MANIFESTO EM DEFESA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
As entidades integrantes do Fórum Nacional Permanente das Carreiras
Típicas de Estado vêm a público manifestar-se em defesa do fortalecimento
do Estado, da Previdência Social e do regime previdenciário próprio dos
servidores como pressupostos fundamentais para a manutenção da estrutura
do Estado nacional.
A Seguridade Social é sustentável no Brasil. Desde os anos 1990,
consolida-se no país uma cultura da crise da Seguridade Social, com a
Previdência Social sendo avaliada apenas pelo seu resultado, mediante
informações distorcidas que a classificam como deficitária. Principal
argumento de sucessivas reformas do sistema, esse diagnóstico do Regime
Geral de Previdência Social (RGPS) é falacioso. A definição governamental
de resultado do RGPS cria um déficit artificial da Previdência Social,
divulgado todo mês, sempre omitindo a referência constitucional à
Seguridade Social e ao seu resultado, que é, efetivamente, positivo.
Conforme a Constituição Federal (CF), a Previdência é parte da
Seguridade Social, entendida como “conjunto integrado de ações de
iniciativa do poder público e da sociedade destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Com efeito, deve ser
“financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”, por recursos
orçamentários da União, Estados e Municípios; por contribuições sociais dos
empregadores sobre folha de salários, receita ou faturamento (Cofins) e o
lucro (CSLL), e dos trabalhadores; bem como por receitas de concursos de
prognóstico e pela CPMF.
A Constituição, de forma inovadora e inteligente, determinou um
orçamento com recursos próprios e exclusivos para as políticas da
Seguridade Social, distinto daquele que financia as demais políticas de
governo. Mas, até hoje, nenhum governo federal aplicou efetivamente esse
dispositivo constitucional. Pelo contrário: utiliza-se parte das contribuições
sociais destinadas à Seguridade Social para outras políticas de cunho fiscal,
até mesmo para o pagamento dos encargos financeiros da União
(amortização e juros da dívida), e para garantir o superávit primário.
O orçamento da Seguridade Social é superavitário em pelo menos R$ 17
bilhões, conforme dados do Balanço da União de 2005. Isto é: o conjunto de
receitas previstas legalmente para o financiamento da seguridade, subtraídas
todas as despesas com o pagamento dos benefícios previdenciários urbanos
e rurais, os benefícios assistenciais, as ações do Sistema Único de Saúde
(SUS) e as ações de saneamento e custeio do Ministério da Saúde. Também
as aposentadorias e pensões dos servidores públicos da União, que
deveriam ser pagas pelo orçamento fiscal, acabam onerando indevidamente
o sistema. No orçamento da Seguridade Social sobram recursos, que são
transferidos para o Orçamento Fiscal. Somente em 2005, por meio da
Desvinculação das Receitas da União (DRU), foram retirados R$ 32 bilhões
das receitas da Seguridade Social.
Nos últimos 16 anos, os serviços e os gastos públicos foram tipificados
como um entrave ao desenvolvimento da Nação, e os servidores públicos
figuraram como vilões, responsáveis pelos gastos públicos e pela
precariedade da situação econômica e social do país. Novamente, encontrase na agenda nacional a proposta de mais uma reforma da Previdência. Com
isso, retoma-se o caquético discurso de que os servidores são privilegiados.
A Constituição prevê dois tipos de Previdência: a do Regime Geral de
Previdência Social – dos trabalhadores do setor privado, vinculada à
Seguridade Social – e os Regimes Próprios de Previdência Social, dos
servidores públicos da União, Distrito Federal, estados e municípios.
A Previdência do setor público apresenta-se, na Carta Magna, no capítulo
que discorre sobre a organização do Estado e não no da Seguridade Social,
como ocorre com os demais trabalhadores. Isso porque a carreira pública
tem especificidades que a distinguem do setor privado. Ao servidor público
cabe agir em nome do Estado, representando-o na aplicação das políticas
sociais públicas e no atendimento à população. Seu regime de contratação
não é trabalhista e sim administrativo e, como tal, tem regras fixadas em lei
de forma unilateral.
