III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
O DIÁLOGO ENTRE LIBERDADE, DESIGUALDADE SOCIAL E
DIREITO COMO ELEMENTO EMANCIPADOR, SOB O
ESPECTRO E A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS
Guilherme Henrique de Morais Santos1
RESUMO: Vivemos sob a égide dos ideais de igualdade e de liberdade, em um mundo
onde prevalecem a desigualdade e a opressão. A proclamação da igualdade formal entre
os homens pelas revoluções do final do século XVIII foi impulsionada pelos discursos
iluministas, amparados por uma concepção racionalista e abstrata do homem. Abstraiuse do homem toda circunstância vital e espiritual, afastando-o, em sua definição, da
desigualdade imposta pelas determinações até então incontornáveis da natureza e da
cultura, como o gênero, a etnia, a força física, o pertencimento ao grupo, a função social,
etc.A ficção da igualdade, transformada em dever inalienável pelas declarações de
direitos humanos, fomentou a afirmação da liberdade absoluta do indivíduo contra toda
opressão religiosa e política. Entretanto, tal liberdade, amparada por uma igualdade
meramente formal, libertou apenas aqueles que puderam reunir forças para se impor.
Forjaram-se, a partir daí, novas fórmulas de opressão. Construíram-se novos fundamentos
para a desigualdade e, aos poucos, refundaram-se muitos dos antigos.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Desigualdade; Ideologia; Capitalismo.
1
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente pesquisa voluntariamente
sobre Pobreza, Desigualdade social e Efetivação das liberdades sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Maciel
Ramos.
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1. Ideologias
No presente estudo, torna-se essencial a explanação sobre Ideologia(s). A partir desse
marco teórico, aborda-se a desigualdade social e sua legitimação, assim como a
insensibilidade à pobreza e a possível ilusão da ideia de Liberdade presente em algumas
teorias. como questões ideológicas ou não-ideológicas (partindo dos princípios “técnicos”
– de que esses males são inerentes à sociedade), cabe-nos ressaltar como é realizada sua
sistematização e questionar os seus mecanismos de ação dentro do convívio social.
Terry Eagleton, tratando sobre os diferentes conceitos de Ideologia ao longo dos últimos
tempos, em Ideologia, uma introdução, elaborou uma lista com os diferentes significados
assumidos pela palavra:
“a)o processo de produção de significados, signos e valores na vida social;
b)um corpo de ideias característico de um determinado grupo ou classe social;
c) ideias que ajudam a legitimar um poder político dominante;
d) ideias falsas que ajudam a legitimar um poder político dominante;
e)comunicação sistematicamente distorcida;
f)aquilo que confere certa posição a um sujeito;
g)formas de pensamento motivadas por interesses sociais;
h)pensamento de identidade;
i)ilusão socialmente necessária;
j)a conjuntura de discurso e poder;
k)o veículo pelo qual atores sociais conscientes entendem o seu mundo;
l)conjunto de crenças orientadas para a ação;
m)a confusão entre realidade linguística e realidade fenomenal;
n)oclusão semiótica;
o)o meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura
social;
p)o processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade natural.”2
Sem a pretensão de dissecar cada elemento listado por Eagleton, pretende-se,neste
trabalho, perpassar os diversos significados apresentados pelo autor.
2
EAGLETON, 1997, p.12.
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De fato, não podemos classificar uma sociedade com apenas uma ideologia dominante.
Ao contrário, vivemos sob um sistema complexo de ideologias que dialogam entre si,
ocorrendo não só a produção de significados, signos e valores, mas a sua integralização
com as experiências vividas por seus agentes, dentro de determinada classe social, o que
faz a ideologia servir como mecanismo de ação para diversas forças que agem como
motor de transformação social.
