modelos de
desenvolvimento,
trabalho e
sustentabilidade:
desafios para o
progressismo na
américa latina.
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Escola de Verão para
Juventudes Políticas Progressistas
da América Latina
Brasil
02/2011
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Modelos de
Desenvolvimento,
Trabalho e
Sustentabilidade:
Desafios para o
progressismo na
América Latina.
Editores:
Elisabet Gerber, Fernanda Papa, Jean Tible,
Rafael Sanseviero e Sergio Balardini.
Autores:
Carlos Lopes , Graciela Rodriguez , Gustavo
Bittencourt, Ignacy Sachs, Kjeld Jakobsen,
Ladislau Dowbor, Maria Betânia Ávila, Rubens
Harry Born, Sergio Balardini.
São Paulo - 2011/2012
Modelos de Desenvolvimento, Trabalho e Sustentabilidade:
desafios para o progressismo na América Latina
Organização da publicação eletrônica:
Elisabet Gerber, Fernanda Papa , Jean Tible, Rafael Sanseviero, Sergio Balardini
Autores:
Ladislau Dowbor, Ignacy Sachs, Carlos Lopes , Kjeld Jakobsen, Maria Betânia
Ávila, Graciela Rodriguez , Rubens Born, Gustavo Bittencourt, Sergio Balardini
C o o r d e n a ç ã o g e ra l d e t ra d u ç õ e s e d a r e l a t o r i a :
Nueva Sociedad / Florencia Grieco
Tra d u t o r e s :
Sara Daitch (port-esp) e Eduardo Szklarz (esp-port)
P r o j e t o g rá f i c o :
Marina Vianna - www.projetoilustre.com.br
Modelos de Desenvolvimento, Trabalho e Sustentabilidade: desafios
para o progressismo na América Latina / Carlos Lopes et al. -São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2012. ( Publicação Digitalizada)
3,5 Mb, PDF.
ISBN: 978-85-99138-17-5
1. Juventude. 2. Partidos políticos. 3. Política. 4. Desenvolvimento. 5.
Meio ambiente. I. Título.
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Admite-se a reprodução total ou parcial dos conteúdos, desde que mencionada a fonte
e seja enviada uma cópia a seus editores.
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
sumário
06
Crises e oportunidades em tempos de mudança
Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor
50
Trabalho, desenvolvimento e os impactos na vida
cotidiana
Maria Betânia Ávila
76
SUSTENTABILIDADE e TRABALHO
Kjeld Jakobsen
86
Rio+20, Economia verde e governança do
desenvolvimento sustentável:
desafios associados às políticas públicas e construção
de um mundo justo e saudável.
Rubens Harry Born
5
sumário
108
Economia verde:
nova etapa da acumulação capitalista.
Graciela Rodriguez
124
Planejamento de longo Prazo:
um requisito para enfoques progressistas de desenvolvimento
na América Latina.
Gustavo Bittencourt
144
o Planejamento de Longo Prazo e as Políticas de
Juventude(s)
Com referência à intervenção de Gustavo Bittencourt
Sergio Balardini
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Crises e oportunidades em tempos de
mudança
Texto de Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor, janeiro de 2010
Todos temos nossas crises prediletas. São as crises dos valores, das
pandemias, da demografia, da economia, da energia, da especulação financeira,
da educação, da pasteurização cultural, de identidades, da banalização da vida, da
miséria que explode no mundo, da falta de água que já atinge mais de um bilhão de
pessoas. A questão não é mais a de escolher a crise que nos pareça mais ameaçadora.
A verdadeira ameaça vem de uma convergência impressionante de tendências
críticas, da sinergia de um conjunto de comportamentos até compreensíveis, mas
profundamente irresponsáveis, e frequentemente criminosos, que assolam nossa
pequena espaçonave.
Nas últimas décadas fechamos o horizonte estatístico do planeta.
Com todas as variações possíveis nos detalhes, no conjunto hoje sabemos o que
está acontecendo. E a imagem que emerge é simplesmente trágica. De início foi
vista em fragmentos. No Rio de Janeiro, em 1992, ampliamos nossa visão do que
está acontecendo com o meio ambiente; em Viena, com os direitos humanos; no
Cairo, com o crescimento populacional; em Beijing, com o papel das mulheres; em
Istambul, com a urbanização; em Copenhague de 1996, com a situação social do
planeta; em Johanesburgo, em 2002, com o desenvolvimento sustentável, antes
de vermos agora, de novo em Copenhague, a dimensão dos desafios climáticos.
7
Hoje, mesmo sem grandes reuniões planetárias, nos damos conta, em relatórios
que cobrem desde a extinção das espécies até a acidificação dos oceanos e o
esgotamento de metais raros, que enfrentamos um desafio sistêmico, no qual já
não cabem simples arranjos nas formas como organizamos o que podemos chamar
de maneira ampla de gestão da sociedade. Uma outra gestão é inevitável. Os
desafios são simplesmente vitais, no sentido mais direto do termo.
Somos todos avessos a catastrofismos. Não queremos parecer
bruxos que pintam um futuro negro. O Clube de Roma de certa maneira nos vacinou
contra alertas que nos pareceram prematuros. Hoje estamos começando a avaliar
de forma mais sensata o realismo dessas previsões. Com os dados se cruzando de
forma coerente, com a generalização e o aperfeiçoamento dos modelos, com a
própria acessibilidade online das mais variadas pesquisas científicas, permitindo a
confrontação dos dados de inúmeros núcleos de pesquisa, o futuro deixou de ser
uma vaga ameaça, um desenho inseguro. De certa forma, nas nossas consciências,
o futuro chegou. Na forte expressão adotada como título do Fórum de Salvador,
trata-se de uma crise civilizatória.
E nos preocupamos também em manter o realismo, se não nos
nossos desejos que podem ser infinitos, pelo menos nas nossas propostas. Mas esse
realismo tem de ser qualificado. Na maioria dos casos, ao olhar o quanto é difícil
obter o mínimo avanço de redução da poluição, ou alguma proteção para crianças
em situação de risco, achamos que colocar os nossos objetivos muito alto alimenta
bons sonhos, mas não assegura boas políticas. Hoje, com a dimensão das ameaças,
a visão tende a se deslocar. Temos de colocar no nosso horizonte realista ações
que assegurem a sobrevivência das espécies na terra e nos mares, a manutenção
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das condições de reprodução da nossa própria vida. Qual é o mínimo que assegura
a sobrevivência? Um político pode se dar ao luxo de pensar de quanto vai reduzir
as suas aspirações, para conseguir um voto favorável à sua proposta. Nós, como
construtores de visões, temos de deixar claro sim qual é o mínimo necessário para
evitar a catástrofe e assegurar uma vida digna e sustentável.
Nossa tarefa, nesse sentido, é de definir horizontes mínimos de
resultados sistêmicos que temos de obter, já não como sonho de um mundo
possível, mas como exigência do que é necessário. E frente a esses resultados
sistêmicos, irmos definindo estratégias, propostas, agendas.
Todos já estamos, sem dúvida, cansados de fazer isso. E cansados
de ver as propostas rejeitadas ou adiadas, as análises serem diluídas em supostas
dúvidas científicas, e o planeta embalado no marasmo tão bem qualificado de
business as usual. O que nos está tirando do business as usual, o que transforma
a crise em oportunidade, é o fato de que a crise atinge muita gente, e está se
tornando de uma evidência mais palpável. Como humanidade, estamos reagindo de
maneira realista: ou seja, estamos reagindo não quando a água estava nas canelas,
mas quando começa a chegar ao pescoço.
O exercício que pretendemos no presente texto, ao apresentarmos
argumentos para estimular a discussão e provocar propostas, é apontar os principais
eixos de mudança, e as possíveis convergências de ação. Porque o que temos pela
frente é um imenso esforço planetário de agregação de forças, de articulação em
rede, de aprofundamento da compreensão dos desafios, de ampla comunicação,
visando gerar uma massa crítica de conhecimento por parte dos mais variados
9
atores sociais. Paulo Freire definia bem a nossa tarefa: somos os andarilhos do
óbvio. Dizia isto com bom humor, pois o bom humor faz parte do processo.
Queremos parar de nos matar de trabalhar para construir coisas
inúteis e destruir o planeta. Queremos priorizar radicalmente a melhoria da
situação de um bilhão de pessoas que passam fome e de dez milhões de crianças
que morrem anualmente de causas ridículas. Queremos a prosaica qualidade de
vida, o prazer do cotidiano, em paz, para todos, e de forma sustentável.
O sistema hoje vigente produz muitos bilionários, mas não responde
aos anseios de uma vida digna e sustentável para todos. Na realidade, agrava todos
os problemas, e nos empurra para impasses cada vez mais catastróficos. Temos
um deslocamento ético fundamental pela frente: parar de nos admirar com a
fortuna dos afortunados, como se fossem símbolos de sucesso. A ética do sucesso
deve estar centrada no que cada um de nós, individualmente ou em atividades
institucionais, contribui para melhorar o planeta, e não no quanto consegue dele
arrancar, ostentando fortunas e escondendo os custos.1
Aproveitamos aqui vários documentos, aportes dos mais variados
pesquisadores, porque trata-se essencialmente de sistematizar pontos-chave,
de facilitar a convergência dos nossos esforços. Apoiamo-nos em particular nos
aportes da ampla conferência sobre a crise e o desenvolvimento de Brasília, em
março de 2009, buscando construir sobre o já adquirido.
1
Os rios de dinheiro e embustes utilizados pela ExxonMobil e outras empresas para tentar
camuflar os impactos da mudança climática e outros desastres ambientais estão descritos em detalhe
em HOGGAN, James. Climate Cover-up; the crusade to deny global warming. Vancouver: Greystone
Books, 2009.
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A dimensão dos desafios
Focaremos aqui o que nos parecem ser os quatro principais desafios,
ou vetores de desequilíbrio que nos ameaçam. Trata-se de salvar o planeta, de
reduzir as desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno, e de corrigir as
prioridades produtivas.
A convergência dos desequilíbrios
O gráfico que apresentamos abaixo constitui um resumo de
macrotendências, no período histórico que vai de 1750 até a atualidade. As escalas
tiveram de ser compatibilizadas, e algumas das linhas representam processos para
os quais temos apenas cifras mais recentes. Mas no conjunto, o gráfico permite
juntar áreas tradicionalmente estudadas em separado, como demografia, clima,
produção de carros, consumo de papel, contaminação da água, liquidação da vida
nos mares e outros. A sinergia do processo torna-se óbvia, como se torna óbvia a
dimensão dos desafios ambientais. 2
2 New Scientist, October 18, 2008, p. 40; para acessar o gráfico online veja <http://dowbor.org/
ar/ns.doc>; o dossiê completo pode ser consultado em <www.newscientist.com/opinion>; os quadros
de apoio e fontes primárias podem ser vistos em <http://dowbor.org/ar/08ns_overconsumption.pdf>;
contribuíram para o dossiê Tim Jackson, David Suzuki, Jo Marchant, Herman Daly, Gus Speth, Liz Else,
Andrew Simms, Suzan George e Kate Soper.
11
Fonte: New Scientist (18 de outubro de 2008, p 40)
O comentário do New Scientist sobre estas macrotendências foca
diretamente nosso próprio conceito de crescimento econômico:
A ciência nos diz que se queremos ser sérios com a visão de salvar a terra,
precisamos dar outra forma à nossa economia. Isso, naturalmente, constitui
uma heresia econômica. O crescimento para a maioria dos economistas é
tão essencial como o ar que respiramos: seria, dizem, a única força capaz
de tirar os pobres da pobreza, de alimentar a crescente população mundial,
de enfrentar os custos crescentes dos gastos públicos e de estimular o
desenvolvimento tecnológico – isso sem mencionar o financiamento de
estilos de vida cada vez mais caros. Eles não veem limites ao crescimento,
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nunca. Nas semanas recentes tornou-se claro quão aterrorizados estão os
governos de qualquer coisa que ameace o crescimento, enquanto derramam
bilhões em dinheiro público num sistema financeiro em falência. No meio da
confusão, qualquer questionamento do dogma do crescimento precisa ser
visto de forma muito cuidadosa. O questionamento apoia-se numa questão
duradoura: como conciliar os recursos finitos da Terra com o fato de que à
medida que a economia cresce, o montante de recursos naturais necessário
para sustentar a atividade também deve crescer? Levamos toda a história
humana para a economia atingir a sua dimensão atual. Na forma corrente,
levará apenas duas décadas para dobrar.3
A convergência das tensões geradas para o planeta tornam-se
evidentes. Não podemos mais nos congratular com o aumento da pesca quando
estamos liquidando a vida nos mares, ou com o aumento da produção agrícola
quando estamos liquidando os aquíferos e contaminando as reservas planetárias de
água doce. Isso sem falar do aumento de produção de automóveis e da expansão de
outras cadeias produtivas geradoras de aquecimento climático. As soluções têm de
ser sistêmicas. Esta visão mais ampla pode – e apenas pode – viabilizar mudanças
mais profundas, ao estender o nível de consciência dos desafios.
3
No original: “The science tells us that if we are serious about saving the Earth, we must reshape
our economy. This, of course, is economic heresy. Growth to most economists is as essential as the
air we breathe: it is, they claim, the only force capable of lifting the poor out of poverty, feeding the
world’s growing population, meeting the costs of rising public spending and stimulating technological
development – not to mention funding increasingly expensive lifestyles. They see no limits to growth,
ever. In recent weeks it has become clear just how terrified governments are of anything that threatens
growth, as they pour billions of public money into a failing financial system. Amid the confusion, any
challenge to the growth dogma needs to be looked at very carefully. This one is built on a long standing
question: how do we square Earth’s finite resources with the fact that as the economy grows, the amount
of natural resources needed to sustain that activity must grow too? It has taken all of human history for
the economy to reach its current size. On current form, it will take just two decades to double.” New
Scientist, p. 40, October 18, 2008.
13
Qual desenvolvimento queremos? E para este desenvolvimento, que
Estado e que mecanismos de regulação são necessários? Não há como minimizar
a dimensão dos desafios. Com 7 bilhões de habitantes – e 75 milhões a mais a
cada ano – que buscam um consumo cada vez mais desenfreado, e manejam
tecnologias cada vez mais poderosas, nosso planeta mostra toda a sua fragilidade.
E nós, a nossa irresponsabilidade ou impotência.
O escândalo da desigualdade
A financeirização dos processos econômicos vem há décadas
se alimentando da apropriação dos ganhos da produtividade que a revolução
tecnológica em curso permite, de forma radicalmente desequilibrada. Não é o caso
de desenvolver o processo aqui, mas é importante lembrar que a concentração de
renda no planeta está atingindo limites absolutamente obscenos. 4
4
Há imensa literatura sobre o assunto. O gráfico anexo, conhecido como “taça de champanhe”, é
do Relatório de Desenvolvimento Humano 1992 das Nações Unidas; para uma atualização em 2005, ver
Relatório de Desenvolvimento Humano 2005, p. 37. A taça de champagne apenas afinou o gargalo, não
houve mudanças substantivas. Uma excelente análise do agravamento recente desses números pode
ser encontrada no relatório Report on the World Social Situation 2005, The Inequality Predicament,
United Nations, New York, 2005; o documento do Banco Mundial, The next 4 billion – IFC, Washington,
2007, que avalia em 4 bilhões as pessoas que estão “fora dos benefícios da globalização”, é igualmente
interessante. Estamos falando de dois terços da população mundial.
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Fonte: Relatórios de Desenvolvimento Humano (1992, p. 35 e 2005, p. 37)
A imagem da taça de champagne é extremamente expressiva,
pois mostra quem toma que parte do conteúdo, e em geral as pessoas não têm
consciência da profundidade do drama. Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7%
da renda. Como ordem de grandeza, os dois terços mais pobres têm acesso a
apenas 6%. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes a renda
equivalente dos 20% mais pobres, em 1989 era 140 vezes. A concentração de renda
é absolutamente escandalosa, e nos obriga de ver de frente tanto o problema ético,
da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas, como o problema econômico, pois
estamos excluindo bilhões de pessoas que poderiam estar não só vivendo melhor,
como também contribuindo de forma mais ampla com a sua capacidade produtiva.
Não haverá tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em
função de um terço da população mundial.
15
Essa concentração não se deve apenas à especulação financeira, mas
a contribuição é significativa e, sobretudo, é absurdo desviar o capital de prioridades
planetárias óbvias. The Economist traz uma cifra impressionante sobre o excedente
social, gerado essencialmente por avanços tecnológicos da área produtiva, mas
apropriado pelo setor que qualifica de “indústria de serviços financeiros”: “A
indústria de serviços financeiros está condenada a sofrer uma horrível contração.
Na América a participação desta indústria nos lucros corporativos totais subiu de
10% no início dos anos 1980, para 40% no seu pico em 2007”. Gera-se uma clara
clivagem entre os que trazem inovações tecnológicas e produzem bens e serviços
socialmente úteis – os engenheiros do processo, digamos assim – e o sistema de
intermediários financeiros que se apropriam do excedente e deformam a orientação
do conjunto. Os engenheiros do processo criam importantes avanços tecnológicos,
mas sua utilização e comercialização pertencem a departamentos de finanças, de
marketing e de assuntos jurídicos, que dominam nas empresas e se apropriam da
sua utilização. É um sistema que gerou um profundo divórcio entre quem contribui
produtivamente para a sociedade e quem é remunerado.5
Ao juntarmos os dois gráficos, o do New Scientist sobre os megatrends
históricos, e a da “taça de champanhe” do Relatório de Desenvolvimento Humano,
chegamos a uma conclusão óbvia: estamos destruindo o planeta, para o proveito
de um terço da população mundial. Estes são os dados básicos que orientam
nossas ações futuras: inverter a marcha da destruição do planeta e reduzir a
desigualdade acumulada.
5
No original, “The financial-services industry is condemned to suffer a horrible contraction. In
America the industry’s share of total corporate profits climbed from 10% in the early 1980s to 40% at its
peak in 2007”. The Economist, A Special Report on the Future of Finance, p. 20, January 24th 2009.
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
É importante lembrar que nossa principal medida de progresso, o
PIB, não mede nenhum dos dois, pois não contabiliza a redução do capital natural
do planeta, contabiliza como positiva a poluição que exige grandes programas de
recuperação, e na realidade apresenta-nos apenas a média nacional de intensidade
de uso da máquina produtiva.6 E lembrar também que o motivador principal dos
investimentos privados, o lucro, age contra ambos: tem tudo a ganhar com a
extração máxima de recursos naturais e a externalização de custos, e não tem nada
a ganhar com quem tem pouca capacidade aquisitiva. A motivação do lucro a curto
prazo age naturalmente tanto contra a preservação como contra a igualdade.
O desafio do acesso ao trabalho digno
A desigualdade e a sustentabilidade estão diretamente ligadas
aos desequilíbrios na inclusão nos processos produtivos. A mão de obra, nossa
imensa capacidade ociosa de produção, mais parece um problema do que uma
oportunidade. Na forma atual de uso dos fatores de produção e das tecnologias,
a inclusão produtiva é a exceção. No Brasil, temos 190 milhões de habitantes.
6
Ver em particular o relatório de Amartya Sen, Joseph Stiglitz e Jean Paul Fitoussi, Report by the
Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress. Disponível em: <www.
stiglitz-sen-fitoussi.fr>.
17
Destes, 130 milhões estão em idade ativa, entre 15 e 64 anos de idade, pelo
critério internacional. Na população economicamente ativa, temos 100 milhões
de pessoas, o que já aponta para uma subutilização significativa. As estatísticas
do emprego, por sua vez, mostram que temos neste ano apenas 31 milhões de
pessoas formalmente empregadas no setor privado, com carteira assinada.
Podemos acrescentar os 9 milhões de funcionários públicos do país, e chegamos a
40 milhões. Ainda assim, estamos longe da conta. O que fazem os outros? Temos
empresários, sem dúvida, bem como uma massa classificada como “autônomos”,
além de cerca de 15 milhões de desempregados. No conjunto, forma-se um imenso
setor de pessoas classificadas no conceito vago de “informais”, avaliados pelo Ipea
em 51% da população economicamente ativa. O estudo sublinha que “a existência
dessa parcela de trabalhadores à margem do sistema não pode em nenhuma
hipótese ser encarada como uma solução para o mercado”. (Ipea, 2006, p. 346)
Essa “parcela” representa a metade do país.7
O fato essencial para nós é que o modelo atual subutiliza a metade
das capacidades produtivas do país. E imaginar que o crescimento centrado em
empresas transnacionais, grandes extensões de soja (200 hectares para gerar
7
IPEA. Brasil, o estado de uma nação – mercado de trabalho, emprego e informalidade. Rio
de Janeiro, Ipea, 2006. “Na sua expressão mais direta, o setor informal é encarado como gerador de
empregos de baixa qualidade e remuneração, ineficiências e custos econômicos adicionais, constituindo
uma distorção a ser combatida (...) Em 1992 o percentual da informalidade era de 51,9%, atingiu 53,9%
em 1998, voltando a 51,7% em 2003 e caindo para 51,2% em 2004.” (p. 337 e 339) Os dados são muito
semelhantes praticamente para a totalidade da América Latina.
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um emprego), ou ainda numa hipotética expansão do emprego público permitirá
absorver essa mão de obra, não é realista. Evoluir para formas alternativas de
organização torna-se simplesmente necessário.
O drama no Brasil é representativo de um universo mais amplo.
Segundo o relatório da ONU, “O emprego informal representa entre a metade e
três quartos do emprego não-agrícola na maioria dos países em desenvolvimento.
A parte dos trabalhadores informais na força de trabalho não-agrícola varia entre
48% na África do Norte e 51% na América latina e o Caribe, atingindo 65% na Ásia e
78% na África subsaariana”.8
Assim, o drama da desigualdade que vimos acima não constitui
apenas um problema de distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a
inclusão produtiva digna da maioria da população desempregada, subempregada,
ou encurralada nos diversos tipos de atividades informais. O conjunto das propostas
que surgem a partir da OIT sobre o trabalho digno, as visões do Banco Mundial
sobre os 4 bilhões de excluídos dos “benefícios da globalização”, e um conjunto
de iniciativas de desenvolvimento local encontram aqui sua lógica: um PIB que
cresce mas não inclui as populações não é sustentável. Estamos falando de quase
dois terços da população mundial a quem se trava o acesso ao financiamento, às
tecnologias, ao direito de cada um ganhar o pão da sua família.9
8
UN – The Inequality Predicament, New York, 2005, p. 30
9
Temos hoje inúmeros estudos que apresentam propostas práticas tanto para a informalidade,
como para a desigualdade de gênero, a mudança da jornada de trabalho, políticas locais de inclusão e
outras, dada a extrema diversidade das situações herdadas, inclusive o aproveitamento inadequado de
universitários.
19
A deformação das prioridades
A tabela abaixo, extraída do Relatório de Desenvolvimento Humano
de 1998, apresenta a deformação das prioridades do uso dos recursos no planeta. A
leitura é simples: não se conseguem os 6 bilhões de dólares anuais suplementares
para universalizar a educação básica, mas se conseguem sim 8 bilhões para
cosméticos nos EUA, e assim por diante. Os valores são baixos, pois são dólares
que valiam mais na época, mas o contraste é evidente. As cifras mais recentes
apenas se agravaram. Os 780 bilhões de dólares em gastos militares, em 2008 já
somam 1,5 trilhão. E se pensarmos nos trilhões de recursos públicos transferidos
nesta crise para intermediários financeiros privados, teremos uma ideia do grau de
absurdo das prioridades.
Na realidade, o que precisa ser expandido hoje no mundo são os
serviços básicos essenciais da humanidade, e muito menos os bens físicos de
consumo. Em particular, há coisas que não podem faltar a ninguém. O planeta
produz quase um quilo de grãos por dia e por habitante, e temos um bilhão de
pessoas que passam fome. Os dez milhões de crianças que morrem de fome e
de falta de acesso à água limpa e causas semelhantes, constituem um escândalo
insustentável. Mas do ponto de vista do investimento privado, resolver problemas
essenciais não rende, e o conjunto da orientação das nossas capacidades produtivas
se vê radicalmente deformado.
