Correio do estado
quinta-feira, 31 de maio de 2012
política 5
jeitinho brasileiro
Projeto abre brecha para os
fichas-sujas disputarem eleição
Sem alarde, a Câmara dos Deputados começa a discutir proposta para enfraquecer a Lei da
Ficha Limpa, derrubando a inelegibilidade dos condenados pelo Tribunal de Contas da União
Brasília
Sem estrondos, a Câmara dos Deputados pôs para
andar um projeto que abre
uma brecha na Lei da Ficha
Limpa. Autoriza gestores públicos condenados pelo Tribunal de Contas da União a
disputar eleições. A proposta tramita na Comissão de
Constituição e Justiça.
O autor é o deputado Silvio
Costa (PTB-PE). Escalado para a função de relator, o colega Ronaldo Fonseca (PR-DF)
declara-se a favor do projeto.
Ontem, realizou-se uma audiência pública. Entidades
como CNBB, OAB e MCCE
(Movimento contra a Corrupção Eleitoral) criticaram a
iniciativa.
Num de seus artigos, a Lei
da Ficha Limpa incluiu as
decisões do TCU no rol das
inelegibilidades. Um administrador com as contas
rejeitadas por vícios insanáveis fica automaticamente
proibido de candidatar-se a
cargos eletivos por oito anos.
Se o novo projeto for aprovado, esse pedaço da lei vira
letra morta.
Pela proposta, o ‘conta-suja’ só será excluído das urnas
se a condenação do TCU for
confirmada por uma sentença judicial de última instância. Embora receba o apelido
de tribunal, o TCU não compõe o organograma do Judiciário. É um órgão auxiliar do
Poder Legislativo.
Tenta-se abrir um buraco
CPI
na lei que exige dos candidatos prontuários higienizados antes que o eleitor tenha
sentido o gostinho de vê-la
aplicada. O STF decidiu que a
Lei da Ficha Limpa não valeu
para 2010. Depois, validou-a
para as eleições futuras, a começar da disputa municipal
de 2012. Descobre-se agora
que a lei corre o risco de chegar a 2014 manca.
Convidado para a audiência pública desta terça, o
presidente do TCU, ministro
Benjamin Zymler, criticou a
proposta. Disse que condicionar a decisão do tribunal
de contas à confirmacão do
Judiciário “é simplesmente
fazer com que se espere anos
e anos a fio até o trânsito em
julgado ou até que um colegiado aprecie essa questão.”
Traduzindo Zymler: considerando-se o ritmo da Justiça
brasileira, um sujeito com as
contas rejeitadas pelo TCU
por improbidade administrativa pode disputar um, dois,
quem sabe três mandatos até
que seja alvejado por uma
sentença definitiva, insuscetível de recurso.
O advogado Pedro Henrique Braga, que representou
a OAB no debate da Câmara,
classificou o projeto do deputado Silvio Costa de “retrocesso”. Falaram contra
também o representante do
MCCE, Júlio de Oliveira, e o
procurador da República José Gomes.
Pela CNBB, discursou o
advogado Marcelo Lavané-
agência senado/ arquivo
beto oliveira/ agência câmara
Não podemos
fazer um debate
maniqueísta, onde
há contrários e
favoráveis à Lei
da Ficha Limpa.
Precisamos
garantir o seu
cumprimento”
Ronaldo Fonseca,
relator do projeto
re. Ex-presidente da OAB, o
doutor bateu abaixo da linha
da cintura. Para ele, o projeto “vai na contramão da decência.” Em resposta, o autor
Silvio Costa, de costas para a
manifestação do STF, declarou que a Lei da Ficha Limpa
é inconstitucional.
Por quê? Na opinião do
deputado, a lei fere a Constituição porque desconsidera
o princípio da presunção de
inocência. E quanto à decisão
do Supremo, que considerou
a Ficha Limpa constitucional?
O veredicto não foi unânime,
desmerece Silvio Costa. Como se, num Fla-Flu em que o
Flamengo prevalecesse por 2
a 1, o juiz pudesse entregar o
troféu ao Fluminense.
A despeito de todas as crí-
lula e mendes
Não há risco de crise entre
os Poderes, afirma Ayres
AGÊNCIA brasil
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos
Ayres Britto, disse ontem que
não vê risco de crise entre os
Poderes após declarações do
ministro Gilmar Mendes sobre o encontro ocorrido com o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mendes disse que
foi pressionado por Lula para
adiar o julgamento do mensalão, que deve acontecer nos
próximos meses.
