidade de Gent fica situada na Bélgica, exactamente a 55 Km da capital – Bruxelas. É a segunda maior cidade da Flandres com 226 000 habitantes, 45 000 são estudantes. Tem uma área territorial de 156 Km2, sendo que 36 Km2 é ocupada por área portuária. A indústria de produção de ferro, automóvel e a electromecânica, são os princípais sectores de desenvolvimento económico da cidade e é o terceiro centro económico e a quinta cidade do país em termos de criação de emprego, especialmente na área dos serviços. O plano de mobilidade encontra-se bem intregrado e desenvolvido; o acesso e estacionamento ao centro da cidade encontra-se bloqueado a veículos privados, existe um incentivo para a utilização do uso da bicicleta e dos transportes públicos, com estações de ligação entre diferentes transportes, o tráfego encontra-se condicionado por sectores com redução de velocidade e outras medidas de segurança. Gestão Adoptada: Desenvolvimento de medidas de incentivo para o uso da bicicleta, nomeadamente, através da criação de campanhas para a sensibilização junto da população mais jovem, com a distribuição gratuita de capacetes para crianças até aos três anos de idade, bandeiras para crianças até aos cinco anos e fatos reflectores para crianças até aos oito anos; construção de ciclovias junto dos cursos de água que atravessam a cidade; criação de uma rede de infra-estruturas ligadas ao uso da bicicleta nas estradas regionais, com cerca de duas centenas de quilómetros de área urbana; todas as áreas pedonais podem ser utilizadas também por ciclistas; as ruas para veículos motorizados são de um único sentido enquanto que as ciclovias são de dois sentidos; criação de um mercado de compra e venda de bicicletas em segunda mão e criação de sistemas anti-roubo. 119 Estabelecimento de um sistema de gestão de mobilidade, através da criação de um plano de moblidade da cidade em que este é actualizado anualmente; participação da população em campanhas de ‘dias sem carro’; as escolas e as empresas são convidadas a desenvolver planos estratégicos de mobilidade. Inserção de um plano estratégico para os transportes públicos, nomeadamente através da introdução de uma rede nocturna para os fins-de-semana; promoção do tranporte gratuito para as classes mais jovens e para os idosos; aposta em transportes mais rápidos, mais frequentes, mais cómodos e mais amigos do ambiente (eléctricos). Criação de um sistema electrónico de informação de transportes inteligentes, o qual informa sobre a taxa de ocupação de veículos nos parques de estacionamento; desenvolvimento e criação de novos projectos-piloto para limitadores de velocidade. Integração do planeamento espacial no planeamento dos transportes, nomeadamente através da criação e desenvolvimento de planos de acessibilidades e de transportes para a zona Norte da cidade. Área em que se encontra em fase de desenvolvimento espacial. Criação da maior área pedonal do país e de uma política de estacionamento eficaz, com acesso do automóvel ao centro histórico da cidade com autorização específica, visto esta ser uma área exclusivamente pedonal; desenvolvimento de medidas de estacionamento na periferia circular, com capacidade de 17 000 lugares e com preços mais económicos para os utilizadores de bicicletas no centro da cidade e com acesso gratuito aos residentes; criação de uma via destinada ao trânsito automóvel, denominada como «Via P», esta faz ligação entre os grandes parques de estacionamento próximos do centro da cidade, na sua extenção é dada a informação através de painéis electrónicos do estado de ocupação dos diferentes parques. 