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Fontes: Euromonitor 1997; UN 1997g; UNDP, UNFPA, ed UNICEF, 1994; Worldwide Research,
Advisory and Business Intelligence Services, 1997; Human Development Report, 1998, New
York, p. 37
21
Aparece como inevitável, no horizonte político, a democratização
das decisões sobre como são utilizados os recursos econômicos do planeta,
incluindo aqui não só os recursos dos orçamentos públicos, mas também a
orientação das aplicações dos gigantescos recursos de fundos de pensão e dos
grandes intermediários e especuladores financeiros. Não podemos continuar a
andar completamente à deriva em termos da priorização dos nossos objetivos.
O uso dos recursos que são o resultado dos esforços do conjunto da sociedade,
deve obedecer a uma visão sistêmica e de longo prazo, obedecendo às prioridades
críticas de reduzir os desastres sociais e ambientais.
Em termos da megatendências econômicas, sociais e ambientais,
portanto, estamos à deriva. Estamos destruindo o planeta em favor de uma minoria,
para ampliar a oferta de bens sem critérios de prioridade de uso ou de impacto
ambiental e social, concentrando-nos em tecnologias de ponta sem assegurar os
mecanismos de acesso correspondentes. E temos como pano de fundo a imensa
tarefa de organizar a transição para outro paradigma energético produtivo, a era
pós-petróleo. Sempre haverá quem espere que uma mão invisível resolva esses
desafios. Quem aqui são os sonhadores?
Resgatar a capacidade de gestão pública
Na discussão de um outro mundo que esperamos seja possível,
temos de evoluir cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gestão
correspondentes, para a descoberta das brechas que existem no sistema no
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sentido da sua transformação. O mundo não vai parar em determinado momento
para passar a funcionar de outro modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as
tendências de mudança. A análise dos processos decisórios e a busca de correções
tornaram-se primordiais.
O que emerge como eixo central de reflexão, portanto, é a
inadequação dos processos decisórios nas diversas tendências críticas que temos de
enfrentar. Enfrentar o desafio ambiental planetário exige processos colaborativos
e a construção de uma cultura de pactos pelo bem comum, ou pelo menos para
evitar o desastre comum. A ruptura do ciclo da pobreza e da desigualdade implica
no deslocamento da visão tradicional que atrai investimentos para onde se situa
a capacidade de compra, e portanto envolve a mudança da chamada governança
corporativa. O processo de inclusão produtiva dos quase dois terços de excluídos
envolve uma outra lógica do emprego, formas múltiplas e diferenciadas de inserção
na produção de bens e serviços. O resgate dessas prioridades reais do planeta e
da humanidade envolve por sua vez uma participação muito mais significativa do
Estado, que com todas as suas fragilidades ainda constitui o melhor instrumento de
coordenação de esforços sociais de que dispomos. Mas se trata de um Estado muito
mais regulador do conjunto dos esforços da sociedade. É indispensável o resgate
da visão sistêmica, da visão de longo prazo, e dos mecanismos de planejamento.
Estamos falando, na realidade, da construção de uma outra cultura política.
Naturalmente, todos nos sentimos pequenos frente a processos
de mudança desse porte. E podemos achar que colocar os desafios tão alto não é
23
realista. O fato é que ninguém nos está perguntando se queremos ou não enfrentar
a tarefa. O aquecimento global não está esperando que estejamos de acordo, nem
o esgotamento do petróleo, nem a exploração sem controle dos mares, nem a
perda de cobertura florestal, nem o vírus da Aids, e a lista é longa. Outras formas
de gestão são inevitáveis, a única pergunta realista é se queremos pagar um preço
menor agora, ou muito maior mais à frente.
Reforçar e democratizar o Estado
As críticas ao tamanho do setor público refletiram no passado
recente uma visão ideológica e um conhecimento fragmentado da realidade. Nas
palavras de um diretor da École Nationale d’Administration, a famosa ENA francesa,
melhorar a produtividade do setor público constitui a melhor maneira de melhorar
a produtividade sistêmica de toda a sociedade. O Relatório Mundial sobre o Setor
Público, elaborado pelas Nações Unidas em 2005, mostra a evolução que houve
a partir da visão tradicional da “Administração Pública” baseada em obediência,
controles rígidos e conceito de “autoridades”, transitando por uma fase em que
se buscou uma gestão mais empresarial, na linha do “public management” que
nos deu, por exemplo, o conceito de “gestor da cidade” no lugar do prefeito, e
desembocando agora na visão mais moderna que o relatório chama de governança
participativa ou “responsive governance”.
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Esta última forma de organização implica que no espaço público a boa
gestão se consegue por meio da articulação inteligente e equilibrada do conjunto
dos atores interessados no desenvolvimento, os chamados atores interessados,
ou “stakeholders”. É uma gestão que busca “responder”, ou “corresponder” aos
interesses que diferentes grupos manifestam, e supõe sistemas amplamente
participativos, e em todo caso mais democráticos, na linha da “governança
participativa”, além da ampliação da transparência de todos os processos.
A
evolução
da
administração
pública
tradicional
(Public
Administration) para o New Public Management baseou-se numa visão privatista
da gestão, buscando chefias mais eficientes. A evolução mais recente para o
responsive governance, que traduzimos aqui por governança participativa, está
baseada numa proposta mais pública, na qual as chefias escutam melhor o cidadão,
e na qual é a participação cidadã, por meio de processos mais democráticos, que
assegura que os administradores serão mais eficientes, pois mais afinados com
o que deles se deseja. É a diferença entre a eficiência autoritária por cima, e a
eficiência democrática pela base. A eficiência é medida não só no resultado, mas
também no processo.
O quadro abaixo ajuda a visualizar esta evolução:
25
(UN, World Public Sector Report 2005, p. 7)
“O modelo de governança... enfatiza um governo aberto e que se relaciona
com a sociedade civil, mais responsabilizada e melhor regulada por controles
externos e a lei. Propõe-se que a sociedade tenha voz através de organizações
não governamentais e participação comunitária. Portanto o modelo de
governança tende a se concentrar mais na incorporação e inclusão dos
cidadãos em todos os seus papéis de atores interessados (stakeholders),
não se limitando a satisfazer clientes, numa linha mais afinada com a noção
de ‘criação de valor público’. (...) A teoria da governança olha para além da
reforma da gestão e dos serviços, apontando para novos tipos de articulação
Estado-sociedade, bem como para formas de governo com níveis mais
diferenciados e descentrados” (...). A abertura (“openness”) e transparência
constituem portanto parte deste modelo emergente.” (UN, World Public
Sector Report 2005, p.13)
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão
mais democrática, com participação direta dos atores interessados, maior transparência,
com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções
organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania. A visão
envolve “sistemas de gestão do conhecimento mais sofisticados”, com um papel
importante do aproveitamento das novas tecnologias de informação e comunicação.
Para a discussão no Brasil e na América Latina, esses pontos são
muito importantes. Têm a virtude de ultrapassar visões saudosistas autoritárias, e
também a pseudo-modernização que colocava um “manager” onde antes tínhamos
um político, resultando numa mudança cosmética por cima. É uma evolução
que busca a construção de uma capacidade real de resolução de problemas
através das pactuações necessárias com a sociedade realmente existente. Essa
sistematização de tendências mundiais vem dar maior credibilidade aos que lutam
pela reapropriação das políticas pela cidadania, na base da sociedade, em vez da
troca de uma solução autoritária por outra.
A alocação racional de recursos
A alocação de recursos é feita por intermediários, sejam eles governos,
bancos, seguradoras, fundos de pensão, planos de saúde, ou os gigantes planetários
que chamamos de investidores institucionais. Todas essas instituições recolhem
recursos sob diversas justificativas. Mas são intermediários, ou seja, trabalham com
dinheiro que é do público, e deveriam destinar os recursos a atividades afins.
27
O governo, principal intermediário, aloca os recursos segundo um
orçamento discutido no parlamento e aprovado em lei. Fato importante: o governo
tem de assegurar a captação dos recursos que vai investir. A política fiscal (fazenda)
e a aplicação (planejamento) têm de estar casadas na peça orçamentária. No
conjunto do planeta, os governos são os maiores gestores de recursos, e quanto
mais rico o país, maior é a participação do governo nessa mediação.
A tabela abaixo é interessante, pois mostra esta correlação rigorosa
entre o nível de desenvolvimento e a participação do setor público. Nos países de
renda baixa, a parte do PIB que cabe ao governo central é de 17,7% , elevando-se
numa progressão regular à medida que chegamos aos países de alta renda.10 Falar
mal dos governos parece ser um consenso planetário, mas precisamos cada vez
mais deles, inclusive nos Estados Unidos.
Fonte: Finance and Development, IMF, Dez. 2007
10
SCHIEBER,George; FLEISHER, Lisa; GOTTRET, Pablo. Gettting Real on Health Financing. Finance
and Development, International Monetary Fund, dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.imf.
org/external/pubs/ft/fandd/2006/12/schieber.htm>.
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Note-se que se trata, na tabela acima, dos gastos do governo central
apenas, os gastos públicos totais são bem mais amplos. “Há uma década os gastos
do governo americano eram de 34,3% do PIB, comparados com 48.2% na zona
europeia, uma distância de 14 pontos; em 2010, o gasto americano esperado é
de 39,9% do PIB comparado com 47,1%, uma distância de menos de oito pontos
percentuais.”11 Lembremos que a cifra equivalente no Brasil é de 36%. Na Suécia,
que ninguém vai acusar de ser mal gerida, é de 66%. E são cifras anteriores à
intervenção do Estado para salvar os bancos.
Seja qual for a política adotada, portanto, é essencial assegurar
a qualidade da alocação de recursos por parte do maior ator, o governo. Essa
correlação entre o nível de prosperidade do país e a participação do setor público
não é misteriosa: simplesmente, o mundo está mudando. Antigamente, éramos
populações rurais dispersas, e as famílias resolviam muitos dos seus problemas
individualmente, com a água no poço e o lixo no mato. Na cidade generalizam-se
os investimentos sociais, pois precisamos de redes de água e esgoto, de guias e
sarjetas, de redes escolares, de sistemas de segurança, destino final de resíduos
sólidos e assim por diante, evidentemente assegurados com forte presença do
setor público. São serviços de consumo coletivo.
Há que levar em conta igualmente, nessa presença crescente do
setor público em todo o planeta, a mudança da composição intersetorial das nossas
atividades. Há poucas décadas, o que chamávamos de atividades produtivas eram
11 The Economist, p. 37, March 14th-20th 2009, citando dados da Newsweek.
29
essencialmente atividades industriais, agrícolas e comerciais. Hoje passam a ocupar
a linha de frente as políticas sociais. Vale lembrar que o maior setor econômico dos
Estados Unidos não é a indústria bélica, nem a automobilística, mas a saúde, com
16% do PIB, e crescendo. No Brasil, somando a população estudantil, os professores
e gestores da área educacional, estamos falando de 60 milhões de pessoas, quase
um terço da população do país. As políticas sociais estão se tornando um fator
poderoso de reestruturação social, pelo seu caráter capilar (a saúde tem de chegar
a cada pessoa) e a sua intensidade em mão de obra. São áreas nas quais, com
a exceção dos nichos de alta renda, o setor público tem prioridade evidente,
frequentemente articulado com organizações da sociedade civil, outra área em
expansão, caracterizando um setor público não governamental. A economia social e
suas variantes ocupam um lugar crescente no conjunto das atividades econômicas.
Um terceiro eixo de transformação social é a evolução para a
sociedade do conhecimento. Hoje quase todas as atividades envolvem uma forte
incorporação de tecnologia, de conhecimentos dos mais variados tipos, do conjunto
do que temos chamado de “intangível”, ou de “imaterial”. Quando o essencial do
valor de um produto está no conhecimento incorporado, mudam as formas de
organização correspondentes. Na base está um amplo processo social que envolve
as pesquisas dos mais diferentes setores, a generalização do acesso à educação, e
os sistemas de difusão de informações que elevam a densidade de conhecimento
no conjunto da sociedade, com fortíssima participação de recursos públicos em
todos os níveis. A tendência natural é os conhecimentos se tornarem bem público
(creative commons), pela facilidade de disseminação que as tecnologias modernas
permitem, e pela compreensão que gradualmente penetra na sociedade de que o
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conhecimento se multiplica melhor quando se compartilha. O conhecimento é um
bem cujo consumo não reduz o estoque, pelo contrário.
Estes são megatrends, macrotendências que transformam a sociedade,
e que exigem de nós sistemas de gestão muito mais diversificados, descentralizados
e flexíveis. Estamos evoluindo para a sociedade em rede, para sistemas densamente
interativos e colaborativos. Alianças e parcerias entre diversos segmentos sociais,
envolvendo áreas tanto públicas como privadas, nos diversos níveis de organização
territorial, estão se generalizando. A urbanização leva a uma ampliação acelerada
das dinâmicas da gestão local, em que as comunidades se apropriam do seu
desenvolvimento. As políticas sociais geram processos participativos, a sociedade
do conhecimento nos leva para processos colaborativos em rede.
O que está acontecendo na realidade é um choque do futuro
generalizado, e tanto a queda do muro de Berlim como a pilantragem irresponsável
de Wall Street apenas despertaram, inicialmente na esquerda, depois na direita,
a compreensão de que as mudanças precisam ser sistêmicas. O business as usual,
de ambos os lados do espectro político, está saindo de cena. São as relações de
produção no sentido amplo que mudam, e com isso os mecanismos atuais de
regulação tornam-se em boa parte obsoletos.
O papel do Estado aparece assim como central, inclusive na dimensão
mundial da crise. Dada a extrema fragilidade dos instrumentos planetários de
governança, o eixo estratégico de construção dos novos sistemas de regulação
passará mais pela articulação de políticas nacionais do que propriamente pela
esfera global. O Estado aparece assim com uma função reforçada no plano dos
equilíbrios internos, e no plano da redefinição das regras do jogo entre as nações.
31
O potencial da gestão local
Com
a
passagem
do
milênio,
a
humanidade
tornou-se
dominantemente urbana. Isso implica uma outra racionalidade nos processos
decisórios e nas instituições que nos regem, pois hoje cada região ou localidade tem
um núcleo urbano que pode administrar seu desenvolvimento, e este núcleo tornase por sua vez um articulador natural do seu entorno rural, ponto de convergência
de uma gestão racional do desenvolvimento. Hoje ainda predominam iniciativas
setoriais como Cidades Saudáveis, Cidades Educadoras, Agenda XXI Local e assim
por diante, mas gradualmente estamos evoluindo para iniciativas integradas como
“Bogotá Como Vamos”, “Rede Nossa São Paulo” e tantas outras.
O desenvolvimento local permite a apropriação efetiva do
desenvolvimento pelas comunidades, e a mobilização dessas capacidades é vital
para um desenvolvimento participativo. Inúmeras experiências no mundo têm
mostrado que o interesse individual das pessoas pelo seu progresso funciona
efetivamente quando ancorado no desenvolvimento integrado do território. Com
sistemas simples de seguimento de qualidade de vida local, e o condicionamento
do acesso aos recursos à estruturação de entidades locais de promoção do
desenvolvimento, gera-se a base organizacional de um desenvolvimento mais
equilibrado. Já se foi o tempo em que se acreditava em projetos “paraquedas”:
o desenvolvimento funciona quando é participativo, com um razoável equilíbrio
entre o fomento externo e a dimensão endógena do processo.
A racionalidade da alocação dos recursos exige em última instância
uma avaliação eficiente do uso final dos empréstimos, coisa bastante mais trabalhosa
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do que o comércio de derivativos e outras atividades especulativas. O agente de
crédito no nível local, que conhece seu bairro e sua comunidade, as necessidades e
os potenciais da região, torna-se de certa maneira um credenciador da solidez dos
usos finais dos recursos. É trabalhoso, exige conhecer a realidade das pessoas, fazer o
seguimento, mas é a única maneira de transformar as poupanças de uns no aumento
da produtividade de todos, a chamada produtividade sistêmica do território.
É ampla a experiência nessa área, desde o Grameen Bank no
Bangladesh, até as ONGs de intermediação financeira da França, a constituição de
Bancos Comunitários de Desenvolvimento e de Oscips de crédito em numerosos
municípios no Brasil, a evolução das experiências de microcrédito do Banco do
Nordeste. A exigência da aplicação local da poupança da população, com regras mais
amplas de compensação entre regiões ricas e pobres através da rede pública, deverá
permitir o financiamento tanto da micro e pequena empresa, como de organizações
da sociedade civil empenhadas em projetos sociais e ambientais, investimentos
públicos locais e regionais em saneamento, manutenção urbana, e semelhantes.
Os diversos programas sociais do governo brasileiro, desde o “Bolsa
Família” até o “Luz para Todos”, convergem no seu impacto de dinamizar o acesso
local a recursos, mesmo nas regiões mais pobres do país. Esta convergência é agora
reforçada com o programa “Territórios da Cidadania” que representa um programa
antirrecessivo de recorte rooseveltiano capaz de compor – ao lado do PAC12 –
12
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, é um dos programas centrais do governo federal
brasileiro no sentido de dinamizar a expansão de infraestruturas, gerar empregos, reforçar a inclusão
(“PAC Social”) e enfrentar a crise financeira global.
33
uma poderosa alavanca, não apenas para resistir às turbulências atuais, mas
também para deflagrar uma nova dinâmica de crescimento, mais equilibrada do
ponto de vista regional, e capaz de incorporar, de fato, as populações do campo ao
desenvolvimento do século XXI. São cerca de 20 bilhões de reais para 120 regiões do
país. Essa visão, de apoio ao desenvolvimento local, tanto responde a uma política
anticíclica como à democratização do governo e ao resgate das desigualdades.
Em linhas gerais, está se desenhando – em parte graças à crise
financeira de 2008 mas sobretudo pelo acúmulo de desequilíbrios críticos – um
Estado mais descentralizado, mais participativo, mais democrático nos seus
processos decisórios, mais transparente no plano da informação, e com maior
papel articulador dos diversos agentes de transformação da sociedade.
No conjunto, naturalmente, se os instrumentos de gestão
pública constituem um vetor chave de transformação, não há como ignorar a
profundidade da mudança cultural que é necessária para que o próprio Estado
mude. Estamos diante de uma mudança civilizatória, com a dimensão que isso
significa, e com a janela de tempo relativamente curta que temos pela frente. A
consciência dos desafios e o sentimento de urgência penetram lentamente nas
mentes das pessoas. Nossa tarefa, é trabalhar nessa tomada de consciência e
ajudar na construção dos rumos.
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Esboços da agenda
Está na moda dizer que o estatismo ruiu com o muro de Berlim, e
o neoliberalismo com o muro de Wall Street. Morreram, na realidade, as visões
simplificadoras dos processos decisórios da sociedade. A visão dicotômica que nos
deu o estado burocrático do Leste europeu de um lado, e a arrogância corporativa
exemplificada por Wall Street do outro, é que está em crise. A sociedade complexa
moderna já não comporta esse tipo de simplificações. Temos de desenvolver
processos mais flexíveis e diferenciados de regulação, não estrangulando os
processos decisórios, mas aproximando-os das necessidades reais da sociedade,
com mais transparência e democracia. Como sociedade, desejamos não somente
sobreviver, mas viver com qualidade de vida. E isso implica elencarmos de forma
ordenada os desafios e as respostas. São os resultados mínimos a serem atingidos,
com os processos decisórios correspondentes.
As propostas, ou linhas de ação sugeridas adiante, têm um
denominador comum: todas já foram experimentadas e estão sendo aplicadas em
diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que
deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em
função da diversidade planetária, é hoje viável. Não temos a ilusão relativamente
à distância entre a realidade política de hoje e as medidas aqui sistematizadas. Mas
pareceu-nos essencial, de toda forma, elencar de forma organizada as medidas
necessárias, pois ter um norte mais claro ajuda na construção de uma outra
governança planetária. Não estão ordenados por objetivos, pois a maioria tem
implicações simultâneas e dimensões interativas.
35
1 - Resgatar a dimensão pública do Estado
Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o
dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que
avaliam risco são pagas por quem cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis de
um banco central venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltam para
nelas encontrar emprego?
Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que
encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de
se reduzir a capacidade de as corporações privadas ditarem as regras do jogo. A
quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações
financeiras, de reduzir a regulação dos bancos centrais, de autorizar os bancos
a fazerem toda e qualquer operação, somada ao poder dos lobbies financeiros
tornam evidente a necessidade de resgatar o poder regulador do Estado, e para
isso os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas
jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos. Enquanto não
tivermos financiamento público das campanhas, políticas que representem os
interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo
e a corrupção.
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2 - Refazer as contas
As contas têm de refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a
intensidade do uso do aparelho produtivo, mas não nos indica a utilidade do que
se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais de que o
planeta dispõe. Contam como aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento
de doenças, o cerceamento de acesso a bens livres. O IDH já foi um imenso avanço,
mas temos de evoluir para uma contabilidade integrada dos resultados efetivos dos
nossos esforços, e particularmente da alocação de recursos financeiros, em função
de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também
socialmente justo e ambientalmente sustentável. As metodologias existem, aplicadas
parcialmente em diversos países, setores ou pesquisas. A ampliação dos indicadores
internacionais como o IDH, a generalização de indicadores nacionais como os CalvertHenderson Quality of Life Indicators nos Estados Unidos, as propostas da Comissão
Stiglitz/Sen/Fitoussi, o movimento FIB – Felicidade Interna Bruta –, todos apontam
para uma reformulação das contas. A adoção em todas as cidades de indicadores
locais de qualidade de vida – vejam-se os Jacksonville Quality of Life Progress
Indicators – tornou-se hoje indispensável para que seja medido o que efetivamente
interessa: o desenvolvimento sustentável, o resultado em termos de qualidade de
vida da população. Muito mais do que o output, trata-se de medir o outcome.
37
3 - Assegurar a renda básica
A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que
causa em si, como pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso
ao conhecimento, a deformação do perfil de produção que se desinteressa das
necessidades dos que não têm capacidade aquisitiva. A ONU calcula que custaria
300 bilhões de dólares (no valor do ano 2000) tirar da miséria um bilhão de
pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. São custos ridículos quando
se consideram os trilhões transferidos para grupos econômicos financeiros no
quadro da última crise financeira. O benefício ético é imenso, pois é inaceitável
morrerem de causas corriqueiras 10 milhões de crianças por ano. O benefício
de curto e médio prazo é grande, na medida em que os recursos direcionados
à base da pirâmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produção,
agindo como processo anticíclico, como se tem constatado nas políticas sociais
de muitos países. No mais longo prazo, será uma geração de crianças que terão
sido alimentadas decentemente, o que se transforma em melhor aproveitamento
escolar e maior produtividade na vida adulta. Em termos de estabilidade política
e de segurança geral, os impactos são óbvios. Trata-se do dinheiro mais bem
investido que se possa imaginar, e as experiências brasileira, mexicana e de outros
países já nos forneceram todo o know-how correspondente. A teoria tão popular
de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente desmentida pelos
fatos: sair da miséria estimula.
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4 - Assegurar o direito de ganhar a vida
Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família deveria
poder ter acesso ao trabalho. Num planeta onde há um mundo de coisas a fazer,
inclusive para resgatar o meio ambiente, é absurdo o número de pessoas sem
acesso a formas organizadas de produzir e gerar renda. Temos os recursos e os
conhecimentos técnicos e organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade,
acesso a um trabalho decente e socialmente útil. As experiências de Maharashtra
na Índia demonstraram sua viabilidade, como o mostram as numerosas
experiências brasileiras, sem falar no New Deal da crise dos anos 1930. São
opções com as quais todos ganham: o município melhora o saneamento básico, a
moradia, a manutenção urbana, a policultura alimentar. As famílias passam a poder
viver decentemente; e a sociedade passa a ser mais bem estruturada e menos
tensionada. Os gastos com seguro-desemprego se reduzem. No caso indiano,
cada vila ou cidade é obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas em mão
de obra. Dinheiro emprestado ou criado dessa forma representa investimento,
melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno. E argumento fundamental:
assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construção de um
desenvolvimento sustentável. Na organização econômica, além do resultado
produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador
gerado. A pesca oceânica industrial pode ser mais produtiva em volume de peixe,
mas o processo é desastroso, tanto para a vida no mar como para centenas de
milhões de pessoas que vivem da pesca tradicional. A dimensão de geração de
emprego de todas as iniciativas econômicas tem de se tornar central.
39
5 - Reduzir a jornada de trabalho
A subutilização da força de trabalho é um problema planetário,
ainda que desigual na sua gravidade. No Brasil, conforme vimos, com 100 milhões
de pessoas na PEA, temos 31 milhões formalmente empregadas no setor privado,
e 9 milhões de empregados públicos. A conta não bate. O setor informal situa-se
na ordem de 50% da PEA. Uma imensa parte da nação “se vira” para sobreviver.
