AS REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Rosa Maria Cavalheiro
Jefferson Olivatto da Silva
UNICENTRO
Resumo: No Brasil, a abordagem das questões relacionadas História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana foi empregada, historicamente, como um recurso,
quase sempre eficaz, de aniquilação da diversidade. Hoje é uma prática que vem
recebendo um tratamento específico por parte das políticas públicas para a
educação, alicerçado na proposta de um novo paradigma de respeito à diversidade
étnica. No entanto, ainda há muito a ser feito para que este assunto obtenha
condições de igualdade no ensino escolar. Nessa perspectiva, este trabalho
discute a abordagem das questões relacionadas ao ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na escola, a partir da análise das representações do
negro na educação infantil, tendo em vista a importância dessas abordagens, na
formação dos conceitos pelas crianças e do fato que a maioria dos materiais
voltados à esta faixa etária, foram elaborados a partir da visão eurocêntrica
sobre o assunto, o que nos impele a buscar novas abordagens que valorizem
os aspectos desta cultura e, consequentemente, a identidade das crianças, em
especial as crianças negras, que são negativamente impactadas com as práticas
excludentes com relação aos seus pertencimentos.
Palavras-chave: Identidade, negritude, infância, escola.
Introdução
Uma das características da Educação Brasileira atualmente é a criação de
políticas públicas voltadas à promoção da igualdade e justiça social, com ênfase à
parcela da população historicamente marginalizada e expropriada em seus direitos
básicos.
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Desta forma a Lei Federal 10639 de 2003 que, alterando a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 9.394 de 1996, tornou obrigatório o ensino de História
e Cultura Afro Brasileira e Africana na toda Educação Básica, criou uma nova
expectativa com relação à diminuição do preconceito e discriminação que estão
postos em nossa sociedade, em especial nas relações raciais presentes na escola.
Percebemos que nos últimos anos houve alguns avanços neste sentido,
entretanto, para que esta lei seja implementada efetivamente, torna-se necessária
uma discussão bem mais ampla do que somente o ensino desta temática na escola.
Há que se percorrer diversos aspectos que permeiam as práticas pedagógicas:
começando pela formação inicial e contínua dos professores sua formação,
passando pelas condições de estrutura das escolas e também de condições
pedagógicas de realização de práticas docentes realmente eficazes para o combate
à discriminação e ao racismo tão fortemente presentes nos ambientes escolares e
na sociedade de maneira geral.
Diante disto, pretendo discutir neste texto sobre os avanços, desafios e
possibilidades, proporcionadas às práticas docentes pela Lei Federal 10639 de
2003, na perspectiva de uma educação não excludente e que valorize de fato a
História, a cultura, e a identidade do povo negro em nossa sociedade, em especial
na Educação Infantil, pois é neste nível de ensino que a criança está formando seus
conceitos, construindo sua identidade e começando a compreender a sociedade em
sua complexidade.
Neste contexto a lei 10.639/03 apresenta-se como um importante dispositivo
legal para a adoção de uma política de reparação das desigualdades historicamente
proporcionadas pelo sistema educacional brasileiro pois, além do ensino da História
e Cultura Afro Brasileira e Africana, sua abordagem deverá incluir também:
o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil.
As práticas docentes às quais se referem esta lei, devem ir ao encontro do
que preconiza o Parecer 003/2004 do Conselho Nacional de Educação, que
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estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de História e Cultura
Afro Brasileira e Africana nas escolas, o qual afirma que:
A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e para
a emancipação dos grupos discriminados, ao propiciar acesso aos
conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de
racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos
avançados, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações
como espaços democráticos e igualitários.
Este parecer é de fundamental importância para que os profissionais da
Educação possam compreender a complexidade que é implementar de fato a Lei à
qual se refere e, ao mesmo tempo dá direcionamentos efetivos ao trabalho docente,
pois quando considera os espaços escolares democráticos e igualitários implica em
dar condições equânimes aos diferentes sujeitos e seus pertencimentos.
