setembro 2013 | ano 1 | nº 3 | www.sbn.com.br
hoje
Edição Especial
XVI Congresso
de Atualização
em Neurocirurgia
reúne em BH
ciência, tecnologia
e cultura
História: |
Os 60 anos da Clínica de
Neurologia e Neurocirurgia do
Felício Rocho
Entrevistas |
Dois pioneiros da Neurocirurgia
falam da vida e da profissão
Artigo |
A vocação de Minas que reúne
tradição e modernidade
Índice desta edição:
• Os 60 anos de uma bela senhora – pg 05
• Raul Marino: as histórias de um pioneiro – pg 08
• As paixões de um neurocirugião francês – pg 10
• Minas: tradição e modernidade – pg 12
• Minas.Gerais – pg 14
• Bom, bonito e de.... graça – pg 14
Expediente
Presidente: Sebastião Gusmão
Vice-presidente: Jair Raso
Secretário geral: Aluízio Augusto Arantes Junior
Tesoureira: Marise Augusto Fernandes Audi
1º Secretário: Carlos Batista Alves de Souza Filho
Secretário executivo: José Carlos Esteves Veiga
Secretaria Geral:
Rua dos Otoni, 909 - Sala 408 - CEP: 30150-270
Belo Horizonte/MG - Tel.: (31) 3658-3235
Email: [email protected]
Secretaria Permanente:
Rua Abílio Soares, 233 - cj. 143 - Paraíso
CEP 04005-001 - São Paulo/SP
Tel.: (11) 3051-6075 - Email: [email protected]
Reportagem, Redação e Edição: VFazitto
Comunicação e Consultoria Ltda.
Jornalista responsável: Vilma Fazito 1988/MT JP
Reportagem e Edição: Marina Rodrigues
1900/MT JP
Site: www.vfazitto.com.br
Arte da capa: Arte Reis
SBN Hoje | 3 |
MENSAGEM DO PRESIDENTE
áreas do conhecimento daquela especialidade. Sessões plenárias em conjunto com conferências magnas e a apresentação de temas livres completam a
grade desses congressos.
Muitas vezes, o profissional deve
optar por assistir a uma apresentação,
perdendo a oportunidade de assistir a
outras de seu interesse.
Talvez o maior desafio do ensino
nos tempos de hoje seja o excesso de informações. Como filtrar aquilo que realmente interessa para o aprendizado?
Este desafio é ainda maior quando
o objeto do aprendizado é uma especialidade cirúrgica complexa, como a
neurocirurgia.
O formato dos congressos médicos é
geralmente o mesmo: em múltiplas salas são organizadas sessões que tratam
dos temas mais relevantes das diversas
Foi pensando nestas dificuldades
que a SBN idealizou um formato diferente para os congressos de atualização.
Todas as sessões são realizadas em sala
única, mesclando os temas relevantes
das diversas áreas de conhecimento.
Assim, é possível fazer uma imersão no
que há de mais atual e relevante na prática neurocirúrgica.
Em seus Congressos, a SBN homenageia expoentes da neurocirurgia brasileira ou estrangeiros que contribuem
para formação de nossos neurocirurgiões. É uma forma de contar nossa história por meio de seus principais atores.
Agora, em sua XVI edição, o Congresso de Atualização da SBN reflete
bem este espírito: respeito pela tradição
e apreço pela novidade.
Sebastião Gusmão
É também uma oportunidade para
o encontro de neurocirurgiões de todas
as regiões brasileiras e de diversas gerações, num ambiente de ensino que
equilibra evidências científicas com a
vivência profissional.
EDITORIAL
Cultura e tradição; ciência e tecnologia
A SBN Hoje entrevista os neurocirurgiões Raul Marino Jr. e Daniel Maitrot, homenageados do XVI Congresso
de Atualização em Belo Horizonte.
O perfil dos dois homenageados
é muito semelhante na dedicação ao
ensino e exercício da neurocirurgia e
o apreço pela cultura médica e humanista.
José Maurício Siqueira nos fala dos
60 anos do Serviço de Neurocirurgia e
Neurologia do Hospital Felício Rocho,
de Belo Horizonte, um dos principais
centros de formação em neurocirurgia,
credenciado pelo MEC e pela SBN.
Neste número você vai conhecer
SBN Hoje | 4 |
o aplicativo de neurotrauma que será
lançado em nosso congresso de atualização. A iniciativa é do neurocirurgião
Rodrigo Faleiro com o apoio do Neurotrauma Brasil e da SBN.