No lado dos empregos de ponta, as pessoas não vivem por excesso de carga de
trabalho. Não se trata aqui de uma exigência de luxo: são incontáveis os suicídios
nas empresas onde a corrida pela eficiência se tornou simplesmente desumana.
O stress profissional está se tornando uma doença planetária, e a questão da
qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição
social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade. As resistências são
compreensíveis, mas a realidade é que com os avanços da tecnologia os processos
produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mão de obra, e reduzir
a jornada é uma questão de tempo. Não podemos continuar a basear o nosso
desenvolvimento em ilhas tecnológicas ultramodernas enquanto se gera uma
massa de excluídos, até mesmo porque se trata de equilibrar a remuneração e,
consequentemente, a demanda. A redução da jornada não reduzirá o bem-estar
ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados
no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos
necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de
mais qualidade de vida.
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6 - Favorecer a mudança do comportamento individual
Neste planeta de 7 bilhões de habitantes, com um aumento
anual da ordem de 75 milhões, toda política envolve também uma mudança de
comportamento individual e da cultura do consumo. O respeito às normas ambientais,
a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios
de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um
conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança
de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais. No
apagão energético do final dos anos 1990 no Brasil, constatou-se como uma boa
campanha informativa, o papel colaborativo da mídia, e a punição sistemática dos
excessos permitiu uma racionalização generalizada do uso doméstico da energia.
Essa dimensão da solução dos problemas é essencial, e envolve tanto uma legislação
adequada, como sobretudo uma participação ativa da mídia.
Hoje 95% dos domicílios no Brasil têm televisão, e o uso informativo
inteligente deste e de outros meios de comunicação tornou-se fundamental.
Frente aos esforços necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o
martelamento publicitário que apela para o consumismo desenfreado, é preciso
generalizar as dimensões informativas dos meios de comunicação. A mídia científica
praticamente desapareceu, os noticiários navegam no atrativo da criminalidade,
quando precisamos vitalmente de uma população informada sobre os desafios
reais que enfrentamos. Grande parte da mudança do comportamento individual
depende de ações públicas: as pessoas não deixarão o carro em casa (ou deixarão
de tê-lo) se não houver transporte público, não farão reciclagem se não houver
41
sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma política pública de mudança do
comportamento individual.
7 - Racionalizar os sistemas de intermediação financeira
A alocação final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em
função dos usos finais de estímulo e orientação de atividades econômicas e sociais,
para obedecer às finalidades dos próprios intermediários financeiros. A atividade
de crédito é sempre uma atividade pública, seja no quadro das instituições públicas,
seja no quadro dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que
para tanto precisam de uma carta-patente que os autoriza a ganhar dinheiro com
dinheiro dos outros. A recente crise financeira de 2008 demonstrou com clareza
o caos que gera a ausência de mecanismos confiáveis de regulação no setor. Nas
últimas duas décadas, temos saltado de bolha em bolha, de crise em crise, sem que
a relação de forças permita a reformulação do sistema de regulação em função da
produtividade sistêmica dos recursos. Enquanto não se gera uma relação de forças
mais favorável, precisamos batalhar os sistemas nacionais de regulação financeira.
O dinheiro não é mais produtivo onde rende mais para o intermediário: devemos
buscar a produtividade sistêmica de um recurso que é público.
A Coreia do Sul abriu recentemente um financiamento de 36
bilhões de dólares para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas,
gerando com isso 960 mil empregos. O impacto positivo é ambiental pela redução
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de emissões, é anticíclico pela dinamização da demanda, é social pela redução
do desemprego e pela renda gerada, é tecnológico pelas inovações que gera
nos processos produtivos mais limpos. Tem inclusive um impacto raramente
considerado, que é a redução do tempo de vida que as pessoas desperdiçam
no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento público, pois
os bancos comerciais não teriam essa preocupação, nem essa visão sistêmica
(United Nations Environment Program – UNEP, Global Green New Deal, 2009).
Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo os
objetivos do seu uso sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um
desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é
um meio, não é um fim.
8 – Taxar as transações especulativas
Uma das alternativas mais frequentemente sugeridas é a taxação das
transações especulativas. Na linha da antiga proposta de James Tobin, uma taxa de
por exemplo 0,20% sobre cada transação reduziria drasticamente a lucratividade dos
que têm como atividade o constante movimento de capitais, ação que é apresentada
pelos especuladores como aumentando a fluidez do mercado, quando na realidade
gera comportamentos de manada que jogam preços de papéis e de commodities
para cima e para baixo e desorganizam qualquer atividade de planejamento
43
organizado da produção e do investimento produtivo. Um segundo importante efeito
de uma taxa desse tipo é que todas as transações passariam a ser registradas, o que
reduziria drasticamente os imensos volumes de movimentos ilegais, em particular a
evasão fiscal e o uso de paraísos fiscais. Trata-se de uma medida necessária, ainda
que não suficiente, para a desintermediação das transações, e redução dos diversos
tipos de atividades alavancadas (carry trade etc.). A recente aplicação no Brasil de
uma taxa de 2% sobre capitais que entram mostra o potencial de políticas nacionais
de racionalização dos fluxos especulativos.
Particular atenção precisa ser dada aos intermediários que ganham
apenas nos fluxos entre outros intermediários – com papéis que representam
direitos sobre outros papéis – e que têm tudo a ganhar com a maximização dos
fluxos, pois são remunerados por comissões sobre o volume e ganhos, e geram
portanto volatilidade e pro-ciclicidade, com os monumentais volumes que nos
levaram por exemplo a valores em derivativos da ordem de 863 trilhões de
dólares em junho de 2008, 15 vezes o PIB mundial. A intermediação especulativa
– diferentemente das intermediação de compras e vendas entre produtores e
utilizadores finais – apenas gera uma pirâmide especulativa e insegurança, além
de desorganizar os mercados e as políticas econômicas.13
13
BIS Quarterly Review, December 2008, Naohiko Baba et al. Disponível em: <www.bis.org/publ/r_
qt0812b.pdf>. Consta da p. 26: “In November, the BIS released the latest statistics based on positions
as at end-june 2008 in the global over-the-counter (OTC) derivatives markets. The notional amounts
outstanding of OTC derivatives continued to expand in the first half of 2008. Notional amounts of all
types of OTC contracts stood at $863 trillion at the end of June, 21% higher than six months before”. São
863 trilhões de dólares de derivativos emitidos, frente a um PÌB mundial de cerca de 60 trilhões.
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9 - Repensar a lógica dos sistemas tributários
Uma política tributária equilibrada na cobrança e reorientada
na aplicação dos recursos constitui um dos instrumentos fundamentais de que
dispomos, sobretudo porque pode ser promovida por mecanismos democráticos.
O eixo central não está na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente
mais justa e na alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. A taxação
das transações especulativas (nacionais ou internacionais) deverá gerar fundos para
financiar uma série de políticas essenciais para o reequilíbrio social e ambiental. O
imposto sobre grandes fortunas é hoje essencial para reduzir o poder político das
dinastias econômicas (10% das famílias são donos de 90% do patrimônio familiar
acumulado no planeta). O imposto sobre a herança é fundamental para dar chances
a partilhas mais equilibradas para as sucessivas gerações. O imposto sobre a renda
deve adquirir mais peso relativamente aos impostos indiretos, com alíquotas que
permitam efetivamente redistribuir a renda. É importante lembrar que as grandes
fortunas do planeta em geral estão vinculadas não a um acréscimo de capacidades
produtivas, e sim à aquisição maior de empresas por um só grupo, gerando uma
pirâmide cada vez mais instável e menos governável de propriedades cruzadas,
impérios onde a grande luta é pelo controle do poder financeiro, político e midiático,
e a apropriação de recursos naturais. O sistema tributário tem de ser reformulado
no sentido anticíclico, privilegiando atividades produtivas e penalizando as
especulativas; no sentido do maior equilíbrio social ao ser fortemente progressivo;
45
e no sentido de proteção ambiental ao taxar emissões tóxicas ou geradoras de
mudança climática, bem como o uso de recursos naturais não renováveis.14
Particular atenção deverá ser dada às taxas sobre emissão de gases
do efeito estufa, que deverão desempenhar um papel importante em termos de
captação de recursos, e poderão constituir um fundo de primeira importância,
para o equilíbrio ambiental. Está se tornando evidente que o mercado de carbono
simplesmente não é suficiente como mecanismo de dissuasão das emissões. A
aplicação de taxas sobre as emissões – já em curso na Suécia, na Noruega, e na Itália –
é tecnicamente simples, e seu uso generalizado permite que os usuários particulares
ou industriais sejam obrigados a incorporar nas suas decisões econômicas os custos
reais indiretamente gerados para toda a sociedade, incluídas as futuras gerações.
10 - Repensar a lógica orçamentária
O poder redistributivo do Estado é grande, tanto pelas políticas
que executa – por exemplo, as políticas de saúde, lazer, saneamento e outras
infraestruturas sociais que melhoram o nível de consumo coletivo – como pelas
que pode fomentar, como opções energéticas, inclusão digital e assim por diante.
Fundamental também é a política redistributiva que envolve política salarial, de
14
Susan George traz uma ilustração convincente: um bilionário que aplica o seu dinheiro com uma
conservadora remuneração de 5% ao ano, aumenta a sua fortuna em 137 mil dólares por dia. Taxar esse
tipo de ganhos não é “aumentar os impostos”, é corrigir absurdos.
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previdência, de crédito, de preços, de emprego. A forte presença das corporações
junto ao poder político constitui um dos entraves principais ao equilíbrio na
alocação de recursos. O essencial é assegurar que todas as propostas de alocação
de recursos sejam analisadas pelo triplo enfoque econômico, social e ambiental.
No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa Família”,
políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos,
quando chegam à “base da pirâmide”, são incomparavelmente mais produtivos,
tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de
qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas
pela demanda local. A democratização aqui é fundamental. A apropriação dos
mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos
processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua
vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.
11 - Facilitar o acesso ao conhecimento e às tecnologias
sustentáveis
A
participação
efetiva
das
populações
nos
processos
de
desenvolvimento sustentável envolve um denso sistema de acesso público e gratuito
à informação necessária. A conectividade planetária que as novas tecnologias
permitem constitui uma ampla via de acesso direto. O custo-benefício da inclusão
digital generalizada é simplesmente imbatível, pois é um programa que desonera
47
as instâncias administrativas superiores, na medida em que as comunidades com
acesso à informação se tornam sujeitos do seu próprio desenvolvimento. A rapidez
da apropriação desse tipo de tecnologia até nas regiões mais pobres se constata na
propagação do celular, das lan houses mais modestas. O impacto produtivo é imenso
para os pequenos produtores que passam a ter acesso direto a diversos mercados
tanto de insumos como de venda, escapando aos diversos sistemas de atravessadores
comerciais e financeiros. A inclusão digital generalizada é um destravador potente
do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável.
O mundo frequentemente esquece que 2 bilhões de pessoas ainda
cozinham com lenha, área em que há inovações significativas no aproveitamento
calórico por meio de fogões melhorados. Tecnologias como o sistema de cisternas
do Nordeste, de aproveitamento da biomassa, de sistemas menos agressivos
de proteção dos cultivos etc., constituem um vetor de mudança da cultura dos
processos produtivos. A criação de redes de núcleos de fomento tecnológico
online, com ampla capilaridade, pode se inspirar da experiência da Índia, onde
foram criados núcleos em praticamente todas as vilas do país. O World Economic
and Social Survey 2009 é particularmente eloquente ao defender a flexibilização
de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da população mundial o acesso
às informações indispensáveis para as mudanças tecnológicas exigidas por um
desenvolvimento sustentável.
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12 - Democratizar a comunicação
A comunicação é uma das áreas que mais explodiu em termos de
peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos em permanência cercados
de mensagens. Nossas crianças passam horas submetidas à publicidade ostensiva
ou disfarçada. A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração
internacional e nacional – e sua crescente interação entre os dois níveis – gerou
uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o
elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos como símbolo de sucesso. O
sistema circular permite que os custos sejam embutidos nos preços dos produtos
que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em um cacarejo permanente de
mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais recentemente, a corporação utiliza
esse caminho para falar bem de si, para se apresentar como sustentável e, de
forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro eletromagnético em que essas
mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita
para todo o planeta, é simplesmente viável. Expandindo gradualmente as inúmeras
formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma
cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada,
pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.
49
A lista de propostas e sugestões pode evidentemente alongar-se.
O fato que mais inspira esperança é a multiplicação impressionante de iniciativas
nos planos da tecnologia, dos sistemas de gestão local, do uso da internet para
democratizar o conhecimento, da descoberta de novas formas de produção menos
agressivas, de formas mais equilibradas de acesso aos recursos. O Brasil neste
plano tem mostrado que começar a construir uma vida mais digna para o “andar de
baixo”, para os dois terços de excluídos, não gera tragédias para os ricos. Inclusive,
numa sociedade mais equilibrada, todos passarão a viver melhor.
Carlos Lopes é Subsecretário Geral da ONU, encarregado do UNITAR em
Genebra (www.unitar.org) e da Escola de Líderes da ONU em Turim (www.
unssc.org). Especialista em desenvolvimento pelo Instituto de Altos Estudos
Internacionais e Desenvolvimento da Universidade de Genebra, tem também
um Doutoramento em História pela Universidade de Paris 1, PanthéonSorbonne. Tem numerosa bibliografia publicada e faz parte de 12 conselhos
acadêmicos.
Ignacy Sachs, eco-socioeconomista nascido na Polônia em 1927, com estudos
superiores no Brasil, na Índia e na Polônia. Desde 1968, professor da Escola
de Altos Estudos en Ciências Sociais em Paris (E.H.E.S.S.) onde criou e dirigiu
sucessivamente o Centre International de Recherches sur l’Environnement et le
Développement (C.I.R.E.D.) e o Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain
(C.R.B.C.). Consultor em várias ocasiões da Organização das Nações Unidas,
tendo participado dos preparativos da Conferência de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente (1972) e da Cúpula da Terra de Rio de Janeiro (1992). Sua bibliografia
é acessível no site: http://bit.ly/4AYaHu. Último livro publicado no Brasil: A
terceira margem - em busca do ecodesenvolvimento, Companhia das Letras,
São Paulo, 2009.
Ladislau Dowbor é professor titular no departamento de pós-graduação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É consultor de diversas agências
das Nações Unidas, governos e municípios, bem como do Sebrae e outras
instituições. Seus livros e artigos podem ser acessados na íntegra no site
http://dowbor.org, na linha do Creative Commons (livre acesso não comercial).
Contato: [email protected].
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TRABALHO, DESENVOLVIMENTO
IMPACTOS NA VIDA COTIDIANA
E
OS
Texto de Maria Betânia Ávila, Doutora em Sociologia pela Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE, Pesquisadora e Coordenadora de Relações
Institucionais do SOS CORPO Instituto Feminista para a Democracia.
O modelo de desenvolvimento que vigora na América Latina e
no cenário global pode ser caracterizado, de maneira breve, como produtor e
reprodutor de desigualdades. O trabalho como dimensão criadora e propulsora do
desenvolvimento deve ser uma questão central na análise crítica sobre esse tema.
As controvérsias são imensas em torno desse conceito; no entanto, na sociedade
capitalista e patriarcal em que vivemos, é incontornável o fato de que as relações
de dominação e exploração são historicamente reproduzidas nos processos de
desenvolvimento desse sistema.
Para pensar essa relação entre trabalho e desenvolvimento,
tomamos como tarefa inicial a reflexão crítica sobre o conceito de trabalho – e,
com isso, já entramos no cerne da questão. Partimos do suposto que os conceitos
são historicamente construídos e definidos e redefinidos de acordo com o contexto
e as perspectivas dos sujeitos, que tanto podem ser críticas como legitimadoras
da ordem social. Do ponto de vista de quem detém o poder nessa sociedade, os
conceitos são reestruturados para responder à necessidade de novas explicações
que justifiquem as relações sociais que vigoram em cada contexto social e histórico,
as quais são determinadas pelas estruturas de poder. Se o modo de produção, por
um lado, “se altera em consequência dos resultados acumulados do trabalho da
51
atividade humana – as relações sociais necessárias para levar a efeito a produção
também se alteram e do mesmo modo as concepções que justificam e interpretam
essas relações”. (Foracchi e Martins, 2006, p. 4)
Faz parte da ideologia neoliberal tratar a realidade social como
formada, de um lado, por estruturas permanentes, naturalizadas e funcionais, e
de outro, por uma soma de indivíduos, que nessa visão constituem uma multidão
fragmentada, para assim evadir das leituras dessa realidade as relações sociais,
retirando do cenário mundial os confrontos sociais e políticos que transformam as
relações e as estruturas de poder. Sobre o conceito de relação social retomamos aqui
as questões colocadas por Kergoat: “o que é importante na noção de relação social
– definida pelo antagonismo entre grupos sociais – é a dinâmica que ela introduz,
uma vez que volta a colocar a contradição, o antagonismo entre os grupos sociais
no centro da análise, e que se trata de contradição viva, perpetuamente em via de
modificação e de recriação”. (KERGOAT, 2002, p. 244) O que a autora coloca é que
se tomarmos em conta apenas as estruturas, isso nos levará a um raciocínio que
negaria a possibilidade da existência dos sujeitos, como se os indivíduos agissem
somente a partir da ação das formas exteriores. Para ela, é contra a visão solidificada
de estrutura social “que se insere o raciocínio em termos de relações sociais (com
seu corolário: as práticas sociais): relação significa contradição, antagonismo, luta
pelo poder, recusa de considerar que os sistemas dominantes (capitalismo, sistema
patriarcal) sejam totalmente determinantes” (KERGOAT, idem).
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Essa visão de sistema “dominante” como aquilo que não é
“totalmente determinante” constrói uma abertura para entender o movimento de
subversão à ordem, que constitui o sujeito, e para enxergar as dinâmicas individuais
e coletivas que formam as tensões e revelam as contradições que engendram a
vida social. É uma perspectiva que leva a perceber as novas práticas presentes nas
relações sociais e os movimentos que formam o devir. (Ávila, 2010)
Uma outra ação forte dos sujeitos do conhecimento, que sustentam
as teses do neoliberalismo, é a tentativa permanente de decretar o fim do trabalho,
como se o trabalho fora algo que pudesse ser extinto da vida social. Uma coisa é
a eliminação dos empregos formais, a desregulação que leva à perda de direitos
dos trabalhadores e trabalhadoras, outra coisa é a ideia de que uma sociedade
pode se reproduzir sem o trabalho. Mas essa investida contra a existência social
do trabalho e sua importância para a economia e para a política está justamente
ligada à tentativa de negar os antagonismos e as contradições, ignorando assim
as relações de exploração e dominação nessa fase do capitalismo, para desse
modo destituir de sentido os sujeitos das lutas no campo do trabalho, negar sua
organização e colocá-los/as como historicamente fora do lugar.
Uma das formas de confrontar essa ideologia e esse sistema de
dominação é justamente visibilizar o trabalho e as relações sociais que engendram
e são engendradas na sua dinâmica. Como afirma Antunes (2005), o trabalho é
uma questão central dos nossos dias. As teóricas e pesquisadoras feministas desse
campo, não só insistem na centralidade do trabalho nesta sociedade como também
produziram uma reestruturação desse conceito.
53
Trabalho produtivo e reprodutivo
O conceito de trabalho ao longo do tempo foi referido apenas ao
trabalho produtivo. Assim foi tratado pelas ciências sociais, pela economia, nos
planos de desenvolvimento das políticas nacionais e dos organismos internacionais.
O trabalho reprodutivo ou trabalho doméstico, assim definido no contexto da
sociedade capitalista patriarcal, esteve fora do conteúdo que dava significado ao
conceito de trabalho até muito recentemente. A reestruturação desse conceito
para alcançar as duas esferas do trabalho é parte de um processo político e de uma
prática de produção do conhecimento que se constroem a partir do movimento
feminista em uma relação dialética.
Para Marx e Engels (1991), o trabalho é o lugar da construção de
si, como sujeito, sendo assim a dimensão fundante da ontologia do ser social.
Porém, nessa concepção, é o trabalho definido como produtivo, que está sendo
considerado. O trabalho reprodutivo fica fora dessa dimensão ontológica, e assim,
fica excluído como uma prática de trabalho, sendo descartada dessa forma uma
experiência concreta, cotidiana, e sobretudo de trabalho das mulheres. Como
conseqüência, as relações de trabalho do campo reprodutivo não são consideradas
como um elemento da exploração e dominação que estrutura relações sociais.
Na análise marxista, a reprodução é tratada apenas como substrato do processo
produtivo, e o trabalho reprodutivo, realizado no espaço doméstico e elemento
central para a reprodução social, não é levado em conta. Os custos da reprodução
da força de trabalho são contados apenas a partir do consumo dos produtos
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necessários à manutenção e reprodução dos trabalhadores/as, mas todo trabalho
investido no cuidado, na produção da alimentação, na organização e manutenção
do espaço de convivência familiar está fora da conta que configura a mais-valia e,
portanto, que mede o grau do lucro na exploração capitalista.
Nós nos reportamos às análises de Marx e Engels porque são
as que nos interessam como referência matriz, pois foi a partir de conteúdos
teórico e do método de análise produzidos por esses autores, e sobretudo por
Marx, que foram construídas as bases teóricas para uma análise feminista que
desse conta da exploração e dominação das mulheres na sociedade capitalista
e patriarcal. Mesmo com todo o questionamento feito sobre a teoria marxista,
que não considerou a exploração e dominação patriarcal como elementos
indissociáveis do desenvolvimento capitalista, foi a partir do resgate da tradição
dessa teoria crítica, que surgiram as teorizações feministas que podem sustentar
um projeto emancipatório, à medida que trabalham a questão das contradições e
antagonismos das relações sociais de gênero e do seu imbricamento com outras
relações sociais como classe e raça.
A tradição funcionalista do Durkheim, por exemplo, outro teórico da
questão do trabalho nessa sociedade, não poderia ser essa referência na medida
em que está embasada em uma concepção de manutenção da ordem social, pois
como diz Pfefferkorn (2007) referindo-se a esse autor
para ele, a divisão do trabalho social própria às sociedades modernas é um
modo de organização superior. É primeiramente um fator de integração
social. Na perspectiva desse autor este é o fundamento do laço social, quer
55
dizer daquilo que assegura a coesão nas sociedades contemporâneas. O que
opõe os membros da sociedade é remetido ao impensado ou ao patológico.
(PFEFFERKORN, 2007, p. 40-41)
Repensando essa questão com base em uma dimensão histórica
mais alargada, Hannah Arendt (2005) analisa a divisão entre trabalho produtivo
e trabalho reprodutivo a partir da Grécia antiga, evidenciando a falta de valor do
“labor”, que corresponde justamente ao trabalho reprodutivo, e a sua relação
histórica com a servidão. Poderíamos, aí também, falar de um trabalho que em
princípio foi tomado como não trabalho e, portanto, como o lugar da constituição
do não sujeito. Historicamente, assim, associado a uma relação de servidão.
É a partir da construção do conceito de trabalho como pertinente
às esferas produtiva e reprodutiva que a análise crítica sobre a divisão social do
trabalho pode evidenciar a existência de uma divisão sexual do trabalho como uma
dimensão estrutural no interior da primeira divisão. Do ponto de vista histórico,
segundo KERGOAT (2002), é possível observar que a “estruturação atual da divisão
sexual do trabalho surgiu simultaneamente ao capitalismo” (p. 234) e que a relação
do trabalho assalariado não teria podido se estabelecer na ausência do trabalho
doméstico. Para a abordagem aqui apresentada, vejamos a definição de Danièle
Kergoat, para quem:
A divisão sexual do trabalho tem por características a designação prioritária
dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva, como
também, simultaneamente, a captação pelos homens das funções com forte
valor social agregado (políticos, religiosos, militares etc.). Esta forma de divisão
social tem dois princípios organizadores: o princípio da separação (há trabalhos
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de homem e trabalhos de mulher) e o princípio hierárquico (um trabalho de
homem "vale" mais que um trabalho de mulher. (KERGOAT, 2002, p. 89)
Se, historicamente, instituiu-se na sociedade capitalista/patriarcal
a divisão sexual do trabalho que atribui às mulheres as tarefas domésticas e aos
homens as atividades produtivas, na prática, sempre houve mulheres que estiveram
tanto na esfera da produção como na esfera da reprodução. O trabalho reprodutivo,
em geral ausente das análises clássicas sobre desenvolvimento e reprodução social,
o qual sustenta a reprodução da força de trabalho e da humanidade permanece,
majoritariamente, de responsabilidade das mulheres. Os homens se mantiveram,
até hoje, pelo menos a maioria, apenas na esfera da produção. Atualmente, a
inserção das mulheres no mercado de trabalho formal ou informal se expandiu.
"Vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de
40% da força de trabalho em diversos países avançados e tem sido absorvido
pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho part-time, precarizado e
desregulamentado." (ANTUNES, 2000, p. 105)
Na reestruturação produtiva se reatualizam as formas de divisão
sexual do trabalho no interior da esfera produtiva. Cabe às mulheres uma reinserção
nos trabalhos precarizados, flexibilizados, o que significa perda de direitos. Os
trabalhos a domicílio ultra precários são basicamente feitos por mulheres. E em
muitos países a redução da jornada de trabalho com redução de salário atinge
prioritariamente as mulheres, além de resgatar uma abordagem conservadora para
justificativa da necessidade de um retorno ao “lar”.
O fato de o trabalho em tempo parcial, precarizado e
desregulamentado, atingir preferencialmente as mulheres está, no contexto da
57
globalização, dentro de uma reconfiguração da divisão sexual do trabalho. As
análises sobre desigualdade no mercado de trabalho são importantes, mas só
mediante uma análise que contemple mercado de trabalho e trabalho doméstico
é possível aprofundar a compreensão da relação de desigualdade das mulheres
na divisão sexual do trabalho. Isso nos leva a pensar o trabalho como dimensão
central na constituição da vida cotidiana que, para Torns (2001), aparece como
o “cenário analítico”, a partir do qual podemos observar como se desenrola
essa dinâmica e por meio do qual tem sido possível delimitar as presenças e as
ausências masculinas e femininas, de maneira estrita, e reconhecer, a partir daí, a
hierarquia que as preside.
A divisão sexual do trabalho dá significado às práticas de trabalho no
interior de cada uma de suas esferas. No campo produtivo, há uma representação
simbólica do trabalho de homens e do trabalho de mulheres e uma divisão de
tarefas que responde a essa representação. Essa divisão incide também sobre o
valor do trabalho de homem e de mulher, expresso no nível diferenciado de salários
e no desvalor do trabalho doméstico. Além disso, no trabalho produtivo há uma
captura das habilidades desenvolvidas no trabalho doméstico.
Há tarefas no interior do espaço doméstico consideradas pequenos
trabalhos masculinos, ligados à habilitação do homem como trabalhador da
esfera produtiva, como, por exemplo, os consertos na estrutura física das casas,
serviços elétricos, e outros que não estão diretamente vinculados às necessidades
incontornáveis de manutenção da vida no cotidiano.
As políticas públicas de bem-estar social que, segundo Oliveira
(1998), vêm sustentar a reprodução da força de trabalho na parte não coberta pelo
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capitalista no trabalho pago, geram o que ele chama de “direitos de antivalor”.
Portanto, ao tempo socialmente necessário para a reprodução, somam-se,
segundo ele, essas políticas públicas. Consideramos que deve ser acrescentado,
ainda, o trabalho doméstico não remunerado e remunerado como parte dessa
sustentação. A questão é a sua importância para a reprodução social. É em relação
a essa questão que Moraes interroga: “se os capitalistas...puderem diminuir os
custos de reprodução da força de trabalho, aproveitando-se da dupla jornada das
mulheres, por que investiriam em creches e equipamentos coletivos que minorem
os trabalhos domésticos?”(MORAES, 2003, p. 99). Esse trabalho, necessário à
reprodução social, é funcional para o sistema capitalista e patriarcal.
Em uma crítica feita à teoria sobre mulher e desenvolvimento, que
partia de uma análise da produção de mercadorias para explicar a situação do
trabalho das mulheres, Lourdes Benería e Guita Sen dizem que “para um completo
entendimento da natureza da discriminação, salário das mulheres, participação
das mulheres no processo de desenvolvimento, e implicações para ação política,
analistas devem examinar as duas áreas da produção e reprodução, assim como a
interação entre elas”. (BENERÍA & SEN, 1986, p.152)
O modelo de desenvolvimento em curso na América Latina, que se
caracteriza como capitalista, racista e patriarcal, reproduz desigualdades como
consequência direta da sua lógica e da sua dinâmica. Nesse sentido as desigualdades
de gênero classe e raça estão imbricadas como parte do processo. Como parte
dessa reprodução a população jovem vê-se diretamente afetada por essas relações
59
na sua inserção no mundo do trabalho. A relação entre gerações também se
constitui como uma relação social, portanto faz parte da mesma imbricação. As
relações desiguais de classe, raça e gênero são reproduzidas e mantidas a partir de
um sistema de poder que se sustenta na produção articulada dessas desigualdades
e que ao mesmo tempo produz uma percepção fragmentada dos problemas.
Posicionar-se contra esse sistema estruturalmente produtor de injustiças é, em
primeiro lugar, reconhecer as várias formas de desigualdades e discriminações e as
consequências sobre a realidade social.
O capitalismo está atingindo patamares jamais alcançados de
acumulação, ou seja, o capitalismo alcançou atualmente o maior grau de
acumulação da sua história. Tão grande que está criando uma defasagem profunda
entre a capacidade de produzir riqueza e a capacidade de redistribuí-la em um
patamar que possa alimentar a relação entre produção e consumo em níveis
funcionais para o sistema que se mantém pela produção e superação de crises
como parte estrutural do seu funcionamento. Podemos perceber que o grau de
desigualdade se aprofundou, pois a crise atual, que tem no sistema financeiro o
centro do qual emanam os problemas, tem sido “enfrentada”, pelos países que
detêm a hegemonia do poder econômico, em favor do capital financeiro.
O conceito de trabalho produtivo esteve sempre associado à
dominação da natureza. Essa visão levada ao extremo na sociedade capitalista
se expressa hoje em modelos produtivos que causam danos irreparáveis ao meio
ambiente, que ameaçam a reprodução da vida cotidianamente, e que têm levado a
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uma tentativa cada vez maior de mercantilização dos bens comuns da humanidade
e de todas as fontes naturais de riqueza. A lógica do mercado está assentada numa
lógica produtivista e na produção incessante de criação de novas necessidades.
É evidente que, como cada vez se produz mais, cada vez mais é preciso vender.
O acesso ao consumo é moldado de acordo com as possiblidades dos sujeitos
consumidores a partir dos seus pertencimentos de classe, raça e gênero no sentido
de manter e reproduzir as desigualdades e hierarquia nas quais estão inseridos.
Cada vez mais são produzidos objetos caríssimos e sofisticados para consumo de
elite e ao mesmo tempo se produzem milhões de objetos semelhantes na aparência
mas de baixa qualidade para o consumo massificado. Na lógica de mercado, na
ideologia subjacente a ela, a inclusão social se faz pelo consumo, e nesse conceito
de inclusão já está subtendida a desigualdade social. O mercado, atualmente,
lança mão de todos os meios midiáticos de massa para capturar o sentido da
vida cotidiana e reificá-la como uma dimensão determinada exclusivamente pela
capacidade de consumo. As mensagens midiáticas para incentivar o consumismo
têm como alvo sobretudo as mulheres e os jovens.
A pluralidade dos sujeitos políticos e de suas lutas permitiu
o aprofundamento da crítica a esse sistema. Por exemplo, a crítica à lógica
produtivista que sustenta esse sistema está sendo radicalmente (no sentido
ir a suas raízes) reformulada a partir da teoria crítica, mas avançando ou
reestruturando toda a formulação em termos da relação entre produção e
desenvolvimento, com o objetivo de combater qualquer relação hierárquica
entre produção, reprodução e meio ambiente.
61
Questões sobre desenvolvimento
O desenvolvimento é pleno de definições, muitas vezes conflitantes.
Uma das formas usadas para sua definição é a sua adjetivação: desenvolvimento
econômico, desenvolvimento humano, desenvolvimento sustentável e assim por
diante. Na maioria dos casos essas qualificações aparecem como contraponto
ao conceito de desenvolvimento econômico ou para questionar sua lógica, em
geral predatória, que não leva em conta as necessidades humanas e costuma
estar submetida aos interesses dos setores que dominam o poder econômico.
No entanto, o que podemos afirmar é que as dimensões econômicas, social,
política e cultural são indissociáveis. A afirmação de cada campo particular do
desenvolvimento pode ser interessante de um ponto de vista analítico, ou mesmo
para revelar suas várias dimensões e contradições, mas, na prática, são dimensões
imbricadas em um mesmo processo.
A América Latina não está fora do processo de globalização e,
portanto, dos seus efeitos perversos provocados pelos modelos de desenvolvimento
impostos pela correlação de forças hegemonizada pela tendência neoliberal. Esta
ainda vigora, de maneira contraditória, nos países da região nos quais avançaram
os processos de democratização no campo popular democrático, e que em graus
diferenciados fazem contraposição a essa tendência, e de maneira contundente
em países que se mantêm alinhados a essa perspectiva. Os efeitos nefastos desse
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processo sobre as condições de trabalho são imensos. A reestruturação produtiva e
reprodutiva trazida pela globalização aumentou a expansão do trabalho precarizado
e sem direitos dentro de uma divisão internacional do trabalho que penaliza
sobremaneira os países do sul e os/as migrantes desses países no contexto dos
países do norte. É importante frisar que apesar de ser mais visível a reestruturação
produtiva, há também uma reestruturação das relações de trabalho no campo
reprodutivo dentro dessa divisão internacional do trabalho, que tem como uma
de suas fortes características a migração das mulheres dos países do sul para os do
norte, para assumirem o trabalho como empregadas domésticas.
Muitos países da América Latina são exportadores de força de
trabalho para o trabalho reprodutivo para os países do Norte. Internamente,
na própria América Latina, também acontece a migração de mulheres para o
trabalho reprodutivo. A categoria das empregadas domésticas, nessa região, é
formada por um contingente em torno de 14 milhões de trabalhadoras. Segundo
análises da OIT (2010), em sua maioria elas convivem com extensas jornadas de
trabalho, baixas remunerações, escassa cobertura de seguridade social e alto nível
de descumprimento das normas laborais. As mulheres são mais pobres que os
homens em todos os países da região. As maiores diferenças de gênero ocorrem na
Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, República Bolivariana da Venezuela, República
Dominicana e Uruguai. A taxa de pobreza das mulheres é 1,15 vez maior que a dos
homens. (OIT, 2010) Nos estratos mais pobres da população latino-americana estão
as mulheres negras e em grande parte dos países também as mulheres indígenas.
63
A população jovem enfrenta grandes problemas em relação ao
mercado de trabalho. Cerca de 20% das pessoas jovens na América Latina não
estudam nem trabalham. As mulheres constituem 72% desse total. “Pelas maiores
dificuldades que têm em ingressar no mercado de trabalho, e muitas vezes, por
padrões culturais, atribuem-se às mulheres tarefas domésticas no interior das
famílias, que assumem também ao se casarem e/ou terem filhos.” (OIT, 2007, p. 40)
No
campo
do
trabalho
produtivo,
elemento
crucial
do
desenvolvimento econômico, um problema central na América Latina diz respeito às
relações de trabalho com alto grau de exploração e à concentração da riqueza que
leva à criação de empregos precários e dificulta a criação de novos postos. Segundo
a OIT, “os jovens enfrentam maiores desvantagens no mercado de trabalho, pois
normalmente eles têm acesso a empregos de alta rotatividade, temporários ou
eventuais, com menos proteção social e com salários inferiores”. (OIT, 2007, p. 26)
A OIT preconiza a necessidade de uma legislação voltada para a garantia da proteção
social no sentido de “impedir que os jovens se incorporem a um emprego através de
um contrato precário, sem garantias sociais nem cobertura de seguridade social...
Isso impulsionaria trajetórias juvenis de trabalho positivas”. (OIT, 2007, p. 30)
O emprego estável é uma das principais demandas das pessoas
jovens de 15 a 29 anos. Dois de cada três jovens trabalham em atividades
informais, nas quais frequentemente a remuneração é menor do que um salário
mínimo e sem cobertura da seguridade social. A análise da realidade social dos
jovens na América Latina mostra, como parte da dinâmica de reprodução das
desigualdades, um “retrato da juventude trabalhadora com impacto de fortes
discriminações de gênero e de etnia”. (Ibase/Polis, 2008)
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No modelo neoliberal de desenvolvimento acontece uma nova
forma de apropriação da forma de exploração da mão de obra feminina, a partir
da divisão trabalho produtivo x reprodutivo, para implantação de políticas sociais
a baixo custo baseadas na exploração da capacidade de as mulheres exercerem
múltiplas atividades com criatividade e eficiência nas jornadas de trabalho
cotidiano. Essa capacidade é explorada pelos projetos de desenvolvimento, para
cobrir a falta de distribuição de renda das políticas governamentais. Isto é, essa
forma de exploração ajuda a diminuir os custos com a reprodução social, o que
contribui para a concentração da riqueza.
A produção da pobreza é um produto da mesma lógica de poder
que constrói a concentração da riqueza e não um resultado inesperado do
modelo econômico. Não é algo que esteja fora do controle, é antes algo que
necessariamente tem de ocorrer dentro da permanência de um modelo que se
sustenta nas desigualdades.
Com isso queremos dizer que as relações de produção e acumulação
de riquezas, de repressão e discriminação sexual, de racismo não constituem
dimensões estanques da vida social, mas, ao contrário, são elementos constitutivos
de uma determinada ordem social. A dissociação entre esses campos e entre eles
e a política é uma necessidade do sistema de poder capitalista e patriarcal que, ao
fragmentar e dissociar essas várias dimensões, fragiliza as estratégias de resistência.
A expressão contundente das várias engrenagens da dominação desse sistema é a
própria realidade social, que, tomando o caso da América Latina, apresenta um
grau elevadíssimo de desigualdade social de classe, raça, etnia e gênero.
65
Desenvolvimento é um processo e só pode ser democrático se a
pluralidade dos sujeitos coletivos estiver presente nas decisões sobre os seus rumos.
O avanço político de vários países na América Latina cria um contexto favorável
para impulsionar mudanças, e nesse processo os jovens organizados politicamente
devem ser sujeitos estratégicos.
Como questão de método devemos pensar a democracia e o
desenvolvimento como processos indissociáveis. Esse método deve servir como
referência para os contextos nacional e global e para a relação entre eles. As abordagens
que tomam esses termos como dimensões separadas na organização da vida social
fazem que haja, de um lado, a despolitização das decisões e ações denominadas como
de desenvolvimento, e, de outro, restringem o sentido da democracia ao exercício da
prática política, sobretudo ao âmbito da democracia representativa.
Um jeito de se contrapor a essa abordagem é aquela que coloca a
luta por cidadania como uma forma de qualificação da construção da democracia,
que opera justamente no sentido da conjunção das dimensões de que estamos
tratando. A referência à cidadania está vinculada a uma demanda por um Estado
promotor de bem-estar social e a uma democratização das formas de participação
política e de exercício do poder. Essa tem sido uma prática dos movimentos sociais
na região que aliam a luta por direitos e por democracia participativa e direta à
perspectiva mais ampliada de transformação social.
Outra questão importante é a relação entre vida cotidiana e
democracia. A radicalização do projeto democrático exige que o cotidiano seja
tomado como uma questão fundamental da sua agenda política e da reflexão
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teórica de quem pensa a transformação social. A partir daí a dicotomia entre esfera
pública e esfera privada e a hierarquização da relação entre produção e reprodução
podem ser questionadas e repensadas. A organização do tempo social é feita a partir
dessa dicotomia e dessa hierarquização, as quais são baseadas nas desigualdades
de gênero e de raça e são fundamentais para reprodução e acumulação do capital.
É na vida cotidiana que os efeitos perversos dos modelos de
desenvolvimento ganham sentido e geram sofrimentos. É no dia a dia que as
desigualdades sociais tomam formas concretas como existência humana.
Desenvolvimento e tempo do trabalho no cotidiano
Uma forma concreta de avaliar os efeitos dos processos de
desenvolvimento consiste em analisar os seus impactos sobre a vida cotidiana, pois
é nela que estão a vida em comum e a vida do dia a dia. Apesar dos avanços
científicos e tecnológicos alcançados no desenvolvimento da sociedade capitalista, a
qualidade de vida para a maioria das populações está marcada pela precariedade.
Ao trabalho como elemento central na análise sobre desenvolvimento
podemos acrescentar que o tempo do trabalho determina a organização do tempo
social na vida cotidiana. Duas questões nos parecem importantes na reflexão sobre
a organização do tempo social: em primeiro lugar, a dimensão que a apropriação do
67
tempo de trabalho tem na relação entre capital e trabalho. Trazer essa dimensão
para o tempo da vida cotidiana oferece a possibilidade de vê-lo como o tempo
concreto da existência das pessoas que, para assegurar sua própria reprodução,
vendem sua força de trabalho. A outra diz respeito à desigualdade no uso do
tempo social. As mulheres no cotidiano, diferentemente dos homens, dividem o
tempo entre trabalho reprodutivo e trabalho produtivo. Na relação de classe a
apropriação do tempo dos/as trabalhadores/as pelos/as patrões/oas leva a uma
desigualdade na forma segundo a qual que cada classe pode usufruir do tempo
social. Para mulheres e homens, há uma desigualdade nesse uso do tempo social,
que se realiza em conexão com as desigualdades de classe e que é decorrente de
relações sociais de sexo/gênero/raça.
Em um enfoque a partir da relação entre capital e trabalho sobre o
tempo do trabalho no cotidiano, podemos dizer que o tempo que sobra da atividade
produtiva, para a “classe que vive do trabalho” (ANTUNES, 1999), é contado como um
tempo do descanso, do lazer, do cuidado consigo mesmo/a, isto é, da reconstituição
de cada pessoa como força de trabalho. O tempo do trabalho doméstico do cuidado
com a reprodução da vida das pessoas não é levado em conta na organização
do tempo social dentro da relação entre produção e reprodução. Esse tempo do
trabalho reprodutivo não poderia ter sido considerado na teoria marxiana, pois sua
grade teórica está referida especificamente ao valor do tempo do trabalho na esfera
produtiva a partir da sua equivalência como mercadoria e a partir da venda da força
de trabalho na relação entre capital e trabalho, o que exclui o tempo de trabalho
na esfera reprodutiva. São relevantes as questões: qual é o tempo para os cuidados
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necessários para produzir os meios de manutenção da vida individual e coletiva,
isto é, para o desenvolvimento das tarefas que garantem a alimentação, o abrigo, a
vestimenta, o cuidado, o aconchego, e a manutenção do espaço doméstico? Qual
o tempo social definido para o cuidado com as pessoas que não têm condições de
cuidar de si mesmas, como as crianças, idosos/as e outras pessoas sem condições
física ou mentais para isso? Esse tempo de trabalho, que não é percebido como
parte da organização do tempo social, é retirado do tempo que forma o dia a dia das
mulheres como parte das atribuições femininas, determinadas por relações de poder
que entrelaçam a dominação/exploração patriarcal à capitalista.
A duração da “sobra” do trabalho produtivo é fruto de processos
históricos, de transformações nas relações sociais entre capital e trabalho. Não
é o mesmo em todo lugar, nem para todos/as os/as trabalhadores/as. Como
consequência de um longo processo de lutas e conflitos, foram instituídos direitos
sociais e trabalhistas que regulam a duração da jornada de trabalho e definem os
dias de folga semanal e de férias, mas para se ter acesso a esses direitos é preciso
estar legalmente registrado/a como empregado/a, constituindo um vínculo social
que assegura outros direitos e também deveres. Esses períodos liberados da
produção são, portanto, um direito de cada trabalhador/a de se reconstituir física
e mentalmente. Na atualidade, com a crescente precariedade das relações de
trabalho, esses direitos têm sido ameaçados e em muitos casos desestruturados.
O trabalho informal, que está fora da proteção social, é um campo no qual
predominam as mulheres. Nesse caso, a relação entre tempo de trabalho para
produzir uma renda e tempo do trabalho reprodutivo traz configurações bastante
irregulares e difíceis para as mulheres.
69
A forma de desenvolvimento capitalista produziu historicamente uma
vida cotidiana na qual o tempo social que conta – o uso do tempo que tem valor
– é aquele empregado na produção de mercadorias, gerador de mais-valia, porque
a noção de valor está diretamente vinculada ao valor de troca que caracteriza a
mercadoria. Nesse enfoque, portanto, tem um sentido mercantil, restrito a essa
relação, pois, como ressalta Carrasco, “em nossas sociedades capitalistas atuais, a
organização do tempo social vem determinada fundamentalmente pelo tempo do
trabalho mercantil”. (CARRASCO, 2005, p. 52) A mais-valia é a base da acumulação
do capital. Portanto, a apropriação do tempo de trabalho é uma dimensão fundante
e permanente da sociabilidade capitalista. "Tempo como medida que se impõe
por excelência na primeira sociedade industrial, a partir dos aportes de Marx, que
utiliza o uso do tempo para fixar a equivalência entre tempo de trabalho (jornada
laboral) e preço (salário).” (TORNS, 2002, p. 141). Porém, “o binômio tempodinheiro preside a atual organização sócio-produtiva que vai acompanhada por
representações simbólicas herdadas do ideal de maximizar e quantificar os usos
do tempo”. (TORNS, idem) Por isso, segundo esta autora, as demandas e lutas pela
redução da jornada de trabalho que não questionam o modelo de temporalidade
subjacente podem ser tomadas como um aceitação do modelo dominante.
Se na vida cotidiana está a tensão entre a alienação e a desalienação,
há também uma tensão de natureza prática entre as atividades produtivas,
reprodutivas e as possibilidades de deslocamento para outras esferas da vida
social. Contudo, os sujeitos não são meros receptáculos de uma ordem absoluta,
mesmo quando se configura uma relação de dominação. Segundo Antunes (2002),
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“a referência à vida cotidiana e as suas conexões com o mundo do trabalho e da
reprodução social é imprescindível, quando se pretende apreender algumas das
dimensões mais importantes do ser social”. (ANTUNES, 2002, p. 170)
Deve-se considerar que mesmo quando a alocação do uso do
tempo das pessoas é feita sob um constrangimento social, é possível adquirir
graus diferenciados de autonomia para lidar com esse constrangimento e também
para tentar transformá-lo. O que chamo de constrangimento está relacionado à
dominação ideológica, à falta de meios materiais, à subjetivação da dominação, à
coerção pela violência etc.
Partindo da elaboração sobre vida cotidiana em Lefebvre (1958,
1961, 1972), Martins (2000) coloca que, para o primeiro, a pobreza tem um
significado bem diverso da concepção limitada de pobreza material que era
característica da época de Marx.
A pobreza é pobreza de realização das possibilidades criadas pelo próprio
homem para sua libertação das carências que o colocam aquém do
possível. Numa sociedade e num tempo de abundâncias possíveis, inclusive
e especialmente abundância de tempo para desfrute das condições de
humanização do homem, em que a necessidade de tempo de trabalho é
imensamente menor do que era há um século, uma das grandes pobrezas é a
pobreza de tempo (MARTINS, 2000, p. 104).
Em um mundo globalizado, sobre o qual se diz transformado na relação
da organização do seu tempo social pela tecnologia, que permite deslocamentos cada
vez mais rápidos, comunicação imediata entre pessoas em qualquer país do mundo,
71
aceleração do grau de produtividade etc., é importante explorar como campo de
estudo a persistência dos tempos sociais marcados pela lógica da desigualdade, ou
melhor, como o emprego da tecnologia refaz essa lógica para atender às exigências do
desenvolvimento econômico ditadas pelo processo de globalização.