120 CIDADE: GRÄZ Enquadramento: A cidade de Gräz, situa-se na Áustria. É uma das cidades mais preservadas da Europa em termos de património histórico, em 2003 foi considerada Cidade Europeia da Cultura e Património da UNESCO em 1999. É a capital e centro cultural económico e universitário da província de Styria. Tem uma massa populacional de 238 000 habitantes. Foi a primeira cidade da Europa a estabelecer o limite de velocidade de 30Km/h no centro da cidade (excepto nas princípais vias), medida esta que é bastante bem aceite pela população e foi igualmente primeira cidade do país a construir um centro de mobilidade. Cidade económicamente desenvolvida e com elevada qualidade de vida, tal factor constitui um centro da política de transportes. Gestão Adoptada: Criação de medidas estratégicas de incentivo ao uso do transporte público, nomeadamente através da utilização de autocarros e eléctricos mais modernos, mais rápidos, mais confortáveis e de fácil acesso (piso rebaixado) e mais amigos do ambiente (biodisel); estes têm prioridade nos semáforos e os seus percursos são mais directos e estão parcialmente separados de outro tipo de tráfego. Criação de medidas estratégicas de incentivo ao uso da bicicleta. Estas passam pela criação de uma densa rede de ciclovias e áreas pedonais na área central da cidade, com auditorias regulares. Toda a rede de ciclovias e áreas pedonais estão colocadas na internet onde qualquer cidadão tem fácil acesso e até pode imprimir. Estas medidas permitiram que a taxa de utilização aumenta-se de 6% em 1980 para 15% em 2008, prevê-se que este indice aumente para 35% em 2009. Estabelecimento de medidas de planeamento urbano sustentável, estas passam pela criação de vias para trasportes sustentáveis, como é o caso da bicicleta e dos transportes públicos. A criação da «Urban Link Gräz-West» permitiu o aumento da qualidade de vida na zona histórica da cidade. Estabelecimento de medidas estratégicas de transporte sustentável. Estas passam pela construção de grandes vias pedonais, bem como a criação de uma linha noturna de autocarros; uso de transportes públicos mais modernos com piso rebaixado e com informação dos mesmos em tempo real (horários e preçários); estabelecimento de regras de 121 estacionamento, limites de velocidade e incentivo à partilha de veículos privados; construção de uma rede de infra-estruturas de ciclovias e de um centro de mobilidade no centro do país. Gräz foi a primeira cidade do país a criar um centro de mobilidade. É denominado como «MobilZentral» e fica localizado bem no centro da cidade. Este fornece toda a informação relativa aos transportes públicos, nomeadamente horários, preços para autocarros, comboios e outros meios de transporte; metro, eléctricos, etc. Limitação do acesso e estacionamento de veículos automóveis, nomeadamente na área central da cidade e em áreas pedonais; a política de acesso ao estacionamento tem como objectivo limitar o estacionamento gratuito, utilizar os rendimentos das taxas dos paquimetros para suporte das políticas de transporte, reduzindo a superfície disponível para estacionamento e incentivar a circulação de veículos menos poluentes. Criação de medidas para reduzir o ruído, nomeadamente através do projecto GOAL para a redução do ruído e tráfego. CIDADE: GRÖNINGEN Enquadramento: A cidade de Gröningen fica situada na Holanda, é a sétima maior cidade do país. Tem cerca de 177 000 habitantes. É uma cidade com uma elevada percentagem de população jovem, devido à existencia de um pólo universitário e de um hospital universitário. Desenvolve uma política integrada de planeamento urbano, transportes e ambiente. Gestão Adoptada: Criação de incentivos ao uso do transporte público; possui uma rede de transportes públicos, denominados como KOLIBRI. Estes oferecem um serviço rápido, confortavél, moderno e competitivo em relação ao automovél. Criação de incentivos ao uso da bicicleta; a bicicleta é igualmente meio de transporte competitivo em relação ao automóvel, a bicicleta é cerca de 30% mais rápida que o automóvel. Cerca de 50% das deslocações de curta distância são realizadas em bicicleta. 