Prova Bimestral Redação – 2º ano – 4º bimestre Leia o texto abaixo, escrito pelo psicanalista Contardo Calligaris e publicado originalmente na Folha de S. Paulo, para responder às questões 1 a 6: O que é politicamente correto? Não vou retomar a discussão (um pouco batida) sobre o "politicamente correto", ou melhor, vou retomá-la para sugerir que a gente ouça essa expressão de um jeito diferente. Mas vamos com calma. Sou contra a existência de uma polícia da linguagem, que circularia pelas nossas frases como a brigada dos bons costumes circulava pelas ruas de Cabul, açoitando as mulheres sem véu e os homens sem barba. É claro que não considero que tudo possa ser dito. Há palavras que acarretam consequências nefastas, mas cuidado: seu sentido e seu alcance dependem da situação, ou seja, dependem da intenção de quem fala, do lugar que a pessoa ocupa no momento em que abre a boca e, sobretudo, do lugar onde, falando, relega os que o escutam. [...] Periodicamente, em vários países, são propostos e aprovados projetos de lei para garantir que nossa fala seja "politicamente correta". Dizem que se trata de proibir expressões que denigrem uma categoria de cidadãos (a propósito, "denegrir" é um verbo que deveria ser banido: por que, se não por um ranço racista, usaríamos "denegrir" (tornar negro) no sentido de "infamar"? – estou sendo irônico). Ora, é possível suspeitar que esses projetos sejam inventados para despistar a atenção, para que esqueçamos o que é mesmo politicamente incorreto: os abusos verbais impostos por uma classe política que nos desconsidera sem pudor. Talvez a coisa tenha piorado nos últimos tempos. Talvez eu seja especialmente intolerante por praticar uma disciplina na qual se constata que cada palavra instaura ou mesmo impõe uma relação. Tomemos o exemplo, banal, da mentira. Os pais, às vezes, estranham o humor ressentido de suas crianças depois da morte de um próximo (uma avó, um tio). Acontece que os ditos pais, por pensarem que as crianças não entenderiam ou não deveriam sofrer com a dureza de uma separação irreversível, decidiram mentir: o tio foi viajar e não disse quando voltará, a vovó, um dia desses, vai escrever uma carta para a gente. Mesma coisa quando uma família sofre um baque financeiro brutal. Os pais não encontram a coragem de contar seu infortúnio, temem perder assim o respeito ou o amor das crianças ou então acham que as crianças devem ser poupadas (terão tempo mais tarde para os sufocos da vida); em suma, os pais decidem mentir. E logo estranham que as crianças se tornem sombrias e quase vingativas. Nesses casos, verifica-se que as crianças (sempre muito mais atentas e menos ignaras do que os adultos imaginam) sabem o que aconteceu realmente e entendem a mentira dos pais pelo que ela é: uma palavra que desconhece e menospreza a subjetividade delas. Pior, uma palavra que, desconsiderando as crianças, acaba acuando-as, forçando-as a ficar para sempre sob tutela, privadas da verdade. Uma parte relevante do discurso dos políticos (que não tem nada a ver com o discurso político) produz o mesmo efeito. Sob o pretexto de nos tratar "com carinho", os políticos se esquecem de nos tratar como adultos [...] (CALLIGARIS, Contardo. “O que é politicamente correto?”. In: Folha de S. Paulo. 30 jun. 2005). Questão 1 Baseando-se no texto lido, caracterize o artigo de opinião. Questão 2 No primeiro período do texto, o articulista afirma que retomará a discussão sobre o “politicamente correto” para que a olhemos “de um jeito diferente”. Por que ele informa que vai retomar se é a primeira vez que expõe essa visão no texto? Questão 3 Em relação às frases “Sou contra a existência de uma polícia da linguagem” e “É claro que não considero que tudo possa ser dito” existe uma contradição? Explique sua resposta. Questão 4 O autor desenvolve sua reflexão a partir da identificação de um discurso circulante na sociedade acerca do chamado “politicamente