Quebrar a rotina, viajar e participar
de um congresso é uma forma de turismo, o turismo cultural. Leia o artigo
de Mauro Werkema, presidente da Belotur, órgão de turismo da Prefeitura de
Belo Horizonte, um dos patrocinadores de nosso Congresso de Atualização.
A SBN hoje, nesta edição especial
impressa, reúne cultura e tradição, ciência e tecnologia.
Jair Raso
História
Os 60 anos de uma bela senhora
A Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi
inaugurada em 1953 com a chegada do médico José Geraldo Albernaz. Formado pela Faculdade de Medicina
da UFMG em 1946, fez internato no Hospital St. Marys, em Huntington, West Virgínia e depois residência
em Neurologia e Neurocirurgia na Universidade de Illinois, em Chicago, sob a orientação dos professores Paul
C. Bucy e Percival Bailey. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e um de seus idealizadores
e fundadores. Em 1968, mudou-se para os Estados Unidos para fazer parte do corpo clínico do Hospital do
Centro Médico da Escola de Medicina de Marion, Ohio, onde trabalhou até se aposentar em 1992.
O
Serviço de Neurofisiologia
Clínica
iniciou-se em 1959 com
o exame de Eletroencefalografia utilizando aparelho Grass de oito canais.
Este serviço foi criado pelo
professor Albernaz e sua
esposa Doris Sayler Albernaz que era técnica em
eletroencefalografia. Foi
posteriormente dirigido
pelos médicos Rosa Maria
Leone, José Antonio Rodrigues e Gilberto Belizário Campos.
Hospital Felício Rocho
Os exames de Neurotência, que se completam neste ano
radiologia eram realizados
de 2013, os profissionais da Clínica
pela equipe de neurocirurgia e conde Neurologia e Neurocirurgia tisistiam de pneumoencefalografia,
veram a oportunidade de cuidar de
ventriculografia, arteriografias caromilhares de pacientes e participatídea, vertebral e braquial como tamram na formação de mais de uma
bém a mielografia.
centena de especialistas nas diversas
O grande avanço para o diagnósáreas da neurociência. Atualmente,
tico das doenças neurológicas veio
a Clínica oferece treinamento em
com a instalação do primeiro tomóNeurologia Clínica com duração de
grafo computadorizado do estado,
três anos, com uma vaga anual para
no Hospital Felício Rocho. Inaugumédicos brasileiros e uma vaga para
rado em agosto de 1978 no andar
médicos estrangeiros. A Neurocirurtérreo e com entrada pela rua Timbigia mantém programa conjunto de
ras. O médico Itamar Megda Cesaresidência médica com o Hospital
rini é atualmente o coordenador do
João XXIII / Fundação Hospitalar
Serviço de Ressonância Magnética.
do Estado de Minas Gerais - FHEO Hospital Felício Rocho teve
MIG, com admissão de dois residentambém a primeira unidade multites por ano pelo período de cinco
disciplinar do estado para tratamento
anos. A Neurocirurgia Endovascular
de pacientes portadores de epilepsias
(Neurorradiologia Intervencionista)
de difícil controle medicamentoso.
oferece uma vaga anual de especialiAo longo destes 60 anos de exis-
SBN Hoje | 5 |
zação pelo período de dois anos. O
NATE tem programa de Fellow em
Epilepsia com duração de um ano.
Corpo clínico
Nas últimas décadas foi necessária a incorporação de vários
membros à Clínica de Neurologia
e Neurocirurgia para atendimento
a um número crescente de pacientes. Houve ainda, a necessidade de
especialistas em várias áreas das ciências neurológicas devido uma explosão do conhecimento médico e
surgimento de inúmeras tecnologias.
Atualmente, a Clínica é composta de
22 profissionais exercendo diferentes
especialidades. Na área de Neurocirurgia estão os médicos, José Maurício Siqueira (cirurgia estereotáxica e
neurocirurgia funcional; cirurgia de
base de crânio; cirurgia das epilepsias); Rodrigo Moreira Faleiro (neu-
rocirurgia infantil, neurotrauma
e neuroendoscopia); Newton José
Godoy Pimenta (cirurgia de coluna
e cirurgia de epilepsia); José Augusto Malheiros (cirurgia de coluna
e cirurgia de nervos periféricos) e
Geraldo Vitor Cardoso Bicalho (cirurgia estereotáxica, neurocirurgia
funcional e radiocirurgia).