122 Criação de Programas de Gestão da Mobilidade; por meio de campanhas publicitárias os quais abordam diferentes assuntos destinados a um público-algo; as empresas instaladas no centro da cidade são convidadas a elaborar planos internos de mobilidade, sob a coordenação do Centro de Coordenação de Tráfego da cidade e a criarem soluções alternativas para o problema dos movimentos pendulares. Gestão do estacionamento; o estacionamento no centro da cidade é mais caro, e o número de lugares dentro da cidade e na sua periferia para deslocações de negócios e compras é de tempo limitado. Gröningen, foi distinguida no ano de 2002 por ter criado uma política de transporte de mercadorias sustentável, através de acordos e parcerias com as empresas de transporte para entrega de mercadorias em horários fixos, no máximo de uma centena em vinte ruas no centro da cidade por dia, realizadas em veículos com impacte ambiental reduzido. CIDADE: TERRESA Enquadramento: A cidade de Terresa, situa-se na Espanha na fronteira Norte da Área Metropolitana de Barcelona. É uma cidade altamente industrializada, com um grande crescimento económico e populacional (cerca de 190 000 habitantes). Está envolvida na elaboração de vários planos de ordem ambiental, desenvolvimento urbano, planos de mobilidade, acesssibilidades e equipamentos comerciais. Gestão Adopatda: Elaboração de um plano de mobilidade baseado nos seguintes princípios; - Vias internas que distribuem o tráfego rodoviário pelas áreas sub-urbanas, têm um limite máximo de velocidade de 40Km/h; - Vias que ligam as infra-estruturas externas ou pequenas zonas residenciais têm um limite máximo de velocidade de 50 Km/h; - Áreas suburbanas são tratadas como ‘células de mobilidade’, onde existe o limite máximo de velocidade de 30 Km/h, para tráfego rodoviário, permitindo a coexistência com a bicicleta; 123 - Plano de moblidade inclui medidas para o transporte de mercadorias, bicicletas e estacionamento e também introduz indicadores bianuais para avaliar o cumprimento do Protocolo de Quioto; - Prioridade na construção de vias pedonais de curta distância. Elaboração de um plano de áreas pedestres, nomeadamente na zona histórica da cidade, com a criação de pequenas áreas comerciais e eliminação das barreiras arquitectónicas. Estabelecimento do limite de velocidade de 30 Km/h em áreas pedonais e 40 Km/h em áreas estratégicas. Criação de parques de estacionamento de acordo com as necessidades dos residentes, das áreas comerciais e de lazer. Criação de uma rede de ruas pedonais com cerca de 150 Km, com o objectivo de fazer a ligação entre as diferentes escolas e as princípais áreas de lazer. Criação de um sistema de gestão do transporte público, que passa pela construção de plataformas para as paragens de autocarros, pela renovação da frota, pela criação de um sistema inteligente de gestão da frota, de um sistema de controlo de passageiros e por um novo sistema de bilhetes. Aplicação de novas tecnologias para a mobilidade sustentável, nomeadamente através do desenvolvimento de um sistema de controlo de tráfego com tecnologia de rádio digital para dar prioridade aos transportes públicos e informação actualizada aos cidadãos. Incentivo à participação de todos os actores, nomeadamente; cidadãos, empresas e autoridades públicas da cidade. Este incentivo é feito através de campanhas de sensibilização e de comunicação para a promoção, divulgação e consolidação cultural, social e política do modelo de mobilidade. 124 4.2 Mobilidade Urbana em Portugal CIDADE: CHAVES e VILA REAL Enquadramento: Ambas as cidades situam-se no Norte de Portugal. Chaves tem uma área territorial de 600 Km2 , com cerca de 44 000 habitantes, enquanto que Vila Real tem uma área de 380 Km2, com 50 000 habitantes. São duas cidades com elavado interesse turístico, assim como o concelho de Vila Pouca de Aguiar. Existência uma linha de caminho-de-ferro inactiva entre Chaves e Vila Real. Gestão Adopatada: No ano de 2006 foi criada uma ciclovia, com 83 Km de extensão. Esta desenvolve-se ao longo da antiga linha de caminho-de-ferro que ligava Chaves a Vila Real, passa pelas cidades de Vila Pouca de Aguiar, Vidago e Pedras Salgadas. Objectivos Propostos: - Explorar as potencialidades turísticas da região; - Criação de uma alternativa de lazer para o população; - Prevenção da desertificação da cidade; - Dinamização económica, especialmente na ligação com a Espanha; - Divulgar o turismo termal, quer em Protugal quer na Europa; - Diminuição do tráfego automóvel de natureza turística nestas cidades. CIDADE: AVEIRO Enquadramento: A cidade de Aveiro fica localizada na orla costeira do centro do país. Tem uma área territorial de 200 Km2, com cerca de 75 000 habitantes, 10 000 são estudantes (cidade com um pólo universitário). É uma cidade altamente industrializada e possuí um moderno porto de mercadorias, localizado nas rotas internacionais. É uma cidade com grande interesse turístico e ecológico, devido à Ria de Aveiro. 