O desenvolvimento tecnológico não tem possibilitado a liberação
de tempo livre para “a classe que vive do trabalho”. (ANTUNES, 2000) Nem
tampouco tem garantido melhoria nas condições reais do trabalho para a grande
maioria da população. Para isso são necessárias políticas públicas que garantam
que as tecnologias sejam utilizadas em benefício, não somente da sofisticação
dos produtos e do aumento da produtividade, mas sobretudo em benefício da
cidadania para a classe trabalhadora. De acordo com a OIT (2007), para os jovens
na América Latina o cenário atual exige a implantação de políticas públicas
que garantam que o conhecimento sobre as tecnologias aliado a outros fatores
possam de fato garantir outra maneira de inserção no mercado de trabalho. A
entidade acrescenta que “há um cenário favorável para a juventude que deve ser
aproveitado, para isso, são necessárias políticas que abram oportunidades para
todos, facilitando a difusão massiva e inclusiva do conhecimento produtivo e das
novas tecnologias”. (OIT, 2007, p. 25)
As políticas públicas para engendrar novas relações entre trabalho
e cidadania devem ser consideradas como uma forma de se contrapor à lógica dos
modelos de desenvolvimento que prevalecem na região e mundialmente, os quais
utilizam o avanço tecnológico como elemento de poder e exploração. Lefebvre
(1958) já colocava em questão que “o mesmo período que viu o desenvolvimento
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estupendo das técnicas aplicadas à vida cotidiana viu também uma, não menos
estupeficante, degradação da vida cotidiana para as grandes massas humanas”.
(LEFEBVRE, 1958, p. 15). No contexto atual o desenvolvimento das tecnologias para
os mais variados fins serve não só para manter, mas também para elevar a um
grau antes impensável, a hierarquização entre produção x reprodução. Os usos da
tecnologia como meio para explorar e dominar têm levado a uma realidade na qual
trabalhadores/as são descartados/as, a natureza é ameaçada, animais e plantas são
produzidos nos laboratórios. Assim a vida e as formas de resistência no cotidiano
ficam ainda mais difíceis, sobretudo quando o tempo da existência é tragado pela
exploração do tempo do trabalho.
Regra geral, ou a pessoa está no mercado de trabalho com muito
mais comprometimento do seu tempo ou está totalmente fora dele, sem nenhum
controle sobre o seu tempo e sem possibilidade de usufruir o tempo liberado das
ocupações chamadas de produtivas. Porque alguém sem recursos financeiros
perde sua autonomia de decidir sobre sua participação na vida social. Muitas
vezes, a própria liberdade de ir e vir fica comprometida. Por exemplo, como
todas as possibilidades de deslocamento nas cidades e no campo, e entre esses
espaços urbanos e rurais são realizadas através de meios de transporte privados,
portanto dentro da esfera das relações mercantis, há necessidade de ter dinheiro
para circular em qualquer dimensão – dentro do território local e do território
mundial. O desemprego, que significa a falta de uma renda para viver, quando por
longo período e/ou sem proteção social, produz um processo de desagregação
que coloca o sujeito em descompasso com um cotidiano marcado pela inserção
no mercado de trabalho.
73
Na América Latina há um abismo entre a vida cotidiana e a história,
pois a conquista de direitos e os avanços no processo de democratização política
ainda não se expressam de maneira concreta no cotidiano da maioria da população.
Um processo de transformação que leve à emancipação dos sujeitos, garantindo
a igualdade com justiça social, requer também a construção de concepções
que possam levar em conta a pluralidade das experiências nesse continente,
que reconheçam a experiência dos povos originais dessa terra como sujeitos
fundamentais para construção de outras formas de desenvolvimento que levem a
um outro mundo possível no continente.
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SUSTENTABILIDADE e TRABALHO
Texto escrito em abril de 2011 por Kjeld Jakobsen, presidente do Instituto
para o Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais –
Idecri.
Introdução
Neste momento em que vários países da América Latina retomam
uma fase de expressivo desenvolvimento econômico, político e social, faz-se
necessário discutir também o papel e a inserção do trabalho nesse processo, pois
as considerações conservadoras que, inclusive, permeiam os meios de comunicação
em nosso continente, praticamente só se referem a ele como fator de maior ou
menor competitividade.
Sem dúvida, essa abordagem conservadora defende a redução
do custo do trabalho como fator de aumento de competitividade produtiva; os
mecanismos para isso usualmente defendidos no plano legal são a flexibilidade
contratual, terceirizações e subcontratações, redução ou eliminação de contribuições
previdenciárias e outras, eliminação de indenizações de qualquer espécie e assim
por diante. Já no campo da ilegalidade verificamos a ocorrência de várias situações
como: violação do direito à liberdade de associação, da contratação coletiva e do
direito de greve; utilização de trabalho infantil e escravo ou análogo; pagamento
77
de salários inferiores para as mulheres; inobservância de medidas elementares de
proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, entre outras.
Portanto, para discutirmos um novo modelo de desenvolvimento
sustentável com dimensão social e ambiental, é necessário discutir também o papel
do trabalho, pois, além de sua relação com a dignidade da pessoa e com os direitos
humanos, do ponto de vista de desenvolvimento econômico, o mercado interno
de nossos países pode ser fortalecido pela contribuição do trabalho assalariado.
Ele promove o crescimento econômico e gera mais empregos, podendo assim se
estabelecer um círculo virtuoso.
Porém, para que isso ocorra da melhor maneira, é necessário que haja
empregos em quantidade e de qualidade, bem como uma adequada distribuição
de renda – e isso não acontece por si mesmo. Cabe às forças progressistas de
nossas sociedades lutar para realizá-lo, e elas têm de fazê-lo em uma conjuntura
muito diferente daquela que permitiu à aliança entre sindicatos e partidos
socialistas conquistar um “estado de bem-estar social” durante o paradigma de
desenvolvimento que perdurou entre os anos 1950 e 1970 nos países desenvolvidos.
É a temática que este texto explora a partir da discussão sobre a
sustentabilidade do trabalho na atualidade, identificando em primeiro lugar as
transformações de paradigmas ocorridas a partir dos anos 1970 e seus impactos
sobre o mercado de trabalho, para depois apontar algumas iniciativas que podem
enfrentar as consequências negativas dessas mudanças, principalmente, a partir
dos sindicatos e outros atores sociais.
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A “herança maldita” e seus impactos
O paradigma econômico neoliberal apoiou-se em três fatores
importantes que foram a globalização dos mercados, a integração econômica e a
redução da presença do Estado na economia. Os três, em maior ou menor grau
impactaram o trabalho do ponto de vista da quantidade e qualidade dos empregos.
Em primeiro lugar, a liberalização comercial estimulou a
busca do crescimento econômico com base em exportações e o aumento de
competitividade das empresas. A priorização do comércio exterior negligenciou o
fortalecimento dos mercados internos e a busca da competitividade no mercado
global se deu por meio da redução de custos trabalhistas, deslocamento geográfico
de empresas, pulverização e descentralização das cadeias produtivas globais e
subcontratações, entre outros fatores. Todos esses elementos contribuíram para
a perda de postos de trabalho e degradação dos empregos, particularmente nos
países em desenvolvimento.
A integração econômica, em segundo lugar, por meio da criação
de zonas de livre comércio e eliminação de barreiras comerciais, visou ganhos de
escala na produção e ampliação do número de potenciais consumidores em nível
supranacional. No entanto, ao concentrar a produção em menor número de plantas
e não ampliar o número de pessoas com capacidade de consumo no nível nacional,
foi também um fator de redução de empregos.
79
A redução da interferência do Estado na economia também
diminuiu postos de trabalho e piorou as condições laborais, principalmente, nas
empresas estatais que foram privatizadas como parte dessa política. A maioria
delas passou por reduções do quadro de empregados superiores a 50% e a
substituição de muitos deles por trabalhadores terceirizados, que ganham menos
e trabalham sob piores condições.
Por fim, transversalmente a esse quadro, ocorreram reestruturações
produtivas decorrentes da implantação de novas tecnologias e métodos de
trabalho que dispensaram mão de obra. Além disso, as políticas governamentais
impulsionadas pelo neoliberalismo favoreceram a eliminação de uma série de
direitos trabalhistas.
O resultado desse processo é uma profunda desvalorização do
trabalho enquanto valor humano e a banalização da violação dos direitos inerentes
a ele. Para alguns teóricos neoliberais, a informalidade do trabalho, sem proteção e
por conta própria chegou a ser valorizada como a “libertação das amarras do Estado”,
embora, principalmente durante os anos 1990, ele tenha servido no essencial como
um “colchão” precário de amortecimento das consequências sociais das perdas de
postos de trabalho no mercado formal de trabalho. A OIT calcula que para cada dez
novos empregos criados naquela época na América Latina, sete eram informais.
Outro aspecto refere-se às reformas da previdência social, aliás,
já de limitado alcance na América Latina, pois ela beneficia praticamente só os
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trabalhadores com contratos formais de trabalho. Os empresários pressionam
tenazmente para reduzir suas contribuições, os governos buscam mecanismos para
lidar com o aumento da expectativa de vida da população e o custeio da previdência
– e os trabalhadores perdem a perspectiva de proteção à velhice.
Há ainda dois aspectos das transformações estruturais do mercado
de trabalho a serem mencionados: as alterações setoriais na economia e a
excessivamente alta rotatividade de mão de obra.
O número de trabalhadores na agricultura e na indústria declinou
e os empregos no setor de serviços, bem como no trabalho informal cresceram.
Entretanto, em alguns países como China e Coreia do Sul, o peso da indústria na
economia encolheu, mas se estabilizou, enquanto em outros, como o Brasil, o
declínio da indústria continua.
A rotatividade de mão de obra tem se mantido cronicamente
em torno de 40% na maioria dos países da América Latina devido ao uso do
ajuste de contratações/demissões como fator de aumento de produtividade
e competitividade. É um fator a ser enfrentado, até mesmo para atender a
demanda atual pela contratação de mão de obra mais qualificada e responder
ao discurso da necessidade de investir em capacitação profissional. Porém,
quem investirá no treinamento de trabalhadores que serão demitidos antes de
concluir um ano de serviço?
81
Tudo isso alterou o perfil do “camponês e operário” clássico, bem
como sua força política responsável pelas transformações sociais na segunda
metade do século XIX e no século XX. Hoje eles foram, de certa forma, substituídos
por servidores do setor privado e do Estado, bem como pelos trabalhadores
informais que incluem os setores sociais que Marx classificou de “lumpesinato”.
Essas mudanças são importantes e devem ser consideradas no desenho estratégico
do movimento social e sindical para enfrentar suas consequências.
É importante assinalar também algumas particularidades inseridas
nesse contexto, como, por exemplo, o perfil do desemprego. De acordo com os
dados da pesquisa Cepal/OIT sobre taxas de desemprego na América Latina entre
2009 e 2010, veremos que houve um ligeiro recuo do desemprego no continente.
Porém, as taxas ainda se situam entre 7,0% e 12,0% na maioria dos países, o que
está longe de representar pleno emprego, mesmo com os recentes indicadores
favoráveis de crescimento econômico. Além disso, em todos os países da região
o desemprego é sempre mais alto entre as mulheres. Na Colômbia, por exemplo,
a taxa de desemprego dos homens em 2010 foi em média 9,4% para os homens e
16,0% para as mulheres.
No Brasil, esta diferença é de 5,5% para os homens e 8,9% para as
mulheres. Neste país há também outros dados ilustrativos levantados pelo Ipea
sobre as iniquidades na distribuição do trabalho: a maioria dos desempregados é
jovem e pobre; a maioria dos homens que nunca procuraram emprego também é
jovem, enquanto 88% das pessoas que nunca procuraram emprego são mulheres;
45% dos desempregados procuram trabalho há mais de seis meses, enquanto 25%
o fazem por mais de um ano.
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Quanto ao mercado de trabalho informal, verifica-se que o risco de
ser absorvido por ele aumenta para os trabalhadores com menos de 24 anos ou
para os maiores de 40, bem como para as mulheres, negros e pessoas de baixa
escolaridade. O risco aumenta quando há combinações destes fatores. O impacto
socioeconômico da informalidade é grave, pois a renda média dos trabalhadores
informais é menor do que a dos formais, na melhor das hipóteses, porque eles
não recebem 13º salário, gratificação de férias e salário educação. Enquanto,
no Brasil, 95% dos trabalhadores formais contribuem para a previdência social,
somente 32% dos informais o fazem.
Portanto, o desenvolvimento sustentável requer um mercado de
trabalho igualmente sustentável e que na América Latina em geral e no Brasil
em particular não pode ser considerado como tal. Isso precisa ser enfrentado, e
para tanto propomos duas vertentes de atuação: medidas para desenvolvimento
econômico sustentável e atuação política dos trabalhadores.
Propostas para o desenvolvimento sustentável
Em primeiro lugar, uma articulação adequada entre mercado
externo e interno e o estabelecimento de iniciativas para integração econômica
com enfoque geopolítico que permitam aos países da América Latina influenciar
a governança global, particularmente o controle do sistema financeiro mundial,
83
bem como estabelecer um viés de complementação econômica e de promoção de
cooperação internacional que priorize países e regiões mais vulneráveis.
É necessário ampliar os gastos com políticas sociais. De acordo com
estudos do Ipea, para cada 1% do PIB gasto com essa rubrica no Brasil, corresponde
um aumento de 1,85% na renda familiar. Além disso, a ampliação de políticas públicas
gera mais empregos com o atendimento à saúde, educação, habitação, proteção
aos idosos e à infância, entre outras. Entre elas, inclui-se a preocupação com a
melhoria da educação pública, até para aprimorar a qualificação profissional.
A reforma agrária ainda é um fator de desenvolvimento, justiça social
e geração de empregos na maioria dos países latino-americanos. Soma-se a ela a
importância da promoção do empreendedorismo urbano por meio de pequenas e
médias empresas, economia solidária e cooperativismo.
Por fim, essa plataforma deve ser articulada com medidas de
redução da emissão de gases que provocam o aquecimento global do planeta por
intermédio da transição de uma economia com base em fontes de energia fósseis
para uma economia ambientalmente sustentável. Nesse sentido, entre outras
medidas é necessário buscar fontes de energia renováveis e investir na geração de
“empregos verdes” que podem ser ampliados num primeiro momento por meio
da produção e manejo florestal, geração e distribuição de energias renováveis,
reciclagem de materiais, recuperação de áreas ambientalmente degradadas,
incentivos ao ecoturismo, produção de meios de transporte alternativos como, por
exemplo, o carro elétrico, entre outros.
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Propostas para os sindicatos e outros atores sociais
Ao movimento social e sindical cabe o papel junto com os partidos
políticos progressistas de ampliar a disputa pelo controle do Estado, que pode assim
ampliar direitos, distribuir renda e promover uma previdência social inclusiva,
além de políticas públicas setoriais que deem conta das necessidades de grupos
minoritários como indígenas, quilombolas e outros.
No caso específico dos sindicatos, estes deverão tomar em conta as
transformações de paradigmas do mundo do trabalho, pois apesar da mudança de
perfil da classe trabalhadora, o movimento sindical ainda se apega ao modelo de
organização da era “fordista” da existência de milhares de trabalhadores no interior
de um mesmo local de produção. Dificilmente esse modelo de organização sindical
responderá com eficiência à organização de trabalhadores informais na atualidade,
pois estes estão dispersos em termos geográficos e suas reivindicações não são
necessariamente as mesmas dos trabalhadores formais, além de não possuírem
um “patrão” a quem apresentá-las e negociar soluções.
Por fim, uma referência importante para a luta por melhores
empregos é a agenda do trabalho decente da OIT. Esta é composta pelo respeito aos
direitos fundamentais de trabalho previstos em Convenções da OIT, remuneração
adequada, acesso à previdência social e promoção da segurança no trabalho,
não apenas física como também psicológica, no sentido de haver estabilidade no
trabalho e isenção de assédios de qualquer tipo.
85
Conclusão
O que buscamos com esta discussão é levantar a necessidade da
introdução de novo paradigma e modelos de desenvolvimento que tenham como
centro a valorização do trabalho. Isso significa tão simplesmente defender a
recuperação do papel social das empresas, constatando que elas devem entregar
bens, trabalho e renda para a sociedade e não se voltar exclusivamente para a
geração de lucros para seus proprietários. Dessa forma, é igualmente inaceitável
a existência de um sistema financeiro mundial sem qualquer controle que
desestabiliza economias nacionais por meio da especulação, gera altíssimos ganhos
para poucos e não produz um único posto de trabalho.
Com essas afirmações não estamos fugindo do debate sobre maisvalia, lucro e transformações político-sociais que são importantes, mas tão somente
tentando responder a uma questão de interesse imediato.
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Rio+20, Economia verde e governança
do desenvolvimento sustentável:
desafios associados às políticas públicas e
construção de um mundo justo e saudável.
Texto de Rubens Harry Born, coordenador adjunto do Vitae Civilis – Instituto
para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz, com base em palestra
realizada em 22/02/2011 para participantes da II Escola de Verão para
Juventudes Políticas da FES – Fundação Friiedrich Ebert, em Itapecerica da
Serra, SP. Contatos: www.vitaecivilis.org.br e [email protected]
...Vivemos sob a hegemonia de um modelo de
desenvolvimento baseado em relações econômicas
que privilegiam o mercado, e usam a natureza e os
seres humanos como recursos e fontes de renda........
Todos os seres, animados ou inanimados, possuem
um valor existencial intrínseco que transcende
valores utilitários, por isso, a todos deve ser
garantido o direito à vida, à preservação, à proteção
e à continuidade.
Compromisso ético das ONGs para uma atitude e
conduta ecológica global, Fórum Internacional de
ONGs e Movimentos Sociais, 1992
O debate sobre o que possa significar economia verde não pode ser
feito independentemente do debate sobre arranjos e transformações políticas e
culturais que estruturam a forma como os seres humanos, em suas comunidades
e nações, se governam e se relacionam entre si e com o ambiente em que vivem.
87
Economia verde, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade e governança são
termos, entre vários, com possíveis interpretações diversas mas que exigem uma
perspectiva mais ampla do contexto presente, marcado pelo legado da história
humana, e focado em um futuro mais justo e saudável.
De início, quero deixar claro que os termos acima se referem
a conceitos politicamente construídos e em construção, que são usados com
diversos propósitos. Nesse processo, incumbe às pessoas e organizações que
lidam com a transformação, formulação, gestão ou monitoramento de políticas de
desenvolvimento e com a democracia, as iniciativas de aportar ao debate quais
sejam suas perspectivas, princípios e critérios, uma vez que a ausência nesse diálogo
e disputa pode significar a consolidação de visões que tem maior penetração nos
sistemas institucionais e econômicos vigentes, mesmo não sendo mais justas e
socioambientalmente mais adequadas.
Esse texto, associado à apresentação realizada, busca enquadrar o
debate sobre economia verde no processo da Rio+20, por um lado, e nos desafios
da construção da sustentabilidade e governança.
A RIO+20
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável em 2012, a Rio+20, foi decidida pela Assembléia Geral da ONU que
em dezembro de 2009, aprovou a Resolução A/RES/64/236, com base em uma
proposta do Brasil, formulada em decorrência de um desafio lançado pelo então
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Presidente Lula na ONU ainda em 2007: o de se promover os arranjos institucionais
globais adequados para a superação da pobreza e miséria social e o enfrentamento
dos problemas ambientais, dentro de enfoques de equidade e justiça.
A Rio+20 não pode ser vista como uma mera conferencia sobre
os desdobramentos dos acordos da Cúpula da Terra, a Rio-92, nome pelo qual
ficou conhecida a Conferencia da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD ou na sigla em inglês UNCED). Nem se trata de um debate global sobre
questões ambientais somente. Se esperamos algum significado desse novo encontro
da ONU, ele certamente terá que estar associado a um amplo engajamento de
diversos grupos da sociedade em iniciativas voltadas às transformações de políticas,
fortalecimento e concretização de ações voltadas à fazer com que as atividades
econômicas observem rigorosamente preceitos de salubridade e equilíbrio
ambiental, de justiça social e de sistemas democráticos e pacíficos de convivência.
A Resolução da ONU que convoca a Rio+20 define três focos
temáticos:
• avaliação de progressos realizados no cumprimento dos
compromissos multilaterais adotados nos últimos 20 anos (ou seja,
inclui os compromissos internacionais da Rio-92 bem como dos
demais acordos nas Conferências sobre Desenvolvimento e suas
interfaces com direitos humanos, populações, bem-estar social,
igualdade de gêneros e papel das mulheres, habitat, cidades e
saneamento, segurança alimentar, etc que caracterizaram o Ciclo
Social de Conferências da ONU, culminando com os Objetivos e
Metas de Desenvolvimento do Milênio;
89
• economia verde no contexto de erradicação da pobreza e
desenvolvimento sustentável, e
• “arranjos institucionais para o desenvolvimento sustentável” (ou
seja, traduzindo a linguagem da ONU, a temática de governança
global sobre desenvolvimento sustentável).
A proposta apresentada pelo Brasil enfrentou, segundo diplomatas,
forte resistência de alguns países, especialmente industrializados, talvez por
que não tenham honrado com seus compromissos de cooperação internacional,
inclusive de mobilização de recursos financeiros, para investir em atividades de
desenvolvimento sustentável. A aprovação da realização da Rio+20 foi impactada
pelos efeitos da Conferência de Mudanças de Clima em Copenhague, em dezembro
de 2009, quando apesar da grande mobilização da sociedade civil, intensa cobertura
da mídia, reiterados anúncios de cientistas do agravamento do aquecimento
global, os líderes governamentais lá presentes fracassaram no estabelecimento de
um acordo ambicioso, justo e legalmente vinculante para lidar com as mudanças
climáticas. Há, assim, um indisfarçável temor de lideres governamentais, em
expor deficiências e resistências, intra-governamentais e de setores econômicos
específicos, para a implementação efetiva de medidas e políticas de alteração dos
sistemas e tecnologias de produção e consumo, de transição para economias que
sejam ambientalmente íntegras e socialmente justas.
O processo preparatório da Rio+20 é , entretanto, limitado e arriscado,
considerando que se trata de conferencia da ONU. A Assembléia Geral estabeleceu
a realização de 3 sessões anuais do Comitê Preparatório - PrepCom, com duração
total (das três) de oito dias. Há também a previsão de encontros regionais e reuniões
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
intersessionais na ONU,, sendo possível também o aporte de propostas sobre os
temas em debate que se originem dos diversos setores da sociedade.
Na primeira reunião preparatória da Rio+20, em maio de 2010, ficou
claro que não há, e talvez jamais haverá, consenso sobre o que pode significar a
expressão “ou “Green economy”, cuja mera tradução “economia verde” talvez não
indique que as abordagens devem incluir outras dimensões além da ambiental na
gestão da economia. Há múltiplas interpretações, com justificadas argumentações
que expõem visões diferenciadas: desde ajustes para a manutenção do sistema
econômico atual, o que gerou questionamentos de riscos de “green washing” e de
perpetuação das iniqüidades sociais e mazelas ambientais do capitalismo do século
XXI, até correntes que vem a expressão mais como uma forma de comunicação
com públicos especiais, progressistas, abertos e dispostos a se aventurar no
caminho da economia socialmente e ambientalmente sustentável para sociedades
inclusivas e democráticas.
Ora, nesses quase 20 anos desde 1992 foram incipientes, precárias
e frágeis, se formos otimistas, as ações da transição prometida pela Rio-92
para sociedades sustentáveis, qie deveriam estar consistentes com o uso dos
cinco instrumentos então aprovados: a Convenção de Diversidade Biológica, a
Convenção Quadro de Mudanças de Clima, a Agenda 21, a Declaração do Rio de
Janeiro sobre Desenvolvimento Sustentável e a Declaração sobre Conservação
e Uso de Florestas. Obviamente, dita transição não será obtida somente com a
efetiva implementação desses acordos, sendo as convenções e seus protocolos de
cumprimento obrigatório. Outras conferências da ONU nos anos 1990 abordaram
desafios relevantes para a consecução de sociedades justas e sustentáveis: a
91
segurança social, a habitação e gestão dos assentamentos humanos, a segurança
alimentar e a agricultura, a igualdade e relação de gêneros, entre outros. Os
Objetivos e Metas de Desenvolvimento do Milênio (ODM), uma tentativa da ONU,
no ano 2000, de sintetizar, de forma pedagógica e prática, os principais desafios do
desenvolvimento humano até 2015 identificados naquelas conferencias, também
não tem servido de guia essencial para políticas públicas e ações empresariais, ou
sequer são de conhecimento generalizado por gestores locais e pela população.