Sabemos que o ensino da temática em questão por si só não trará as
mudanças que residem na intencionalidade da lei, pois a abordagem da História e
Cultura Afro Brasileira e Africana deve trazer em seu bojo um ideal de valorização
deste povo e reconhecimento de sua importância para a História e Cultura Brasileira,
e isso requer um posicionamento político, onde se explicitam até mesmo as políticas
educacionais defendidas pela escola. Segundo Gomes, 2011:
A Lei 10.639/03 e suas diretrizes precisam ser compreendidas dentro do
complexo campo das relações raciais brasileiras sobre o qual incidem. Isso
significa ir além da adoção de programas e projetos específicos voltados
para a diversidade étnico-racial realizados de forma aleatória e descontínua.
Implica a inserção da questão racial nas metas educacionais do país, no
Plano Nacional da Educação, nos planos estaduais e municipais, na gestão
da escola e nas práticas pedagógicas e curriculares de forma mais
contundente.
Assim, educação para as relações étnico-raciais deve começar muito cedo
para que a escola não continue reproduzindo os estereótipos que foram construídos
historicamente, contribuindo para que a criança, em especial a criança negra, não
sofra discriminação e não tenha sua auto imagem e construção de sua identidade
construídas de forma negativas, uma vez que o texto das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil estabelecidas em 2009, nos permite perceber
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estes aspectos sendo considerados, determinando que as práticas pedagógicas nas
instituições de educação infantil assegurem, entre outros aspectos:
a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos
povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países
da América, bem como o reconhecimento, a valorização, o respeito e a
interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afrobrasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação.
Sabemos que colocar tudo isto em prática numa faixa etária tão peculiar, que
é da educação infantil, não é tarefa fácil, porém, como já evidenciamos
anteriormente, esta é uma decisão que se constitui num posicionamento político com
grandes repercussões, pois ensinar uma criança nesta fase não se trata tão somente
de abordar conteúdos, mas sim de demonstrar através de atitudes, posturas,
olhares, expressões corporais, gestos aquilo que se quer ensinar e que se quer
valorizar, embora sendo estes, aspectos um tanto subjetivos para serem discutidos.
Quando uma criança não se vê contemplada positivamente nas falas, nas
atitudes ou gestos do professor ela percebe uma intencionalidade nestas ações e
desta forma, quando o professor apresenta materiais que não contemplam suas
características fenotípicas; quando a princesa das histórias infantis, sinônimo de
beleza estética, nunca é parecida com ela; quando os heróis nunca se aproximam
das características que lhe são próprias ou de sua família, esta criança formará
conceitos
negativos sobre sua identidade e pertencimentos; passará a construir
uma auto imagem negativa, pois sua identidade não faz parte do mundo escolar e
consequentemente terá seu potencial comprometido pelo sentimento de não
adequação social e inferiorização diante do que é diferente.
Assim, na Educação Infantil há alguns elementos bastante relevantes no
desenvolvimento das atividades pedagógicas que refletem estes aspectos, como a
disposição dos materiais na sala, a organização dos espaços; dos brinquedos, dos
livros, e outros, pois segundo SILVA, 2012
Educar para a igualdade racial na Educação Infantil significa ter cuidado não
só na escolha de livros, brinquedos, instrumentos, mas também cuidar dos
aspectos estéticos, como a eleição dos materiais gráficos de comunicação e
de decoração condizentes com a valorização da diversidade racial.
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Ao trazer para o ambiente da sala de aula materiais que representem a
diversidade presente na escola e na sociedade, o professor proporcionará não só a
valorização de si mesmo pelas crianças, mas também a valorização do outro, cujas
características são facilmente identificadas pelas crianças e, quando abordadas de
forma positiva nas atividades conduzidas pelo professor, podem trazer resultados
muito significativos.
A presença de bonecas e bonecos negros, loiros, ruivos, com diversos tons
de pele, entre outras diferenças, como também a escolha de livros, revistas e outros
materiais impressos deve ser feita com critérios muito bem definidos que levem em
conta, por exemplo: as características dos personagens, a posição que ocupam,
como as imagens mostram os personagens, etc. Estas decisões são imprescindíveis
para o desenvolvimento de atividades que promovam a igualdade racial.