Em Neurologia Clínica estão os
médicos Paulo Roberto Rocha Moreira (doenças neuromusculares e eletroneuromiografia); Lyster Dabien
Haddad (doenças dos movimentos
involuntários); Érika Machado Viana (epilepsia, eletroencefalografia e
vídeo-eletroencefalografia); Rosamaria Peixoto Guimarães(doenças
neuromusculares e eletroneuromiografia); Ana Paula Gonçalves, Andrea Sales Cardoso Naves e Danielly
Madureira Duarte, recentemente incorporadas à Clínica e todas tendo
feito residência médica de neurologia clínica no HFR.
Corpo clínico de neurologia e neurocirurgia do HFL
Em Neurologia Infantil – Neuropediatria está a médica Eisler Cristiane Carvalho Viegas.
Em Neurocirugia Endovascular
- um dos serviços pioneiros em Minas em embolização de aneurismas
e malformações vasculares cerebrais,
utilização de stents cerebrais e tratamento do AVC em fase aguda - estão os médicos Alexandre Cordeiro
Equipe histórica
José Antonio Rodrigues:
chefiou a Clínica de Neurologia
e Neurocirurgia do Hospital Felício Rocho após a mudança de
José Geraldo Albernaz para os
Estados Unidos.
João da Cruz Carvalho: exerceu suas atividades no HFR até
1965 quando transferiu-se para
Brasília.
Rosa Maria Leone: atuou nas
áreas de Neurologia Infantil e
Eletroencefalografia do HFR
até se aposentar em 1996.
Iran da Costa Bessa: natural de Goiânia e que em 1966
mudou-se para Brasília e associou-se ao médico João da Cruz
Carvalho.
Gilberto Belizário Campos:
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monitor de Neurologia na Faculdade de Medicina e ajudou nas
cirurgias neurológicas que eram
realizadas no HFR em 1957.
Pedro Alcântara Rodrigues:
chefiou a Clínica de Neurologia e Neurocirurgia do HFR até
2011.
Luiz Carlos Mendes Faleiro: introduziu a cirurgia transesfenoidal para os tumores da
glândula hipófise e as técnicas
microcirúrgicas para os aneurismas cerebrais. É responsável
pelo programa de residência
médica em conjunto entre Hospital Felício Rocho e Hospital
João XXXIII da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - Fhemig.
Ulhôa (neurocirurgia endovascular
e ressonância magnética); Marco
Túlio Salles Rezende (neurocirurgia
endovascular e tomografia computadorizada) e Felipe Padovani Trivelato
(neurocirurgia endovascular).
Núcleo Avançado
de Tratamento das
Epilepsias - NATE
Este serviço também pioneiro
em Minas foi inaugurado em 2003
e tem como objetivo a investigação
e tratamento de pacientes portadores de epilepsias de difícil controle.
Os profissionais responsáveis são a
professora Aila de Guadalupe Amaro
Reis Fonseca (neuropsicologia) e os
médicos Andrea Julião de Oliveira
(neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia);
Eduardo Jardel Portela (neurologia
clínica, neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e vídeo-eletroencefalografia); Guilherme Nogueira
Mendes de Oliveira (psiquiatria)
e Míriam Fabíola Studart Gurgel
Mendes (neurologia clínica, neurofisiologia clínica, eletroencefalografia e
vídeo-eletroencefalografia).
José Mauricio de Souza (*)
Coordenador da Clínica de Neurologia e Neurocirurgia Hospital
Felício Rocho / Fundação Felice
Rosso - Belo Horizonte, MG
Convite
AMB certifica membros titulares
em neurologia funcional
A
informação da certificação foi passada pelo coordenador do Departamento de Funcional da SBN, Arthur
Cukiert. E ele aproveita para mandar
um recado a seus colegas:
mem-se do Departamento. É simples:
basta ser membro titular da SBN e ter
um ano de treinamento em qualquer
área da funcional após o término da re-
sidência. Em tempo: reserve a data de 9
a 11 de maio de 2014, quando teremos
o Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Funcional.”