Economia verde, sustentabilidade e governança
É importante enfatizar que nossas visões de mundo
não são somente abstrações sociais, mas são
especialmente a corporificação da compreensão
de nossos interesses próprios no mundo. A
transformação das políticas civilizatórias requererá
a transformação das condutas políticas de cada
ser humano. Curar o planeta e curar nós mesmos
são partes indispensáveis de um mesmo processo
restaurador. Jeremy Rifkin, Biosphere Politics (1991)
O debate sobre sustentabilidade, economia verde e governança
requer abordagens sistêmicas e cenários de curto, médio e longo prazos, para o
enfrentamento dos desafios da civilização humana em sua interação com o planeta.
Entretanto, os debates desses termos por vezes é levado e ou
limitado por idiossincrasias, intencionalidade política ou intelectual, entre outras
razões, a evidenciar a dimensão ambiental quase que exclusivamente. Certo é
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
que atingimos, como civilizações humanas, graus elevados de degradação dos
processos e bens ecossistêmicos que sustentam a vida no Planeta, como foi
alertado pela ONU no estudo Avaliação Ecossistêmica do Milênio, e portanto, os
limites e a resiliência ambiental dos territórios e dinâmicas planetárias devem ser
fortemente considerados. O aquecimento global e seus impactos são fenômenos
que evidenciam a urgência e a gravidade da interferência antrópica na capacidade
de suporte de manutenção da Vida.
Como dito em outro trabalho (BORN, 1998), “a classificação e
conceituação de preocupações globais (global concern) para determinados
problemas ambientais permitiu alçar alguns deles à agenda global e à cooperação
multilateral sem que fossem ampliados os limites dos efeitos ou das múltiplas
causas (isentando assim, em parte, diversos atores estatais – notadamente
países industrializados e empresas transnacionais – das responsabilidades sobre
as causas). Classificar como “global concern” permitiu também driblar os receios
de países em desenvolvimento quanto à flexibilização e ataque aos preceitos de
soberania nacional. Essa categoria (global concerns) decorreu, em parte, da reação
de países em desenvolvimento e setores conservadores à noção de patrimônio
comum (global commons) da humanidade, seja aplicada a elementos naturais e
ecossistemas é defendida por muitos.
Vinte anos depois da Rio-92 e quarenta anos depois de Estocolmo,
busca-se agora, ainda mais depois das crises econômico-financeira do período final
da primeira década do século XXI, fazer da “economia verde” o novo desafio da
preocupação global (global concern).
93
Não obstante, temas e problemas ambientais, incluindo-se as
questões de mudanças ambientais globais, que foram incorporadas à agenda
ambiental global (multilateral) definiram, historicamente, o marco do processo
da Rio-92 a partir do legado de Estocolmo, incidindo também sobre as diversas
abordagens e percepções que nos conduzem à Rio+20, por um lado, e formaram
o substrato do que se convencionou denominar de política ambiental global,
por outro lado. Consagram visões limitadas do desenvolvimento sustentável,
em suas dezenas de conceituações e perspectivas, que tendem a reduzir os
desafios da sustentabilidade à dimensão ambiental, como que para manter,
eventualmente, o sistema político e econômico predominante mediante algum
alívio dos problemas sociais.
Nas últimas quatro décadas, desde a Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, percebeuse a significativa ampliação do debate sobre os dilemas a civilização humana
em sua relação com o planeta e a base da Vida, especialmente no tocante aos
impactos associados aos sistemas econômicos e políticos vigentes no século XX.
Os desafios aflorados pela degradação ambiental em todo o planeta evidenciaram
também as mazelas sociais decorrentes de modelos de desenvolvimento e
sistemas políticos que, apesar da eventual retórica, reproduzem nefastas
conseqüências ainda que ao lado de resultados de bem-estar e maior qualidade
de vida para milhões de pessoas.
No Relatório Nosso Futuro Comum, divulgado em 1987, a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Comissão Brundtland, criada em 1982 para avaliar os resultados e obstáculos à
consecução das propostas de Estocolmo-72, afirmou-se que “ meio ambiente e
desenvolvimento são inseparáveis” e que há uma única crise, a crise do modelo de
desenvolvimento, que está subjacente às crises (de então) econômica, financeira,
social e ambiental.
Ora, considerando então que os problemas ambientais ou sociais
são problemas de desenvolvimento a solução dos mesmos passa mais por novas
abordagens e arranjos políticos, institucionais e sociais do que somente pela
eleição de determinadas tecnologias, aporte de recursos financeiros ou execução
de programas compensatórios nas áreas sociais e ambientais como estratégias
imediatas úteis para enfrentar problemas urgentes. De fato, as tecnologias, se
bem que representem a formidável capacidade criadora do homem, não estão
desvinculadas de certos paradigmas culturais e políticos; a alocação de recursos
financeiros adicionais não significa necessariamente mudanças fundamentais nos
fatores institucionais, legais e tecnológicos que permeiam aqueles problemas. A
solução da crise humano-planetária, e, por conseguinte dos graves problemas sociais,
de saneamento e saúde ambiental, passam por profundas mudanças de estratégia e
abordagem das atividades do ser humano, de suas comunidades e nações.
De fato, como afirmou a presidente da Comissão das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gro Harlem Brundtland, “o
meio ambiente não existe como uma esfera desvinculada das ações, ambições
e necessidades humanas, e tentar defendê-lo sem levar em conta os problemas
humanos deu à própria expressão meio ambiente uma conotação de ingenuidade
95
em certos círculos políticos. Também a palavra desenvolvimento foi empregada por
alguns num sentido muito limitado, como o que as Nações pobres deviam fazer
para se tornarem mais ricas”.
Falar em economia verde, portanto implica, em certo grau, em avaliar
em que medida logramos fazer a vida econômica respeitar as limitações ambientais
e os aspectos de justiça social. Situações de crise financeira, como a iniciada em 2008
atingindo diversos países, deveriam servir como oportunidades para redirecionar as
políticas e práticas econômicas, para disseminar tecnologias, para inovar referencias
institucionais e efetivamente considerar compromissos já assumidos para colocar o
planeta em uma rota mais segura. Dezoito anos desde a Rio-92 já nos mostraram
que o mundo caminha para um agravamento do aquecimento global e mudanças
climáticas, uma desenfreada perda de biodiversidade e de serviços ambientais
(como fertilidade dos solos, renovação da produção de água, polinização, etc) dos
ecossistemas, colocando em risco a estabilidade das economias e das sociedades
em diferentes proporções ao redor do mundo.
Por isso, o segundo tema da Rio+20 não é menos importante:
governança do desenvolvimentos sustentável. Vejam bem, o debate não será
limitado à governança ambiental (se bem que a Rio+20 bem que deveria produzir
avanços institucionais concretos nessa área, para a qual também já se vão mais de
20 anos de debates, inclusive sobre criação de uma Organização Mundial do Meio
Ambiente ou um fortalecimento do PNUMA – Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente). Se tomarmos como um ponto de partida o modelo, ingênuo e
simplista em demasia, de que os desafios do desenvolvimento sustentável podem
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
ser equacionados mediante o equilíbrio dos “pilares econômico, social e ambiental”,
então a governança teria que ser governança sobre a dimensão econômica e sobre
as políticas e direitos sociais também.
Entendo que governança, em sentido mais amplo, refere-se à
capacidade das pessoas e das organizações da sociedade, mediante o uso de
instrumentos e sistemas da democracia, definir o rumo do seu desenvolvimento e,
portanto estar em condições de exercer controle sobre políticas públicas e sobre a
dinâmica econômica.
A construção de governança global ou local requer atenção para os
seguintes requisitos:
• Mecanismos de acesso à informação e à formação
• Formas e papéis da participação de cidadãos e organizações
• Mecanismos de gestão e controle das políticas e da economia
• Direitos e instrumentos de defesa de cidadãos
• Deveres e princípios
• Efetividade e eficiência na promoção do bem-estar humano e
ambiental
97
Nessa perspectiva (e do ponto de vista das organizações da
sociedade civil e dos movimentos sociais) a governança deve ser construída
em distintos “espaço(s) e tempo(s) das políticas, das ações e da construção das
“vontades sociais”:
1. espaço (das atribuições) do Estado e Poder Público
2. espaço público, não estatal (“cidadania”)
3. espaços da vida econômica (empresas, consumidores, sindicatos, etc)
4. espaços da vida privada (indivíduos , família, comunidades)
No campo dos debates sobre “economia verde”, ressalto aqui alguma
das questões relevantes no contexto de erradicação da pobreza e promoção do
desenvolvimento sustentável e do processo da Rio+20:
• Devemos buscar um consenso sobre o que é a economia “verde
e inclusiva” ou melhor será identificar princípios gerais e agenda
comum entre diversas percepções sociais sobre o tema?
• Quais podem ou devem ser os princípios centrais de uma
Economia verde e inclusiva?
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
• Como ela contribui para a formação de empregos decentes
e associados a atividades econômicas ambientalmente
sustentáveis? (empregos verdes e decentes, sejam novos
postos de trabalho ou resultantes de uma justa transição de
empregos atuais).
• O que já existe no país em termos de demonstração dos princípios
e práticas da economia verde e inclusiva e que, por isso, deveria
ser protegido, replicado ou usado como fonte de aprendizado?
• Como podemos fazer a transição (política, tecnológica, cultural)
para a economia verde e inclusiva?
• Que medidas são necessárias para acelerar estratégias para isso?
• Quais são as oportunidades e os desafios para a economia
verde? Quais são os riscos de uma transição longa demais, que
desconsidera os problemas emergentes, inclusive os associados
aos impactos das mudanças climáticas?
Entendemos que organizações da sociedade civil, movimentos sociais,
sindicatos, grupos de defesa de consumidores, de minorias e de populações indígenas
não podem ausentar-se dos debates sobre economia verde e inclusiva, solidária, sob
pena de permitir que atores que se beneficiem dos modos insustentáveis de produção
e consumo tenham maior voz na definição das políticas e da economia, seja na Rio+20
seja na governança do desenvolvimento humano em nossos países.
99
Como parte de nossa contribuição a esse debate, buscamos (no
Vitae Civilis e com diversos parceiros) fomentar diálogos que nos permitam
identificar uma agenda essencial para construção de economia verde e inclusive,
que observe os seguintes desafios:
• Garantir políticas públicas para a inclusão econômica a partir
de enfoques de justiça social, dignidade de vida, diversidade
cultural, integridade ambiental e processos democráticos
• Relacionar governança da economia verde e inclusiva
com transição justa (demandas dos sindicatos), e urgente
enfrentamento eficaz (soluções e políticas efetivas) para os
desafios ambientais (ex: mudanças de clima, saneamento, etc) e
de erradicação da pobreza globais
• Lidar com riscos de foco exclusivo em soluções de mercado, que
enfraquecem o papel de políticas públicas e da sociedade em
Estados de Direito Democrático.
• Evitar e mitigar o “Green washing” (maquiagem verde)
No seminário “Diálogos Nacionais – Rumo à Rio+20”, realizado pelo
Instituto Vitae Civilis em novembro de 2010 em São Paulo, como parte da iniciativa
global da Green Economy Coalition, foram discutidos os elementos centrais
para composição de um quadro referencial reunindo diferentes perspectivas e
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
desafios para a Economia Verde no Brasil. Esse quadro está sendo usado como
instrumento para subsidiar debates regionais e temáticos em 2011, bem como
para a articulação de iniciativas visando acelerar a transição do país rumo a esse
novo paradigma, valendo-se da Rio+20 como mais uma oportunidade de ampliar
o debate público sobre os temas.
Na fase preparatória de tal seminário entendeu-se que a expressão
“Economia Verde e Inclusiva” seria mais apropriada para transmitir a noção de que
a dimensão social deve sempre somar-se à dimensão ambiental, a que usualmente
remete o adjetivo “verde”. Mas, uma vez que no processo da Rio+20 a expressão
economia verde vem sendo usada e contextualizada nos objetivos de erradicação
da pobreza e construção do desenvolvimento sustentável, foi sugerido continuar
a valer-se de tal expressão, mesmo que conferindo a ela visões mais largas que
possam ser conferidas por alguns segmentos.
Na perspectiva então adotada pelo Vitae Civilis, entendeu-se
que promover o uso da expressão mais completa daria margem a confusões
e dificuldades de comunicação ao, por exemplo, estabelecer uma suposta
diferenciação entre a “Economia Verde e Inclusiva” e a Economia, “apenas
verde”. Considerou-se, portanto, mais eficaz utilizar o termo “Economia Verde”
mas, ao mesmo tempo, disseminando a idéia de que esta pressupõe, sempre e
necessariamente, o aspecto social. Ressalta-se ainda que o uso deste termo não
implica em homogeneidade no entendimento dos diversos atores sociais quanto
às abordagens, critérios e estratégias para a transição a sistemas econômicos mais
social e ambientalmente sustentáveis.
101
No referido seminário foi ressaltado que “a transição da situação
atual para a economia verde (EV) não é um sistema binário (“verde” ou “não”) e
sim um processo gradual, no qual diferentes forças e iniciativas levam, de modo
mais lento ou mais rápido, na direção de uma “economia mais verde”. Devem ser
incentivadas as iniciativas mais rápidas e efetivas rumo a essa transição, e refreadas
as que trabalham no sentido oposto. Por “Economia” englobou-se o conjunto de
atividades e instituições envolvidas na produção dos bens e serviços demandados
pela sociedade, assim como os recursos (financeiros, materiais, humanos e
intelectuais) para isso alocados.
Os participantes do 1º. Seminário “Diálogos Nacionais para a Economia
Verde” usaram como um ponto de partida para os debates o seguinte entendimento
economia verde, que longe de ser uma formulação acadêmica,pretendeu dar bases
para um início de diálogo entre interlocutores de diversos setores (empresas,
governos, sindicatos, OSC – organizações da sociedade civil, etc):
“É a Economia que resulta em melhoria do bem-estar humano e equidade
social, ao mesmo tempo em que gera valor para a Natureza, reduzindo
significativamente os impactos e riscos sociais e ambientais e a demanda
sobre recursos escassos do ecossistema e da sociedade. Uma „Economia
Verde‟ se caracteriza pelo foco dos investimentos em atividades que,
visando tais resultados, aproveitam e potencializam o capital natural, social e
humano, considerando em suas decisões os limites do planeta e os interesses
sustentáveis da sociedade”.
Mas trata-se ainda de um conceito geral, muito amplo, e portanto
passível de interpretações e aplicações diversas. Para melhor enquadramento
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
foi proposto para sua aplicação prática um conjunto de princípios (Quadro I),
perspectivas e esferas (Quadro II). Tais sugestões e balizadores podem orientar
a avaliação se uma determinada opção (política , econômica, tecnológica, etc)
favorece ou cria dificuldades para uma transição rápida, justa e estruturante da
economia para bases da sustentabilidade.
Quadro I - Princípios: Atividades e instituições favoráveis à transição para a Economia
Verde se caracterizam por:
1. Contribuir para a construção de um sistema produção, distribuição e
consumo que promova o bem-estar humano de forma sustentável e equitativa, respeitando
os demais seres vivos e contribuindo para a integridade do conjunto de elementos e
processos ambientais do planeta;
2. Ter potencial para ampla assimilação pela sociedade envolvida e pelas
instituições e agentes do sistema produtivo, com aplicação efetiva a curto/médio prazo, ou
estruturando o longo prazo.
3. Levar em conta todos os fatores necessários ao funcionamento da
economia, valorando-os se necessário, porém sempre considerando trabalho humano,
ambiente natural e seres vivos não só como fatores de produção, mas como valores em si
mesmos, portadores de direitos e merecedores de respeito e proteção;
4. Visar não apenas a criação de riqueza, mas também sua justa distribuição,
evitando discrepâncias extremas e considerando as necessidades das gerações atuais, assim
como daquelas ainda por vir.
103
5. Criar uma economia voltada a maximizar a qualidade de vida e as
oportunidades para sucesso na busca da felicidade por todo ser humano, ao invés da mera
acumulação de bens ou de riqueza;
6. Promover processos de produção e disseminação do conhecimento,
potencializando a contribuição da educação, da ciência e das demais atividades culturais para o
estabelecimento de práticas, valores e aspirações sociais compatíveis com a sustentabilidade;
7. Proteger o respeito à liberdade/responsabilidade de escolha, opinião
e expressão, a democracia, o estado de direito, os direitos humanos e coletivos, e a
diversidade cultural, individual e biológica;
8. Fomentar sistemas de governo, organização social e regulação abertos
à efetiva participação da sociedade nos processos decisórios e na governança dos países,
dos mercados e de demais organizações, fortalecendo as políticas públicas e promovendo,
dentre outras práticas, a transparência, a responsabilidade e a integridade ética.
Fonte: Vitae Civilis (2011)
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A aplicação de tais princípios para economia verde tem, por outro
lado, que considerar seus efeitos e impactos - positivos ou negativos - em termos
do seu alcance e das esferas da organização social em que ocorrem. Os alcances se
dão no tempo, no espaço e nas relações sociais:
• Tempo, avaliando-os frente ao curto, médio e longo prazo;
• Espaço, avaliando-os nos âmbitos local, regional, sub-nacional,
nacional, global e virtual; e
• Relações, avaliando-os holisticamente, e considerando a
diversidade humana e da natureza.
As oportunidades de iniciativas para fazer a construção de economia
verde e inclusiva, bem como da governança dessa transição, ocorrem em cinco
esferas segundo os organizadores do seminário do Vitae Civilis, a saber:
• “Legislação e Políticas Públicas, abrangendo instituições e/
ou políticas criadas por meio do sistema legal/regulatório do
Estado, ou que dele dependem para se efetivar;
• Mercados, indo desde as atividades livres de compra e venda de
mercadorias, até os sofisticados sistemas de criação de moedas,
ativos e valores intangíveis, e de valoração de produtos, serviços
e outros bens derivados do meio ambiente ou do labor humano;
• Ciência, Tecnologia e Inovação, abrangendo os desenvolvimentos
na produção de bens e serviços, na comunicação, na gestão de
dados, nas ciências da Terra e do espaço, na agricultura, etc.;
105
• Gestão, abrangendo os modelos de organização, tanto nas
entidades de direito privado, quanto na esfera pública, incluída
aí a atividade política (evidentemente tangenciando a esfera da
legislação e das políticas públicas);
• Educação, Cultura e Comportamento, abrangendo aspectos
da sociedade não necessariamente explicitados ou expressos
através de códigos formais, mas que nem por isso deixam de ter
importância crucial na formação dos valores, opiniões, ações e
desígnios da sociedade.”
A Agenda 21 Brasileira, construída em processo de participação
social, relativamente inédito no período de 1998 a 2002, traz centenas de diretrizes
e propostas de ações para a transformação do desenvolvimento no Brasil, que
embora não rotulados então como “economia verde”, servem para demonstrar que
o debate já fora iniciado bem antes. As propostas da Agenda 21 estão distribuídas
em 21 objetivos prioritários agrupados em cinco blocos:
I - A economia da poupança na sociedade do conhecimento
II - Inclusão social para uma sociedade solidária
III - Estratégia para a sustentabilidade urbana e rural
IV - Recursos naturais estratégicos: água, biodiversidade
e florestas
V - Governança e ética para a promoção da sustentabilidade
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Com a aproximação da Rio+20, vale revisitar esse documento bem
como considerar as lições apreendidas com diversos outros processos participativos
de gestão e implementação de planos de desenvolvimento integrado e sustentável,
e perceber que o novo rótulo, embora traga novos desafios e riscos, é uma forma
distinta de lidar com problemas e compromisso já conhecidos para a promoção da
dignidade da Vida e da Paz.
Os desafios da transição para sociedades democráticas, justas,
ambientalmente saudáveis e multiculturais têm sido abordados por um amplo
conjunto de organizações não-governamentais, sindicatos e movimentos sociais que
lidam com temáticas diversas: organizações ambientalistas e de desenvolvimento, de
saúde, de erradicação do preconceito, de proteção de minorias e dos consumidores,
de monitoramento de políticas públicas e da atuação de órgãos internacionais, de
acesso a direitos, de cumprimento de acordos internacionais. Mais recentemente,
também representantes de outros setores da sociedade (empresariado, academia,
governos...) têm se debruçado sobre tais temas, isoladamente ou mesmo em
associações e outros formatos de atuação coletiva, passando a constituir-se, em
vários casos, como interlocutores ou aliados relevantes.
Mas todos esses desafios dependem de engajamento da sociedade,
para a construção, efetivação e consolidação de direitos e instrumentos
pertinentes à transição para e à consecução do ideário da sustentabilidade e da
democracia. O êxito da Rio+20 será função, portanto, do grau de mobilização
e articulação que distintos protagonistas e grupos da sociedade forem capazes
de realizar em torno daquele ideário, cujo esboço foi delineado na Rio-92 e nas
Conferencias da ONU subseqüentes.
107
Referencias Bibliográficas
BELINKY, Aron. Rumo à Rio 2012: considerações sobre a 1ª.
Reunião Intersessional preparatória. São Paulo, Vitae Civilis (relatório interno),
Fevereiro de 2011.
BORN, RUBENS H.: Governança e sustentabilidade: desafios para
todos. São Paulo, Vitae Civilis, 2007 (relatório interno).
BORN, RUBENS H.: Os regimes internacionais da Rio-92 (Agenda
21 e Convenções de Clima e de Biodiversidade): a participação de atores não
governamentais, novos valores e instrumentos para a gestão do desenvolvimento
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COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.
Nosso futuro comum. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1988.
RIFKIN, J. Biosphere Politics: A cultural Odyssey from the Middle
Ages to the New Age. San Francisco, Harper San Francisco, 1991.
Vitae Civilis.Quadro Referencial para a Economia Verde no Brasil:
Informe sobre o 1º. Seminário “Diálogos Nacionais – Rumo à Rio+20”, realizado em
novembro de 2010. São Paulo, Vitae Civilis, janeiro de 2011. www.vitaecivilis.org.br
e www.greeneconomy.org.br
2
ª
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Economia verde:
nova etapa da acumulação capitalista.
Texto escrito em abril de 2011 por Graciela Rodriguez, socióloga e
feminista, Coordenadora Global de IGTN – International Gender and
Trade Network e Coordenadora do Instituto EQUIT – Gênero, Economia e
Cidadania Global.
Comecemos perguntando: o que é a economia verde?
Como o próprio nome sugere, trata-se aparentemente da economia
que leva em consideração, ou que de alguma forma inclui, os custos provocados
pelo uso dos recursos naturais ou de maneira geral pela utilização da natureza na
produção capitalista de bens e serviços. Tratar-se-ia assim de dimensionar de forma
mais precisa os chamados custos ambientais, por longo tempo subvalorizados,
pois geralmente têm sido contabilizados apenas os custos de acesso e retirada
dos recursos naturais, já que estes fazem parte das vantagens comparativas de
um país ou região. Também aparentemente o conceito pareceria buscar formas
economicamente eficientes de preservação ou de uso o mais racional possível
dos bens naturais no processo produtivo. Entretanto, ainda seria possível dizer
que o conceito de economia verde não está completamente definido – aliás, nos
debates que vêm acontecendo nos últimos anos, alguns autores chegam a afirmar
que se trata de um conceito “em disputa” de significados. Porém fica claro que
ele se entende limitado ao âmbito da economia capitalista, ou seja, da economia
de mercado e do lucro. E é isso precisamente que, em nossa opinião, faz dele um
conceito que sugere algum grau de incompatibilidade na própria definição.
109
Sem a pretensão de sermos exaustivos, trataremos de explicitar
melhor essa mencionada contradição entre os conceitos de “economia” e “verde”
e as tensões conceituais que isso implica. Ainda sabendo que a tarefa excede os
limites modestos deste artigo, tomaremos alguns elementos que permitam analisar
criticamente a relação entre processo de produção capitalista e natureza, na
perspectiva de ir acumulando argumentos para a superação de uma visão funcional
e economicista entre essas dimensões. Também utilizaremos como base de análise a
perspectiva político-filosófica feminista na qual me localizo, que também reflexiona
sobre a relação do humano com o natural.
A noção de progresso na Modernidade
Buscando as ideias que fundam o pensamento econômico moderno,
percebemos que elas se baseiam na noção de crescimento infinito da produção
para satisfação das necessidades, processo que buscaria levar a humanidade ao
progresso permanente. Esta ideia do progresso está assim na base do pensamento
econômico liberal ou mercantilista que surge na Modernidade; entretanto,
ela também permeia as principais correntes de pensamento e as concepções
econômicas posteriores, incluindo as mais estatizantes e até as perspectivas e
propostas econômicas de cunho socialista. De fato, o progresso que é essencial no
pensamento de Ricardo, também o será para Keynes ou Marx. O que irá diferenciar
essas visões se encontra em questões tais como a propriedade dos meios de
produção, incluída a da forca de trabalho e o rendimento por esta criado, seja ele
expresso no ganho capitalista seja na mais-valia apropriada pelo capital ou no lucro
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
coletivamente distribuído nos regimes igualitários, mas em qualquer caso pouco se
liga para o valor designado à natureza.