As ideologias dominantes, ou seja, aquelas que são propagadas pelas pessoas que detêm
o poder econômico e político da sociedade, ou por aquelas que possuem o privilégio
evidente de permanecerem nas camadas mais altas da pirâmide social, de modo geral,
conseguem unificar sua própria classe dominante, mas não dominar completamente as
classes mais baixas. Sobre a questão, Eagleton cita Gramsci:
“Conforme argumentou Gramsci, a consciência dos oprimidos é, em geral, um amálgama contraditório de
valores absorvidos de seus governantes e noções que se originam, mais diretamente, de sua experiência
prática.”3
Na luta entre as ideologias liberais e comunistas/socialistas, o Capitalismo mostrou-se
como o sistema aparentemente mais produtivo – embora contenha diversas injustiças e
faça florescer desigualdades inquestionáveis. Sobre a relação do Capitalismo com
ideologias, Zizek cita FredericJameson e escreve:
“(...) ninguém mais considera seriamenteas possíveis alternativas ao capitalismo, enquanto a imaginação
popularé assombrada pelas visões do futuro “colapso da natureza”, da eliminação detoda a vida sobre a
Terra. Parece mais fácil imaginar o “fim do mundo” que umamudança muito mais modesta no modo de
produção, como se o capitalismo liberalfosse o “real” que de algum modo sobreviverá, mesmo na
eventualidade deuma catástrofe ecológica global... Assim, pode-se afirmar categoricamente a existênciada
ideologia quamatriz geradora (...).” 4
Retornando a Eagleton, o autor complementa com precisão o pensamento de Zizek, ao
explicitar a dificuldade em se ter uma alternativa ao sistema de produção atual:
“A sociedade capitalista já não se importa se acreditamos ou não nela; não é a “consciência” ou a
“ideologia” que a consolidam, mas suas próprias e complexas operações sistêmicas.” 5
3
EAGLETON, 1997, p.44.
ZIZEK, 1996, p.7.
5
EAGLETON, 1997, p.44.
4
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A crença no pensamento não-ideológico, por si só, se configura como uma ideologia. A
ilusão do saber técnico, pragmático, em que impera uma verdade absoluta e racional,
representa uma ideologia que tem como base negar outras ideologias. O cinismo em se
autoafirmar como possuidor da racionalidade é útil para esconder as verdadeiras
intenções por trás de ações professadas como não-ideológicas, argumentando-se que uma
visão contrária é afetada por interesses viciados e uma distorção fática da realidade.
2. Desigualdade Social
O conceito de desigualdade social presente neste trabalho refere-se àquela dentro das
possibilidades sociais desfrutadas pela população, materiais ou não, para que se
desenvolvam como seres humanos dignos no contexto da sociedade. Rousseau, em
"Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens" entende:
"Eu concebo na espécie humana duas espécies de desigualdades: uma, que chamo de natural ou física,
porque foi estabelecida pela Natureza, e que consiste na diferença de idades, da saúde, das forças corporais
e das qualidades do espírito ou da alma; outra, a que se pode chamar de desigualdade moral ou política,
pois que (...)foi estabelecida (...) pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios
desfrutados por alguns em prejuízo dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados, mais
poderosos que estes, ou mesmo mais obedecidos." 6
Destarte, quando se explana sobre a desigualdade social na contemporaneidade,
remetemos às ideias de desigualdade de gênero, raça, saúde, renda, etc.
No passado, anteriormente às revoluções burguesas do século XIX, a desigualdade era
vista como natural e pertencente à sociedade, em que era emanada por Deus e fazia com
que sujeitos nascessem e vivessem sob as condições de determinada classe social por
vontade divina. Após a Revolução Francesa, o paradigma e as justificações das
desigualdades foram alterados, o que, de maneira perfeitamente consonante com a
ideologia burguesa, introduziu o discurso da desigualdade baseada no mérito. Assim
explica Jessé de Souza.
"No mundo moderno, os privilégios continuam a ser transmitidos por herança familiar e de classe[...], mas
sua aceitação depende de que os mesmos "apareçam", agora, não como atributo de sangue, de herança, de
algo fortuito, portanto, mas como produto "natural" do "talento" especial, como mérito do indivíduo
privilegiado." 7
O grande problema dessa visão ideológica é que, ao longo da formação do ser humano,
cada indivíduo recebe elementos diferentes para constituir sua personalidade e, dessa
6
ROUSSEAU, 1754, p.38-39.
