setembro 2013 | ano 1 | nº 3 | www.sbn.com.br hoje Edição Especial XVI Congresso de Atualização em Neurocirurgia reúne em BH ciência, tecnologia e cultura História: | Os 60 anos da Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do Felício Rocho Entrevistas | Dois pioneiros da Neurocirurgia falam da vida e da profissão Artigo | A vocação de Minas que reúne tradição e modernidade Índice desta edição: • Os 60 anos de uma bela senhora – pg 05 • Raul Marino: as histórias de um pioneiro – pg 08 • As paixões de um neurocirugião francês – pg 10 • Minas: tradição e modernidade – pg 12 • Minas.Gerais – pg 14 • Bom, bonito e de.... graça – pg 14 Expediente Presidente: Sebastião Gusmão Vice-presidente: Jair Raso Secretário geral: Aluízio Augusto Arantes Junior Tesoureira: Marise Augusto Fernandes Audi 1º Secretário: Carlos Batista Alves de Souza Filho Secretário executivo: José Carlos Esteves Veiga Secretaria Geral: Rua dos Otoni, 909 - Sala 408 - CEP: 30150-270 Belo Horizonte/MG - Tel.: (31) 3658-3235 Email: [email protected] Secretaria Permanente: Rua Abílio Soares, 233 - cj. 143 - Paraíso CEP 04005-001 - São Paulo/SP Tel.: (11) 3051-6075 - Email: [email protected] Reportagem, Redação e Edição: VFazitto Comunicação e Consultoria Ltda. Jornalista responsável: Vilma Fazito 1988/MT JP Reportagem e Edição: Marina Rodrigues 1900/MT JP Site: www.vfazitto.com.br Arte da capa: Arte Reis SBN Hoje | 3 | MENSAGEM DO PRESIDENTE áreas do conhecimento daquela especialidade. Sessões plenárias em conjunto com conferências magnas e a apresentação de temas livres completam a grade desses congressos. Muitas vezes, o profissional deve optar por assistir a uma apresentação, perdendo a oportunidade de assistir a outras de seu interesse. Talvez o maior desafio do ensino nos tempos de hoje seja o excesso de informações. Como filtrar aquilo que realmente interessa para o aprendizado? Este desafio é ainda maior quando o objeto do aprendizado é uma especialidade cirúrgica complexa, como a neurocirurgia. O formato dos congressos médicos é geralmente o mesmo: em múltiplas salas são organizadas sessões que tratam dos temas mais relevantes das diversas Foi pensando nestas dificuldades que a SBN idealizou um formato diferente para os congressos de atualização. Todas as sessões são realizadas em sala única, mesclando os temas relevantes das diversas áreas de conhecimento. Assim, é possível fazer uma imersão no que há de mais atual e relevante na prática neurocirúrgica. Em seus Congressos, a SBN homenageia expoentes da neurocirurgia brasileira ou estrangeiros que contribuem para formação de nossos neurocirurgiões. É uma forma de contar nossa história por meio de seus principais atores. Agora, em sua XVI edição, o Congresso de Atualização da SBN reflete bem este espírito: respeito pela tradição e apreço pela novidade. Sebastião Gusmão É também uma oportunidade para o encontro de neurocirurgiões de todas as regiões brasileiras e de diversas gerações, num ambiente de ensino que equilibra evidências científicas com a vivência profissional. EDITORIAL Cultura e tradição; ciência e tecnologia A SBN Hoje entrevista os neurocirurgiões Raul Marino Jr. e Daniel Maitrot, homenageados do XVI Congresso de Atualização em Belo Horizonte. O perfil dos dois homenageados é muito semelhante na dedicação ao ensino e exercício da neurocirurgia e o apreço pela cultura médica e humanista. José Maurício Siqueira nos fala dos 60 anos do Serviço de Neurocirurgia e Neurologia do Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte, um dos principais centros de formação em neurocirurgia, credenciado pelo MEC e pela SBN. Neste número você vai conhecer SBN Hoje | 4 | o aplicativo de neurotrauma que será lançado em nosso congresso de atualização. A iniciativa é do neurocirurgião Rodrigo Faleiro com o apoio do Neurotrauma Brasil e da SBN. Quebrar a rotina, viajar e participar de um congresso é uma forma de turismo, o turismo cultural. Leia o artigo de Mauro Werkema, presidente da Belotur, órgão de turismo da