DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL José da Silva Pacheco SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do Ministério Público em face do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945. 3. Do Ministério Público em face da Lei nº 11.101, de 2005. 4. Das recomendações relativas à atuação do Ministério Público na recuperação judicial e na falência. 5. Considerações finais. 1. Introdução Sendo o Ministério Público instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe-lhe a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, como proclama o artigo 127 da Constituição Federal. Por esse motivo, incumbe-lhe intervir nos processos, em que haja interesse público, evidenciado pela natureza da lei, como determina o artigo 82 do Código de Processo Civil. Tendo em vista o disposto no artigo 188 da Lei nº 121.101, de 2005, segundo o qual aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil, e sendo evidente o interesse público e social na recuperação judicial e na falência, impõe-se reconhecer a relevância da atuação do Ministério Público nesses processos concursais. De um modo geral, no exercício da atividade processual, é comum a atuação do Ministério Público, quer como parte na relação jurídico-processual (órgão agente), quer como fiscal da lei (órgão interveniente). Nas ações penais públicas, deve o Ministério Público promover e fiscalizar a execução da lei, nos termos do artigo 257 do Código de Processo Penal, a fim de alcançar, do órgão jurisdicional competente, a sentença legal e justa. Em qualquer processo, todavia, sua função primordial consiste em fiscalizar o cumprimento da Constituição e das leis pertinentes. No processo concursal, seja ele recuperação judicial ou falência, é inconteste a necessidade de atuação do Ministério Público, quando previsto em lei, quer como órgão agente, quer como custos legis, tendo legitimidade para recorrer, em ambas as hipóteses, tanto naquelas em que atua como parte como naquelas em que oficia como fiscal da lei (artigo 499, § 2º, do CPC). 2. Do Ministério Público em face do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945 Sob o regime do Decreto-Lei nº 7.661/45, cabia ao órgão do Ministério Público as seguintes atribuições expressas: a) manifestar-se no pedido de 1 destituição do síndico (artigo 66, § 1º); b) pronunciar-se na prestação da contas do síndico (artigo 66, § 1º); c) assistir à arrecadação (artigo 70, § 1º); d) opinar sobre o pedido de venda antecipada de bens de fácil deterioração (artigo 73, § 1º); e) opinar sobre o pedido de continuação do negócio (artigo 74); f) opinar sobre a cassação da autorização para continuar o negócio (artigo 74, § 6º); g) opinar sobre o encerramento antecipado de falência por falta ou insuficiência de bens (artigo 75); h) opinar nas verificações de crédito (artigos 91 e 98, § 2º); i) oferecer denúncia no inquérito judicial (artigo 108); j) assistir à venda de bens da massa (artigo 117); k) opinar sobre a venda de bens do concordatário (artigo 149); l) opinar sobre o pedido e julgamento da concordata (artigo 155, § 2º); m) opinar sobre a venda de bens por proposta (artigo 118, § 2º); n) opinar sobre a suspensão da venda de bens do falido até o julgamento do recurso contra a denegação da concordata suspensiva (artigo 182, parágrafo único); o) intentar a ação penal cabível (artigo 194); p) opinar na falência de bens insuficientes (artigo 200, §§ 4º e 5º). Além dessas atribuições expressas pela lei anterior, o representante do Ministério Público, devia: a) manifestar-se em todas as ações propostas pela massa falida ou contra ela; b) requerer o que fosse necessário aos interesses da justiça; c) examinar todos os livros, papéis e atos relativos à falência; d) não receber comissão ou percentagem por conta da massa (artigo 210 e respectivo parágrafo único). 3. Do Ministério Público em face da Lei nº 11.101, de 2005 A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, cuidou da atuação do Ministério Público nos seguintes dispositivos: a) no artigo 8º, em que lhe faculta impugnar a relação dos credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado; b) no artigo 19, autorizando o representante do Ministério Público a pedir a exclusão, outra classificação ou retificação de qualquer crédito na hipótese de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou inclusão no quadro-geral de credores; c) no artigo 30, § 2º está previsto que o Ministério Público poderá requerer a substituição do administrador judicial ou dos membros do comitê nomeados em desacordo com a lei; d) no artigo 52, inciso V, o juiz ordenará a intimação do Ministério Público do deferimento do processamento da recuperação judicial; e) no artigo 99, inciso XIII, em que o juiz, ao decretar a falência, determinará a intimação do Ministério Público; f) no artigo 132, contemplando a ação revocatória pelo Ministério Público no prazo de três anos, contado da decretação da falência; g) no § 7º do artigo 142, determinando a intimação do Ministério Público em qualquer modalidade de alienação na falência; h) no artigo 143, admitindo a impugnação do Ministério Público a qualquer modalidade de alienação do ativo; i) no artigo 154, § 3º, determinando a intimação do Ministério Público para manifestar-se sobre as contas do administrador judicial; j) no artigo 177, estabelecendo como crime de violação de impedimento a aquisição pelo representante do Ministério Público de bens da massa, por si ou por interpostas 2 pessoas; k) no artigo 184, parágrafo único, facultando a qualquer credor habilitado ou ao administrador judicial a ação penal privada subsidiária da pública, se, decorrido o prazo previsto pelo artigo 187, § 1º, não tenha o representante do Ministério Público oferecido denúncia; l) no artigo 187, determinando que intimado o Ministério Público da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, deve o Ministério Público, diante da ocorrência de qualquer crime previsto na Lei, promover a ação penal, ou, se entender necessário, requisitar a abertura de inquérito policial; m) no artigo 187, § 2º, determina que, em qualquer fase processual, deve o juiz da falência ou da recuperação judicial intimar o Ministério Público de qualquer indício de prática de crime previsto na Lei nº 11.101, de 2005. Do projeto aprovado no