Prezada comunidade, irmãs e irmãos em Cristo,
A Paz de Deus esteja com vocês! Amém!
Deuteronômio é um livro de culto e pregação. O livro reflete a vida
de Israel no momento em que se preparava para entrar na terra
prometida de Canaã. É o momento entre o tempo da eleição de
Israel por Deus e o tempo da concretização desta promessa. É o
tempo da provisoriedade, do “improviso”, é tempo do templo
itinerante, desmontável e montável.
Aí, confesso, entrei em crise litúrgica. E esta crise não teve a ver
nem tanto com o fato de eu não ser especialista em liturgia e
homilética, ou especialista em Antigo Testamento, mas com o fato
de como falar deste texto num contexto tão diferente. Esta crise
ainda foi agravada quando não pude ignorar que, após a entrada de
povo de Israel na Terra Prometida e a construção do templo de
Salomão, alguns profetas, como, por exemplo, Miquéias,
denunciavam o sacerdócio régio, pois, o Deus caminhante, do
cotidiano da vida do deserto, foi fixado no templo como Deus
poderoso, onipotente, distante, rodeado de ouro, nacionalista,
legalista, moralista, exclusivista. Entendi porque Jesus confronta
fariseus e escribas sobre o tema da contaminação no comer. O
templo se tornara sinônimo de poder, lei, nova escravidão.
Lembrei-me, então, um pouco, a nossa instituição EST é marcada
pela itinerância. A EST é um lugar de passagem, provisório para a
maioria de nós. Pessoas vem e vão. Assim, estas pessoas trazem
“poeiras dos desertos”, clamores, realidades de todos os recantos e
isso faz muito bem para uma instituição de formação de Teologia,
Música, Saúde como a nossa.
Por esta característica de vir e ir, perguntei-me se não teria o ideal
teria sido celebrar este culto a céu aberto, em forma andante,
talvez como estações, enfim. Em todo caso, o texto alerta para o
perigo do acomodismo e letargia. A vida no templo pode acomodar,
por isso, ares do “deserto” são importantes. O deserto faz
caminhar, desperta à iniciativa, sensibiliza, abre ao novo.
Lembrei-me também dos desafios e até ameaças que se
apresentam à continuidade de nossa instituição. Lembrei-me
também de nossas igrejas, em especial a minha Igreja, a IECLB, que,
por vezes, se sente ante o perigo de ser engolida por outras igrejas,
as “igrejas do sucesso”. São os desertos de nossas caminhadas. E
nos desertos, geralmente, se acaba tendo dois comportamentos: 1)
o do conformismo e fatalismo, que espera pela morte, afinal, não
tem jeito ou, 2) conflitos internos, que podem levar até mesmo à
violência, na tentativa de buscar por culpados. Mas existe uma
terceira possibilidade: a sabedoria.
A sabedoria é maior que o conhecimento. Talvez pudéssemos
ilustrar isso assim: o conhecimento conhece, mas não consegue
discernir. O conhecimento conhece a crise, somente o deserto, mas
não encontra a saída. A sabedoria, por sua vez, busca pelo todo,
pergunta pelas possibilidades, pergunta pela vida quando a vida
parece querer ser vencida pela morte. Aliás, é muito interessante
observar que Moisés é retirado por Deus do meio do povo e levado
para o alto do Sinai. Lá, Deus o faz ver de cima, ver o todo, ver com
sabedoria.
E é sobre isso que trata o nosso texto também. Deuteronômio
pressupõe a seguinte situação:no Sinai, Israel recebeu somente o
decálogo, mas Moisés recebeu muito mais lá no monte; ele recebeu
“toda a lei de Javé” (Dt. 5.31). Agora, no momento em que se
preparavam para a entrada na terra de Canaã, quando Moisés se
despede do povo, pois não poderá entrar na Terra Prometida, cabelhe anunciar “toda a Torá”. A Torá é sabedoria para a vida na Terra
Prometida. É revelação da vontade total de Javé, portanto, “nada
acrescentais à palavra que vos mando, nem nada diminuireis dela”
(Dt. 4.2)
Comparado com outros povos, Israel é um povo insignificante. É um
povo sujeito a ser “engolido” por outros. Pior do que isso, o próprio
povo pode se autoescravizar, pode fazer da Terra Prometida um
velho Egito. Para que isso não ocorra, o povo deve atentar ao
conjunto da Torá, pois elas são benéficas à Israel. “Ouvir os
estatutos e os juízos que eu vos ensino” (Dt. 4.1), é ouvir a sabedoria
que vem de Deus que quer o bem de seu povo. Por isso, “amar a
Deus de todo o coração, de toda a alma e com toda a força” (Dt.