Prefeitura de Belo Horizonte, um dos patrocinadores de nosso Congresso de Atualização. A SBN hoje, nesta edição especial impressa, reúne cultura e tradição, ciência e tecnologia. Jair Raso História Os 60 anos de uma bela senhora A Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi inaugurada em 1953 com a chegada do médico José Geraldo Albernaz. Formado pela Faculdade de Medicina da UFMG em 1946, fez internato no Hospital St. Marys, em Huntington, West Virgínia e depois residência em Neurologia e Neurocirurgia na Universidade de Illinois, em Chicago, sob a orientação dos professores Paul C. Bucy e Percival Bailey. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e um de seus idealizadores e fundadores. Em 1968, mudou-se para os Estados Unidos para fazer parte do corpo clínico do Hospital do Centro Médico da Escola de Medicina de Marion, Ohio, onde trabalhou até se aposentar em 1992. O Serviço de Neurofisiologia Clínica iniciou-se em 1959 com o exame de Eletroencefalografia utilizando aparelho Grass de oito canais. Este serviço foi criado pelo professor Albernaz e sua esposa Doris Sayler Albernaz que era técnica em eletroencefalografia. Foi posteriormente dirigido pelos médicos Rosa Maria Leone, José Antonio Rodrigues e Gilberto Belizário Campos. Hospital Felício Rocho Os exames de Neurotência, que se completam neste ano radiologia eram realizados de 2013, os profissionais da Clínica pela equipe de neurocirurgia e conde Neurologia e Neurocirurgia tisistiam de pneumoencefalografia, veram a oportunidade de cuidar de ventriculografia, arteriografias caromilhares de pacientes e participatídea, vertebral e braquial como tamram na formação de mais de uma bém a mielografia. centena de especialistas nas diversas O grande avanço para o diagnósáreas da neurociência. Atualmente, tico das doenças neurológicas veio a Clínica oferece treinamento em com a instalação do primeiro tomóNeurologia Clínica com duração de grafo computadorizado do estado, três anos, com uma vaga anual para no Hospital Felício Rocho. Inaugumédicos brasileiros e uma vaga para rado em agosto de 1978 no andar médicos estrangeiros. A Neurocirurtérreo e com entrada pela rua Timbigia mantém programa conjunto de ras. O médico Itamar Megda Cesaresidência médica com o Hospital rini é atualmente o coordenador do João XXIII / Fundação Hospitalar Serviço de Ressonância Magnética. do Estado de Minas Gerais - FHEO Hospital Felício Rocho teve MIG, com admissão de dois residentambém a primeira unidade multites por ano pelo período de cinco disciplinar do estado para tratamento anos. A Neurocirurgia Endovascular de pacientes portadores de epilepsias (Neurorradiologia Intervencionista) de difícil controle medicamentoso. oferece uma vaga anual de especialiAo longo destes 60 anos de exis- SBN Hoje | 5 | zação pelo período de dois anos. O NATE tem programa de Fellow em Epilepsia com duração de um ano. Corpo clínico Nas últimas décadas foi necessária a incorporação de vários membros à Clínica de Neurologia e Neurocirurgia para atendimento a um número crescente de pacientes. Houve ainda, a necessidade de especialistas em várias áreas das ciências neurológicas devido uma explosão do conhecimento médico e surgimento de inúmeras tecnologias. Atualmente, a Clínica é composta de 22 profissionais exercendo diferentes especialidades. Na área de Neurocirurgia estão os médicos, José Maurício Siqueira (cirurgia estereotáxica e neurocirurgia funcional; cirurgia de base de crânio; cirurgia das epilepsias); Rodrigo Moreira Faleiro (neu- rocirurgia infantil, neurotrauma e neuroendoscopia); Newton José Godoy Pimenta (cirurgia de coluna e cirurgia de epilepsia); José Augusto Malheiros (cirurgia de coluna e cirurgia de nervos periféricos) e Geraldo Vitor Cardoso Bicalho (cirurgia estereotáxica, neurocirurgia funcional e radiocirurgia). Em Neurologia Clínica estão os médicos Paulo Roberto Rocha Moreira (doenças neuromusculares e eletroneuromiografia); Lyster Dabien Haddad (doenças dos movimentos involuntários); Érika Machado