7
SOUZA, 2009, p.42.
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maneira, obter o sucesso individual dentro da economia capitalista. Sua composição
familiar, renda, educação, saúde e a sua inserção dentro dos padrões da sociedade
influenciam diretamente no seu modo de viver e de alcançar seus objetivos.
A esse respeito, Jessé de Souza também explica como se dão, na sociedade brasileira, as
diferentes formas de criação dos indivíduos pela família e como essas criações interferem
substancialmente nas capacidades que ossujeitos têm de adquirir o sucesso por eles
almejado:
"O que os pais, ou figuras que os substituem, transmitem aos filhos, quer tenham consciência disso ou não,
é toda uma visão de mundo e de “ser gente” que é peculiar à classe a que pertencem. O que a classe média
ensina aos filhos é comer nas horas certas, estudar e fazer os deveres de casa, arrumar o quarto, evitar que
osconflitos com amigos cheguem às vias de fato, chegar em casa na hora certa, evitar formas de sexualidade
prematuras, saber se portar em ambientes sociais etc. As famílias da classe média ensinam, portanto, os
“valores” de uma dada “classe”, que são os valores da autodisciplina, do autocontrole, do pensamento
prospectivo, do respeito ao espaço alheio etc. Que esse aprendizado seja “esquecido” ou não tematizado
deve-se ao fato deque ele é transmitido afetiva e silenciosamente no refúgio dos lares. O aprendizado
familiar é afetivo, ele só existe porque existe também a dependência e a identificação emotiva e
incondicional dos filhos em relação aos pais." 8
3. Liberdade
Os conceitos de Liberdade perpassam as visões de diversos autores ao longo dos últimos
séculos. Essa é, indubitavelmente, uma questão queestá presente no imaginário de todos
os cidadãos e ideologias.
Em diversos segmentos da sociedade civil, temos indivíduos se autoproclamando livres:
alguns afirmam encontrar a Liberdade na religião, outros só conseguem se enxergar livres
na ausência de religião; uma parcela considerável se coloca livre quando consegue
rendimentos suficientes que a permita desfrutar de bens materiais que muitos não têm,
enquanto outra parcela argumenta conseguir ser livre negando a si própria, o quanto for
possível, sua permanência dentro da lógica de consumo capitalista.
A ideia central de Liberdade individual no presente trabalho se refere à capacidade que o
Sujeito possui enquanto cidadão, seu autocontrole ou seu autogoverno. Esse Sujeito é um
ser racional que, conhecendo o mundo e suas leis necessárias e entendendo com clareza
o funcionamento da engrenagem de diversas forças sociais complexas, emancipa-se por
ter suas ideias e desejos próprios, comunicando-os harmonicamente com a realidade que
os cerca, mesmo que sejam radicais, e afastando de si seus desejos impossíveis e que vão
contra si próprio.
8
SOUZA, 2009, p.45.
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Destarte, o indivíduo pode desenvolver plenamente as suas capacidades como ser
humano, dotado de conhecimento científico e social, de modo que não estejasubmetido a
nenhuma autoridade, com exceção daquela estritamente necessária para garantir sua
própria liberdade.
Essa ideia apresentada é semelhante à de Isaiah Berlin, em "Quatro Ensaios Sobre
Liberdade". O autor, em brilhante esclarecimento, distingue o conceito visto sob duas
perspectivas diferentes: Liberdade Positiva e Liberdade Negativa.
3.1 Liberdade Negativa
Esse conceito de Liberdade, explicitado por Isaiah, refere-se à liberdade de não sofrer
coações externas, seja de ordem privada, seja de estatal. O significado de coação, nesse
contexto, não representa a simples incapacidade de realizar algo ou alguma atividade. A
conceituação de coação se refere à interferência direta de outros seres humanos.Portanto,
liberdade não é a simples ausência de frustração. A liberdade aqui também é entendida
como liberdade política, isto é, a não regulação do ser humano quanto às suas ações para
modificar a sociedade em relação a sua liberdade de expressão.O indivíduo deve ser livre
para agir em sua realidade, com nenhuma – ou com o mínimo – de interferência alheia a
si:
"Diz se normalmente que alguém é livre na medida em que nenhum outro homem ou nenhum outro grupo
de homens interfere nas atividades deste alguém. (...) se sou impedido por outros de fazer o que, de outro
modo, poderia fazer, deixo de ser livre nessa medida;" 9
3.2 Liberdade Positiva
A forma de Liberdade positiva esclarecida é a de que o sujeito possui a sua capacidade
racional bem desenvolvida para agir no mundo. O indivíduo livre, então, teve a
oportunidade de capacitar-se saudavelmente como agente transformador da sociedade.