125 Encontra-se envolvida por três grandes eixos rodoviários; a IP5 que atravessa o país em toda a sua largura, fazendo parte da importante estrada europeia E80, a auto-estrada A1 – Lisboa/Porto e a Linha do Norte – Aveiro. Gestão Adoptada: Criação em 1999 do programa BUGA – Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro, sendo uma das imagens de marca da cidade. Em 2006 foi criada uma nova ciclovia que faz a ligação da Sé à zona da Forca, tendo também a possibilidade de levar as bicicletas gratuitas até à freguesia de S. Jacinto. Existência de 300 bicicletas e de 33 parques de estacionamento BUGA espalhados por toda cidade. Estes encontram-se junto aos cinemas, centros comerciais, postos dos correios, escolas, universidade, estação dos combóios, etc. e permite a utilização das bicicletas não só para lazer como também para deslocamentos para o trabalho. Construção de novas ciclovias em diversas áreas da cidade, de modo a permitir a circulação das BUGAS sem criar conflitos com os peões e os automobilistas. Algumas ciclovias estão inseridas em áreas previligiadas, com uma envolvente agradavél, o que permite que a BUGA seja um meio de transporte atractivo para conhecer a cidade. Existência de uma ofinica/armazém como infra-estrutura de manutenção, sendo a fiscalização da utilização das bicicletas assegurada por dois ciclomotores, os quais fazem a fiscalização pelos vários parques de estacionamento. CIDADE: VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO – SAGRES Enquadramento: A cidade de Vila Real de Santo António, situa-se no Sul do país. É uma cidade com elevado interesse turístico, devido ao clima mediterrânico, pelas magníficas praias, pela paisagem e pela fauna. Possui uma área territorial de 5 000 Km2, com cerca de 345 000 habitantes. 126 Gestão Adoptada: No ano de 2007 foi criada uma ciclovia com 210 Km, que faz a ligação entre Vila Real de Santo António e Sagres, esta atravessa 12 dos 16 munícipios do Algarve. Criação de uma via, denominada como ‘Via do Litoral’ que faz a ligação à rede europeia de ciclovias, através das vias verdes espanholas. Este projecto prevê ainda a ligação entre diferentes meios de transporte, nomeadamente com a REFER. Numa segunda fase, pretende-se ligar com percursos desenvolvidos em empreendimentos privados, como é o caso do Parque das Cidades e o Parque Natural da Ria Formosa. Objectivos Propostos: A criação desta ciclovia, pretende dinamizar o turismo de natureza, através da oferta de espaços verdes onde as pessoas podem praticar desportos ao ar livre e desfrutar do contacto com a natureza. CIDADE: MONTIJO Enquadramento: A cidade do Montijo está inserida na Marguem Sul da Área Metropolitana de Lisboa, numa área de transição entre as planícies aluviais da margem Sul do Estuário do Tejo, da planície ribatejana e da longa peneplanície alentejana. Possui uma área territorial de 347 Km2, com cerca de 40 000 habitantes. Gestão Adoptada: Existência de uma ciclovia com uma extensão de 6 Km, estando no entanto prevista a construção de uma via circular externa à cidade. Objectivos Propostos: A nível ambiental e de lazer, constitui a possibilidade de criação de uma série de actividades lúdicas, de forma integrada ao longo da sua extensão. Ao nível da programação de equipamentos, pretende-se alargar a prática desportiva entre a população e contribuir para uma nova forma de planear e desenhar os espaços urbanos, para tal integra-se por exemplo com os equipamentos escolares, sociais e de lazer, 127 desenvolvendo desta forma as actividades desportivas entre a população mais jovem, a caminhada entre a população mais idosa e desta forma promove os espaços comunitários. 