Viana (epilepsia, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia); Rosamaria Peixoto Guimarães(doenças neuromusculares e eletroneuromiografia); Ana Paula Gonçalves, Andrea Sales Cardoso Naves e Danielly Madureira Duarte, recentemente incorporadas à Clínica e todas tendo feito residência médica de neurologia clínica no HFR. Corpo clínico de neurologia e neurocirurgia do HFL Em Neurologia Infantil – Neuropediatria está a médica Eisler Cristiane Carvalho Viegas. Em Neurocirugia Endovascular - um dos serviços pioneiros em Minas em embolização de aneurismas e malformações vasculares cerebrais, utilização de stents cerebrais e tratamento do AVC em fase aguda - estão os médicos Alexandre Cordeiro Equipe histórica José Antonio Rodrigues: chefiou a Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Felício Rocho após a mudança de José Geraldo Albernaz para os Estados Unidos. João da Cruz Carvalho: exerceu suas atividades no HFR até 1965 quando transferiu-se para Brasília. Rosa Maria Leone: atuou nas áreas de Neurologia Infantil e Eletroencefalografia do HFR até se aposentar em 1996. Iran da Costa Bessa: natural de Goiânia e que em 1966 mudou-se para Brasília e associou-se ao médico João da Cruz Carvalho. Gilberto Belizário Campos: SBN Hoje | 6 | monitor de Neurologia na Faculdade de Medicina e ajudou nas cirurgias neurológicas que eram realizadas no HFR em 1957. Pedro Alcântara Rodrigues: chefiou a Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do HFR até 2011. Luiz Carlos Mendes Faleiro: introduziu a cirurgia transesfenoidal para os tumores da glândula hipófise e as técnicas microcirúrgicas para os aneurismas cerebrais. É responsável pelo programa de residência médica em conjunto entre Hospital Felício Rocho e Hospital João XXXIII da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - Fhemig. Ulhôa (neurocirurgia endovascular e ressonância magnética); Marco Túlio Salles Rezende (neurocirurgia endovascular e tomografia computadorizada) e Felipe Padovani Trivelato (neurocirurgia endovascular). Núcleo Avançado de Tratamento das Epilepsias - NATE Este serviço também pioneiro em Minas foi inaugurado em 2003 e tem como objetivo a investigação e tratamento de pacientes portadores de epilepsias de difícil controle. Os profissionais responsáveis são a professora Aila de Guadalupe Amaro Reis Fonseca (neuropsicologia) e os médicos Andrea Julião de Oliveira (neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia); Eduardo Jardel Portela (neurologia clínica, neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia); Guilherme Nogueira Mendes de Oliveira (psiquiatria) e Míriam Fabíola Studart Gurgel Mendes (neurologia clínica, neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia). José Mauricio de Souza (*) Coordenador da Clínica de Neurologia e Neurocirurgia Hospital Felício Rocho / Fundação Felice Rosso - Belo Horizonte, MG Convite AMB certifica membros titulares em neurologia funcional A informação da certificação foi passada pelo coordenador do Departamento de Funcional da SBN, Arthur Cukiert. E ele aproveita para mandar um recado a seus colegas: mem-se do Departamento. É simples: basta ser membro titular da SBN e ter um ano de treinamento em qualquer área da funcional após o término da re- sidência. Em tempo: reserve a data de 9 a 11 de maio de 2014, quando teremos o Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Funcional.” “Pela primeira vez, em julho último, a AMB certificou membros titulares da SBN na área de atuação em dor. Foi um grande ganho para a neurocirurgia funcional brasileira. Aqueles que ainda não obtiveram a certificação poderão fazê-lo atendendo aos novos editais que a AMB, publicará, possivelmente ainda este ano. Temos notado que muitos colegas com interesse em neurocirurgia funcional ainda não pertencem ao Departamento. A neurocirurgia funcional é a sub-especialidade que mais cresce atualmente. Aproxi- Sistema Estereotáxico ZD Fácil manuseio com alta precisão www.br.inomed.com/ Precisão alemã em cada detalhe