Entre as especificidades dos servidores públicos destacam-se: não
encontram amparo na legislação trabalhista, não têm direito ao FGTS, estão
sujeitos às exigências de dedicação exclusiva ao serviço público e a códigos
de conduta que transcendem a própria atividade, e a aposentadoria é
acessível mediante regras definidas também de forma unilateral e tem
características diferenciadas das do Regime Previdenciário Geral. Além
disso, pode ser cassada pela prática de atos passíveis de demissão. Nesse
sentido, o regime próprio dos servidores deve ser compreendido na lógica da
manutenção da estrutura do Estado nacional.
Até 1988, a Previdência do servidor público civil e militar não tinha caráter
contributivo, cabendo ao Tesouro Nacional cobrir os custos da inatividade.
Os servidores, no entanto, contribuíam (com 5% e depois com 6%) para o
pagamento de pensões e de atendimento médico. A CF alterou, em 1988, a
situação previdenciária para os servidores civis, prevendo a cobrança de
contribuição para cobertura de aposentadorias e pensões. Após
regulamentação, passou a União a cobrar uma contribuição previdenciária de
11% sobre o valor total dos rendimentos dos servidores civis. E, com a
reforma de 2003, os aposentados também passaram a contribuir. A
aposentadoria integral do servidor público é decorrência do próprio regime de
emprego e de contribuição previdenciária: ele contribui mensalmente sobre a
totalidade de seu salário e, por esse motivo, recebe também integralmente.
A proposta de instituir o regime de previdência complementar do servidor
federal não trará ganho fiscal para a União. Aliás, o impacto orçamentário
será negativo, pois, além de perda de receita, a União terá aumento de
despesa.
Além disso, tal medida vai criar três categorias de servidores: os já
aposentados com benefício integral de aposentadoria; os atuais servidores
em atividade, que serão incentivados a fazer opção pelo regime de
previdência complementar; e os futuros servidores, que terão a sua
aposentadoria limitada ao teto do regime geral da Previdência Social.
Com a privatização, por meio da aposentadoria complementar, coloca-se
na mão dos fundos privados o filão mais atraente da massa salarial: o
estável recolhimento dos salários. Na prática, a regulamentação da
previdência complementar para o servidor público deverá onerar
substancialmente os cofres públicos. Por um lado, é a contribuição
previdenciária paga pelo servidor e que hoje fica nos cofres públicos que
passaria a ser transferida para o setor privado (fundos de pensão). Por outro
lado, os cofres públicos terão também de repassar a contribuição patronal
aos fundos de pensão.
A mudança de sistema também não reduz os atuais encargos do Estado
com o pagamento de seus servidores inativos e dos pensionistas. Os
compromissos decorrentes de relações estabelecidas, quer de
aposentadorias e de pensões já concedidas, quer minimamente em relação à
proporção de tempo já trabalhado pelos servidores, terão necessariamente
de ser honrados pela União, não representando qualquer redução no custeio
durante um longo período.
O regime público de aposentadoria no Brasil já foi modificado, com
redução de benefícios e com corte de direitos. Ao unificar os regimes, todos
serão igualados pelo nível mais baixo e com um teto de aposentadoria que é
mínimo. Os fundos de pensão, ao contrário do argumento oficial, vão
introduzir profundas desigualdades via poupança financeira a ser repartida
segundo as categorias sociais e as rendas das pessoas. Somente os salários
mais altos vão se utilizar plenamente das possibilidades de capitalização.
Ademais, o fracasso das experiências do Chile e da Argentina, que estão
reformando o sistema para o retorno à previdência pública, não recomenda a
adoção desse modelo no Brasil.
Deve ser interesse da sociedade preservar condições adequadas de
funcionamento da máquina pública. O desmonte, nas últimas décadas,
atingiu em cheio o servidor e a estrutura do Estado brasileiro, na sua imagem
e na qualidade de seu serviço, ao reduzir os quadros, promover demissões,
terceirizar a função pública, sempre com aumento dos custos, e ao sucatear
a máquina. A reconstrução passa pela revalorização do servidor e pela
recomposição do Estado.
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