128 4.3 Conclusão As conclusões que se tiram da análise de cada uma das Cidades Nacionais (quer as situadas a Norte, Centro e Sul do país) em relação às Europeia, é que as condições para a mobilidade pedonal são diminutas e para circular de bicicleta ainda menores. Ao nível da utilização dos transportes públicos, regista-se uma ausência de planeamento, investimento e insentivo para o seu uso, por parte das autoridades governamentais. Os transportes públicos encontram-se obsuletos, não funcionam e não oferecem ao cidadão um serviço rápido, cómodo e eficaz, o que traduz um excesso de veículos automóveis dentro das cidades e as tão características filas de trânsito à hora de ponta, quer para entrar dentro das cidades quer para sair. Há que registar que as intervenções recentes em Portugal, ao nível das infraestruturas rodoviárias, vão apenas e ainda ao encontro dos interesses turísticos e estão demasiado focados para a vertente desportiva, enquanto que nos países da Europa o uso da bicicleta é um dos principais meios de locomução e não são vistos como uma mera actividade desportiva. Veja-se por exemplo, a cidade de Gröningen, na Holanda onde a bicicleta é um meio de transporte competitivo em relação ao automóvel, a bicicleta é cerca de 30% mais rápida que o automóvel e cerca de 50% das deslocações de curta distância são realizadas em bicicleta. Infelizmente em Portugal existem por toda a parte obstáculos físicos à circulação, nomeadamente sinais de trânsito colocados no meio dos passeios, postes de elctricidade mal colocados, passeios esburacados, rampas com decilves acentuados, lancis muito altos e os tão característicos automóveis estacionados em cima dos passeios. As ciclovias praticamente não existem e as que existem não percorrem a cidade em toda a sua extenção e encontram-se estragadas. Para piorar a situação há ainda que ter em conta as violações sistemáticas ao código da estrada. O automobilista ainda continua a desrespeitar o ciclista, o que normalmente resulta em acidentes graves e até mesmo em mortes, perigo esse que é significativamente agravado quando as condições para a circulação pedonal são escassas. Ainda existem muitos locais onde a ausência de passeio é total, princípalmente em locais com menor urbanidade ou ao longo de vias como por exemplo estradas nacionais e municiapais de ligação entre localidades. 129 Ao nível regulamentar as normas são também pouco exigentes ou não existem sequer. Como todos os Planos Directores Nacionais se encontram em fase de revisão, é uma excelente oportunidade para se ser mais ambicioso e exigente e começar desde já a impôr regras, a criar ciclovias, bem como vias pedonais integrando-as com o meio ambiente urbano, através de um planeamento urbano sustentável. Veja-se os exemplos das Cidades Europeias no geral. Portugal deverá olhar para aquilo que existe nos outros países da Europa ao nível da mobilidade (e não só!) e tomar como referência, para a criação de Cidades Sustentáveis, com melhores condições e qualidade de vida, (princípio da Nova Carta de Atenas), para isso deverá apostar: • Na implementação de estratégicas de transporte sustentável; • Na implementação de estratégias de planeamento urbano sustentável; • No incentivo ao uso dos transportes públicos; • No incentivo para o uso da bicicleta; • Na implementação do modelo de cidades compactas, ligando políticas de transporte ao planeamento do uso do solo; • Na gestão de estacionamento dentro das cidades; • Na gestão da moblidade. Apesar de tudo, felizmente existem cidades como a de Aveiro, contudo espera-se que no futuro esta seja ainda melhor e que se desenvolvam outras! 