correto”. A invocação desse entendimento corrente pode ser melhor identificada na expressão: a) “consequências nefastas”; b) “polícia da linguagem”; c) “intenção de quem fala”; d) “piada de última”; e) “brigada dos bons costumes”. Questão 5 Ao longo do texto, tomamos contato com o olhar alternativo sobre o “politicamente correto” que o autor afirma pretender construir. Que olhar “diferente” sobre o assunto, o autor constrói? a Questão 6 Considerando o texto como um todo, Contardo Calligaris, cite, sucintamente qual é a sua tese e quais argumentos utiliza para denfendê-la. O texto abaixo, assinado por Vladimir Safatle, foi publicado na Folha de S. Paulo em 20 de novembro de 2012 – portanto, sete anos após a veiculação do artigo de Contardo Calligaris. Leia-o com atenção para responder às questões 7 a 10: Correto demais Em Paris, neste final de semana, houve uma passeata contra o projeto do governo de permitir o casamento entre homossexuais. Depois de agressões a grupos feministas e a jornalistas, alguns manifestantes se voltaram contra a "ditadura do politicamente correto". Há alguns meses, na época da Olimpíada, uma atleta grega foi suspensa da equipe de seu país por comentários racistas em sua conta do Facebook. À notícia na imprensa europeia, seguiamse necessariamente centenas de posts denunciando a "ditadura do politicamente correto" que impedia a atleta de enunciar suas opiniões sobre a quantidade de imigrantes em seu país. No Brasil, discussões sobre o conteúdo racista de um livro de Monteiro Lobato degeneraram, por sua vez, em denúncias violentas contra a mesma "ditadura do politicamente correto" que, ao que parece, deve ser o resultado de um grande complô mundial contra livres pensadores travestidos de atletas gregas, manifestantes que gostam de agredir feministas e defensores da clarividência política de Lobato. Na verdade, por trás da defesa de tal modalidade de "livre expressão" há o desejo mal escondido de continuar repetindo os mesmos velhos preconceitos e a mesma violência contra os grupos vulneráveis de sempre. Por trás da atitude do adolescente que parece se deleitar com a descoberta de que é capaz de enunciar, à mesa do jantar, comentários "chocantes" que fazem seus pais liberais revirarem-se, há a tentativa de travestir desprezo social com a maquiagem da revolta do homem comum contra a ditadura dos intelectuais. Não por acaso, essa era uma estratégia clássica para dar direito de cidade a comentários antissemitas. No entanto, é bom lembrar que uma democracia sabe separar a opinião do preconceito. Uma opinião é aquilo que é, por definição, indiferente. Ela abre um espaço de indiferença a respeito de enunciados e discursos. Mas há enunciações que não podem ser recebidas em indiferença, já que trazem, atrás de si, as marcas da violência que produziram ao serem enunciados. Uma sociedade tem a obrigação moral de defender-se deles. Colocar uma advertência em um livro por ter conteúdo que pode ser sentido por minorias raciais como violência, impedir que pessoas escarneçam de grupos socialmente vulneráveis é condição para um vínculo social mínimo. Claro, tais pessoas que julgam normal fazer piadas com negros nunca mudarão de ideia. Mas elas devem saber que há certas coisas que não se diz impunemente. A falsa revolta é apenas mais uma arma daqueles que querem continuar com as exclusões de sempre. (SAFATLE, Vladimir. “Correto demais?”. In: Folha de S. Paulo. 20 nov. 2012). Questão 7 Considerando todo o texto, faça um comentário sobre o título do artigo de Vladimir Safatle. Questão 8 Cite um trecho em que o autor expressa uma ironia. . Questão 9 A ideia presente na frase “alguns manifestantes se voltaram contra a ‘ditadura do politicamente correto’” (1º parágrafo) é retomada, de maneira implícita, e adquire maior complexidade em qual excerto? Questão 10 Comparando-se os textos de Contardo Calligaris e Vladimir Safatle quais são suas teses?