Aplicações: ›Biópsias ›Cirurgia guiada ›Implantação de eletrodo para DBS ›Cirurgias comportamentais ›Evacuação e drenagem de hematomas ›Evacuação de cistos Distribuído por: surgicalline.com.br • 11 4053-9640 As Homenagens do Congresso Raul Marino: as histórias de um pioneiro Por que o senhor escolheu a profissão de médico? E a especialidade de neurocirurgia? Escolhi a medicina por antiga vocação, e a neurocirurgia porque, cedo, percebi ter bastante habilidade manual e por estudar o cérebro desde o primeiro ano da faculdade. Baseado em sua carreira e experiência, quais seriam as grandes conquistas que a especialidade da neurocirurgia conseguiu nesses últimos tempos? As maiores conquistas da neurocirurgia, a meu ver, foram a neu- SBN Hoje | 8 | rocirurgia funcional, a ressonância magnética, a tomografia, a ressonância funcional, a radiocirurgia, a angiografia intervencionista e a endoscopia. Como o Sr. vê as novas gerações de neurocirurgiões? Vejo as novas gerações de neurocirurgiões como pouco preparadas para o grande número de subespecialidades que foram criadas pelas tecnologias. Como definiria esta homenagem feita ao Sr. pelo XVI Congresso Brasileiro de Atualização em Neurocirurgia? Atualmente, tenho me dedicado com muito afinco à Bioética e à Neuroética, tendo me submetido recentemente à Livre-Docência em Ética Médica pela FMUSP. A tese de Livre-Docência está agora em livro. Creio que esta homenagem a mim prestada pela Sociedade representa o coroamento de minha carreira na Neurocirurgia, pela qual sou agradecido a todos os meus companheiros de especialidade que me prestigiaram durante tantos anos. Além da neurocirurgia, o Sr. tem outra paixão: a cultura japonesa. Que características dessa cultura o atraíram? Por quê? Tenho atração pela cultura japonesa a partir de muitas visitas que fiz àquele país e pela admiração por sua disciplina e capacidade de trabalho, num país que foi totalmente devastado pela guerra. Gostaria que o Brasil lhes seguisse o exemplo. Tenho me dedicado ao aprendizado de sua língua. “ ...esta homenagem a mim prestada pela Sociedade, representa o “ O neurocirurgião Raul Marino é um dos homenageados do XVI Congresso Brasileiro de Atualização em Neurocirurgia. Diretor e fundador do Instituto Neurológico de São Paulo, do Hospital Beneficência Portuguesa, é também diretor e fundador da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Hospital das Clínicas da FMUSP e professor titular de Neurocirurgia da FMUSP. Raul Marino nasceu e cresceu em São Paulo e se formou em Medicina pela USP. Tem dois filhos: um engenheiro e outro economista. É autor de vários livros. Nesta entrevista à SBN Hoje falou um pouco de sua carreira, dos livros e revelou sua admiração especial pela vida e cultura japonesas. coroamento de minha carreira. Entre suas obras escritas, uma das mais recentes é a “Religião do Cérebro”. Qual o foco dessa pesquisa? Em resposta à sua pergunta devo dizer que esse livro foi o que teve maior sucesso e já se encontra em 7ª edição. Ele versa sobre uma explicação dentro das neurociências e da neurologia sobre as regiões do cérebro responsáveis pelos fenômenos espirituais, religiosos, as emoções, a afetividade e as experiências de quase morte. Há muita neuroanatomia e neurofisiologia envolvidas nesses fenômenos. Escolher uma obra preferida, para o autor, é como optar por um filho entre vários. Mas o Sr. destacaria algum outro livro? Meus outros dois livros favoritos são “Em busca de uma bioética global”, que aborda princípios para uma moral mundial e universal e uma medicina mais humana, e “Ensaio sobre o amor: do Eros carnal ao sublime Ágape”. Ainda sobre “Religião do Cérebro” Na época do lançamento do livro, Raul Marino deu uma entrevista à ISTOÉ: “Fiz um depoimento sobre o que existe e acredito, como, por exemplo, o fato de que somos dotados de áreas cerebrais para que possamos nos comunicar com Deus. Um dos princípios da neurociência do comportamento é que nossas experiências são geradas pela atividade cerebral. Assim, os