130 CONCLUSÕES O Movimento Moderno nasce com a filosofia e com as artes em geral antes de em 1933 adquirir identidade em temos de Urbanismo. A quarta reunião dos urbanistas e arquitectos que de todo o mundo deram a sua adesão, aos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), realizou-se a bordo de um navio que navegava pelo Mediterrâneo e tendo Atenas como porto de destino. Este congresso teve como objectivo o extenuante trabalho de analisar trinta e três cidades e dezoito países, sob os mais diversos aspectos; através de plantas, gráficos, etc., e dele resultou um dos documentos mais notável e o mais paradigmático do Urbanismo Moderno – a Carta de Atenas. Esta é o resultado das conclusões tiradas dessa análise e das medidas de ordem geral propostas para fazer face ao lamentável estado do Urbanismo a que se chegou nos núcleos urbanos, em matéria de condições de vida. No contexto da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial pressupôs a reedificação de cidades e regiões em que, os então urbanistas operam em escalas mais vastas, observando o planeamento urbanístico num leque de matérias que juntaram estratégicas funcionais, sociais, financeiras e políticas, conduzindo a um ‘divórcio’ entre a Arquitectura e o Urbanismo, perdendo assim a importância do desenho urbano e consequentemente a prática de desenhar a cidade. Do ponto de vista teórico, as críticas à Cidade Moderna e à Carta de Atenas foram demolidoras. A partir dos anos cinquenta surgem as primeiras críticas ao Movimento Moderno, Pierre Francastel foi um dos protagonistas que teve uma palavra crítica, chegando a acusar Le Corbusier de inquisidor ao tentar impor os seus ideais e modelos culturais de cidade, como é o caso mais paradigmático da «Ville Radieuse», traduzindo hoje numa notável utopia na história do Urbanismo. Tal modelo corresponde à nova cidade que transpôs o Atlântico, transformando-se na Nova Capital Brasileira de Lúcio Costa e Óscar Niemeyer. Mas é sobretudo no início dos anos sessenta, com o Pós-Modernismo que se inicia o retomar do discurso da cidade tradicional deixada por Le Corbusier. Aymonio, Aldo Rossi, Rob Krier (quase que retomam Camillo Sitte), sistematizaram com carácter pertinente a 131 demonstração de uma imagem de cidade tradicional, ultrapassando assim os princípios vigentes do planeamento urbanístico e contribuindo para a introdução de novos parâmetros na fase de conclusão de algumas cidades, como é o caso de Amiens em França ou Stuttgart na Alemanha. É no entanto, com o novo quadro instrumental do movimento «La Tendenza» de Giafranco Caniggia, que o desenho da cidade se torna indissociável pelos seus modelos culturais, transportando estes para a realização de novas realidades urbanas, cujo carácter operacional é accionado pelas práticas do traçado de ruas, praças e quarteirões. Foram reequacionados os parâmetros de intervenção urbanística na cidade, estando perante a reconstrução de uma disciplina, que foi reiniciada através da Nova Tratadística de Aldo Rossi e a nova história urbana, onde a cidade deixa de ser pensada em função do carácter bipolar; entre o zonamento e o funcionalismo. O valor do desenho urbano é reposto na abordagem metodológica e produtiva na cidade, evidênciando-se Rob Krier ao realizar abordagens no quadro teórico apenas por via do desenho urbano, dialogando com as formas e estruturas urbanas para a via da imagem tridimensional. Passados sessenta e cinco anos, os princípios do Pós-Modernismo continuam na ordem do dia. Em 1998 é criada uma Nova Carta de Atenas (na qual o cidadão tem uma palavra activa e participativa no desenvolvimento da cidade) tomando como base a Carta de Atenas de 1933 que assume um papel orientador. . 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Biermann, V., Klein, B., Evers, B., Freigang, C., Grönert, A., Jobst C.,et. Al (2003). Teoria da Arquitectura. Lisboa: Ed. Taschen. Choay, Françoise. (1992). O Urbanismo. São Paulo: Ed. Perspectiva. Corbusier, Le. (1995). A Maneira de Pensar o Urbanismo. Mem Martins: Ed. EuropaAmérica. Frampton, Kenneth. (1993). História Crítica da Arquitectura Moderna. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, SA, Barcelona. Futterman, A. (1961). The Future of Our Cities. Nova Iorque: Doubleday Goitia, Fernando. (2006). Breve História do Urbanismo. (6ª edição). Lisboa: Ed. Presença. Gössel, P., & Leuthäuser, G. (1990). Arquitectura no Século XX. Lisboa: Ed. Taschen. Hansan, Uddin. (1999). 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