“Pela primeira vez, em julho último, a AMB certificou membros titulares da SBN na área de atuação em
dor. Foi um grande ganho para a neurocirurgia funcional brasileira. Aqueles
que ainda não obtiveram a certificação
poderão fazê-lo atendendo aos novos
editais que a AMB, publicará, possivelmente ainda este ano. Temos notado que muitos colegas com interesse
em neurocirurgia funcional ainda não
pertencem ao Departamento. A neurocirurgia funcional é a sub-especialidade
que mais cresce atualmente. Aproxi-
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As Homenagens do Congresso
Raul Marino: as histórias
de um pioneiro
Por que o senhor escolheu a
profissão de médico? E a especialidade de neurocirurgia?
Escolhi a medicina por antiga
vocação, e a neurocirurgia porque,
cedo, percebi ter bastante habilidade manual e por estudar o cérebro
desde o primeiro ano da faculdade.
Baseado em sua carreira e experiência, quais seriam as grandes
conquistas que a especialidade da
neurocirurgia conseguiu nesses últimos tempos?
As maiores conquistas da neurocirurgia, a meu ver, foram a neu-
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rocirurgia funcional, a ressonância
magnética, a tomografia, a ressonância funcional, a radiocirurgia,
a angiografia intervencionista e a
endoscopia.
Como o Sr. vê as novas gerações de neurocirurgiões?
Vejo as novas gerações de neurocirurgiões como pouco preparadas
para o grande número de subespecialidades que foram criadas pelas
tecnologias.
Como definiria esta homenagem feita ao Sr. pelo XVI Congresso Brasileiro de Atualização em
Neurocirurgia?
Atualmente, tenho me dedicado com muito afinco à Bioética e
à Neuroética, tendo me submetido
recentemente à Livre-Docência em
Ética Médica pela FMUSP. A tese
de Livre-Docência está agora em
livro. Creio que esta homenagem
a mim prestada pela Sociedade representa o coroamento de minha
carreira na Neurocirurgia, pela qual
sou agradecido a todos os meus
companheiros de especialidade que
me prestigiaram durante tantos
anos.
Além da neurocirurgia, o Sr.
tem outra paixão: a cultura japonesa. Que características dessa cultura o atraíram? Por quê?
Tenho atração pela cultura japonesa a partir de muitas visitas que
fiz àquele país e pela admiração por
sua disciplina e capacidade de trabalho, num país que foi totalmente
devastado pela guerra. Gostaria que
o Brasil lhes seguisse o exemplo. Tenho me dedicado ao aprendizado
de sua língua.
“
...esta homenagem
a mim prestada
pela Sociedade,
representa o
“
O neurocirurgião Raul Marino é um dos homenageados
do XVI Congresso Brasileiro de
Atualização em Neurocirurgia.
Diretor e fundador do Instituto
Neurológico de São Paulo, do
Hospital Beneficência Portuguesa, é também diretor e fundador da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Hospital
das Clínicas da FMUSP e professor titular de Neurocirurgia
da FMUSP. Raul Marino nasceu e cresceu em São Paulo e se
formou em Medicina pela USP.
Tem dois filhos: um engenheiro
e outro economista. É autor de
vários livros. Nesta entrevista à
SBN Hoje falou um pouco de
sua carreira, dos livros e revelou sua admiração especial pela
vida e cultura japonesas.
coroamento de
minha carreira.
Entre suas obras escritas, uma
das mais recentes é a “Religião do
Cérebro”. Qual o foco dessa pesquisa?
Em resposta à sua pergunta
devo dizer que esse livro foi o que
teve maior sucesso e já se encontra
em 7ª edição. Ele versa sobre uma
explicação dentro das neurociências
e da neurologia sobre as regiões do
cérebro responsáveis pelos fenômenos espirituais, religiosos, as emoções, a afetividade e as experiências
de quase morte. Há muita neuroanatomia e neurofisiologia envolvidas nesses fenômenos.
Escolher uma obra preferida,
para o autor, é como optar por um
filho entre vários. Mas o Sr. destacaria algum outro livro?
Meus outros dois livros favoritos são “Em busca de uma bioética
global”, que aborda princípios para
uma moral mundial e universal
e uma medicina mais humana, e
“Ensaio sobre o amor: do Eros carnal ao sublime Ágape”.
