A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL , A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E A TRANSPOSIÇÃO DO EU. CARMEM TERESA NASCIMENTO ELIAS ( Mestre em Letras, escritora, pesquisadora, Professora da rede pública federal) INTRODUÇÃO O cenário a que me remeto ao pensar o tema proposto neste trabalho é a Alemanha de mil novecentos e trinta e três. A IBM, cujo objetivo empresarial movido pelo liberalismo econômico era regido pelo lucro capital, avança em suas pesquisas sobre a então nova tecnologia de cartões perfurados, que permitiam agilizar e automatizar programas de identificação e catalogação. Embora computadores ainda não existissem na época, Hitler, em aliança muito estratégica com a IBM, faz-se valer dessa nova tecnologia par por em ação suas intenções de identificar e segregar os judeus além de executar seus planos de conquistas com proporções e exatidões estatísticas. Nesse mesmo período, Aldous Huxley, em 1932, publica “ Admirável Mundo Novo”, livro no qual o ser humano, num futuro qualquer, viveria totalmente condicionado, e viciado, biologica e psicologicamente, como um robot sem vontade própria , a regras de uma „sociedade avançada e ideal‟ , organizada por castas que se mantinham em „ perfeita harmonia‟ em relações sem famílias, sem éticas, sem valores morais. Nas mãos de Hitler, o capitalismo em momento de crise , o Imperialismo e a organização tecnológica da informação são transformados em instrumentos de controle social e arma de guerra, culminando na segunda Guerra Mundial. “Sociedade Pura‟ culmina em Holocausto...Porém isso foi só início de um passado histórico do qual me lembrei. A TERCEIRA REVOLUÇÃO Algumas décadas se passaram desde o fim da Segunda Guerra, durante a quais todo desenvolvimento tecnológico era transpassado para as aplicabilidades na produção industrial : transmissores de rádios, telefonia fixa, televisão. Em mil novecentos e setenta, os países poderosos desenvolveram um capitalismo aparentemente mais flexível e centralizaram seu domínio nas tecnologias de informação, resultantes de novos sistemas de cálculo e comunicação, para se fortificarem. Os avanços em tecnologia dinamizaram a produção e o mercado, que se tornaram cada vez mais competitivos. Consolidou-se a Terceira Revolução Industrial, a qual, em larga escala, a sociedade pós-moderna passou a ser intermediada. As novas tecnologias desenvolvem-se, com rapidez sem precedentes, na microeletrônica , na biotecnologia, na computação, culminando nas tecnologias digitais, que impuseram sua linguagem comum ao mundo. A informação passa a ser gerada, armazenada, transmitida e trocada por meio de equipamentos eletrônicos e a humanidade passa a viver e se encontrar em um mundo novo digital no qual as máquinas ( celulares, pcs, notebooks,) tornam-se uma extensão da mente humana e produzem transformações em todas as esferas das atividades humanas. A peça chave, é claro, é a internet e a comunicação em rede, que expõe o homem ao acesso a um mundo virtual , desde criança. Manuel Castells, sociólogo, considera a Internet „ a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: ou seja, a Rede”, dispondo o ser humano a uma trama de comunicabilidade capaz de gerar uma nova ordem social : uma sociedade global interconectada e intercomunicável em rede, por meio de computadores, por todo o mundo. Esse mundo sofre graves e profundas transformações desde impactos econômicos até alterações nos modos de relacionamentos, comportamentos e valores. Por exemplo, a economia funciona vinte e quatro horas por dia. Às duas horas da manhã no Brasil é possível comercializar diretamente com a bolsa de valores de Tóquio ou fechar negócios com empresários na China. Evidentemente, a produtividade e o lucro, objetivos por trás de toda essa Revolução tecnológica se ampliam . Todos querem participar desse mundo. Sem sair de casa, todos querem comprar , vender, ganhar... Porém, nem todas as consequências podem ser positivas. O mercado de trabalho também perde limites : do trabalhador exige-se sempre mais, e agora ele precisa estar permanentemente atualizado com as novas tecnologias que surgem a toda hora. Em seis meses, os conhecimentos podem estar obsoletos. O ambiente de trabalho não mais se distingue da privacidade do lar e o patrão pode lhe telefonar e exigir demandas a qualquer dia ou hora. Conforme o sociólogo Otavio Ianni observa, o que predomina hoje em dia é o imediatismo. Nada permanece, na vida, no trabalho, na sociedade e nos ideais humanos. Sob uma ótica positiva, pode-se afirmar que a Internet derruba fronteiras, agiliza, globaliza, flexibiliza, amplia acessos, integra a humanidade. Para Lévy, quanto mais as pessoas tiverem acesso à Internet, mais desenvolverão novas formas de „ sociabilidade‟, ou seja, novas formas de relacionamentos e maior será a troca de informações e a modificação de valores culturais, sociais, estéticos, etc. Cria-se, assim, um novo conceito de espaço, existente dentro da rede interconectada pela Internet. Cria-se o ciberespaço, um novo espaço capaz de diminuir as distancias do espaço físico e amplo o bastante para armazenar a humanidade. E a partir das novas organizações e manifestações culturais que se desenvolvem dentro desta rede, cria-se a cibercultura. A questão principal, entretanto, é como compreender e avaliar os impactos dessa nova „ sociedade‟ perante a nova constituição do sujeito que ela opera. Afinal, como é o novo sujeito do Século XXI, resultante dessas mudanças perante as quais ninguém tem controle? Quais são suas novas características, seus anseios, suas realizações, seus objetivos, suas frustrações? Esse novo sujeito está evoluindo diante dos dilemas do mundo, ou construindo novas formas de aprisionamento e