Desenvolvimento Humano – uma parceria que deu certo Gianna Sagazio Coordenadora da Unidade de Planejamento Estratégico do PNUD A equipe criadora do paradigma do desenvolvimento humano nunca duvidou de que a redução da pobreza é a prioridade de uma estratégia de desenvolvimento humano sustentável. Contudo, esta mesma equipe concluiu que os Relatórios de Desenvolvimento Humano e seus principais instrumentos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), não deveriam concentrar-se exclusivamente sobre a pobreza, mas sim incluir os assuntos mais abrangentes do desenvolvimento humano, acima e além da linha de pobreza. Amartya Sen, membro desta equipe e criador do IDH, foi merecedor do Nobel de economia por mostrar que a fome existente no mundo não advém da produção insuficiente de alimentos, mas da insuficiência de vontade política para eliminá-la. O mesmo se dá com a pobreza, que freqüentemente é mais uma questão política do que uma realidade inevitável. Do ponto de vista de quem é pobre, seria decepcionante uma visão de desenvolvimento cujo limite é o de propiciar-lhes as condições mínimas para cruzar a linha de pobreza. Movido por estas motivações, o PNUD adotou o paradigma do desenvolvimento centrado no ser humano, que se fundamenta eticamente na expansão das liberdades que as pessoas desfrutam ou venham a desfrutar. Liberdades baseadas nas expectativas reais que cada pessoa e cada comunidade tenham de realizar plenamente suas potencialidades, por terem condições de participar das decisões que afetam suas vidas, e por estarem dotadas dos meios políticos e materiais para efetivar estas decisões. A abordagem do desenvolvimento humano pode ser definida como o processo de ampliação das capacidades humanas, das coisas que uma pessoa pode ser e fazer durante sua vida – como ser saudável e bem nutrida, ter conhecimento e participar politicamente da vida em comunidade. Deste modo, desenvolver significa remover o que impede as pessoas de realizarem seus potenciais, impedimentos como uma educação incompleta, uma saúde combalida, a falta de acesso a recursos materiais, a ausência de gozo das liberdades democráticas, ou o desrespeito aos direitos humanos. A definição mais abrangente do desenvolvimento humano, como um processo para aumentar as escolhas humanas e melhorar o bem-estar de todos, torna possível tecer alianças entre os próprios pobres e grupos politicamente mais fortes e influentes do que eles, em prol da erradicação da pobreza e da promoção do desenvolvimento humano. Foi esta escolha, a da busca do bem-estar para todos, que levou à apresentação do ranking do IDH para todos os países já no primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano internacional, em 1990. O mérito do IDH é o de ir além de índices centrados exclusivamente na dimensão econômica do desenvolvimento, como o Produto Interno Bruto ou a renda per capita, deixando claro que o desenvolvimento, assim como a pobreza, são fenômenos multidimensionais. Afinal, a renda não é a soma total da vida humana, e o crescimento econômico é um meio para se atingir a finalidade última: o bem-estar da população que o gera. Assim, o IDH suplanta o PIB per capita como medida e meta do desenvolvimento. Sua principal virtude é a de medir o estoque de riqueza humana, de bem-estar acumulado por uma população ao longo do tempo. Por isso nele foram priorizadas dimensões que mensuram capacidades humanas básicas. Não há oportunidades iguais, quando as capacidades das pessoas não o são. O IDH ajuda simultaneamente a apoiar objetivos de planejamento e a refletir impactos de políticas públicas de maturação mais longa. Mas o IDH tem limitações, por ter sido criado como uma medida sumária do desenvolvimento de países. Ao medir as realizações médias de uma nação, e não sua distribuição, o IDH não é apropriado para refletir a eqüidade. Para isso é preciso desagregá-lo espacialmente ou por grupos sociais. Aqui reside o valor agregado pela parceria forjada entre o PNUD e a Prefeitura de Porto Alegre, através da Secretaria de Coordenação Política e Governança Local. Com a participação substantiva da Fundação João Pinheiro, a colaboração do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional - Metroplan, e