Ainda sobre “Religião do Cérebro”
Na época do lançamento do
livro, Raul Marino deu uma entrevista à ISTOÉ: “Fiz um depoimento sobre o que existe e
acredito, como, por exemplo,
o fato de que somos dotados de
áreas cerebrais para que possamos
nos comunicar com Deus. Um
dos princípios da neurociência
do comportamento é que nossas
experiências são geradas pela atividade cerebral. Assim, os sentimentos de amor, a consciência e
até a presença de uma divindade
estão associados a eventos que
acontecem no cérebro. Foram
feitas experiências com monges
e freiras em clausura, mostrando
como e quando áreas cerebrais se
alteravam durante a meditação e
a oração. Viu-se que, em estado
meditativo, eles apresentam alterações reais e detectáveis. Há
mudanças na química do sangue
e das ondas cerebrais. A experiência mística é algo que vem de
dentro. E só o ser humano pode
ter essa experiência divina. Só ele
possui as estruturas cerebrais capazes de processá-la.”
hoje
ANUNCIE CONOSCO
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Homenagem
As paixões de um
neurocirurgião francês
Daniel Maitrot nasceu em agosto de l943 em Lons le Saunier, região de Jura, montanhas a noroeste da
França e que fazem fronteira com a Suíça. Nasceu em plena II Guerra Mundial.Seu pai que estava no exército
desde 1934, foi preso pelo exército alemão em 1940, mas escapou depois de alguns meses e logo depois
entrou para a Resistência Francesa. Com muitas histórias para contar Maitrot fala nesta entrevista de sua
vida, carreira e paixões.
Qual a sua ligação com o
Brasil? Profissional? Afetiva?
Comecei meus estudos de medicina em 1961 em Estrasburgo.
Lá passei nos exames de internato,
residência e assistente clínico universitário. Durante esse período fiz
alguns cursos de treinamento em
vários departamentos, como o de
patologia, onde ocupei o cargo de
assistente clínico universitário em
Neurocirurgia no Hospital Lariboisière em Paris de 1974 a 1975.
Conheci Atos de Souza nesta época
e viramos bons amigos. No fim de
1975 deixamos o Hospital Lariboisière. Atos foi para Caen e eu para
Estrasburgo.
Graças a Atos, conheci seus dois
irmãos mais velhos que convenceram Sebastião Gusmão a residir em
Estrasburgo entre 1977-1978. Fui
muito feliz trabalhando com ele e
nós aprendemos muito um com o
outro. Atos e Sebastião voltaram
para Belo Horizonte, mas nunca
se esqueceram de seus amigos franceses. É por isso que nós tivemos a
oportunidade de ter a cada ano um
ou dois alunos de residência brasileiros, 35 ao todo, trabalhando em
nosso departamento.
Ainda hoje, algumas vezes na
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França outras no Brasil, eu opero
aneurismas junto com Atos.
O senhor tem filhos?
Estou casado desde outubro de
1965 e tivemos um filho em 1977.
Ele passou no vestibular quando
tinha 17 anos no Politécnico Francês, uma das três escolas técnicas
mais famosas da França! Hoje ele é
coronel na Polícia Federal Francesa
e trabalha na sede de Paris.
Nós somos avós de um menino
de quatro anos. Também sou padrinho de uma menina, explico: vou
duas vezes por ano ao Vietnam, e
em 2000 ajudei um casal de amigos
a adotar uma menina de lá. Hoje
ela tem nove anos e duas vezes por
semana ela vem nos ver em nossa
casa!
Por que escolheu a profissão
de médico? E a especialidade de
neurocirurgia ?
Fui escoteiro dos dez aos 21 e
essa experiência me convenceu de
eu tinha que escolher uma profissão
onde continuasse a ajudar as pessoas.
Antes e durante meu primeiro
ano de medicina e especialmente
durante minhas férias, tive a oportunidade de trabalhar no departamento de cirurgia (Prof. Emile
Forster) e depois no departamento
de neurocirurgia (Prof. Emile Woringer). Ambos os chefes destes departamentos mostraram-me muito
empenho e consideração com o trabalho, e eu decidi seguir seus exemplos. Por último, eu escolhi neurocirurgia, porque senti que muitas
coisas ainda poderiam ser feitas
para expandir novas possibilidades
terapêuticas.
Brasil e França: que pontos
comuns os neurocirurgiões dos
dois países tem?