sentimentos de amor, a consciência e até a presença de uma divindade estão associados a eventos que acontecem no cérebro. Foram feitas experiências com monges e freiras em clausura, mostrando como e quando áreas cerebrais se alteravam durante a meditação e a oração. Viu-se que, em estado meditativo, eles apresentam alterações reais e detectáveis. Há mudanças na química do sangue e das ondas cerebrais. A experiência mística é algo que vem de dentro. E só o ser humano pode ter essa experiência divina. Só ele possui as estruturas cerebrais capazes de processá-la.” hoje ANUNCIE CONOSCO SBN Hoje | 9 | Homenagem As paixões de um neurocirurgião francês Daniel Maitrot nasceu em agosto de l943 em Lons le Saunier, região de Jura, montanhas a noroeste da França e que fazem fronteira com a Suíça. Nasceu em plena II Guerra Mundial.Seu pai que estava no exército desde 1934, foi preso pelo exército alemão em 1940, mas escapou depois de alguns meses e logo depois entrou para a Resistência Francesa. Com muitas histórias para contar Maitrot fala nesta entrevista de sua vida, carreira e paixões. Qual a sua ligação com o Brasil? Profissional? Afetiva? Comecei meus estudos de medicina em 1961 em Estrasburgo. Lá passei nos exames de internato, residência e assistente clínico universitário. Durante esse período fiz alguns cursos de treinamento em vários departamentos, como o de patologia, onde ocupei o cargo de assistente clínico universitário em Neurocirurgia no Hospital Lariboisière em Paris de 1974 a 1975. Conheci Atos de Souza nesta época e viramos bons amigos. No fim de 1975 deixamos o Hospital Lariboisière. Atos foi para Caen e eu para Estrasburgo. Graças a Atos, conheci seus dois irmãos mais velhos que convenceram Sebastião Gusmão a residir em Estrasburgo entre 1977-1978. Fui muito feliz trabalhando com ele e nós aprendemos muito um com o outro. Atos e Sebastião voltaram para Belo Horizonte, mas nunca se esqueceram de seus amigos franceses. É por isso que nós tivemos a oportunidade de ter a cada ano um ou dois alunos de residência brasileiros, 35 ao todo, trabalhando em nosso departamento. Ainda hoje, algumas vezes na SBN Hoje | 10 | França outras no Brasil, eu opero aneurismas junto com Atos. O senhor tem filhos? Estou casado desde outubro de 1965 e tivemos um filho em 1977. Ele passou no vestibular quando tinha 17 anos no Politécnico Francês, uma das três escolas técnicas mais famosas da França! Hoje ele é coronel na Polícia Federal Francesa e trabalha na sede de Paris. Nós somos avós de um menino de quatro anos. Também sou padrinho de uma menina, explico: vou duas vezes por ano ao Vietnam, e em 2000 ajudei um casal de amigos a adotar uma menina de lá. Hoje ela tem nove anos e duas vezes por semana ela vem nos ver em nossa casa! Por que escolheu a profissão de médico? E a especialidade de neurocirurgia ? Fui escoteiro dos dez aos 21 e essa experiência me convenceu de eu tinha que escolher uma profissão onde continuasse a ajudar as pessoas. Antes e durante meu primeiro ano de medicina e especialmente durante minhas férias, tive a oportunidade de trabalhar no departamento de cirurgia (Prof. Emile Forster) e depois no departamento de neurocirurgia (Prof. Emile Woringer). Ambos os chefes destes departamentos mostraram-me muito empenho e consideração com o trabalho, e eu decidi seguir seus exemplos. Por último, eu escolhi neurocirurgia, porque senti que muitas coisas ainda poderiam ser feitas para expandir novas possibilidades terapêuticas. Brasil e França: que pontos comuns os neurocirurgiões dos dois países tem? Nossos programas de formação educacional não são exatamente iguais, a diferença entre as classes sociais é muito maior no Brasil do que na França, mas nós temos interesses semelhantes em encontrar meios de ajudar pessoas doentes e de saber mais sobre os mecanismos por trás das desordens da espinha dorsal (medula) e do sistema nervoso central. Um dos nossos interesses em comum mais importantes, embora não o melhor, é o desenvolvimento de um material que