Com a Modernidade assentaram-se as bases dos atuais modelos de
pensamento e das visões filosóficas que vieram influenciar os séculos seguintes.
Junto com essa noção de progresso, nossa cultura foi também moldada pelas
ideias da supremacia do homem sobre a natureza e da necessidade de superação
permanente dos limites desta última por meio da ciência e da tecnologia. Essa
ideia de supremacia implica concomitantemente a noção de subordinação do
“outro”, do diferente, do oposto num pensamento dicotômico ou dualista.
Nesse caso, a subordinação da natureza aos desígnios da autoridade humana,
de maneira semelhante àquela pela qual o pensamento patriarcal legitima a
subordinação das mulheres pelos homens. São duas perspectivas que têm se
generalizado e se tornado hegemônicas no mundo, permitindo todas as outras
formas de subordinação, base das diversas discriminações no interior do sistema
hierárquico capitalista, e cuja essência é semelhante à relação de subordinação
existente entre o homem e a natureza.
Assim, nessas análises econômicas e na visão de mundo que se cria junto
com a mencionada perspectiva do progresso a partir da instauração da Modernidade,
da mesma forma que não se incorpora a riqueza produzida pelas mulheres no seu
cotidiano trabalho doméstico, tampouco será levado em consideração o valor das
forcas e bens da natureza, e em particular sua existência finita.
111
A supremacia do humano
Tentando resumir alguns dos elementos que facilitaram a formação
do pensamento que sustenta essa supremacia do homem frente à natureza,
podemos dizer que ele se fundamenta em alguns aspectos apresentados a seguir.
O
pensamento
dual
ou
dicotômico
fundante
da
Modernidade. A perspectiva binária como método de pensamento, explicitada
no século XVII por Descartes no seu livro O Discurso do Método, é para muitos
fundante da Modernidade. A estrutura de dualismos opostos (tais como cultura/
natureza; homem/mulher; alma/corpo; razão/emoção etc.) está na base de
formação do pensamento moderno, sendo cada par do binômio ligado entre si por
relações de causa/efeito e, portanto, polo de uma ordem hierárquica.
A crítica contemporânea a esse tipo de pensamento tem mostrado
que ele impede ou dificulta as flexibilidades, interações, duplas ou múltiplas
causalidades ou até formas intermédias que cada vez mais identificam um
pensamento atual, capaz de incluir uma pluralidade de causas e interações entre
os conceitos. Ou seja, a perspectiva cartesiana e dualista tem sido superada por
um pensamento que não precisa atualmente de opostos e de hierarquia e sim
muito mais de interfaces ou imbricações, seguramente mais adequadas para a
análise da realidade múltipla e cambiante.
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Assim, na perspectiva da Modernidade, a natureza tem sido
considerada o polo passivo que legitimaria o acionar humano para usufruto dos
recursos naturais, e um controle humano crescente destes como garantia do
progresso econômico, associado ao domínio e ao aproveitamento do meio natural.
Nesse sentido, ver o natural em oposição ao humano e à cultura
pode fazer parte de uma visão estática e esquemática que a realidade vem
ajudando a desbaratar. O uso dos recursos naturais como fator de produção sem
custo ou só ao custo da sua retirada, mas não do seu desgaste ou extinção, está se
tornando completamente inadequado. Estamos apenas começando a perceber a
noção do “limite”, tanto pelo esgotamento dos recursos como no caso do petróleo,
quanto pelos impactos causados no ambiente pelo aquecimento global. A noção
do indivíduo e sua capacidade de dobrar a natureza, retirando dela todo o possível
para gerar lucro, está sendo profundamente questionada em nossos dias pela farta
evidência do estreito relacionamento entre a ação humana e as preocupantes e
cada vez mais notáveis respostas da natureza.
A dualidade natureza/cultura. Tal dualidade também acarreta
uma perspectiva hierarquizante, já que a própria cultura expressa o controle do
instintivo, a sublimação do primário natural. Entretanto, para analisar essa relação
usarei a perspectiva do feminismo que considero pode ajudar bastante, porque
também ele tem se baseado numa visão dicotômica da relação natureza/cultura.
Ainda que seja necessário repensar criticamente sua própria perspectiva de relação
com a natureza, a consciência da opressão que o feminismo aportou ao pensamento
de nossos dias toma como base essa relação primordial. Justamente esta nossa
cultura, a ocidental, foi artífice histórica da naturalização e ao mesmo tempo
113
desvalorização do papel social das mulheres por forca do seu papel na reprodução.
A análise dessa dualidade permitiu a Simone de Beauvoir dar origem à perspectiva
feminista crítica na qual é a Cultura que molda o papel feminino “naturalizado”
e desigual no polo subordinado da dualidade. Daí a famosa frase “Não se nasce
mulher, torna-se mulher” 1, pela qual a autora justamente busca afastar as mulheres
do biologismo, reconhecendo a moldagem cultural do seu papel social. Se as
reflexões de Simone de Beauvoir permitiram amplificar a noção do papel da mulher
como o “outro”, sempre localizado em referência ao masculino, outras reflexões,
posteriores, foram diversificando e diferenciando o pensamento feminista desde
sua matriz liberal até as mais recentes perspectivas ecofeminista, que pretendem
renovar essa análise tradicional desvalorizante da relação mulher/natureza e às
quais pretendo me referir mais especificamente.
Na verdade, a dualidade natureza/cultura, tão presente na origem
do moderno pensamento feminista desde a década de 1950, também fazia parte
e estava na base da Modernidade e sua relação antropocêntrica com o mundo. A
reafirmação do domínio do homem sobre a natureza norteou a formulação cientifica
dos últimos séculos. O ideal da ciência moderna está de fato extremamente ligado à
completa subordinação da natureza pelo homem, que dela pode dispor sem limite
para o seu benefício.
Esse formato de dominação do homem sobre a natureza tem muita
semelhança com a subordinação que o patriarcado impôs às mulheres, ao naturalizar
seu papel e confinar sua atuação ao âmbito doméstico, transformando uma
1
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Tomos I e II. Buenos Aires: Editora Siglo Veinte, 1977.
2
ª
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diferença – esta sim natural – em desigualdade social. 2 A supremacia do humano
sobre o natural se expressa num formato semelhante ao que assume a supremacia
do masculino sobre o feminino, e compreender uma, ajuda a compreender a outra.
Porém é importante lembrar que “esta conexão das mulheres com a natureza tem
se prestado a uma romantização das mulheres como o bom, separadas de todas
as ações ruins dos homens e da cultura. O problema é que a história, o poder, as
mulheres e a natureza são muito mais complicados que isso”3, e nessa comparação
que consideramos pertinente precisamos, ao mesmo tempo, fugir de visões de
vitimização das mulheres como também de uma analogia simplista.
De outro lado, não somente a forma que toma a dominação da
mulher pode se dizer semelhante à que sofre a natureza, como também apresentam
entre elas outra coincidência, que muito nos fala das características comuns a uma
e outra forma da dominação em nosso mundo. É que ambas compartilham da
mesma invisibilidade e da mesma gratuidade do seu trabalho.
De fato, o papel do clima, dos ventos, da chuva, e até da
fotossíntese realizada pelas plantas, ainda que imprescindíveis à manutenção da
vida, são trabalhos invisíveis e gratuitos, assim como os trabalhos de preparação
dos alimentos, de socialização das crianças e de atenção para com os doentes e
idosos, atividades que geralmente realizam as mulheres dentro dos seus lares – as
chamadas atividades do cuidado da vida humana. Nenhum de tais trabalhos se vê
refletido nos custos econômicos ou nas contas nacionais como parte da produção
2
AGRA ROMERO. Maria Xose. Ecologia y feminismo. Granada: Comares/Ecorama, 1997.
3
Idem.
115
de riquezas. O esforço que historicamente tem sido realizado pelas mulheres e
o trabalho silencioso que acontece na natureza não contam economicamente já
que eles não passam pelo mercado, único espaço que confere valor no sistema
capitalista. Essa completa falta de atribuição de valor a uma e a outra dessas
atividades compõe no capitalismo o elemento básico da construção das relações
de gênero e das relações com a natureza.
“Quando algo é invisível, não se consegue ver sua destruição. A invisibilidade
da dependência das sociedades humanas das produções das mulheres e da
natureza, claramente funcional aos mercados, tem conduzido a dois dos
maiores problemas que enfrentam os seres humanos: a crise ambiental e a
crise dos cuidados”.4
A contradição intrínseca na economia verde
Assim tentamos explicitar por que motivos vemos incompatibilidades
entre os elementos que estão em jogo no conceito de economia verde. A noção
do progresso ilimitado, que subjaz na economia e na ciência modernas e que tem
permitido o caminho trilhado como “desenvolvimento” está sendo a cada dia mais
questionada e não parece ser sustentável. As evidências sobre os limites que a
natureza está impondo aos desenfreados processos de crescimento econômico e de
desenvolvimento ficam explícitas com o já indisfarçável processo de aquecimento
4
ECOLOGISTAS EN ACCIÓN. Tejer la vida en verde y violeta. Cuaderno 13, Madri, março de 2008.
Disponível em: <http://www.ecologistasenaccion.org/IMG/pdf_Cuaderno_13_ecologismo_y_feminismo.
pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011.
2
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global e de mudanças climáticas. Desse modo, o paradigma de uma economia de
mercado calcada na noção de aproveitamento sem limites da natureza torna-se
incompatível com o uso “verde”, que significaria o aproveitamento sustentável e
responsável dos recursos naturais.
Disso se deduz que a questão da preservação ambiental não pode
ser encarada do ponto de vista somente econômico, e sim na perspectiva de
preservação da vida que requer novas formas de relação do trabalho humano com a
natureza, até mesmo antieconômicas quando necessário. A noção do limite tornase assim um elemento a ser considerado e que precisa reger a lógica de utilização
da oferta de bens da natureza, porém não na perspectiva do uso frenético dada sua
gratuidade e sim de acordo com o seu valor de bem finito.
Nesse sentido e cada vez mais, determinados recursos naturais
ou bens comuns da humanidade deverão ser incluídos em categorias ligadas ao
domínio público e a garantia ao seu acesso deve ser entendida no âmbito dos
Direitos Humanos, como também cada vez mais se constitui uma disciplina de
novas definições em torno dos Direitos da Natureza. Avançando nessa direção, a
Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou no dia 28 de julho de 2010, em seu
sexagésimo quarto período de sessões, uma resolução que reconhece o Direito
Humano básico à água. 5
5
FUNDACIÓN SOLÓN. Informativo Número 119, La Paz, agosto de 2010.
117
A economia verde e o desenvolvimento na América
Latina
A América Latina vive nesta primeira década do século XXI uma
virada política significativa e uma etapa que muitos caracterizamos como uma
oportunidade histórica. Um tempo marcado pela chegada dos chamados partidos
políticos progressistas aos governos de vários e importantes países da região. Tais
governos têm manifestado traços comuns, que em geral foram caracterizados
como de afastamento dos ditames emanados pelo Consenso de Washington,
decálogo do modelo neoliberal hegemônico a partir de finais dos anos 1970.
Revisitando seus principais eixos ou propostas podem-se perceber
elementos coincidentes que passaram em primeiro lugar por uma revalorização do
papel do Estado, e das políticas sociais por eles impulsionadas que deram o tom
ao combate à pobreza e às desigualdades, uma das marcas de tais governos. Isso
significou também a reversão de uma tendência da década anterior, marcada pelas
privatizações. Esses governos de cunho popular em geral frearam esses processos
privatizantes e, ao contrário, apoiaram-se em nacionalizações e recuperações do
patrimônio público, utilizando assim e reforçando as empresas públicas como
instrumentos de políticas econômicas de criação de empregos e outras.
Entretanto, é preciso enfatizar que esses governos, sensíveis às
demandas populares e que fizeram esforços importantes para a implementação
2
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de políticas de distribuição de renda relativamente bem-sucedidas, não lançaram
tanto mão de mecanismos distribuidores de riqueza quanto da expansão do
comércio internacional de bens e recursos agrícolas e naturais, atuando numa
conjuntura favorável pelo alto preço das commodities agrícolas, dos produtos
energéticos e dos minérios. 6
Foi no aprofundamento do modelo agroexportador de matériasprimas e bens naturais que encontraram os recursos para realizar as políticas
sociais distributivas como também para fortalecer suas reservas e manter no
possível suas economias afastadas da crise iniciada em 2008.
Nesse sentido, seria importante reconhecer o empenho e os
avanços que os governos populares tiveram de fato em relação a essas questões,
ainda que muito possa ser dito em relação aos avanços que não realizaram,
muitos deles justificados na necessidade de firmar amplas alianças para chegar
ao poder – aspecto polêmico que, entretanto, não analisaremos aqui.
Ao mesmo tempo, também seria importante reconhecer as mudanças
de paradigma sofridas por uma sociedade que há vinte ou trinta anos apenas
despertava para os aspectos ambientais, e que vem se tornando a cada dia mais
perplexa e desorientada frente às mudanças climáticas e seus impactos cotidianos.
Dentro dos partidos que aqui chamamos de progressistas, o
debate sobre o tema ambiental, do mesmo modo que as propostas feministas
6
ZIBECHI, Raúl. Una década que cambió el continente. América Latina en
Montevidéu, 13 jan. 2011.  
movimiento,
119
e de combate a todas as discriminações estiveram presentes desde os anos
1980, quando da retomada do crescimento desses partidos, após os anos de
ditaduras militares que assolaram a região. Apesar dessa presença relevante
dos movimentos feminista e ambientalista na base social de tais organizações,
é preciso reconhecer que esses movimentos tiveram um papel de coadjuvantes
secundários e pouco valorizados no interior desses grupamentos políticos.
Pode-se dizer que as causas e reivindicações feministas e ambientalistas foram
formalmente assumidas, mudando assim a cara dos velhos partidos de esquerda.
Porém e de fato, elas não mudaram a agenda dos “novos” partidos de esquerda,
que chegaram aos governos, mas continuaram sob a hegemonia de uma visão
desenvolvimentista promovida desde diversos setores sociais, em especial os
trabalhadores formais e sua expressão política, o sindicalismo, de grande peso
nos partidos de esquerda.
Como observa Gudynas, “é comum afirmar que os governos
progressistas enfrentam 'disputas' sobre as estratégias de desenvolvimento
que deveriam ser seguidas, em particular referidas às medidas econômicas". Da
mesma forma, seria possível falar em “disputas verdes” no seio desses governos.
A tendência prevalecente de aprofundar um desenvolvimento convencional,
baseado na apropriação da natureza, tal como se expressa no extrativismo
contemporâneo, é um dos principais temas em disputa. Mas o autor continua:
“os que buscam defender as posturas ambientais usualmente são superados
pelos que promovem os usos convencionais dos recursos naturais, já que são
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
maioria nos governos, e além disso conseguem apoios diretos ou indiretos de
outros conglomerados políticos convencionais, de diversos setores acadêmicos e
de muitos grupos empresariais. A disparidade de peso político é evidente, e isso
explica que as medidas ambientais quase sempre fiquem em segundo plano” 7.
Ainda que esta seja uma análise bastante resumida e superficial,
que precisa de aprofundamento e pesquisa empírica, quem viveu a vida interna
desses partidos conhece e pode testemunhar as dificuldades que os movimentos
feministas, antirracistas e ecológicos passaram nas décadas de 1980 e 1990,
representados em “secretarias” e organismos de segundo ou terceiro nível
na hierarquia partidária. E também se pronunciar sobre as lutas e divisões
provocadas, por exemplo, pela aprovação das cotas de mulheres ou das políticas
afirmativas ou pelas polêmicas sobre o item “sustentável” do desenvolvimento,
bem como sobre as dificuldades mais recentes de manter essas perspectivas no
interior dos próprios governos que afirmaram muitas vezes ser favoráveis ou ao
menos sensíveis a tais causas. De fato, é possível afirmar que a chamada ideologia
do progresso continua viva ao interior da maioria dos governos e dos partidos
considerados progressistas na região.
O progressismo político e a economia verde
7
GUDYNAS, Eduardo. La ecología política del progresismo sudamericano: los límites del progreso
y la renovación verde de la izquierda. Revista Sin Permiso, Barcelona, Número 8, 2010.
121
Por isso, nesta última década, os chamados governos progressistas
mantiveram essa visão desenvolvimentista e o modelo extrativista em seus planos e
políticas de governo, buscando dar caminho a suas tradicionais propostas e visões.
Por isso também, depois de anos de governos dirigidos pelos partidos políticos de
tradição de esquerda na região, que em muitos casos continuam a assumir só formal
e secundariamente o ambientalismo e o feminismo, as resistências ao modelo
neoliberal de investimentos e abertura comercial irrestritos têm sido assumidas por
uma miríade de novos atores sociais que vão de indígenas e ribeirinhos a mulheres,
afrodescendentes e ambientalistas, agora na linha de frente ao combate a um
desenvolvimento sem claras perspectivas de sustentabilidade.
Também nessa etapa se fez necessário questionar o fato de que
muitos partidos políticos populares da região já não se encontram fortemente
engajados em organizar ou em fazer parte da linha de frente das lutas de
resistência ao modelo de desenvolvimento nacional e regional. Ao contrário,
encontram-se vivenciando um evidente afastamento de seus quadros do seio das
lutas sociais, ampliando em muitos casos sua burocratização e a distância entre
eles e os problemas que afligem a população em geral.
De outro lado, é preciso registrar novas modalidades no
enfrentamento ao modelo de desenvolvimento econômico excludente e
insustentável na região. Muitas das lutas de resistência ficaram agora nas mãos dos
movimentos sociais e até de um campo difuso e pouco reconhecido de ONGs, num
2
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marco que podemos caracterizar como de desencontro entre partidos políticos e
movimentos sociais e no qual os conflitos sociais estão começando a se multiplicar.
Os tempos mudaram e as lutas que eram julgadas secundárias,
“pequeno burguesas” e de importância menor, vêm se tornando fundamentais
num planeta onde os trabalhadores formais têm diluído seu peso político diante
das inúmeras formas de inserção dos setores populares no mundo do trabalho e da
sobrevivência. E onde ao mesmo tempo os temas democráticos, culturais e ambientais
foram tomando cada vez maior centralidade no enfrentamento ao modelo neoliberal
hegemônico. Justamente porque as lutas têm mudado seu caráter e essência,
precisam de novas análises e enfoques, mas também porque são impulsionadas por
novos atores e atrizes, sujeitos históricos renovados, diversos e plurais.
Assim o debate sobre o ambientalismo e a relação homem/natureza
e a visão ecofeminista, superadora da dualidade cultura/natureza podem ser
perspectivas que venham nos oferecer luzes diante das novas problemáticas e
da urgência de encontrar respostas à crise civilizatória que vem se desenhando
e a esta “tragédia anunciada” que o progresso sem limites sustentáveis está
promovendo no planeta.
Os partidos progressistas na América Latina têm um desafio enorme
nesse sentido. Assim, precisam enfrentar tais polêmicas ou ficarão transformados
em grupamentos mais ou menos burocratizados, que não darão conta de gerenciar
um capitalismo em crise de paradigma.
A Rio+20 pode ser uma oportunidade para a disputa e o avanço dessa
perspectiva, pois ela será o cenário global onde se pretende definir a arquitetura
123
financeira e institucional de saída à crise capitalista mundial desatada em 2008. O
que ali estará em jogo será o financiamento da transformação da matriz energética
e da adaptação da economia global, como também dos recursos para mitigação
das mudanças climáticas, com a retomada da acumulação capitalista que permita
superar a crise financeira global ainda em curso. O embate entre as falsas soluções
promovidas desde uma visão de mercado e os novos paradigmas de produção e
consumo em harmonia com a natureza que assegurem a vida do planeta para as
futuras gerações estará em marcha na mesa de negociações globais nos próximos
anos. Precisamos nos posicionar.
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO:
um requisito para enfoques progressistas de
desenvolvimento na América Latina.
Texto escrito em abril de 2011 por Gustavo Bittencourt, Universidad de la
Republica - Uruguay
1.Planejamento de longo prazo: necessidade e
ausência na maior parte das experiências progressistas da América Latina
No esquema seguinte, extraído de apresentações do ILPES-CEPAL, são
resumidos brevemente os componentes de planejamento de curto, médio e longo
prazos. Todos os países latino-americanos realizam planejamento de curto prazo,
em virtude do consenso existente sobre a importância de sustentar os equilíbrios
macroeconômicos, evitar a inflação e manter as contas fiscais em ordem. Vários
países elaboram planos ou pelo menos linhas com diretrizes para a orientação
do gasto orçamentário com caráter plurianual, definem programas prioritários e/
ou estabelecem alguns critérios para orientar o investimento público. No entanto,
poucos organizam sua proposta programática para o período de governo em um plano
nacional de desenvolvimento; e apenas de maneira parcial algum desses países situa
o plano de governo no âmbito de uma visão de país mais a longo prazo (digamos,
duas décadas ou duas décadas e meia). Esse horizonte fornece sustentação a políticas
que somente amadurecem em tais prazos, como é o caso daquelas de grandes infraestruturas, formação de recursos humanos, competitividade, ambiente e mudança
estrutural favorecendo o conteúdo inovador da produção.
125
Fonte: ILPES-CEPAL
Este documento sustenta, como ideia central, que explicitar a
estratégia de desenvolvimento – conceito que abrange objetivos de longo prazo,
principais instrumentos para alcançá-los e metas mensuráveis em indicadores
– é uma condição necessária para que as forças progressistas possam exercer
o governo sem perder sua orientação transformadora. A noção de longo prazo,
operativamente, refere-se a um horizonte de mais ou menos duas décadas. Não
implica, portanto, um modelo de sociedade final que cada pessoa ou grupo
pretenda, e sim uma posição intermediária que corresponda a certa etapa histórica
correspondente a vários períodos de governos democráticos. Por isso, esta visão
ou estratégia permite selecionar e tentar implementar os acordos sociais que
fundamentam políticas de estado.
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
Isto parece, em primeiro lugar, uma necessidade para as forças
políticas progressistas ou de esquerda. Como será explicado a seguir, se se acredita
que o mercado por si só orientará de maneira adequada as forças produtivas e
sociais rumo ao desenvolvimento, tal como acreditam aqueles que podemos
agrupar, grosso modo, como o enfoque neoliberal (este aspecto será retomado
mais adiante), não é necessário definir para onde queremos ou devemos ir a fim
de nos desenvolvermos. Essa necessidade provem, claramente, de um diagnóstico
que desconfia do mercado como o principal designador de recursos para gerar
desenvolvimento econômico.
Além disso, em um contexto de muita complexidade, com alta
incerteza a respeito do futuro, quando já não dispomos de soluções que possam ser
apresentadas em disposições simples que todos compreendemos, a desesperança
tende a predominar. Parece necessário estabelecer, com clareza, agendas políticas
para o momento atual, mas que, para poderem gerar esperanças, comprometamse firme e nitidamente com o longo prazo. Já não somente a partir da desconfiança
sobre a “espontaneidade” do desenvolvimento, mas também porque é necessário
que as propostas sejam capazes de convencer acerca da relação entre o que
estamos fazendo ou discutindo hoje e a realização dos objetivos desejados no
desenvolvimento futuro. Sem esse componente, a agenda atual certamente terá
problemas de credibilidade.
Para além do fato de que deve existir uma engenharia social e política
que permita gerar esse tipo de debate, faz-se necessário, como etapa prévia, um
importante esforço de reflexão sobre os projetos nacionais e de integração latinoamericana, que sejam ao mesmo tempo atrativos e consistentes, capazes, portanto,
127
de recuperar a esperança baseada nas ideias mais do que na figura dos líderes.
Um programa que seja capaz de convocar, estimulando o entusiasmo coletivo
(especialmente o dos jovens), conferindo forma viável e possível, e portanto crível,
às utopias de mais amplo fôlego.