Nossos programas de formação
educacional não são exatamente
iguais, a diferença entre as classes
sociais é muito maior no Brasil do
que na França, mas nós temos interesses semelhantes em encontrar
meios de ajudar pessoas doentes e
de saber mais sobre os mecanismos
por trás das desordens da espinha
dorsal (medula) e do sistema nervoso central. Um dos nossos interesses
em comum mais importantes, embora não o melhor, é o desenvolvimento de um material que possa ser
implantado na espinha dorsal (medula espinhal).
Além de neurocirurgia, o Sr.
tem outra paixão: vinhos. Esse
interesse é de família?
Na Alsácia, onde moro, toda
festa é uma oportunidade para degustar vinho da... Alsácia! Minha
mulher nasceu e cresceu na Alsácia
e viveu durante a sua infància em
Château du Riquewihr, que é uma
vila mundialmente conhecida pelos
seus vinhos. Seu pai tinha uma loja
de vinhos. É por isso, que achei que
eu deveria demonstrar algum interesse em vinho! Na verdade, meu
interesse ficou mais forte em 1970,
quando fui a Bordeaux e experimentei na cantina Château Margaux um dos três melhores vinhos
de Bordeaux daquele tempo. Eu
descobri o tanto que o vinho tinto
era bom, e os vários tipos, dependendo do tempo de envelhecimento e do tipo de comida escolhida
para acompanhá-lo.
“
...minha paixão
por neurocirurgia
é igual à minha
paixão por
bons vinhos: eu
aprecio ambos
especialmente
quando eu os
compartilho com os
amigos!
“
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De volta à minha casa, decidi
aprender mais sobre vinhos e as tradições vinícolas e comecei um treinamento em enologia.
Qual o seu vinho preferido?
Eu não tenho nenhum vinho
preferido. Há vinhos tintos leves
e finos, outros de consistência pesada ou muito fortes, rosés muito
leves, brancos frutados e secos, doces ou bem maduros! Cada vinho
pode ser associado com vários pratos, depende também do clima, do
lugar onde degustá-lo, da idade do
vinho ou a nossa idade, do nosso
estado de espírito! Nós devemos
aprender como os vinhos são capazes de alterar nossas percepção
e emoções, quando parar de beber,
quando prestar atenção nos nossos
amigos e colegas. É também muito
importante saber quais vinhos enfatizam o sabor do peixe, da carne
branca ou vermelha, aspargos, batatas, patê, queijo, frutas e chocolate por exemplo! Devo ainda dizer
que meu interesse por vinho não é
só pelo puro prazer que ele me dá,
mas também pela necessidade de
usar minha memória em qualquer
situação e idade!
Como definiria em palavras,
esta homenagem feita ao Sr.
pelo Congresso?
O tributo da SBN de me conceder a apresentação de inauguração
do congresso mostra que a SBN
adivinhou o que mais gosto: passar
para frente o que eu aprendi durante a minha carreira e aquilo que os
professores me falaram para fazer:
aumentar/fomentar os questionamentos/curiosidade na cabeça dos
meus colegas ou daqueles que concordaram em ser meus estudantes.
Para mim é uma honra e um encorajamento saber que a SBN e seus
neurocirurgiões e pacientes ainda
tenham interesse em me trazer de
longe para encontrá-los!
Gostaria de concluir assim: minha paixão por neurocirurgia é na
verdade, igual à minha paixão por
bons vinhos: eu aprecio ambos especialmente quando eu os compartilho com os amigos!
A Alsácia era originalmente
parte do Império Alemão. Em
1648 foi anexada à França mas
em 1870 a l918 voltou para o
império Alemão. De 1918 a
1939 retornou ao domínio francês, época que o país foi ocupado pelo exército alemão. Desde
1945 pertence a França
A Vocação de Minas
Minas: tradição e
modernidade
“A descoberta das minas enriquece Portugal mas traz o fermento que o levará a
perder a Colônia”. Germain Bazin
C
onvivem em Minas tradição e
modernidade, em singular diversidade cultural e natural gerada
pela originalidade de sua formação
nos anos finais do Século XVII,
quando ocorre a ocupação pioneira do território interior do Brasil-Colônia pela épica corrida paulista bandeirante em busca do ouro.
A “Minas geratriz”, na expressão
de Guimarães Rosa, configura-se
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nas cidades históricas, que muito
rapidamente vão integrar uma vasta rede de núcleos urbanos vindos
da mineração, onde se desenvolve
uma sociedade de feições próprias,
irrequieta pela dura luta pela sobrevivência, multiracial pela presença de portugueses, negros e índios, sempre rebelde contra o jugo
colonial político e fiscal português
e libertária pela presença constante
de ideais de autonomia política e
econômica.