Atualmente dispomos de muitos materiais para trabalhar estas questões na
escola e, vale lembrar que a adoção dos mesmos e de práticas pedagógicas a eles
associadas, exigem uma decisão coletiva, como também é de todos a
responsabilidade nestas escolhas, pois esta importante tarefa não pode ser
resumida à atuação do professor, embora seja esta a instância mais decisiva no
tratamento das relações étnico raciais no âmbito educacional.
Os sistemas de ensino também têm importância primordial nestas ações,
como podemos constatar no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para a
Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana, de 2004, que define as
atribuições dos Sistemas de Ensino, dos Conselhos de Educação, entre outras
determinações:
Incorporar os conteúdos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e
Cultura Afrobrasileira e Africana em todos os níveis, etapas e modalidades
de todos os sistemas de ensino e das metas deste Plano na revisão do
atual Plano Nacional de Educação (2001-2011), na construção do futuro
PNE (2012-2022), como também na construção e revisão dos Planos
Estaduais e Municipais de Educação.
Temos muita ainda por fazer mas podemos dizer que já avançamos um pouco
no tratamento adequado das questões étnicas na escola. Mas temos um longo
caminho pela frente. É necessário que a escola, as equipes pedagógicas, os
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professores busquem colocar estas ações em pratica, pesquisando, adequando
suas atividades pedagógicas, seus materiais, suas abordagens e pleiteando junto
aos sistemas de ensino as condições necessárias para efetivas estas ações.
Considerações finais
O que não nos faltam são dispositivos legais para que possamos combater o
racismo e a discriminação que estão postas na escola e na sociedade. O que se faz
necessário é transpormos estas leis para a prática. Na Educação Infantil estas ações
tornam-se ainda mais urgentes, visto que é nesta fase que a criança está formando
seu referencial de mundo. É nesta idade que as diferenças se evidenciam, pois é no
convívio com o outro que as relações se dão e de acordo com o direcionamento
pedagógico que estas questões recebam os resultados serão positivos ou negativos.
Assim se a escola pautar suas ações no tratamento adequado das
diferenças, no combate ao racismo e discriminação e tratar todas as crianças de
forma a não hierarquiza-las, a partir de sua raça, sua cor ou seus pertencimentos,
estaremos construindo uma sociedade mais igualitária no que se refere às relações.
Percebemos que as o trato pedagógico a ser dado à questão do Ensino da
História e Cultura Afro Brasileira e Africana são muito mais complexas e profundas, e
que esta discussão ainda carece de muita atenção pelas instituições públicas que
atuam sobre educação, pois as leis necessitam sair do papel e se efetivarem nos
ambientes escolares. Entretanto se a sociedade e suas instituições, em especial a
escola não tomarem esta decisão coletivamente, continuaremos a reproduzir os
estereótipos equivocados sobre o povo negro e suas características culturais,
desconsiderando a riqueza cultural deste povo e sua incontestável importância na
formação do povo brasileiro e de nossa cultura como um todo.
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Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Brasília,1996.
_______. Lei n.10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional,
para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p.1, 10 jan.2003.
_______. Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP
nº. 003/2004. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Reações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. Brasília, 2004.
______, Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2005.
______. Ministério Da Educação. Conselho Nacional De Educação/Câmara de
Educação Básica. Resolução Nº 5, de 17 de Dezembro de 2009. Fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2009.
______. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2009.
______. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Plano Nacional
de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico Raciais e para a Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e
Africana. Brasília, 2004.
GOMES, N. L. Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03. Disponível em
http://www.acordacultura.org.br/artigo-25-08-2011. Acesso 10 de agosto de 2014.
SILVA, Jr. Hédio, BENTO. Maria Aparecida Silva, CARVALHO. Silvia Pereira de.
Educação infantil e práticas promotoras de igualdade racial. São Paulo : Centro
de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT : Instituto Avisa lá Formação Continuada de Educadores, 2012.
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