a participação técnica da Gerência de Informações Socioeconômicas da citada Secretaria Municipal, foi possível desagregar não apenas o IDH, mas mais de uma centena de indicadores de desenvolvimento humano, para revelar, como nunca antes, as condições vivenciadas pelas populações da metrópole de Porto Alegre. A análise dos resultados do Atlas de Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Porto Alegre permitirá o aprofundamento do conhecimento sobre a situação de desenvolvimento humano de cada grupo social que compõe o mosaico metropolitano de Porto Alegre, bem como sobre as desigualdades socioeconômicas internas desta região. Trata-se de um salto qualitativo em relação aos resultados alcançados anteriormente pelo PNUD e seus tradicionais parceiros, como o que originou o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. A criatividade de pesquisadores brasileiros, já demonstrada naquela ocasião, gerou inovações mais uma vez, quando se somou aos talentos existentes em Porto Alegre. Assim, novas metodologias foram desenvolvidas e informações que antes eram privilégio de poucos, como o georreferenciamento por imagens de satélite e mapas de vias e logradouros públicos, tornam-se democraticamente acessíveis para todos os interessados na promoção do bem-estar da população da Região Metropolitana de Porto Alegre. Deste modo, esta população alcança um pioneirismo mundial, ao dispor de indicadores locais de desenvolvimento humanos, desagregados por microrregiões intraurbanas, que diferenciam a situação de comunidades pobres da situação de outros grupos populacionais que coabitam uma mesma área, enriquecidos por subsídios gerados por modernas tecnologias de informação e comunicação. É importante ressaltar a renovação da capacidade técnica institucional dos parceiros reunidos neste trabalho. A adoção do processo de se “aprender fazendo” permitiu que o intercâmbio de conhecimentos fosse internalizado na administração municipal sob a forma de produtos para o planejamento de políticas públicas – como a cartografia digitalizada e a espacialização de dados socioeconômicos em Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH) –, para setores que vão da educação e saúde ao saneamento ambiental. Ou seja, o resultado que ora disponibilizamos para o público em geral é a continuação de um exitoso processo de geração de conhecimentos e capacidades para a promoção do desenvolvimento humano. Tais capacidades e conhecimentos são cruciais para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) até o ano de 2015. Pois o Atlas de Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Porto Alegre fornece o ponto de partida, em 1991, bem como a evolução até 2000, da maioria das metas relativas aos ODM. Portanto, estão dadas as condições não só para a continuidade deste inédito monitoramento metropolitano dos ODM, mas também para o planejamento democrático das ações e políticas públicas necessárias para a erradicação da pobreza e a efetiva expansão do desenvolvimento humano sustentável da população de Porto Alegre. A premissa básica dos direitos humanos é que todos os homens e mulheres nascem iguais. O que o Atlas nos revela é que nascer em um determinado bairro ou até mesmo em uma determinada rua influenciará as oportunidades de escolha e o bem-estar de uma pessoa. Entendemos que o Atlas deve servir não apenas como um instrumento de análise das desigualdades, mas, principalmente, deve ser utilizado para apoiar ações que, de fato, melhorem a qualidade de vida das populações da Região Metropolitana de Porto Alegre. Nosso ideal é que todos e todas não somente tenham direitos iguais ao nascer, mas as mesmas oportunidades ao longo de suas vidas e nas gerações seguintes. Congratulo-me com a Prefeitura de Porto Alegre, com as Prefeituras que fazem parte de sua Região Metropolitana, e com os demais parceiros deste projeto, pela inequívoca demonstração de vontade política, ao tornar democrático o acesso a esta verdadeira radiografia das condições de vida de sua população, inclusive com o reconhecimento das desigualdades que a afligem. Este compromisso com a transparência e ação a serviço do bem-estar humano poderá continuar contando com o apoio do PNUD. Obrigada Gianna Sagazio