Precoce na urbanização e mesmo na precária atividade industrial,
a sociedade mineira será mais aberta, condição imposta pela própria
convivência, nas minas e nas cidades, não se reduzindo ao esquema
do senhor e escravo, ou da dicotomia da “Casa Grande e a Senzala”,
do Nordeste, abrindo perspectivas
A trajetória mineira no Século
XVIII terá como traço marcante
as repetidas rebeliões contra o jugo
colonial português, que se expressam não só nos motins e na resistência ao fisco mas também na criatividade artística e intelectual. Será
em Minas que nasceram marcantes
movimentos nativistas, como mostram a Guerra dos Emboabas, de
1707 a 1709, o sacrifício de Felipe
dos Santos em 1720, os vários motins e atos de rebeldia contra o governo colonial, ocorridos em Sabará, Pitangui, Mariana, Itapecerica,
Maria da Cruz e muitos outros que
a historiografia contemporânea tem
revelado. Mas repercussão maior
terá a Conjuração Mineira, de
1789, rebelião de poetas, militares
e padres, que teve com um dos líderes Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes, enforcado no Rio a 21
de abril de 1792, enquanto vários
participantes eram exilados para a
África.
A sociedade mineira ainda
muito herdou, material e espiritualmente, do surto de criatividade
intelectual e artística ocorrido no
Século XVIII, durante o que se
convencionou chamar de “Ciclo do
Ouro”.
O Barroco é o estilo de arte do
Absolutismo e da Contra-Reforma
mas se transforma também num es-
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“
O Barroco é o
estilo de arte do
Absolutismo e da
Contra-Reforma
mas se transforma
“
para os segmentos médios, comerciantes, artífices, funcionários e um
grande um contingente de aventureiros, em busca de um ilusório
enriquecimento fácil. Nestas raízes
sociológicas reside a propensão para
as lutas políticas e de afirmação,
que perpassam pelo período colonial, pelo Império e a República.
Minas sempre terá voz e presença,
atuando na construção dos princípios da nacionalidade brasileira e
quase sempre em favor da liberdade
e de uma ordem econômica progressista e mais justa.
também num estilo
de vida.
tilo de vida. Estes serão os vetores
sociológicos que conformarão o homem das cidades históricas mineiras no Século XVIII, atormentados
e divididos “entre o céu e a terra”,
reativamente inquietos, naturalmente angustiadas também pelas
lutas de sobrevivência na confusa
sociedade nascente, entre as montanhas de Minas. Mas será este “caldo
de cultura”, produto do sincretismo
humano e cultural que se impõe,
que irá fermentar a criatividade
intelectual e artística, fenômeno
que se manifesta singularmente nas
principais cidades históricas mineiras. Eis a síntese cultural mineira do
Século XVIII, que nos legou acervo
valioso e único de obras de artes, da
arquitetura, da ornamentação, da
escultura, da pintura, da música e
da literatura. A Unesco reconheceu
a exemplaridade cultural mineira
ao inscrever Ouro Preto, Diamantina e Congonhas na lista dos Patrimônios Culturais da Humanidade, pela especificidade de sua
arquitetura colonial luso-brasileira
mas também pela arte regional, o
Barroco Mineiro, estilo de arte e
de vida, em que pontificam mestres
e ícones como Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel
da Costa Athayde. Minas passou “a
ser muitas”, no dizer de Guimarães
Rosa, na multiplicidade cultural, na
convivência com a natureza, onde
mesclam-se os tipos humanos, do
minerador ao sertanejo, do ruralista
ao urbanista. Exaurido o ouro, dá-se o êxodo populacional das zonas
de mineração para novas fronteiras
territoriais, com terras propícias
à agropecuária, iniciando-se novo
ciclo econômico. Se a “Minas geratriz”, representada pelas cidades
históricas criada pelo ouro, gerou as
bases de uma civilização com feições
próprias, outras regiões de Minas,
ocupadas em tempos posteriores,
representaram a incorporação de
novos padrões sociológicos. Assim
diferentes são as peculiaridades humanas e sociais do Norte, do Nordeste e Noroeste e mesmo de regiões
fronteiriças do Sul e Sudoeste, como
também do Triângulo, regiões ocupadas no Século XIX. O Norte torna-se agropecuário e o Sul de Minas
dedica-se à cultura do café e abastece o Rio de Janeiro, capital do Brasil
a partir de 1763. Moldam-se, entre
o minerador e o ruralista/ geralista,
os dois traços básicos da personalidade do mineiro, reconhecidamente
diferenciada no território nacional.