possa ser implantado na espinha dorsal (medula espinhal). Além de neurocirurgia, o Sr. tem outra paixão: vinhos. Esse interesse é de família? Na Alsácia, onde moro, toda festa é uma oportunidade para degustar vinho da... Alsácia! Minha mulher nasceu e cresceu na Alsácia e viveu durante a sua infància em Château du Riquewihr, que é uma vila mundialmente conhecida pelos seus vinhos. Seu pai tinha uma loja de vinhos. É por isso, que achei que eu deveria demonstrar algum interesse em vinho! Na verdade, meu interesse ficou mais forte em 1970, quando fui a Bordeaux e experimentei na cantina Château Margaux um dos três melhores vinhos de Bordeaux daquele tempo. Eu descobri o tanto que o vinho tinto era bom, e os vários tipos, dependendo do tempo de envelhecimento e do tipo de comida escolhida para acompanhá-lo. “ ...minha paixão por neurocirurgia é igual à minha paixão por bons vinhos: eu aprecio ambos especialmente quando eu os compartilho com os amigos! “ SBN Hoje | 11 | De volta à minha casa, decidi aprender mais sobre vinhos e as tradições vinícolas e comecei um treinamento em enologia. Qual o seu vinho preferido? Eu não tenho nenhum vinho preferido. Há vinhos tintos leves e finos, outros de consistência pesada ou muito fortes, rosés muito leves, brancos frutados e secos, doces ou bem maduros! Cada vinho pode ser associado com vários pratos, depende também do clima, do lugar onde degustá-lo, da idade do vinho ou a nossa idade, do nosso estado de espírito! Nós devemos aprender como os vinhos são capazes de alterar nossas percepção e emoções, quando parar de beber, quando prestar atenção nos nossos amigos e colegas. É também muito importante saber quais vinhos enfatizam o sabor do peixe, da carne branca ou vermelha, aspargos, batatas, patê, queijo, frutas e chocolate por exemplo! Devo ainda dizer que meu interesse por vinho não é só pelo puro prazer que ele me dá, mas também pela necessidade de usar minha memória em qualquer situação e idade! Como definiria em palavras, esta homenagem feita ao Sr. pelo Congresso? O tributo da SBN de me conceder a apresentação de inauguração do congresso mostra que a SBN adivinhou o que mais gosto: passar para frente o que eu aprendi durante a minha carreira e aquilo que os professores me falaram para fazer: aumentar/fomentar os questionamentos/curiosidade na cabeça dos meus colegas ou daqueles que concordaram em ser meus estudantes. Para mim é uma honra e um encorajamento saber que a SBN e seus neurocirurgiões e pacientes ainda tenham interesse em me trazer de longe para encontrá-los! Gostaria de concluir assim: minha paixão por neurocirurgia é na verdade, igual à minha paixão por bons vinhos: eu aprecio ambos especialmente quando eu os compartilho com os amigos! A Alsácia era originalmente parte do Império Alemão. Em 1648 foi anexada à França mas em 1870 a l918 voltou para o império Alemão. De 1918 a 1939 retornou ao domínio francês, época que o país foi ocupado pelo exército alemão. Desde 1945 pertence a França A Vocação de Minas Minas: tradição e modernidade “A descoberta das minas enriquece Portugal mas traz o fermento que o levará a perder a Colônia”. Germain Bazin C onvivem em Minas tradição e modernidade, em singular diversidade cultural e natural gerada pela originalidade de sua formação nos anos finais do Século XVII, quando ocorre a ocupação pioneira do território interior do Brasil-Colônia pela épica corrida paulista bandeirante em busca do ouro. A “Minas geratriz”, na expressão de Guimarães Rosa, configura-se SBN Hoje | 12 | nas cidades históricas, que muito rapidamente vão integrar uma vasta rede de núcleos urbanos vindos da mineração, onde se desenvolve uma sociedade de feições próprias, irrequieta pela dura luta pela sobrevivência, multiracial pela presença de portugueses, negros e índios, sempre rebelde contra o jugo colonial político e fiscal português e libertária pela presença constante de ideais de autonomia política e econômica. Precoce na urbanização e mesmo na precária atividade industrial, a