Congresso constava o artigo 4° e respectivo parágrafo único, in verbis: "Art. 4º - O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência. Parágrafo único Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela Massa falida ou contra esta." Reproduzia-se, desse modo, o que se continha no artigo 210 do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945. Por sugestão do Ministério da Justiça e da Fazenda, foi o referido artigo 4º vetado, a fim de não sobrecarregar o Ministério Público. Das razões do veto, consta que sendo o Ministério Público intimado dos principais atos do processo, neles poderá intervir. Por esse motivo, é estreme de dúvidas que o representante da instituição poderá requerer, quando da sua intimação inicial, em qualquer fase do processo. Ademais, não afasta a lei as disposições dos artigos 82 e 83 do CPC, os quais prevêm a possibilidade de o Ministério Público intervir quando entenda haver interesse público e, no processo de falência e recuperação judicial, requerer o que entender necessário em prol do interesse público. Atualmente, pois, sob o regime da Lei nº 11.101, de 2005, é indispensável a intimação do Ministério Público do despacho ou decisão que deferir o processamento da recuperação judicial (artigo 52, inciso V), assim como da sentença que decretar a falência (artigo 99, XIII). Intimado, cabe-lhe atuar, por dever de oficio, no sentido de: a) promover, como titular da persecução penal, a apuração e responsabilização dos infratores da lei, cujos crimes são de ação penal pública incondicionada (artigo 187); b) intervir, como fiscal da lei, sempre que necessário para não haver inobservância formal ou material das normas vigentes. Sendo a falência e a recuperação judicial um processo concursal, de âmbito coletivo, envolve, por sua natureza, interesse público pela ordem jurídica econômico-social, reclamando, desse modo, atenta intervenção do Ministério Público. A Lei nº 11.101, de 2005, no entanto, salienta a necessidade ou conveniência de sua atuação, por exemplo: a) na propositura de ação 3 revocatória de atos fraudulentos praticados com a intenção de fraudar credores (artigos 130 e 132); b) no requerimento de substituição do administrador judicial que deixar de prestar contas (artigo 30, § 2º); c) no recurso da decisão que conceder a recuperação judicial (artigo 59, § 2º); d) na exigência de informações do falido sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência (artigo 104, inciso VI); e) no exame das alienações (artigos 142 e 143); f) na apuração das contas relativas à realização do ativo (artigo 154, § 3º); g) na impugnação de créditos (artigo 8°) ou na exclusão d e créditos falsos ou fraudulentos (artigo 19). Em qualquer modalidade de alienação de bens, na fase da realização do ativo, na falência, deve ser intimado o Ministério Público, sob pena de nulidade (artigo 142, § 7º). A atuação do Ministério Público, como já salientamos anteriormente, pode ser como órgão agente, tal como se dá, por exemplo, na hipótese prevista no artigo 132, relativa à ação revocatória, ou como interveniente (custos legis), a exemplo do que ocorre na exigência de informações do falido (artigo 104, inciso IV). 4. Das recomendações relativas à atuação do Ministério Público na recuperação judicial e falência O Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ato de 7 de Junho de 2005, baixou incisivas recomendações aos membros do Ministério Público com atribuição para a matéria de insolvência empresarial, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Para justificá-las, considerou, principalmente, o seguinte: I - "que a intervenção do Ministério Público em todas as ações de interesse da Massa falida sempre foi defendida e consagrada pela melhor doutrina, como meio eficaz de tutela dos interesses sociais inerentes ao direito falimentar"; II - "que as razões de ordem pública, dispostas no artigo 127 da Constituição Federal, justificam a intimação do Ministério Público para todas as fases do processo de recuperação judicial ou falência, não havendo razão para se dispensar tratamento diverso às demais ações em que a massa falida seja interessada"; III - "que a atuação do Ministério Público pressupõe a presença de interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (artigo 82, inciso III, do Código de Processo Civil, com incidência prevista pelo artigo 189 da nova Lei de falências). Em face dessas considerações, recomendou que os membros do Ministério Público com atribuição para a matéria de insolvência empresarial continuem a oficiar: a) em todas as fases do processo de falência, nos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial; b) nas ações em que sejam partes ou interessados empresários ou sociedades empresárias em recuperação ou falidas; II participem dos leilões e pregões; III - requeiram vista dos autos, e se manifestem, fundamentadamente, em defesa do crédito e da justa recuperação de empresas em dificuldade; IV - proponham, sempre que houver 4 desvirtuamento da função social da empresa, medidas adequadas a evitar prejuízos à circulação de riquezas, ao crédito popular, ao pleno emprego e à comunidade. Oxalá, todos os procuradores, nos demais Estados da Federação, lembrem-se de fazer recomendações semelhantes, a fim de não só evitar fraudes, mas também colaborar com a celeridade e bom êxito das medidas recuperatórias tendentes ao efetivo soerguimento das empresas, ou da realização do ativo e pagamento do passivo no processo falencial. 5. Considerações finais Em face do exposto, verifica-se que, não obstante o veto presidencial ao artigo 4º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sendo o Ministério Público intimado da sentença que decretar a falência ou do despacho ou decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, poderá atuar, nesses processos, sempre que necessário e cabível, ou nos processos em que a massa falida seja parte ativa ou passiva, quer como titular da persecução penal (artigo 187), quer como agente (p. ex.: artigo 132), quer como fiscal da lei (p. ex.: artigo 104, inciso IV), com o objetivo de: a) ensejar a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, desse modo, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica; ou b) preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa. INFORMATIVO ADV 29/05 5