Agendas construídas em procedimentos desse tipo podem
proporcionar o diálogo social a fim de gerar espaços amplos de convergência entre
organizações representativas de diversos setores da sociedade, entre as quais não
podem faltar as agrupações de trabalhadores, algumas câmaras empresariais,
ONGs, etc, com a maior amplitude possível. A projeção desses acordos ou alianças
estratégicas sobre o espaço político-partidário é a melhor garantia para o desenho
de políticas de estado que se estendam por vários períodos de governo.
A estratégia de longo prazo também é necessária porque melhora a
ação de governo, tornando-a mais eficaz, eficiente e passível de avaliação.
a. Planejamento de longo prazo é necessário para mobilizar
recursos sociais (não somente recursos financeiros) em destinos
antecipados e em áreas que dispõem de resultados apenas em
períodos longos, quase geracionais, como infra-estrutura e
educação.
b. Desenho prospectivo ou de visão de longo prazo com alto
sentido de antecipação e construção de futuro. A crescente
incerteza demanda a construção de cenários. Por exemplo, se
não somos capazes de formar pessoas antecipando a possível
futura dinâmica internacional do novo paradigma tecnológico
2
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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
(que surge da combinação entre biotecnologias, nanotecnologias
e ciências da informação), perdemos a possibilidade de acelerar
a redução da brecha com os países desenvolvidos.
c. Coordenação de políticas e esforços para gerar sinergias;
concertação para garantir a participação e a inclusão
de
todos os envolvidos. A fixação de metas comuns a vários
setores e instituições permite elaborar programas ou projetos
de desenvolvimento estruturadores, que busquem resolver
problemas e levantar restrições que o desenvolvimento
necessita. Por exemplo, as políticas de desenvolvimento
tecnológico não podem ser objeto exclusivo de uma agência
que promova a inovação, e sim de projetos setoriais de
desenvolvimento que sejam impulsionados por todo o governo
e a sociedade. Projetos estruturadores cuja articulação forma
o plano nacional de desenvolvimento, que está, por sua vez,
alinhado com a estratégia de longo prazo.
d. Avaliação de políticas e programas para promover uma gestão
por resultados. Esses projetos devem ser desenhados de
maneira tal que seja possível seguir seus resultados através de
vários indicadores, avaliando quanto foi investido para poder
conseguir tais resultados.
e. O enfoque de curto prazo (dominante) deixa de lado problemas
de sustentabilidade do crescimento originados no tipo de
estrutura produtiva desses países, em geral com abundância
129
relativa de recursos naturais. Por exemplo, se somente estamos
preocupados com o papel da taxa de câmbio real como
estabilizador antiinflacionário, então ela pode continuar caindo
e afetando negativamente a rentabilidade de setores com mais
intensidade tecnológica e valor agregado por mão-de-obra local.
Dólar baixo leva a economia a se concentrar no setor primário,
já que somente são rentáveis os setores que têm preços muito
altos no mercado internacional e que usam poucos insumos
locais (que são caros).
O planejamento de longo prazo, portanto, permite satisfazer
as seguintes funções que, por sua vez, contribuem para melhorar a capacidade
operativa do governo, segundo diagrama proposto por ILPES-CEPAL.
Fonte: ILPES
2
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Portanto, tecnicamente (isto é, independentemente de que sejam de
esquerda ou direita, progressistas ou conservadores), os sistemas de planejamento
avançados, a partir da realização de exercícios de prospectiva que permitem
fundamentar a estratégia ou visão de longo prazo, contam com instrumentos,
funções e produtos que são resumidos no diagrama seguinte:
Na experiência latino-americano, contudo, este modelo de
organização não tem sido adotado ou implementado com êxito. Apenas México e
Colômbia dispõem de visões de longo prazo, em ambos os casos com pouco grau
de operatividade, no sentido de que as visões não necessariamente determinam
planos de desenvolvimento qüinqüenais ou designações de recursos. Esses dois
131
países, especialmente a Colômbia, são os que dispõem de uma institucionalidade
mais completa para levar adiante essas funções. Recentemente, o Equador investiu
recursos e capacidades para o desenvolvimento institucional, através da criação de
uma secretaria fortemente dotada de recursos, a Senplades.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil adotou
um sistema bastante completo de planejamento, muito orientado à gestão desse
imenso país federativo, que foi melhorado durante as administrações do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. O sistema inclui a discussão e a aprovação parlamentar
das diretrizes para o período de governo, sobre as quais é organizado o orçamento
de cada ano. A seleção de um conjunto de objetivos prioritários permite organizar
programas transversais com recursos e gerenciamento próprios, que entram em
programas acompanhados e avaliados com os mais estritos critérios. Recentemente,
seguindo um esquema desse tipo, foi definida a política de desenvolvimento
produtivo.
Em termos de planos nacionais de desenvolvimento, o panorama
pode ser resumido da seguinte forma:
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Fonte: Elaboração própria sobre apresentacao de Schack 2010 e sites citados.
133
O resumo elaborado mostra que, embora poucos países estabeleçam
visão de longo prazo, são vários os que utilizam planos nacionais de desenvolvimento
para expressar os principais objetivos, linhas de ação e metas correspondentes ao
período de governo posterior. Sete países seguem essa tradição ou similar: Bolívia,
Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Venezuela. Mesmo que vários casos
não consigam completar todos os requisitos para construir verdadeiros planos –
por exemplo, não aclaram os instrumentos ou metas mensuráveis que permitam a
avaliação ou não mostram aproximações aos custos de tais metas –, essas funções
são cumpridas a grosso modo. Além disso, a breve lista acima mostra que existem
orientações políticas muito diversas utilizando mais ou menos ditos instrumentos.
Na Colômbia, por exemplo, esses mecanismos receberam especial atenção durante
os mandatos do ex-presidente Álvaro Uribe. No Equador, contudo, foi a mudança de
orientação associada ao governo de Rafael Correa que deu impulso a esses processos.
Outros dois casos com menos desenvolvimento institucional nesse sentido, mas que
buscam gerar concertações nacionais em torno de alguns objetivos, embora não
determinem muito os instrumentos e as metas, são os do Peru e do Panamá.
Os países do Cone Sul (Chile, Argentina e Uruguai) são os que
renunciam a este instrumento, talvez por herança de haverem sido a vanguarda
do neoliberalismo a partir dos anos 70. É talvez a preocupação com esses casos,
os três com governos que percebem a si mesmos como progressistas, que motiva
essas notas. Provavelmente não seja alheia a isso a recente mudança de orientação
do governo no caso chileno: sem uma visão clara sobre a sociedade que queremos
e as transformações necessárias para alcançá-la, podemos estar colocando em
risco a acumulação histórica realizada até o momento.
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2.Caracterização de estratégias de desenvolvimento segundo objetivos, instrumentos e
resultados em áreas ou campos
Sobre o que estamos falando quando utilizamos os termos
“estratégia” e “visão de longo prazo”? Quais deveriam ser seus componentes?
Uma estratégia de longo prazo deve conter expressões explícitas que impliquem
definições pelo menos em três campos: a) objetivos; b) instrumentos (linhas de
ação); c) resultados esperados (com metas mensuráveis).
a. Deve conter um número limitado de objetivos gerais que
tornem compreensíveis as prioridades, bem como a designação
de recursos entre elas. Os objetivos devem abranger diferentes
espaços de problemas a serem resolvidos. Certamente a
ideologia do modelo entre por este lado, ou seja, pela definição
dos objetivos.
b. É imprescindível que os instrumentos sejam consistentes
com a realização dos objetivos planejados, de acordo com os
avanços recentes do conhecimento científico, em particular
das ciências sociais. Sabemos, por exemplo, que os equilíbrios
macroeconômicos são importantes para o crescimento; ou
que uma política de comércio exterior como a aplicada na
substituição de importações gera distorções que não levam
ao crescimento sustentável. Também sabemos que reduzir a
135
idade de imputabilidade não provoca a diminuição do número
de delitos. Portanto, se nosso objetivo é baixar o número de
delitos, os instrumentos deveriam ser outros. Do mesmo jeito,
se nosso objetivo é o crescimento sustentável, os instrumentos
não deveriam ser o aumento do gasto público de maneira
insustentável, nem proteger setores que não tenham viabilidade
no longo prazo.
c. Os resultados deveriam poder ser medidos em poucos
indicadores que resumissem os impactos dos projetos ou
programas de desenvolvimento incluídos no plano ou na
estratégia. Deveriam ser relativamente simples para que seja
possível saber a quantidade de recursos designada para poder
alcançar esses resultados.
3.O que é neoliberal e o que não é? Por que
os enfoques de desenvolvimento progressistas
demandam mais visões de longo prazo que os
neoliberais?
Neste ponto do raciocínio, é importante tentar caracterizar os
traços essenciais dos enfoques de desenvolvimento liberais e neoliberais que
predominaram nos anos 90. Isto permite realizar, pelo menos, alguns tipos de
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conclusões de interesse. Identificar seus próprios objetivos pode nos ajudar a
entender por que fracassaram, contrastando seus resultados com o que buscavam.
Separando esses objetivos em áreas de ação, podemos encontrar uma perspectiva
mais rica em matizes, isto é, conscientes de que nem tudo foi um fracasso e que
alguns problemas não têm muitas alternativas de solução tecnicamente. Não é
este o objeto do presente documento, e existe ampla bibliografia sobre o tema na
CEPAL e nas publicações da FES, entre outras fontes.
O que nos interessa aqui é identificar a alternativa à solução
neoliberal e que pode estar associada a diferentes objetivos e instrumentos. Mais do
que isso, no contexto de uma lógica geral progressista ou alternativa, poderiam ser
aplicadas soluções tecnicamente similares às do passado, se existir alguma âncora
que indique que a trajetória esperada coincida com os objetivos progressistas.
O quadro a seguir mostra quais foram as principais respostas do
neoliberalismo ao processo de globalização e, de forma mais ampla, à crise do
modelo de substituição de importações que marcou o estilo de crescimento latinoamericano até a crise do começo dos anos 80.
137
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O próximo quadro buscar caracterizar quais deveriam ser os objetivos
de um enfoque de desenvolvimento progressista, segundo cada área de ação. Tomamse as áreas de ação que são, no meu ponto de vista, fundamentais para entender o
neoliberalismo. O que quero dizer com isso? Em primeiro lugar, que as áreas de ação
não apenas são relevantes para o enfoque liberal, e sim que é preciso ter soluções
técnicas possíveis para contribuir para objetivos diferentes dos liberais, dentro dos
mesmos campos. Em alguns casos, os instrumentos talvez sejam bastante similares. Por
exemplo: para o enfoque liberal, as três dimensões da abertura econômica (financeira,
comercial e relativa ao capital produtivo estrangeiro) vão automaticamente contribuir
melhor para o crescimento, seja por captação de poupança externa, por aumento
das exportações ou pela entrada de tecnologia. No entanto, embora um enfoque
progressista também devesse buscar a abertura, diferentemente dos modelos do
passado que já foram superados, deve procurar que a abertura contribua para uma
estrutura produtiva que estimule o crescimento de longo prazo.
Outras respostas nitidamente diferentes nos objetivos progressistas
devem se referir, no meu ponto de vista, à defesa da propriedade pública e
social, garantindo sua compatibilidade com a lógica capitalista que continuará
predominando (aspecto difícil mas não impossível de conseguir, ao contrário do que
muitos de nós acreditávamos décadas atrás); à noção de que maior flexibilidade
não deveria ir contra os procedimentos de negociação coletiva e de organização
sindical, que são a garantia de que os ganhos de produtividade sejam apropriados
também pelos trabalhadores; ao papel fortemente redistributivo dos impostos, na
medida em que financiem um gasto social que garanta rendas mínimas e serviços
sociais de saúde e moradia universais. Por último, e este sem dúvida é um grande
139
déficit da grande maioria dos enfoques progressistas em curso, a dimensão
ambiental não deveria ser um problema encapsulado em um escritório ou em
regras de autorização de projetos. Em vez disso, deveria fazer parte das políticas de
desenvolvimento, promoção produtiva, inovação e educação.
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4. Exemplo de visão de longo prazo frustrada no
Uruguai
Em setembro de 2009, apresentamos em Montevidéu, quase
inaugurando o novo edifício da Presidência da República (Torre Executiva), um
folheto sobre esse tema, que chamamos de Estratégia Uruguai III Século – Aspectos
Produtivos. No documento, que pode ser encontrado no Escritório de Planejamento
e Orçamento (www.opp.gub.uy), resumimos um trabalho elaborado durante um
ano, para o qual contratamos várias consultorias, levamos adiante um convênio
com a Universidade da República (que, por sua vez, contratou dois universitários, da
Argentina e do Brasil, no contexto de seus trabalhos), coordenamos esforços com
os ministérios integrantes do Gabinete Produtivo (e discutimos conclusões com seu
pessoal técnico) e realizamos oficinas para debater aspectos relevantes do trabalho
– como os ambientais e a ampla participação relacionadas ao assunto. Tudo isso
fez com que cerca de 250 profissionais altamente capacitados participassem com
ideias para que chegássemos ao produto final.
Para iniciar o trabalho, consultamos uma centena de especialistas
sobre os futuros possíveis de cerca de 32 ramos de produção, com uma lógica
prospectiva, identificando quais poderiam ser os melhores e os piores cenários
do ponto de vista do crescimento de cada um, além dos fatores-chave que
141
determinariam os melhores e os piores cenários para os setores. Indagou-se
sobre tendências robustas, tendências emergentes, fatos portadores de futuro,
enfim, uma série de dimensões prospectivas. Após essa etapa, procuramos dar
consistência ao trabalho levando em conta todos os estudos mais ou menos
recentes sobre os mesmos temas. Juntando os fatores-chave e os impactos
possíveis de cada ramo, chegamos a um mapa produtivo do país dividido em
oito macro-setores ou conglomerados, cada um deles englobando atividades
primárias, industriais e de serviços, que tivessem alguma ligação entre si, pelo
menos que apresentassem determinantes comuns de seus futuros. Dessa forma,
conseguimos selecionar alguns desses conglomerados ou macro-setores que, caso
ocorresse uma série de fenômenos, poderiam ser os motores de crescimento. Isso
implicava, portanto, identificar outros que, embora pudessem ter importância
por seu impacto sobre o emprego, ou sobre algumas comunidades regionais,
não impulsionariam o crescimento futuro. De acordo com os fatores-chave que
determinam a evolução dos setores motores, elaborou-se uma Agenda Nacional de
Desenvolvimento Econômico, que salienta as áreas onde seria necessário desenhar
projetos estruturadores ou transversais, a fim de orientar os recursos sociais aos
objetivos necessários para potencializar esses desenvolvimentos.
Além disso, para mostrar os impactos agregados, foram traduzidos
cenários de máxima e de mínima para os diferentes setores, através de uma matriz
de insumo do produto, à dinâmica total da economia uruguaia, perfilando três
cenários de crescimento total. Isso permite detectar outras condições necessárias
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para conduzir aos melhores cenários ou evitar os piores. Por outro lado, partindose da realidade microeconômica ou dos ramos, chegaram-se a cenários agregados
que se apóiam em realidades possíveis de cada setor e, ao mesmo tempo, mostram
que o país pode alcançar um nível de ingressos e bem-estar similar aos do europeu
médio (inferior, mas próximo dos que possuem Espanha e Inglaterra e superior
aos de Portugal e Grécia antes da crise) até 2030. O desenvolvimento é possível
se ocorrerem algumas evoluções que são prováveis na economia mundial e certas
condições locais que podem ser antecipadas a groso modo. A prospectiva nos
permite imaginar os caminhos. A Agenda Nacional de Desenvolvimento mostra
quais são os campos prioritários de atuação e em que sentido deveriam ser
implementadas as ações, que precisam de posteriores estudos e elaborações para
poder se realizar em programas concretos de atividade que sejam incluídos nos
Planos Nacionais de Desenvolvimento.
Para o propósito deste documento, não tem muito sentido explicar
quais seriam tais setores, nem os conteúdos da agenda ou dos cenários agregados,
nem por que os cenários desejáveis são também possíveis, bem como outros
detalhes do trabalho realizado. O que me interessa deixar registrado, para encerrar
este documento com o presente exemplo, tem relação com a convicção de que
um instrumento desse tipo pode se mostrar extremamente útil para facilitar os
debates sobre o futuro, evitando visões que costumam ser deliberadamente
catastróficas para sustentar posições ideológicas ou ações do dia de hoje, e que
não têm fundamento ou relação alguma com qualquer futuro possível ou provável.
Os acordos sobre algumas trajetórias possíveis podem ser alcançados com mais
143
facilidade, deixando-se os debates para aquelas questões em que, efetivamente,
as opções sobre a sociedade que se deseja marcam as prováveis ações atuais. Em
outras palavras, instrumentos desse tipo tornam mais factíveis os acordos sociais e
políticos sobre políticas permanentes no tempo ou políticas de estado.
Por último, conseguir imagens possíveis de nossos países, mas onde
estes se mostrem como sociedades plenas de oportunidades, com acesso a grande
quantidade de bens e serviços, mas com solidariedade, países enfim onde valha
a pena nascer e viver, constitui uma necessidade para as forças que pretendem
atacar a raiz dos problemas e transformar a realidade de maneira profunda.
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O planejamento de Longo Prazo e as
Políticas de Juventude(s)
Com referências à intervenção de Gustavo
Bittencourt
Comentários de Sergio Balardini (FES Argentina)
Seria pertinente perguntar: o que significa e quais as implicações do
planejamento para as “políticas de juventudes”, em termos de gestão? E para os
jovens, em termos sociais?
O planejamento implica, em primeiro lugar, a necessidade de
articulação com o projeto de desenvolvimento nacional. Tal articulação supõe uma
concepção de desenvolvimento de país, com a ressalva de que uma não precede a
outra (ou seja, não é que debatemos primeiro o desenvolvimento e depois vemos
como “colocamos” os jovens nisso). Na realidade, as duas são constitutivas do
mesmo movimento de construção de uma ideia de desenvolvimento.
Implica também perspectivas de inclusão social, na medida em que
ocorre em um processo de articulação com a etapa de desenvolvimento que vai
se definindo.
Implica uma “integralidade de políticas”, visto que se trata de um
impacto “integral” sobre o sujeito jovem a partir das distintas dimensões do
desenvolvimento (saúde, educação, emprego, cultura, etc).
145
Implica o planejamento, a médio e longo prazos, com impacto
intergeracional, na medida em que deve ser levado em conta um equilíbrio
de recursos que envolva o desenvolvimento das diferentes gerações, com a
redistribuição de poder e recursos que tal equidade exige.
Implica a construção não apenas de consensos entre os atores
tradicionais mais ou menos institucionalizados, mas também um menos
evidente, do tipo “consenso intergeracional”. Este último partiria de uma
relação de poder claramente assimétrica, que se propõe a superar e que envolve
diferentes faixas etárias.
Implica a constituição de uma política de Estado que atravessa
gestões e gerações, não sem conflitos ou contradições, e que apresenta condições
de ser revisada e ajustada em função da dinâmica das mudanças e das novas
perspectivas. Uma política que se comprometa a realizar um planejamento
estratégico de longo prazo e, ao mesmo tempo, tenha a flexibilidade suficiente
para enfrentar uma época de permanentes mudanças e inovações, que por sua vez
acontecem em uma velocidade crescente.
Além disso, podem ser definidos pelo menos três campos de
intervenção nos quais o aspecto geracional recebe um impacto direto: a educação,
onde se encontra a maioria dos jovens, âmbito de seu presente e sua projeção; a
proteção ao meio ambiente, cujo “gasto” não é recuperável e pode, sim, representar
uma hipoteca geracional; e a mudança tecnológica, para a qual as novas gerações
mostram melhor disposição, já que a vivenciam como seu “entorno natural” e de
forma mais pacífica que a observada pelas gerações já instaladas.
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Finalmente, um comentário sobre a ferramenta.
Os instrumentos a serem aplicados contêm sempre uma definição
política. O saber especialista não está isento de valores, e a neutralidade técnica é um
capítulo polêmico. Nesse sentido, se por um lado é certo que a ideologia entra pelo
lado dos “objetivos” e, além disso, que os “instrumentos devem ser consistentes com
a realização dos objetivos anunciados” (GB), também é certo que o tema da ideologia
também entra nas linhas de ação e na definição dos caminhos a seguir. Portanto,
esses terrenos não são meramente técnicos – nem ao menos os que poderiam possuir
uma hipotética “neutralidade técnica”. Um exemplo que deve incluir os diferentes
momentos do planejamento: prospecção ou diagnóstico, políticas e avaliação.
Respostas às perguntas:
•
Como são incorporados os temas da cultura e da participação
dos jovens no planejamento?
Assim como é necessário contar com a assessoria de profissionais
especialistas e qualificados em planejamento, também é preciso incorporar
atores sociais. Como incluí-los? De diversas maneiras, nas diferentes etapas de
planejamento, através de mecanismos participativos e gerando as condições para
seu desempenho. Por outro lado, se a visão estratégica e sua avaliação final não
coincidem, será necessário efetuar ajustes na área de planejamento.
147
•
Dentro do olhar progressista, não encontramos conflitos na
visão estratégica?
O conflito é um elemento inerente à sociedade. Quanto maior
a complexidade, maior a variedade de conflitos. Não devemos imaginar
que o consenso implica a eliminação de conflito, mas sim, muitas vezes, sua
“administração” até chegar a novos momentos de desenvolvimento nos quais os
conflitos adotem novas formas – alguns se diluem, outros surgem. Não é possível,
e tampouco seria bom, sonhar com uma estação final a atingir, onde tudo seja
“paz e harmonia”, e que não inclua o conflito. Seria uma cena estática e sem vida.
Significaria, afinal, impedir que as novas gerações sigam caminhos que hoje não
podemos prever. Um final em todos os sentidos.
•
Como as perspectivas geracionais podem ser levadas em
conta no planejamento?
Cada ministério do Estado deveria ter uma visão sobre a(s)
juventude(s), um enfoque ou perspectiva geracional, assim como existe a visão de
gênero. Dependendo da visão e da concepção a respeito dos jovens, poderemos
definir seu lugar, suas necessidades compartilhadas e sua contribuição ao
desenvolvimento. O enfoque recomendado – considerar os jovens como sujeitos
portadores de direitos –, além de ser o que melhor responde a uma perspectiva
progressista, permite articular um projeto integral com mais efetividade.
PARTICIPANTES
Alemanha
Matthias Ecke - JUSOS
Bolívia
Equador
Florência Grieco - NUSO
Simone Burger - JUSOS
Leandro Chulak - EDE
Tim Schloesser - JUSOS
Leticia Cívico - JS
María Agustina Martín - Partido GEN
Leonardo Mariaca Coarite - MAS IPSP
Pedro Martínez Gerber - Practicante
Lisette Dávalos - FES
Sebastián Julio A. Melchor - JS
Rolando Enriquez Cuellar - MAS IPSP
Sérgio Balardini - FES
Sandra Cortez Maydana - MSM
Chile
Argentina
Brasil
Ana Tereza Ferreira Rocha - JPT
Albrecht Koschützke - FES
Dheison Renan Silva - JPT
Elisabet Gerber - FES
Fabricio Lopes - JSB
Felipe Jeldres - JS
Fernanda Papa - FES
José Toro - JPPD
Gustavo Santana - JPT
Lilet Rosas - JRSD
José Salgado Neto - JPT
Nicole Garrido - JPPD
Marccella Lopes Berte - JPT
Ricardo Godoy - Universidad Diego Portales
Nicolas Romero - JPT
Yesko Quiroga Stöllger - FES
Pablo Andrés Jativa Moya - Movimiento Ruptura 25
Sisa Pacari Cachiguango Quillupanqui - Partido Pachakutik
Honduras
Jennifer Erazo - FES
México
Beatriz Adriana Olivares Pinal - PRD
Elisa Gomez - FES
Paraguai
Sergio Leyva Ramírez - PRD
Jhoanna Cristaldo - PDP
Yndira Sandoval Sánchez - PRD
Jorge Rojas Rotela - P-MAS
Juan Manuel Villar López - PPS
Maria de la Paz V. Almada - Colab. FES
Uruguai
Nora Salinas Nora Salinas - Tekojojá
Camilo Collazos - Proderechos
Maite Lopez - FA
Martin Rodriguez - FA
Peru
Jesus Coa Begazo - Red Interquorum
Pedro Chavez Valverde - PARA
Raul Tecco - FES
Ursula Muhlig Apestegui - Red Interquorum
Rafael Sanseviero - FES
Viviana Piñeiro - IUSY
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modelos de desenvolvimento, trabalho e sustentabilidade: desafios