Esse sujeito conhece os elementos de sua realidade e não só possui a liberdade de agir
sem coações externas, mas também de deliberar quanto às ações dentro de suas
potencialidades. A liberdade de ser amo e senhor de si mesmo, sem interferência externa.
"Quero que minha vida e minhas decisões dependam de mim mesmo e não de forças externas de qualquer
tipo. Quero ser instrumento de mim mesmo e não dos atos de vontade de outros homens. Quero ser sujeito
e não objeto, ser movido por razões, por propósitos conscientes que sejam meus, não por causas que me
afetem, por assim dizer, por fora. Quero ser alguém e não ninguém, alguém capaz de fazer – decidindo,
9
BERLIN, 1969, p.136.
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sem que decidam por mim, autoconduzindo e não sofrendo influências de natureza externa ou de outros
homens como se eu fosse uma coisa(...) "10
Reflexões que se seguem: Poderá o Direito ser emancipatório?
Explanadas as ideias de Liberdade, Igualdade, Desigualdade Social e Ideologias, cabe
uma importante reflexão, posta há tempos por diferentes autores,cuja resposta exata não
foi alcançada por nenhum deles – o que o presente estudo não possui a pretensão de fazer:
Poderá o Direito ser emancipatório?
Enquanto tratamos das ideologias, vivemos sob a égide e sob a reprodução de uma ideia
de liberdade individual absoluta. Somada à ideia da igualdade formal, a liberdade posta
em sua forma mais egoísta protege o sistema de desigualdades atualmente observável em
nosso planeta: a legitimação da desenfreada acumulação de riquezas com a
insensibilização da pobreza extrema de outros indivíduos no planeta.
Sob a ótica capitalista-liberal – que defende a não-intervenção estatal na economia a fim
de maximizar-se a produção de bens materiais,tendo apenas os próprios consumidores
como mecanismo de regulação da produção –, as desigualdades e, consequentemente, a
impossibilidade de acesso a bens materiais por grande parte da população, são legitimadas
pela parcela da população que mais sofre dentro do sistema atual de produção, notandose manobras intelectuais das ideologias das classes dominantes.
Pelo que foi exposto, questiona-se qual a influência ideológica presente no Direito,
aceitando-se a concepção de que as normas de comportamento estão submetidas aos
interesses das classes dominantes, que em seu cinismo de procurar efetivar um Direito
considerado técnico, eficiente e neutro, apenas perpetua a estratégia de dominação,
partindo-se da análise de que para ser um operador do Direito, majoritariamente e ao
longo das últimas décadas, é necessário ter um poder econômico suficiente para sustentar
financeiramente uma formação elitista e excludente.
10
BERLIN, 1969, p.142
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Referências Bibliográficas
BERLIN, Isaiah. 1969. Quatro Ensaios Sobre a Liberdade. Trad. por: Wamberto Hudson
Ferreira. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
EAGLETON, Terry. 1997. Ideologia: Uma introdução. Traduzido por Luís Carlos
Borges Silvana Vieira. São Paulo: BOITEMPO EDITORIAL.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. 1754. Discurso sobre a origem da desigualdade. Ed.
Eletrônica: Ricardo Castigat Mores, 2001.Trad. por: Maria Lacerda de Moura. [Consult.
8 Abr. 2015]. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf
SOUZA, Jessé. 2009. Ralé Brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora
UFMG.
ZIZEK, Slavoj. 1996. Um mapa das ideologias. Traduzido por Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: CONTRAPONTO EDITORIAL LTDA.
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