Em três séculos de existência, Minas Gerais conservou muito do seu
patrimônio histórico, suas práticas
culturais, seu municipalismo e seu
ruralismo, suas tradições e festas populares e religiosas, seu rico artesanato, a típica culinária. E também
seu gosto pela política, herança dos
primeiros momentos de sua formação, em que as lutas de afirmação
e emancipação transitavam entre o
irredentismo e a negociação. Traço
que se afirma nas lutas pela república e na construção de mandos políticos, nos anos finais do Século XIX
e as primeiras décadas do período
republicano.
Mauro Werkema - Jornalista e
presidente da Belotur
Exposição
Minas. Gerais.
O que você espera de uma obra
de arte? Incômodo ou conforto?
A resposta está na exposição
com as criações de Miguel Gontijo, Leandro Gabriel e Juçara Costta
montada no espaço Arte e Vida da
rua Pouso Alto em Belo Horizonte.
Convidados pela organização para
participar do programa social do
XVI Congresso Brasileiro de Atualização em Neurocirurgia, os três
artistas mineiros vão oferecer aos
visitantes a oportunidade de conhecer, viver e se surpreender diante de obras, plásticas em suas possibilidades, múltiplas de sensações
e interpretações. O consenso que
contradiz a proposta da arte estar
sempre no avesso ao padrão é que
ela tem interpretações diferentes, é
móvel e livre. Muitos vão se achar.
Muitos vão se negar. Mas ninguém
sairá ileso. São peças que falam de
Minas de maneira transversa. Lá estarão as esculturas e formas rudes
em ferro de Leandro Gabriel criadas em sua oficina de arte embaixo
de um viaduto na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Os quadros
e as escadas toscas, coloridas e encantadas de Juçara que encontrou
na arte, a maneira de se encontrar.
E os livros e objetos carregados de
enigmas de Miguel. Livros onde ele
Foto: Julio Hubner
apaga a escrita original e reescreve
histórias usando bisturis ou tintas.
Diferentes mas ligados ao desejo
de sugerir o imponderável.
Segundo Juçara, o convite para
participar da programação social do
Congresso foi “uma pérola já que o
universo da arte não faz parte, normalmente, do universo das pessoas.
Vai ser o encontro dessas duas dimensões”. Leandro considera que
será “a oportunidade de mostrar a
arte. Iniciativa que valoriza o evento e o artista.” Miguel pontua: “O
convite é sempre muito bem vindo.
Primeiro, porque os trabalhos são
feitos para serem vistos e segundo,
porque serão vistos para um público específico”.
Local da exposição:
Espaço Arte e Vida - Rua Pouso
Alto, 199 - Belo Horizonte
Para programar a ida ao
local:
[email protected]
Trabalhos de Miguel Gontijo...
Novidade
...Leandro Gabriel...
Bom, bonito e de ..... graça
Se você se inscreveu no
XVI Congresso Brasileiro
de Atualização em Neurocirurgia já sabe do novo aplicativo de Neurotrauma que
poderá ser baixado em qualquer smartphone, pois será lançado
na plataforma iOS (Apple iPhone)
e android (Galaxy Samsung).
Segundo Rodrigo Faleiro, coordenador do Departamento de Trau-
SBN Hoje | 14 |
...e Juçara Costta
Para saber mais sobre:
www.miguelgontijo.com/
www.jucaracosttaespacodearte.com/
www.leandrogabriel.com.br/
ma da SBN, “o aplicativo é
uma forma ousada de levar
a informação para o bolso de cada médico, estando disponível a um toque
de dedo, em tempo real. É
como se estivéssemos levando toda
a atualização contemporânea para
a sala de emergência. Em grandes
centros ou locais remotos do Brasil
e fora do país já que o conteúdo es-
tará em inglês também”
E ele completa entusiasmado:
“Não vai custar nada ao usuário.
Disponibilizaremos de graça pois
para o Departamento de Trauma,
informação médica não tem preço
precisa ser divulgada livre e amplamente a todos.”
Para outras informações acesse
o site da SBN na aba do Departamento de Trauma.
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Setembro/2013