sociedade mineira será mais aberta, condição imposta pela própria convivência, nas minas e nas cidades, não se reduzindo ao esquema do senhor e escravo, ou da dicotomia da “Casa Grande e a Senzala”, do Nordeste, abrindo perspectivas A trajetória mineira no Século XVIII terá como traço marcante as repetidas rebeliões contra o jugo colonial português, que se expressam não só nos motins e na resistência ao fisco mas também na criatividade artística e intelectual. Será em Minas que nasceram marcantes movimentos nativistas, como mostram a Guerra dos Emboabas, de 1707 a 1709, o sacrifício de Felipe dos Santos em 1720, os vários motins e atos de rebeldia contra o governo colonial, ocorridos em Sabará, Pitangui, Mariana, Itapecerica, Maria da Cruz e muitos outros que a historiografia contemporânea tem revelado. Mas repercussão maior terá a Conjuração Mineira, de 1789, rebelião de poetas, militares e padres, que teve com um dos líderes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado no Rio a 21 de abril de 1792, enquanto vários participantes eram exilados para a África. A sociedade mineira ainda muito herdou, material e espiritualmente, do surto de criatividade intelectual e artística ocorrido no Século XVIII, durante o que se convencionou chamar de “Ciclo do Ouro”. O Barroco é o estilo de arte do Absolutismo e da Contra-Reforma mas se transforma também num es- SBN Hoje | 13 | “ O Barroco é o estilo de arte do Absolutismo e da Contra-Reforma mas se transforma “ para os segmentos médios, comerciantes, artífices, funcionários e um grande um contingente de aventureiros, em busca de um ilusório enriquecimento fácil. Nestas raízes sociológicas reside a propensão para as lutas políticas e de afirmação, que perpassam pelo período colonial, pelo Império e a República. Minas sempre terá voz e presença, atuando na construção dos princípios da nacionalidade brasileira e quase sempre em favor da liberdade e de uma ordem econômica progressista e mais justa. também num estilo de vida. tilo de vida. Estes serão os vetores sociológicos que conformarão o homem das cidades históricas mineiras no Século XVIII, atormentados e divididos “entre o céu e a terra”, reativamente inquietos, naturalmente angustiadas também pelas lutas de sobrevivência na confusa sociedade nascente, entre as montanhas de Minas. Mas será este “caldo de cultura”, produto do sincretismo humano e cultural que se impõe, que irá fermentar a criatividade intelectual e artística, fenômeno que se manifesta singularmente nas principais cidades históricas mineiras. Eis a síntese cultural mineira do Século XVIII, que nos legou acervo valioso e único de obras de artes, da arquitetura, da ornamentação, da escultura, da pintura, da música e da literatura. A Unesco reconheceu a exemplaridade cultural mineira ao inscrever Ouro Preto, Diamantina e Congonhas na lista dos Patrimônios Culturais da Humanidade, pela especificidade de sua arquitetura colonial luso-brasileira mas também pela arte regional, o Barroco Mineiro, estilo de arte e de vida, em que pontificam mestres e ícones como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel da Costa Athayde. Minas passou “a ser muitas”, no dizer de Guimarães Rosa, na multiplicidade cultural, na convivência com a natureza, onde mesclam-se os tipos humanos, do minerador ao sertanejo, do ruralista ao urbanista. Exaurido o ouro, dá-se o êxodo populacional das zonas de mineração para novas fronteiras territoriais, com terras propícias à agropecuária, iniciando-se novo ciclo econômico. Se a “Minas geratriz”, representada pelas cidades históricas criada pelo ouro, gerou as bases de uma civilização com feições próprias, outras regiões de Minas, ocupadas em tempos posteriores, representaram a incorporação de novos padrões sociológicos. Assim diferentes são as peculiaridades humanas e sociais do Norte, do Nordeste e Noroeste e mesmo de regiões fronteiriças do Sul e Sudoeste, como também do Triângulo, regiões ocupadas no Século XIX. O Norte torna-se agropecuário e o Sul de