Perguntado se o episódio
criou mal-estar institucional,
o presidente foi categórico:
“De jeito nenhum, não vejo
por esse prisma por nenhum
modo”. O ministro acrescen-
tou que o Judiciário está
imune a dissensos e que os
ministros são “experimentados” para enfrentar qualquer tipo de situação.
“Isso não nos tira do eixo, não perdemos o foco,
que é nosso dever de julgar
todo e qualquer processo,
inclusive esse, o chamado
mensalão, com objetividade, imparcialidade, serenidade, enfim, atentos todos
nós à prova dos autos”,
destacou Britto.
O presidente disse não ter
opinião sobre a tese de que
há um grupo formado para
difamar o ministro Gilmar
Mendes ou para prejudicar
o julgamento do mensalão.
ticas, o relator Ronaldo Fonseca também não se deu por
achado. Ele diz não estar convencido de que a proposta
rema na contramaré da moralidade. “A única diferença
do projeto para a Lei da Ficha
Limpa é que ele torna obrigatória a análise pelo Poder
Judiciário”.
O diabo é que essa “única
diferença” pode livrar um
gestor desonesto da grelha
da inelegibilidade por cinco
anos, dez anos. Talvez mais.
O deputado já apresentou
seu parecer. Recomendou a
aprovação da novidade na
Comissão de Justiça. Pressionado, Ronaldo não exclui
a hipótese de reconciliar-se
com o bom senso.
“Eu jamais cometeria a loucura de ir contra a Lei da Ficha
Limpa. Se ficar convencido de
que isso pode ocorrer, mudo
meu parecer”. Cabe perguntar: o que diabos será necessário para convencer o deputado de que o óbvio é o óbvio?
Preside a Comissão de Justiça da Câmara o grão-petê
Ricardo Berzoini (SP). Sabe
o que ele acha? Sim, Berzoini
também defende o ajuste na
lei. Chama o retrocesso de
“aperfeiçoamento”.
Todo esse movimento
ocorre uma semana depois
de a Câmara ter aprovado,
contra uma resolução do
TSE, o projeto que libera
as candidaturas de políticos com contas de campanha rejeitadas pela Justiça
Eleitoral. A toque de caixa,
a proposta já seguiu para o
Senado. Evidência de que,
no Legislativo, só a lógica
caminha em ritmo de tartaruga paraplégica.
Governadores de GO e DF são convocados
agência estado
Defesa. Para Costa, a situação de cada governador é diferente
Brecha. Silvio é o autor do projeto que permite, a gestores com contas rejeitadas, disputar as eleições
Após dois adiamentos, o que
levantou suspeitas de acórdão entre PSDB, PT e PMDB,
a CPI do Cachoeira decidiu,
na tarde desta quarta-feira,
aprovar a convocação dos governadores de Goiás, o tucano Marconi Perillo, e do Distrito Federal, o petista Agnelo
Queiroz. Os integrantes da
comissão, contudo, rejeita-
ram pedido para trazer o governador do Rio de Janeiro, o
peemedebista Sérgio Cabral.
A convocação de Perillo foi
aprovada por unanimidade,
com o apoio em peso da oposição, um dia depois de o governador ter feito uma visita
de surpresa à CPI colocandose à disposição para depor. Já
o pedido para a vinda de Agnelo, que teve que demitir seu
ex-chefe de gabinete Cláudio
Monteiro por suspeita de envolvimento com o esquema
do contraventor Carlinhos Cachoeira, recebeu 16 votos favoráveis e 12 contrários. Cabral,
por sua vez, teve 17 votos contra sua chamada e 11 a favor.
posicionamento
O senador Humberto Costa
(PT-PE) disse que a situação
dos três governadores não é a
mesma. “Nós vamos chamar
o governador do Rio de Janeiro porque ele botou um
guardanapo na cabeça e
ficou dançando, é isso?”,
questionou ele, referindose ao episódio em que Cabral aparece em fotos com o
ex-dono da Delta Construções Fernando Cavendish
em um jantar na Europa. A
Delta é suspeita de ter sociedade oculta com Carlinhos Cachoeira.
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