angústias? Vários estudos e pesquisas estão em andamento nos maiores centros tentando descrever, definir, entender esse novo corpo social e mental, uma vez que o pensamento, as ações e os sentimentos humanos hoje em dia estão fortemente permeados pelo imediatismo, presentismo, diversidades e excessos que acompanham a exposição à virtualidade. O contato entre internautas se dá, basicamente, pela facilidade de estar on-line, conectado simultaneamente, não raro, a vários endereços. Ao mesmo tempo, eles pesquisam informações, conversam com amigos em redes sociais, respondem e enviam e-mails, frequentam sites, postam em blogs, comentam. Ficam horas sentados diante da tela, ou movem-se pelas ruas com o celular integrado à net, andando nas ruas, mas conectados ao mundo virtual. Os internautas orgulham-se em frequentar redes sociais, exporem-se com textos, opiniões, imagens. Mas pesquisas divulgadas recentemente alertam que a quantidade de exposições e de amigos adicionados às redes sociais expõem, de fato, alto grau de narcisismo de um indivíduo, por um lado, e de timidez e fracasso nas relações humanas, por outro lado. A questão é que embora se possa apresentar uma lista de conectibilidade com duas mil pessoas não é possível, de fato, se manter elos relevantes de amizade com todas elas. Há relatos de estudos realizados em escolas nas quais os alunos integrados em uma rede social se comunicam por horas pela internet, mas no ambiente real da escola física não trocam palavras ou olhares entre si. São íntimos amigos virtuais, mas completos estranhos no espaço escolar real. Timidez? Ou dificuldades de comunicação pessoal cada vez mais presentes na sociedade, relatados com frequência em queixas de solidão, de dificuldade de se estabelecer elos afetivos, de união estável de casais. Um grande paradoxo! Em palestra proferida na Academia Brasileira de Letras em abril de 2012, o Professor Doutor Alcir Pécora , da Unicamp, comentou o excessivo número de „ autores‟ de internet. Com certeza, a escrita _ associada à utilização de imagens_ é a forma mais comum de interação entre internautas por meio de publicações , opiniões, comentários, poesias, contos, textos dos mais diversos gêneros, relatos, artigos. Escrever muito é uma das características do indivíduo atual, que julga que tudo merece ser registrado, como se cada um fosse um museu de si mesmo, um registro de cada um no qual se projeta a própria experiência com a euforia de constar dos dados desse presentismo do ciberespaço. Destaca o Dr Alcir Pécora que, embora o espaço valorize-se pela diversidade e democratização dos acessos e registros, por outro lado, a importância dada aos registros é superficial, limitando-se aos escritos do aqui e agora, sem qualquer compromisso com debates, discussões de pensamento. O texto de ontem, do mês passado, mesmo que apresente qualidades de conteúdo ou valor literário, não é mais lido pela maior parte dos leitores. Em blogs, sites, redes, prioriza-se a leitura do texto de agora; só se lê o texto de quem leu e deixou comentário no texto do amigo visitante. As leituras tendem a ser rápidas e superficiais, assim como a própria produção dos textos, como bem observado por Nilto Maciel em palestra na Academia Brasileira de Letras. E a multiplicidade e a diversidade perdem-se no esvaziamento da ausência de propósito, de argumentação, de questionamentos e debates que, de fato, fariam crescer e dar voz a uma cibersociedade amadurecida. Não basta que cada um seja o artista de si mesmo, sem juízo de valor sobre a exposição da sua própria escrita. A Internet pode, e é, um espaço amplamente favorável a construção conjunta de obras e conhecimentos, parcerias, coautorias, fóruns, que podem unir consciências em busca de aprofundamentos no tocante as inquietantes questões da conjuntura humana atual, tanto sobre as angustias do espaço real quanto do virtual. Mas a reflexão ainda é um mister pouco considerado no excesso de comentários trocados. Mais agravante ainda, nas novas facetas do sujeito do ciberespaço é a insignificância a que possa projetar a elaboração do próprio „eu‟, a medida que o indivíduo passa a mascarar sua identidade ou a apresenta-se e experimentar-se sob variadas identidades ou perfis falsos, sem, contudo, construir uma real imagem de seu „eu‟ próprio. O sujeito do Século XXI sente prazer em participar de tudo que pode fazer on-line, porém, a questão preocupante é que, enquanto possa parecer realizar diversas tarefas on-line, seu corpo físico permanece parado, entado e sentindo prazer em desfrutar de uma realidade apenas virtual. E o admirável mundo de Huxley assusta. Matrix assusta. Sob esse aspecto, o sujeito atual torna-se um ser que está em profunda solidão, exposto somente a si mesmo, ao vicio de si mesmo, ao desespero de seu anonimato, construindo em ilusória virtualidade, ou inventando, narrativas verdadeiras, ou não, sobre si mesmo. Corre o risco de ser o princípio e o fim de si mesmo e não conhecer os limites de seus desejos, potencialidades e capacitações Em suma, urge uma discussão ampla e abrangente no ciberespaço que desperte o individuo da sua condição de virtualidade para o pleno desenvolvimento de sua realidade. E que a cibercultura construa com o homem as resposta de suas existências virtual e real. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, e Paz e Terra, 2007. IANNI, Otávio. “ As Ciências Sociais e a Modernidade-mundo: uma ruptura Epistemológica. Revista de Ciências Humanas da Universidade Federal Do Paraná, 2001. HUXLEY,Aldous. Admirável Mundo Novo. LÉVY, Pierre. Cibercultura, 2007 MACIEL, Nilto: Epistolário Hoje: e-mails, blogs. Palestra na ABL, 2011 PÉCORA, Alcir. Ciclo Pensar Hoje: Pensar a Literatura. Palestra na Academia Brasileira de Letras,2012