Minas dedica-se à cultura do café e abastece o Rio de Janeiro, capital do Brasil a partir de 1763. Moldam-se, entre o minerador e o ruralista/ geralista, os dois traços básicos da personalidade do mineiro, reconhecidamente diferenciada no território nacional. Em três séculos de existência, Minas Gerais conservou muito do seu patrimônio histórico, suas práticas culturais, seu municipalismo e seu ruralismo, suas tradições e festas populares e religiosas, seu rico artesanato, a típica culinária. E também seu gosto pela política, herança dos primeiros momentos de sua formação, em que as lutas de afirmação e emancipação transitavam entre o irredentismo e a negociação. Traço que se afirma nas lutas pela república e na construção de mandos políticos, nos anos finais do Século XIX e as primeiras décadas do período republicano. Mauro Werkema - Jornalista e presidente da Belotur Exposição Minas. Gerais. O que você espera de uma obra de arte? Incômodo ou conforto? A resposta está na exposição com as criações de Miguel Gontijo, Leandro Gabriel e Juçara Costta montada no espaço Arte e Vida da rua Pouso Alto em Belo Horizonte. Convidados pela organização para participar do programa social do XVI Congresso Brasileiro de Atualização em Neurocirurgia, os três artistas mineiros vão oferecer aos visitantes a oportunidade de conhecer, viver e se surpreender diante de obras, plásticas em suas possibilidades, múltiplas de sensações e interpretações. O consenso que contradiz a proposta da arte estar sempre no avesso ao padrão é que ela tem interpretações diferentes, é móvel e livre. Muitos vão se achar. Muitos vão se negar. Mas ninguém sairá ileso. São peças que falam de Minas de maneira transversa. Lá estarão as esculturas e formas rudes em ferro de Leandro Gabriel criadas em sua oficina de arte embaixo de um viaduto na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Os quadros e as escadas toscas, coloridas e encantadas de Juçara que encontrou na arte, a maneira de se encontrar. E os livros e objetos carregados de enigmas de Miguel. Livros onde ele Foto: Julio Hubner apaga a escrita original e reescreve histórias usando bisturis ou tintas. Diferentes mas ligados ao desejo de sugerir o imponderável. Segundo Juçara, o convite para participar da programação social do Congresso foi “uma pérola já que o universo da arte não faz parte, normalmente, do universo das pessoas. Vai ser o encontro dessas duas dimensões”. Leandro considera que será “a oportunidade de mostrar a arte. Iniciativa que valoriza o evento e o artista.” Miguel pontua: “O convite é sempre muito bem vindo. Primeiro, porque os trabalhos são feitos para serem vistos e segundo, porque serão vistos para um público específico”. Local da exposição: Espaço Arte e Vida - Rua Pouso Alto, 199 - Belo Horizonte Para programar a ida ao local: [email protected] Trabalhos de Miguel Gontijo... Novidade ...Leandro Gabriel... Bom, bonito e de ..... graça Se você se inscreveu no XVI Congresso Brasileiro de Atualização em Neurocirurgia já sabe do novo aplicativo de Neurotrauma que poderá ser baixado em qualquer smartphone, pois será lançado na plataforma iOS (Apple iPhone) e android (Galaxy Samsung). Segundo Rodrigo Faleiro, coordenador do Departamento de Trau- SBN Hoje | 14 | ...e Juçara Costta Para saber mais sobre: www.miguelgontijo.com/ www.jucaracosttaespacodearte.com/ www.leandrogabriel.com.br/ ma da SBN, “o aplicativo é uma forma ousada de levar a informação para o bolso de cada médico, estando disponível a um toque de dedo, em tempo real. É como se estivéssemos levando toda a atualização contemporânea para a sala de emergência. Em grandes centros ou locais remotos do Brasil e fora do país já que o conteúdo es- tará em inglês também” E ele completa entusiasmado: “Não vai custar nada ao usuário. Disponibilizaremos de graça pois para o Departamento de Trauma, informação médica não tem preço precisa ser divulgada livre e amplamente a todos.” Para outras informações acesse o site da SBN na aba do Departamento de Trauma.