6.4s.) é sabedoria que traz e garante vida.
Observar os mandamentos e ensiná-los às gerações futuras tem
implicações diretas na qualidade de vida do povo. Isso é sabedoria.
Não somente perguntar pelo hoje, mas também pelo amanhã, sem
se esquecer do passado, do deserto. Romper com as gerações
passadas, romper com os “vossos pais” (Dt. 4.1) não é sábio, pois
leva à nova escravidão.
Permitam-me dizer, que esta palavra do Deuteronômio caiu-me
como uma denúncia à nossa cultura imediatista da atualidade.
Deuteronômio denuncia que, a desconexão com o passado, leva à
desconexão e descompromisso com o futuro, leva, portanto, à
superficialização. O isolamento de nós mesmos para dentro de
nosso próprio tempo, achando que o nosso tempo nos basta,
semeia a semente da morte das futuras gerações. Que terras, que
cultura, que relações humanas, que vida, ensinamos e deixaremos
para as futuras gerações? Mais do que conhecimento, roguemos
que Deus nos dê sabedoria!
Os jovens de Israel, não precisam passar mais por tudo aquilo que a
antiga geração passou, ou seja, a escravidão e a própria experiência
de deserto. Mas a eleição por Deus não é garantia que possibilita a
letargia, o comodismo, o esquecimento. Esquecer-se da história da
salvação, esquecer-se da obra de Deus no passado traz o perigo de
nova escravidão. Por isso, a lei de Deus a não ser esquecida tem um
objetivo: “Para que vivais”! (Dt. 4. 10). A Torá de Deus, portanto,
não é sinônimo de uma nova escravidão em substituição à
escravidão no Egito, mas ela é sinônimo de vida. É nisso que
consiste a sabedoria de Deus.Por isso, ouçam a Deus com alegria;
ensinem da Palavra de Deus “para que vivais” em paz, justiça,
segurança.
Permitam-me encerrar esta mensagem citando duas cenas dos
últimos dias. No fim de semana, caminhei pelo centro da cidade e
encontrei vários grupos de pessoas, com bandeiras nas mãos e
proclamando gritos de guerra em favor de seus candidatos à
prefeitura e vereança. Se bem ou não, associei aqueles grupos ao
nosso texto. De repente, pareceu-me como que o povo de Israel
querendo entrar em alguma Terra Prometida. Aliás, quantas Terras
Prometidas nos são apresentadas em épocas de eleição, não é
mesmo? Mas por isso mesmo, cabe sabedoria num momento
destes. Então, lembrei-me da coragem do Bispo Dom Manuel
Edmilson Cruz que, ao receber a Comenda dos Direitos Humanos
Dom Helder Câmara na semana passada, ao discursar,
corajosamente, denunciou que não podia aceitar a homenagem,
pois esta não honra, nas desfigura a pessoa de Dom Helder.
Segundo ele, o conforto e segurança salarial dos parlamentares
contrastam com a realidade da população carente, obrigada a
enfrentar o descaso da rede pública de saúde. Não conheço a
biografia de Dom Manuel, mas creio que não é sábio acusa-lo de
demagogo, a não ser que isso traga melhorias para a saúde pública.
As eleições talvez possam sempre de novo nos colocar no deserto,
prestes a entrar em algo como uma Terra Prometida. Todos
poderão nela entrar, ou muitos são escolhidos para ficar do lado de
cá do Jordão? Os que puderem entrar poderão viver uma vida
plena, ou serão escravizados? Deus nos dê sua Palavra de
sabedoria!
Participemos da Ceia do Senhor, a Ceia da Vida, como comunidade
caminhante que ouve a Palavra de sabedoria e a vive com alegria
“para que tenhais vida”. Degustem o pão e o vinho da vida. E não
cesses de “ouvir” e “ver” a obra de Deus na história das gerações
passadas. Guarde também esta história, sem dela te esqueceres, e
a ensina às gerações que seguem.
E a paz de Deus que excede todo o nosso entendimento, guarde
seus corações e mentes em Cristo Jesus. Amém
Professor Dr. Wilhelm Wachholz
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